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Processo n.º 251/09
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
         1. Nos presentes autos, a Relatora proferiu a seguinte decisão 
 sumária:
 
  
 
 “I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério 
 Público, B. e C., foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, 
 alínea b), da CRP, e do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão da 3ª 
 Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26 de Novembro de 2008 
 
 (fls. 216 a 230), posteriormente complementado por acórdão do mesmo Tribunal, em 
 conferência, proferido em 04 de Fevereiro de 2009 (fls. 249), que indeferiu 
 requerimento de arguição de nulidades apresentado pelo recorrente.
 
  
 O recorrente pretende que seja conhecida a alegada “inconstitucionalidade 
 interpretativa das normas complementar, conjugada e concomitantemente contidas 
 nos artigos 358.º, nº 1, do Código Penal, artigos 4.º, n.º 3, e 5.º, n.º 3, 
 alínea c), da Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, artigos 243.º, n.º 1, alínea 
 c), 291.º, n.º 1, e 412.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal, 
 artigos 22.º e 25.º, n.º 1, do Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento de 
 Duração Limitada, e ainda dos artigos 169.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), 170.º, 
 n.º 1, alíneas c) e d), e 171.º, n.º 1, do Código da Estrada, com a 
 interpretação emanente das decisões proferidas em ambas as instâncias – que não 
 expressas com a indispensável clareza – de que o simples facto de se estacionar 
 em cima de um empedrado branco, mesmo se atravessado por riscos amarelos 
 diagonais, sinal inexistente no Regulamento do Código da Estrada, mesmo que 
 faltando no local qualquer sinalização horizontal ou vertical, tem que ser 
 havido como «passeio», enquanto local destinado ao trânsito de peões, sendo 
 dispiciendo se a empresa concessionária do parque estava nessa data devidamente 
 credenciada pela Direcção-Geral de Viação para a fiscalização respectiva, 
 resultando falta de indícios suficientes para a pronúncia dos arguidos por 
 conduta ilegalmente prevaricadora e denegante de justiça, uma vez que estes se 
 limitaram a cumprir as suas obrigações funcionais” (fls. 254 e 255).
 
  
 
                         Cumpre, então, apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. 
 fls. 259) com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula 
 o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, 
 pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos 
 de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
 
  
 Se o Relator verificar que algum ou alguns desses pressupostos não foram 
 preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta 
 do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
 
  
 
 3. Antes de mais, mal se compreende a interposição do presente recurso, na 
 medida em que – em boa verdade – o recorrente não pretende verdadeiramente 
 colocar em causa a constitucionalidade qualquer interpretação normativa, mas 
 antes reabrir uma discussão jurídica a propósito da conduta do reboque da 
 viatura por si utilizada, para a qual o Tribunal Constitucional não dispõe dos 
 poderes necessários. Conforme já notado pela decisão recorrida, referindo-se a 
 uma alegada violação de preceitos constitucionais, “a invocação destas normas 
 mal se compreende e apenas terá a ver com a ideia de prevenir e garantir futuras 
 diligências processuais” (fls. 229).
 
  
 Porém, desde logo o conhecimento do presente recurso se encontra inviabilizado 
 pela circunstância de a interpretação normativa que o recorrente reputa de 
 inconstitucional não ter constituído a verdadeira “ratio decidendi” aplicada 
 pelo tribunal recorrido. Como é bom de ver, tratando os autos recorridos de um 
 processo-crime por alegada prevaricação e denegação de justiça, as normas que 
 corporizaram o efectivo fundamento da decisão recorrida são aquelas que punem os 
 respectivos ilícitos típicos penais por parte dos alegados agentes do crime e 
 não as normas – objecto do presente recurso – que dizem respeito à actuação do 
 recorrente, queixoso nos autos recorridos.
 
  
 Tanto assim é que a decisão recorrida decidiu expressamente que a conduta dos 
 ora recorridos não tinha consubstanciado a prática dos crimes em causa, seja 
 porque “limitaram-se a cumprir as suas obrigações funcionais e em momento algum 
 ofenderam os comandos legais aplicáveis”, seja porque “agiram sem qualquer 
 intenção criminosa, pelo que, ainda por esta via – cfr. artº 13º do CP – nunca 
 eles poderiam ser criminalmente responsabilizados” (fls. 229). Daqui decorre que 
 a verdadeira “ratio decidendi” reside nas normas que punem os crimes de 
 prevaricação e de denegação de justiça e não na interpretação normativa reputada 
 de inconstitucional pelo recorrente que apenas “ad latere” poderia ter sido 
 considerada na fundamentação da decisão recorrida.
 
  
 Acresce que, independentemente de qualquer juízo sobre a licitude da conduta dos 
 recorridos, a decisão recorrida afirma expressamente que não é possível imputar 
 qualquer conduta a título de dolo, pelo que tal fundamento sempre imporia um 
 despacho de não pronúncia e a respectiva confirmação pelo Tribunal da Relação.
 
  
 Em suma, a interpretação normativa reputada de inconstitucional não foi 
 efectivamente aplicada como “ratio decidendi” da questão apreciada pela decisão 
 recorrida, pelo que, por força do artigo 79º-C da LTC, não deve este Tribunal 
 dela conhecer.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de 
 Fevereiro, e pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto 
 do presente recurso.
 
  
 Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos 
 termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
 
  
 
 2. Inconformado com a referida decisão, o recorrente veio reclamar, nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 “Vem o presente recurso rejeitado sem conhecimento do seu objecto com os 
 fundamentos de que, em suma, “ (...) as normas que corporizam o efectivo 
 fundamento da decisão recorrida são aquelas que punem os respectivos ilícitos 
 típicos penais por parte dos alegados agentes do crime e não as normas — objecto 
 do presente recurso — que dizem respeito à actuação do recorrente (...)“ e de 
 que “ (...) a decisão recorrida afirma que não é possível imputar qualquer 
 conduta a título de dolo, pelo que tal fundamento sempre imporia um despacho de 
 não pronúncia e a respectiva confirmação pelo Tribunal da Relação.”. 
 
  
 Ora, salvo o devido e merecido respeito, que muito é, uma tal decisão enferma de 
 uma fatal deficiência de percepção dos termos do recurso na medida em que este 
 evidencia factos que, a montante daqueles que directamente consubstanciam as 
 normas incriminantes, condicionaram o raciocínio que presidiu à decisão e a 
 fundamentou. 
 
  
 Pois que se, interpretadas as normas que complementarmente à que penaliza a 
 conduta dos arguidos segundo uma concertada e estruturante filosofia, sempre se 
 alcançaria solução bem diversa da que ora vem sustentando a decisão sumária 
 reclamada. 
 
  
 Desde logo, porque a simples omissão de pronuncia sobre a regra básica de falta 
 de credenciação pela autoridade competente da empresa municipal empregadora dos 
 arguidos, inquina e tolda todo o mais decidido, na certeza de que a falta de 
 efectiva aplicação dessa norma, a do art.° 5. ° do Decreto—Lei n.º 44/2005, de 
 
 23 de Fevereiro, nos segmentos invocados, coloca os arguidos e a empresa para 
 quem trabalham no âmbito de cometimento de ilegalidades graves, até mesmo a de 
 usurpação de funções por via dessa falta dessa falta de credenciação, entre as 
 mais ilicitudes subsequentes e indiciadas ab initio. 
 
  
 Donde que este comportamento, livre e consciente, sobre está a qualquer outra 
 formalidade, processual ou substantiva, que devesse ser apreciada, sendo 
 reforçada, numa segunda e imediata linha, pela matéria que se referiu quanto à 
 falta de sinalização adequada e utilização de sinais inexistente no ordenamento 
 jurídico estradal, questões estas que resolvem in limine quer a questão que se 
 pudesse perfilar quanto à ilicitude da contra—ordenação ilegalmente aplicada e a 
 consequente denegação de justiça, quer também quanto ao dolo de actuação por 
 parte de quem, como os arguidos, tem formação profissional especifica para a 
 fiscalização das regras de trânsito e conhecimentos gerais dessas regras por via 
 da licença de conduzir que possuem. 
 
  
 
 É assim que a interpretação dessas normas e sua aplicação, ou melhor a falta 
 delas, constituem os elementos geradores do ilícito criminal que, assim e por 
 causa disso, vem mal interpretado e aplicado, em franca violação dos imperativos 
 constitucionais tidos por feridos capitalmente. 
 
  
 
 É esta a matéria que explicitamente vem a sustentar a solução jurídica que o 
 recorrente apresentou num resumo de seis itens a final do requerimento recursivo 
 decidendo e que foram deficientemente interpretados na decisão sumária ora sob 
 reclamação, carecendo de uma mais perfeita leitura e percepção nesta sede que 
 abranja toda a matéria de que realmente se recorre e da ampla violação das 
 regras do Estado de Direito que a sucessiva e reiterada inaplicação dessas 
 normas jurídicas constitui e que terá que conduzir, inevitavelmente, a um pedido 
 de responsabilidades pelos danos emergentes de uma actuação fiscalizadora sem 
 cobertura legal nem credenciação prévia. 
 
  
 Confia-se, no entanto, o recorrente a mais sábia e prudente ciência 
 jurídico-constitucional de V. Exas. que decidirão segundo o melhor Direito, na 
 senda da habitual e sempre almejada Justiça.” (fls. 281 a 283)
 
  
 
 3. Após notificação para efeitos de resposta, o Ministério Público pronunciou-se 
 do seguinte sentido:
 
  
 
 “1º
 A presente reclamação carece manifestamente de fundamento. 
 
  
 
 2º
 Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.” 
 
 (fls. 280)
 
  
 
  
 
 4. Notificados igualmente da reclamação, os demais recorridos deixaram esgotar o 
 prazo sem que viessem aos autos pronunciar-se.
 
  
 Cumpre agora apreciar e decidir.
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 5. Segundo o reclamante, a decisão reclamada deveria ter sido distinta “na 
 medida em que este [o recurso] evidencia factos que, a montante daqueles que 
 directamente consubstanciam as normas incriminantes, condicionaram o raciocínio 
 que presidiu à decisão e a fundamentou”. Ora, como é sabido, o Tribunal 
 Constitucional não dispõe de poderes para proceder a um controlo jurisdicional 
 dos factos que estiveram na base das decisões proferidas pelos tribunais 
 recorridos, antes se limitando a apreciar da constitucionalidade das normas ou 
 interpretações normativas aplicadas.
 
  
 Com efeito, mesmo em sede de reclamação, o recorrente persiste em pretender que 
 este Tribunal proceda a uma apreciação dos factos dados como provados, faculdade 
 que não lhe foi atribuída pelo legislador constituinte.
 
  
 Por outro lado, o reclamante não apresenta qualquer argumento adicional que 
 permita afastar o juízo formulado pela decisão reclamada, segundo o qual a 
 
 “ratio decidendi” da decisão recorrido recaiu sobre o artigo 13º do Código Penal 
 e nunca sobre a interpretação normativa conjugada que o ora reclamante elegeu 
 como objecto do presente recurso. Os argumentos esgrimidos pela reclamação não 
 resistem assim perante a constatação de que a interpretação normativa adoptada 
 pelo tribunal recorrido não corresponde à que foi escolhida, por vontade do 
 recorrente, como objecto do presente recurso.
 
  
 
             Assim, não há razão para proceder a uma reformulação da decisão 
 reclamada, antes se procedendo à sua integral confirmação.
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
 Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 27 de Maio de 2009
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão