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Processo nº 772/2007 
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  A., S.A. interpôs recurso de anulação do acto proferido pelo Secretário de 
 Estado dos Assuntos Fiscais (o SEAF) que indeferiu os pedidos de isenção de Sisa 
 por si apresentados e relativos à transmissão de prédios entre empresas 
 abrangidas pelo regime de tributação pelo lucro consolidado.
 A isenção do imposto municipal de Sisa havia sido requerida pela sociedade A. em 
 
 17.11.2000, 21.11.2000 e 21.12.2000, tendo as transmissões dos prédios em 
 questão ocorrido já depois de 31.12.2000 (mais concretamente, as transmissões 
 foram declaradas em 07.02.2003 e 26.02.2003).
 A então recorrente alegou, no que importa aos presentes autos, que a alteração 
 do n.º 31.º do artigo 11.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto 
 sobre as Sucessões e Doações (o CIMSISSD), alteração operada através do artigo 
 
 7.º, n.º 3, da Lei n.º 30.º-G/2000, de 29 de Dezembro, não seria aplicável às 
 transmissões em questão e, portanto, não determinava a extinção do seu direito à 
 isenção do imposto de Sisa.
 A isenção do imposto de Sisa de que, como se diz, a A. seria titular, 
 encontrava-se prevista no n.º 31 do artigo 11.º do CIMSISSD, norma esta revogada 
 pelo n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, sendo que, 
 nesta última, se determina (i) a revogação do n.º 31 do artigo 11.º do 
 CIMISISSD, (ii) a revogação do n.º 7 do artigo 16.º do CIMISISSD e (iii) que as 
 transmissões anteriores à entrada em vigor daquele diploma deixam de beneficiar 
 da isenção de Sisa logo que as sociedades transmitente e transmissária deixem de 
 estar abrangidas, nos três exercícios seguintes ao da transmissão, pelo regime 
 de tributação do lucro consolidado ou pelo regime especial de tributação dos 
 lucros de sociedades.
 Alegou a então recorrente que a aplicação da norma em causa às transmissões por 
 si realizadas consubstanciava a aplicação de uma lei fiscal retroactiva e, 
 portanto, esta interpretação do diploma de 2000 violaria o disposto no artigo 
 
 103.º, n.º 3, da Constituição da República.
 
  
 
 2. Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (o TCA Sul), de 28 de 
 Março de 2006, foi concedido provimento ao recurso tendo sido anulados os 
 despachos da autoria do SEAF. Neste acórdão, e quanto à questão de saber se nos 
 despachos recorridos havia sido aplicada norma (o artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 
 
 30-G, de 29 de Dezembro) que viola os princípios constitucionais da não 
 retroactividade da lei fiscal e da segurança jurídica, o TCA Sul veio dizer que, 
 
 à data dos requerimentos de isenção de Sisa, vigorava o n.º 31 do artigo 11.º do 
 CIMSISSD. À luz do entendimento daquele tribunal, os requisitos do requerimento 
 para isenção de Sisa eram, à data, que o requerente se encontrasse no regime de 
 tributação pelo lucro consolidado e que o requerimento desse entrada antes do 
 acto ou facto translativo do bem.
 Disse, pois, o TCA Sul que a nova versão do artigo 11.º, do n.º 31 do CIMSISSD, 
 dada pela Lei n.º 30-G, de 29 de Dezembro, não se aplicaria ao requerimento 
 objecto do despacho do SEAF em juízo nos autos, porquanto esta lei não estaria 
 em vigor no momento em que a Administração Fiscal deveria ter averiguado do 
 preenchimento dos requisitos do requerimento de isenção de Sisa, requisitos 
 estes que, segundo a interpretação do TCA SUL, não incluiriam a transmissão dos 
 prédios. Adiantou ainda este tribunal que a mencionada Lei n.º 30-G/2000, de 29 
 de Dezembro não continha             qualquer regulação quanto aos pressupostos 
 para o reconhecimento da isenção de Sisa ainda pendentes.
 
  
 
 3. Inconformado com esta decisão, veio o SEAF interpor recurso para o Supremo 
 Tribunal Administrativo, alegando, em síntese, que o acórdão do TCA Sul havia 
 violado o disposto no artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 30-G/2000.
 A questão colocada era, então, a de saber qual o momento relevante para 
 verificação dos pressupostos para a concessão da isenção do imposto municipal de 
 Sisa e quando deveria ter-se por aplicável a norma ínsita ao artigo 7.º, n.º 3, 
 da Lei n.º 30-G/2000.
 O Supremo Tribunal Administrativo entendeu, ao contrário do que havia sido 
 decidido pelo TCA Sul, que o pressuposto da constituição do benefício fiscal na 
 esfera jurídica do contribuinte era a transmissão dos prédios.
 Aponta neste sentido o seguinte trecho da decisão recorrida que ora se 
 transcreve (fls. 152):
 
  
 
 (…) da análise do referido art.º 11, n.º 31 ressalta com mediana evidência que o 
 legislador elegeu como pressuposto da constituição do benefício fiscal na esfera 
 jurídica do contribuinte, ainda que esteja dependente de reconhecimento, com 
 efeito meramente declarativo (art.º 4.º, n.º 2 do EBF), pela administração 
 fiscal, a realização do acto translativo, “enquanto facto tributário do qual 
 emerge a obrigação tributária” e não, como se decidiu no aresto recorrido, a 
 data do início do procedimento destinado à obtenção do benefício. 
 
  
 O Tribunal a quo entendeu, pois, que antes da transmissão dos prédios não tinha 
 sido concedido o benefício fiscal havendo, tão só, e quanto a tal concessão, uma 
 mera expectativa, não juridicamente tutelada.
 Apesar de divergir, neste ponto, relativamente à decisão proferida pelo TCA Sul, 
 o Supremo Tribunal Administrativo veio, no entanto, negar provimento ao recurso 
 interposto pelo SEAF. Nesta linha, veja-se o que ficou dito, no ponto que nos 
 importa, na decisão recorrida:
 
  
 Contudo e pese embora este entendimento, nem por isso os despachos em causa 
 deixam de merecer censura.
 Na verdade, tendo as transmissões dos bens em causa sido efectuadas em 7/2/03 e 
 
 26/2/03, durante, portanto, os exercícios em que vigorava a autorização para a 
 tributação da recorrida pelo lucro consolidado, para o qual estava autorizada 
 para o período compreendido entre 2000 e 2004, esta não podia, assim, deixar de 
 beneficiar da isenção requerida, uma vez que estariam verificados os seus 
 pressupostos.
 
 5 – Alega, porém, a entidade recorrente, que a recorrida não podia beneficiar de 
 tal isenção uma vez que o art 7.º, n.º 3 da Lei n.º 30-G/00 de 29/12 revogou o 
 benefício fiscal do artº 11º, nº 31 do CIMSISD, com efeitos a partir de 1/1/01, 
 sendo certo que e como vimos, as transmissões dos bens em causa só operaram em 
 
 2003.
 Mas não lhe assiste razão.
 Com efeito, dispõe o citado artº 7º, nº 3 que “é revogado o n.º 31 do artigo 
 
 11.º do Código Municipal de Sisa e de Imposto sobre Sucessões e Doações, 
 deixando de beneficiar de isenção de imposto municipal de sisa as transmissões 
 anteriores à entrada em vigor da presente lei logo que as sociedades deixem de 
 estar abrangidas, nos três exercícios seguintes ao da transmissão, pelo regime 
 da tributação pelo lucro consolidado ou pelo regime especial de tributação dos 
 grupos de sociedades”. 
 Deste preceito legal resulta, assim, que é revogado o artº 11º, nº 31 do 
 CIMSISD, deixando de beneficiar de isenção de imposto municipal de sisa as 
 transmissões anteriores à entrada em vigor da citada Lei, muito embora com a 
 condição resolutiva de só se consolidar se as sociedades deixarem de estar 
 abrangidas, nos três exercícios seguintes ao da transmissão, pelo regime do 
 lucro consolidado ou pelo regime especial de tributação dos grupos de 
 sociedades.
 Do regime, assim, fixado naquele normativo, ressalta à evidência que o 
 legislador pretendeu atribuir-lhe eficácia retroactiva.
 A nossa Constituição apenas contém cláusulas gerais de proibição de 
 retroactividade em matéria de leis restritivas de direitos, liberdades e 
 garantias (art. 18.º, n.º 3, da C.R.P.), de aplicação da lei criminal (art. 
 
 29.º, n.º 4) e de pagamento de impostos (art. 103.º, n.º 3).
 Para além desses casos, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender que 
 apenas é proibida constitucionalmente a retroactividade intolerável, por 
 incompatibilidade com o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de 
 direito democrático (art. 2.º da C.R.P.).
 Abrange-se nesta proibição de retroactividade, desde logo, os graus de 
 retroactividade propriamente dita, normalmente assinalados pela doutrina, entre 
 os quais, quando a lei nova se aplica a factos passados, mas respeita os efeitos 
 jurídicos já produzidos por esses factos (que é a retroactividade a que se 
 refere o n.º 1 do art. 12.º do Código Civil). 
 
 À face da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o princípio da confiança, 
 
 ínsito na ideia de Estado de Direito democrático (art. 2.º da Constituição) 
 postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que 
 lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, 
 arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia 
 razoavelmente contar.
 Neste sentido, pode ver-se, por todos, o acórdão deste Tribunal Constitucional 
 n.º 128/02, de 14-3-2002, proferido no processo n.º 382/01.
 No caso em apreço, da circunstância de as transmissões de bens gozarem de 
 isenção de sisa desde que as mesmas se operem durante o exercício em que vigorar 
 a autorização para a tributação segundo o regime do lucro consolidado, está-se 
 perante a referida situação de retroactividade propriamente dita, supra 
 referida, pois o regime introduzido pelo artº 7º, nº 3 da Lei n.º 30-G/00 afecta 
 os efeitos jurídicos já produzidos por factos passados.
 Por outro lado, o contribuinte é, assim, atingido nos seus direitos que havia 
 adquirido anteriormente.
 Com efeito, dispõe o artº 2º, nº 2 do Decreto-Lei nº 215/89 de 1/7 (Decreto-Lei 
 Preambular ao EBF) que “para efeitos do disposto no número anterior, são 
 direitos adquiridos os benefícios fiscais de fonte internacional e contratual e 
 os benefícios temporários e condicionados, sem prejuízo do disposto nos Códigos 
 do IRS, do IRC e da CA”.
 E não há qualquer dúvida de que no predito artº 11º, nº 31 está implícito a 
 concessão de um benefício temporário, uma vez que só é concedida a isenção desde 
 que, como vimos, as transmissões se operem durante o exercício em que vigorar a 
 autorização para a tributação segundo o regime do lucro consolidado.
 Por último e com a aplicação do referido artº 7º, nº 3, atingida é também a 
 convicção do contribuinte de que gozava dessa isenção durante este período.
 O que viola o princípio constitucional da confiança integrante do princípio do 
 Estado de Direito (artº 2º da CRP), já que foram afectadas expectativas 
 juridicamente criadas, de forma a que os que beneficiavam daquela isenção não 
 pudessem razoavelmente contar.
 Efectivamente, deste princípio decorre, com efeito, para os cidadãos o direito à 
 protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação 
 da vida, já que os cidadãos têm direito a um mínimo de certeza e de segurança 
 quanto aos direitos e expectativas que, legitimamente, forem criando no 
 desenvolvimento das relações jurídicas. Por isso que « não é consentida uma 
 normação tal que afecte, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou 
 desproporcionadamente onerosa, aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a 
 comunidade e o direito devem respeitar.» (Cf. Ac. TC nº 365/91, DR II Série, de 
 
 27.09.91).
 Sendo assim, há que concluir que o predito artº 7º, nº 3 da Lei nº 30-G/00 de 
 
 29/12 é materialmente inconstitucional, pelo que os despachos impugnados, que se 
 basearam nessa norma, enfermam de erro sobre os pressupostos de direito, que 
 constitui ilegalidade que justifica também a sua anulação.
 
  
 
  
 
 4. Desta decisão recorreu o representante do Ministério Público junto do Supremo 
 Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada por último pela Lei n.º 
 
 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei do Tribunal Constitucional), por, na decisão 
 proferida em 18 de Abril de 2007 pelo Supremo Tribunal Administrativo, se ter 
 considerado inconstitucional a norma constante do artigo 7º, nº 3, da Lei n.º 
 
 30-G/2000, de 29 de Dezembro, por força da “violação do princípio da confiança, 
 
 ínsito no princípio do Estado de direito democrático”.
 Neste Tribunal, o Ministério Público concluiu assim as suas alegações:
 
  
 
 1º
 A norma constante do artigo 7°, n° 3, da Lei n° 30-G/2000, de 29/12, enquanto 
 estabelece a preclusão da isenção do imposto municipal de sisa às transmissões 
 de imóveis realizadas em data ulterior à vigência de tal preceito legal, por 
 sociedades que deixem de estar abrangidas, nos três exercícios seguintes aos da 
 transmissão, pelo regime de tributação pelo lucro consolidado, não comporta 
 qualquer eficácia retroactiva, pelo que não afronta a cláusula geral de não 
 retroactividade dos impostos, afirmada pelo artigo 103°, n° 3, da Constituição. 
 
 2°
 A aplicação da revogação do referido benefício fiscal – decorrente de lei 
 publicitada em 2000 – a actos translativos apenas realizados em 2003 não implica 
 qualquer frustração de expectativas fundadas e legítimas dos contribuintes na 
 subsistência de um beneficio fiscal, há muito derrogado, não violando, 
 consequentemente, o princípio da confiança. 
 
 3º
 Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo 
 de não inconstitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida.
 
  
 A recorrida A. contra-alegou concluindo que:
 
  
 I – Diversamente do pretendido nas doutas alegações em resposta, o acto 
 translativo não constituía pressuposto de verificação necessária à concessão do 
 beneficio fiscal, sendo que os pressupostos de tal – in casu verificados – eram, 
 apenas, que o respectivo requerente se encontrasse no regime de tributação pelo 
 lucro consolidado e que o reconhecimento da isenção fosse pedido à administração 
 fiscal antes do facto translativo do bem – cfr. art.° 15° n° 1 do CIMSISD –, 
 sendo que o momento em que se adquire o direito ao benefício coincide com o 
 momento da verificação dos respectivos pressupostos e já não com o da efectiva 
 transmissão dos bens, mera condição suspensiva da eficácia (cfr. n° 2 do art° 2° 
 do Decreto‑Lei n° 215/89 de 1/7, Preambular do Estatuto dos Benefícios Fiscais); 
 
 
 II – Acresce que o reconhecimento declarativo pela administração fiscal do 
 direito ao beneficio fiscal é praticado no exercício de poderes vinculados e não 
 discricionários, o que determina que o reconhecimento tenha natureza declarativa 
 e não constitutiva do direito ao beneficio fiscal respectivo, sendo que o 
 direito ao benefício nasce no momento da verificação histórica dos respectivos 
 pressupostos legais (supra enunciados) e não ao momento da prática do próprio 
 reconhecimento (cfr. n° 2 do art.° 40 e art.° 11°, ambos do Estatuto dos 
 Benefícios Fiscais). 
 III – A norma constante do art.° 7º, n° 3, da Lei n° 30-G/2000, de 29/12, 
 comporta eficácia retroactiva e afronta o princípio da não retroactividade da 
 lei fiscal consagrado no artigo 103°, no 3 da Constituição, como “parcela do 
 direito de resistência fiscal” (neste sentido, Jorge Bacelar Gouveia in A 
 Irretroactividade da Norma Fiscal na Constituição Portuguesa, CTF – BDGI, n.° 
 
 387, Jul/Set, 1997, págs. 49ss. p. 81).
 IV – Tal norma afronta, aliás, o princípio da segurança jurídica ínsito na 
 referida proibição expressa de leis fiscais retroactivas o qual é afectado 
 também ‘quando a exigência da justiça, traduzida na constancy of the law trough 
 time (Gezetzeskonstanz), é desrespeitada, nomeadamente sempre que uma lei, em 
 cuja manutenção e estabilidade os destinatários tenham confiado, seja revogada 
 ou alterada para o futuro o que vale sobretudo em matéria de benefícios fiscais” 
 
 (Casalta Nabais in O Dever Fundamental de Pagar impostos, Almedina, 1998, pág. 
 
 407).
 V – Considerando o referido na conclusão “I” supra, a aplicação da revogação do 
 beneficio fiscal atinge também a convicção do contribuinte de que gozava dessa 
 isenção durante o período, sendo, por isso, violado o princípio constitucional 
 da confiança integrante do princípio do Estado de Direito (art° 2° da 
 Constituição), já que foram afectadas expectativas juridicamente criadas, uma 
 vez que a Recorrida beneficiava efectivamente daquela isenção por se verificarem 
 os respectivos pressupostos legais, não podendo razoavelmente contar com 
 situação diversa, maxime quando requereu a concessão do beneficio e promoveu a 
 verificação dos pressupostos da sua concessão, tudo nos termos da Lei. 
 VI – Aliás, mesmo que se demonstrasse que a alteração não era completamente 
 imprevisível nem por isso deixaria a norma em causa de escapar ao juízo de 
 inconstitucionalidade porquanto, como sublinhou este Tribunal Constitucional, a 
 propósito das leis interpretativas em matéria fiscal, “a proibição 
 constitucional explícita de retroactividade em matéria fiscal não pode ser 
 interpretada em termos semelhantes à jurisprudência anterior do Tribunal, corno 
 se não tivesse sido alterado o texto constitucional e apenas resultasse dos 
 princípios gerais. Na expressa proibição de retroactividade não pode deixar de 
 estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto‑vinculação do Estado 
 pelo Direito” (Ac. deste Tribunal n.° 172/2000 de 22/03/2000), isto é, “com o 
 novo texto constitucional a proibição da norma retroactiva passa a ser 
 
 “automática”, sem que deva haver lugar ao exame de quaisquer outras 
 circunstâncias, nomeadamente o grau de lesão do valor da confiança presente em 
 cada caso. Assim parece que mesmo as alterações com o que o contribuinte podia 
 legitimamente contar, como sejam as resultantes da utilização de autorizações 
 legislativas constantes da Lei do Orçamento (portanto anteriores ao inicio do 
 período fiscal) ou previamente anunciadas por outra forma, passam a dever ser 
 consideradas inconstitucionais.” (Rui Morais in A revisão da Constituição 
 Fiscal, in JURIS ET DE JURE, UCP, Porto, 1998, págs 1153). 
 VII – O artigo 7°, n° 3, da Lei n° 30-G/2000 de 29 de Dezembro, ao estabelecer a 
 revogação do benefício fiscal ainda que os pedidos de isenção hajam sido 
 formulados, como in casu, antes da respectiva publicação e início da respectiva 
 vigência, viola efectivamente o princípios constitucional da não retroactividade 
 da lei fiscal, plasmado no artigo 103°, n° 3, da CRP, e da segurança e confiança 
 jurídicas, nenhuma censura merecendo, por isso, a douta Decisão recorrida. 
 Nestes termos, e nos que V.s Ex.as muito doutamente suprirão: 
 Deve ser recusado provimento ao recurso.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 
  
 
 5. A questão de constitucionalidade 
 O presente recurso vem interposto, pelo Ministério Público, ao abrigo do 
 que dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional. 
 O principal pressuposto deste tipo de recurso de constitucionalidade é o de que 
 tenha havido um tribunal que, decidindo, recusou a aplicação de qualquer norma, 
 com fundamento em inconstitucionalidade.
 Naturalmente, a decisão que o Tribunal venha a proferir no âmbito deste recurso 
 de constitucionalidade parte sempre da decisão do tribunal a quo pois que é 
 nesta que se encontram os termos da questão de constitucionalidade.
 Fez-se já uma breve descrição dos autos. Importa agora, porque se trata aqui de 
 tornar clara a fundamentação da decisão do Tribunal, indagar sobre o que é que 
 há de essencial a reter quanto à decisão (no caso, o acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo) de que interpôs recurso o Ministério Público. 
 Como decorre do relato atrás feito, o Supremo Tribunal Administrativo recusou a 
 aplicação do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 30-G/2000, na parte em que veio 
 revogar o n.º 31 do artigo 11.º do CIMSISSD.
 A recusa de aplicação da norma mencionada funda-se, diz o Supremo Tribunal 
 Administrativo, na sua «natureza» retroactiva. A norma em juízo viola pois, aos 
 olhos do tribunal a quo, o n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República. 
 Além disso, o tribunal a quo diz também que a norma sancionada viola o princípio 
 da confiança ínsito ao princípio do Estado de direito (artigo 2.º da 
 Constituição da República).
 Estes são os contornos da questão de constitucionalidade que, por intermédio do 
 presente recurso, o Tribunal é chamado a conhecer. A par destes dados retirados 
 da decisão recorrida, importa ainda atentar ao iter percorrido pelo Supremo 
 Tribunal Administrativo para a determinação da norma aplicável ao caso.
 A lógica da decisão comporta dois passos essenciais: num primeiro passo, o 
 Supremo Tribunal Administrativo identifica a questão essencial para a resolução 
 do caso. Assim, o Supremo entende que o nó górdio do processo se prende com a 
 determinação dos pressupostos para a concessão da isenção da sisa. Identificada 
 a questão essencial, e num segundo passo, o STA elege como pressuposto da 
 isenção a realização do acto translativo do imóvel. No fundo, o que a lógica da 
 decisão traduz é o seguinte: para o Supremo Tribunal Administrativo o facto 
 relevante para a determinação da norma aplicável (no tempo) é o da transmissão 
 dos imóveis, e não – como o tinha dito o TCA SUL – o do requerimento do pedido 
 de isenção da Sisa.
 A este respeito, devem reter-se as seguintes palavras do Supremo Tribunal 
 Administrativo, que se retranscrevem:
 
   
 
 (…) da análise do referido art.º 11, n.º 31 ressalta com mediana evidência que o 
 legislador elegeu como pressuposto da constituição do benefício fiscal na esfera 
 jurídica do contribuinte, ainda que esteja dependente de reconhecimento, com 
 efeito meramente declarativo (art.º 4.º, n.º 2 do EBF), pela administração 
 fiscal, a realização do acto translativo, “enquanto facto tributário do qual 
 emerge a obrigação tributária” e não, como se decidiu no aresto recorrido, a 
 data do início do procedimento destinado à obtenção do benefício.
 
  
 Assim sendo – e formando este «dito» algo que não cabe, naturalmente, ao 
 Tribunal Constitucional reexaminar – torna-se irrelevante, para efeitos da 
 resolução da questão de constitucionalidade, a alegação apresentada pela 
 recorrida, segundo a qual o facto tributário constitutivo da relação seria, in 
 casu,  não a transmissão dos imóveis, mas  o pedido de isenção formulado perante 
 a Administração fiscal e anterior à transmissão.
 
  
 
  
 
 6. A norma sob juízo  
 Incide, como se disse já, o presente recurso de constitucionalidade sobre a 
 
 «norma» contida em parte do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de 
 Dezembro, entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2001.
 O n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000 prescreve assim:
 
  
 n.º 3 – É revogado o n.º 31 do artigo 11.º e o n.º 7 do artigo 16.º do Código do 
 Imposto Municipal de Sisa e do Impostos sobre Sucessões e Doações, deixando de 
 beneficiar da isenção de imposto municipal de sisa as transmissões anteriores à 
 entrada em vigor da presente lei logo que as sociedades deixem de estar 
 abrangidas, nos três exercícios seguintes ao da transmissão, pelo regime da 
 tributação pelo lucro consolidado ou pelo regime especial de tributação dos 
 lucros de sociedades. 
 
  
 Esta disposição tem, conforme decorre do seu elemento literal, natureza 
 revogatória. Pretendeu, pois, o legislador, revogar duas normas do CIMSISSD: o 
 n.º 31 do artigo 11.º e o n.º 7 do artigo 16.º. Quer isto dizer que, em boa 
 verdade, a disposição sancionada inclui duas diferentes «normas»: a que decorre 
 da primeira parte do artigo e que determina a revogação do n.º 31 do artigo 11.º 
 do CIMSISD e a que decorre da segunda parte do artigo e que determina o «regime» 
 da revogação do artigo 16.º, n.º 7 do CIMSISSD. 
 Da análise da decisão recorrida conclui-se ter o tribunal a quo desaplicado 
 apenas a «norma revogatória» do n.º 31 do artigo 11º, do CIMSISSD. Conclui-se 
 ainda, maxime a fls. 153, ser esta a ratio decidendi da decisão recorrida. Assim 
 sendo, é esta a «norma» sob juízo. 
 O n.º 31 do artigo 11.º do CIMSISSD apresentava, à data de aprovação da Lei n.º 
 
 30-G/2000, de 29 de Dezembro, a seguinte redacção (redacção dada pelo 
 Decreto-Lei n.º 377/90, de 30 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 
 
 142-B/91, de 10 de Abril que foi objecto da Declaração de Rectificação n.º 
 
 139/91, de 29 de Junho):
 
  
 
 [são isentas de imposto municipal de sisa] [A]as transmissões realizadas entre 
 sociedades autorizadas a ser tributadas pelo lucro consolidado, desde que as 
 mesmas se operem durante os exercícios em que vigorar a autorização para a 
 tributação segundo aquele regime.
 
  
 Era a seguinte a redacção do n.º 7 do artigo 16.º do CIMSISSD, sob a epígrafe 
 
 “Caducidade do benefício da isenção” e aplicável, para além das demais, às 
 transmissões de que tratam do n.º 31 do artigo 11:
 
  
 As transmissões de que tratam (…) o n.º 31 do artigo 11 deixarão de beneficiar 
 da isenção logo que se verifique, respectivamente: 
 
 (…)
 
  
 
 7.º Que as sociedades deixaram de estar abrangidas, nos três exercícios 
 seguintes ao da transmissão, pelo regime de tributação pelo lucro consolidado; 
 
  
 Perante estes dados normativos (e atendendo aos dados que se inscrevem na 
 decisão recorrida), a questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal pode 
 ser equacionada do seguinte modo:
 Uma norma que determine a revogação de uma isenção de Sisa, aplicável a 
 transacções ocorridas depois da sua entrada em vigor e a sociedades abrangidas 
 pelo regime de tributação do lucro consolidado é inconstitucional por violação 
 do princípio da irretroactividade da lei fiscal ou da protecção da confiança?
 Como é bom de ver, a questão que se coloca chama a pronúncia do Tribunal em duas 
 diferentes vertentes: por um lado, o Tribunal deve ponderar se, in casu, a norma 
 sancionada assume uma verdadeira natureza retroactiva. A ser assim, deve ainda o 
 Tribunal ponderar se a especial natureza da norma (integrante de uma lei fiscal) 
 a faz cair no princípio geral de irretroactividade das leis fiscais consagrado 
 no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Por outro lado - e apenas se se não 
 chegar, desde logo e por este motivo, a um juízo de inconstitucionalidade -  o 
 Tribunal deve ainda ponderar se a aplicação da norma lesou, efectivamente,  a 
 
 «confiança legítima» da recorrida, de modo tal que se deva ter por violado, no 
 caso, o princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de Estado de 
 direito, nos termos do artigo 2º da Constituição.
 
  
 
  
 
 7. Da proibição da retroactividade da lei fiscal
 
 7.1 Foi na revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte tomou a 
 opção de consagrar, no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, o princípio geral 
 de proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroactivos. Explicitou-se, 
 aqui, diz a doutrina, algo que já decorria do princípio da protecção de 
 confiança e da ideia de Estado de direito nos termos do artigo 2.º da CRP (Cfr. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 1092 e ss). 
 Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável 
 
 (não se entrando aqui na questão de saber se normas fiscais favoráveis podem, e 
 em que medida, ser retroactivas) será constitucionalmente censurada quando 
 assuma natureza retroactiva, sendo a expressão «retroactividade» usada, aqui, em 
 sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, 
 desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal 
 revogada (a lei antiga) e mais favorável.
 Em bom rigor, deve dizer-se que, para além de explicitar um princípio que 
 decorria já de outro constitucionalmente consagrado, o legislador constituinte, 
 na revisão de 1997, veio lançar luz sobre a polémica que povoava a 
 jurisprudência do Tribunal.
 As decisões do Tribunal, até 1997, assentavam no seguinte argumento: uma lei 
 fiscal seria inconstitucional (por violação do princípio da confiança) apenas 
 quando imposta a retroactividade em “termos que choquem a consciência jurídica e 
 frustrem as expectativas fundadas dos contribuintes”. Desenvolvendo este 
 critério, disse o Tribunal que a retroactividade das leis fiscais seria 
 constitucionalmente legítima sempre que não ferisse “de forma inadmissível ou 
 intolerável, a certeza e a confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela 
 afectados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e injustificada, as 
 expectativas juridicamente tuteladas e criadas na esfera jurídica dos cidadãos 
 ao abrigo das disposições vigentes à data da ocorrência dos factos que as 
 geraram”. (Cfr. neste sentido, e por exemplo, o Parecer da Comissão 
 Constitucional n.º 25/81, em Pareceres da Comissão Constitucional, 16º Vol., 
 p.257; o Parecer nº 14/82, em Pareceres…, 19º Vol, p. 183; o Acórdão do Tribunal 
 n.º 11/83, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º Vol. p. 11; o Acórdão nº 
 
 141/85, em Acórdãos …, 6º Vol., p. 39; e ainda os Acórdãos nºs 409/89, 216/90, 
 
 410/95 e 1006/96, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) 
 Estes critérios, de natureza necessariamente fluida, levaram a que, em diversos 
 arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais retroactivas. Foi o que 
 sucedeu, por exemplo, nos Acórdãos n.º 11/83 e 66/84 (este último em Acórdãos, 
 
 4º Vol. p. 35) e ainda nos Acórdãos nºs 67/91, 1006/96, 1204/96 e 416/02 (todos 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) . Noutros casos, ao invés, o 
 Tribunal entendeu que, por inexistirem razões de interesse público que 
 prevalecessem sobre o valor da segurança jurídica, as normas retroactivas seriam 
 intoleráveis e, consequentemente, constitucionalmente ilegítimas (Cfr., por 
 exemplo, os Acórdão ns.º 409/89, 216/90, 410/95 e 185/2000, também disponíveis 
 no mesmo lugar).   
 Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroactividade em 
 matéria fiscal, o Tribunal passou a ler esta proibição já não numa dimensão 
 subjectiva (dependendo, em concreto, do contexto dos sujeitos da relação 
 tributária resultante da aplicação da lei) mas antes numa dimensão objectiva. 
 Diz o Tribunal, a este propósito, que à proibição expressa da retroactividade da 
 lei fiscal “não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade 
 e auto-vinculação do Estado pelo Direito” (Cfr. Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 172/2000, in www.tribunalconstitucional.pt) 
 Quer isto dizer que, actualmente, e consagrado que está o princípio geral de 
 irretroactividade da lei fiscal, a mera natureza retroactiva de uma lei fiscal 
 desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela 
 Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração 
 fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de 
 inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não 
 dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos 
 circunstanciais que resultem da condição, em concreto, de uma certa relação 
 jurídico-tributária. 
 
  
 
  
 
 7.2.  Esclarecido o sentido da proibição constitucional consagrada no n.º 3 do 
 artigo 103.º da Constituição, importa agora atentar na norma sancionada e 
 verificar de que forma pode esta contrariar o preceito da CRP.
 
  No dito do tribunal a quo está gravado que o facto relevante para a 
 determinação da norma aplicável (no tempo) é a data da transmissão dos imóveis. 
 Este juízo, cuja bondade não cabe ao Tribunal questionar, é essencial para 
 aferir se teve ou não razão a decisão recorrida, ao recusar a aplicação do 
 preceito contido no nº 3 do artigo 7º da Lei nº 30-G/2000 com fundamento em 
 violação do princípio geral de não retroactividade da lei fiscal.
 Como se disse já, a retroactividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da 
 Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a 
 retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos 
 tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova). 
 Ora, se o Supremo Tribunal Administrativo entende, como se viu já, que o que 
 constitui a relação jurídica é, neste caso, a transmissão dos imóveis – por ser 
 esse, no seu entendimento, o facto tributário hoc sensu, ou o facto-pressuposto 
 da constitução da obrigação tributária – tem forçosamente que concluir-se também 
 que, antes dele, não existia nada que se assemelhasse a uma «relação tributária» 
 já formada. 
 Assim sendo, deve dizer-se que decorre dos autos que o acto constitutivo da 
 relação tributária (aquele que o Supremo Tribunal Administrativo elegeu enquanto 
 momento relevante para determinação da lei aplicável (no tempo)) decorreu depois 
 da entrada em vigor da lei nova: com efeito, a Lei nº 30-G/2000 entrou em vigor 
 em 2001; os actos de transmissão de imóveis foram declarados em 2003. Quer isto 
 dizer que, in casu, a norma sob juízo se aplicou a factos novos, ocorridos 
 depois da sua entrada em vigor. Não havendo por isso – e retomando a formulação 
 tradicional do princípio da irretroactividade da lei fiscal – aplicação da lei 
 nova a factos (tributários) antigos, não pode igualmente concluir-se que existiu 
 violação do disposto no nº 3 do artigo 103º da CRP.  
 
 É claro que se não exclui que, pelo seu enunciado semântico, a norma em juízo 
 possa ter a aparência de uma norma retroactiva – quando se diz que se aplica o 
 seu regime a transmissões efectuadas antes da sua entrada em vigor. Mas este é 
 um problema (apenas equacionado, que não resolvido) que, em fiscalização 
 concreta, se torna irrelevante: os recursos de constitucionalidade não se 
 dirigem a juízos sobre a conformidade constitucional das normas em si, 
 abstractamente tomadas, e portanto cindidas do modo e das circunstâncias da sua 
 efectiva aplicação ao caso concreto. E o que ressalta das circunstâncias do 
 caso, e em especial da decisão recorrida, é a inexistência de retroactividade: a 
 lei nova aplicou-se a um facto novo (ocorrido, portanto, depois da sua entrada 
 em vigor). 
 
  
 
  
 
 8.    O lugar do princípio da protecção da confiança no confronto com o 
 princípio geral da irretroactividade da lei fiscal
 
 8.1 Questão diferente da que se deixou resolvida é a de saber se a decisão 
 recorrida deve ser mantida quanto ao outro fundamento de inconstitucionalidade 
 
 (violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito 
 consagrado no artigo 2.º da Constituição).
 O tema da protecção da confiança tem sido abundantemente tratado pelo Tribunal 
 Constitucional. Contudo – e em matéria tributária – a jurisprudência do Tribunal 
 sobre o que queira dizer «a necessária protecção da confiança legítima» não pode 
 deixar de ser olhada com cautela, consoante a sua produção tenha ocorrido antes 
 ou depois da revisão Constitucional de 1997. Na verdade – e como o tem dito a 
 doutrina –, com a formulação actual do nº 3 do artigo 103º da CRP alterou-se o 
 lugar constitucional que o princípio decorrente do artigo 2º ocupa em matérias 
 de natureza fiscal: a aprovação, em 1997, de um princípio geral de 
 irretroactividade da lei fiscal veio modificar (e não diminuir ou aumentar) a 
 relevância do princípio.  Quer isto dizer exactamente o seguinte. 
 A proibição expressa da retroactividade da lei fiscal não tornou inútil a 
 eventual aplicação, a matérias de natureza tributária, do parâmetro da protecção 
 da confiança. Como diz Casalta Nabais, (Cfr. “Direito Fiscal”, 3ª Edição, 
 Almedina, Coimbra, p. 149) a protecção da confiança não foi absorvida pelo novo 
 preceito constitucional. Ao textualizar a proibição de normas fiscais 
 retroactivas, a Constituição conferiu uma especial corporização ao princípio, 
 corporização essa que se traduz na necessária ausência de ponderações sempre que 
 ocorram casos [de leis tributárias] que sejam retroactivas em sentido próprio ou 
 autêntico. Nesses casos – nos quais, recorde-se, se não inclui o presente -  não 
 há lugar a ponderações: a norma retroactiva é, por força do nº 3 do artigo 103º, 
 inconstitucional. Mas tal não significa que, por causa disso, se tenha esgotado 
 ou exaurido a «utilidade» do princípio da confiança em matéria tributária. Pode 
 haver outras situações – de retroactividade imprópria, ou até de não 
 retroactividade – que convoquem a questão constitucional que é resolvida pela 
 tutela da confiança.
 
  
 Sucede, porém, que, ao contrário do que sucede com a aplicação do princípio 
 contido no nº 3 do artigo 103º da Constituição, a «mobilização» do princípio da 
 confiança em matéria tributária obriga a um juízo que não prescinde de 
 ponderações: saber se a norma é ou não inconstitucional (por violação da 
 protecção da confiança) obriga a que se tenha em conta, e se pondere, tanto o 
 contexto da administração tributária quanto o contexto do particular tributado.
 
  
 
  
 
 8.2.  No Acórdão n.º 287/90, de 30 de Outubro, o Tribunal estabeleceu já os 
 limites do princípio da protecção da confiança na ponderação da eventual 
 inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroactividade inautêntica, 
 retrospectiva». Neste caso, à semelhança do que sucede agora, tratava-se da 
 aplicação de uma lei nova a factos novos havendo, todavia, um contexto anterior 
 
 à ocorrência do facto que criava, eventualmente, expectativas jurídicas. Foi 
 neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que 
 deveria ser dado aos casos de «retroactividade autêntica» e o tratamento a 
 conferir aos casos de «retroactividade inautêntica» que seriam, disse-se, 
 tutelados apenas à luz do princípio da confiança enquanto decorrência do 
 princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. 
 De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio da segurança jurídica na 
 vertente material da confiança, para que esta última seja tutelada é necessário 
 que se reúnam dois pressupostos essenciais: 
 a)    a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, 
 quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os 
 destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
 b)    quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou 
 interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes 
 
 (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente 
 consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 
 
 18.º da Constituição).
 
  
 Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra 
 jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes 
 requisitos ou “testes”. Para que para haja lugar à tutela 
 jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o 
 Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar 
 nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas  
 ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem 
 os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de 
 continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não 
 ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não 
 continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa. 
 Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e 
 da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do 
 Estado. Todavia, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não 
 reunir os quatro requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe 
 atribui protecção.   
 
  Por isso, disse-se ainda no Acórdão nº 287/90 – e importa ter este dito 
 presente no caso – que, em princípio, e tendo em conta a autorevisibilidade das 
 leis, “não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a 
 manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a 
 factos complexos já parcialmente realizados”.
 
  
 
  
 
 9. A norma sob juízo e o princípio da protecção da confiança  
 
 9.1.  Sustenta a recorrida que a revogação do benefício fiscal operada pela 
 norma sob juízo atingiu a sua «convicção» (as suas expectativas juridicamente 
 criadas, diz) de que gozaria desse benefício durante o período em que estava 
 abrangida pelo regime de tributação pelo lucro consolidado. Daqui decorre, alega 
 ainda a recorrida, que a norma sancionada viola o princípio constitucional da 
 confiança integrante do princípio do Estado de Direito (art° 2° da 
 Constituição). 
 
  
 
 É certo que, em Estado de direito, os cidadãos devem poder saber com o que 
 contam. É igualmente certo que a confiança, a ser justificada, deve ser 
 tutelada, conforme se tem vindo a decidir, em firme jurisprudência, pelo 
 Tribunal.
 Importa, porém, indagar dos contornos (o contexto) da situação de confiança que 
 o tribunal a quo (e a recorrida) entendeu existir no presente caso.
 Do relato que foi feito da matéria dos autos, e conforme se disse já, trata-se 
 neste lugar da aplicação de uma lei nova a um facto novo: a lei nova é o n.º 3 
 do artigo 7.º da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, entrada em vigor a 1 de 
 Janeiro de 2001, o facto novo é a transmissão dos imóveis que só se verificou no 
 ano de 2003. A descrição dos autos assim realizada é, todavia, incompleta. Com 
 efeito, apesar de o direito à isenção de pagamento de Sisa nascer apenas com a 
 transmissão dos imóveis, antes disso não se pode, a priori, dizer que a 
 recorrida não tinha uma expectativa jurídica no surgimento do seu futuro direito 
 
 à isenção de pagamento de Sisa. Na verdade, há que ponderar a relevância que 
 assume, no caso, o «especial estatuto» da recorrida e que decorre da 
 circunstância de esta estar abrangida, durante o período de tempo que termina em 
 
 2004, pelo regime de tributação do lucro consolidado. 
 Este «estatuto», indaga-se agora, pode justificar a existência de uma 
 expectativa jurídica que, à luz do princípio da confiança, torne 
 inconstitucional a norma sob juízo? 
 A norma sancionada, incluída na categoria de benefício fiscal, veio, muito 
 simplesmente, revogar um tratamento excepcional. Por outras palavras, e 
 considerando a regra geral à data aplicável, segundo a qual todas as 
 transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras 
 parcelares desse direito, sobre bens imóveis são tributadas em sede de Sisa, o 
 que n.º 31 do artigo 11.º do CIMSISSD determina é que, a esta regra geral, se 
 aplique uma excepção à incidência do imposto: transacções entre sociedades, em 
 princípio sujeitas a imposto de Sisa, estarão isentas de Sisa quando as 
 sociedades relevantes sejam tributadas ao abrigo do regime do lucro consolidado. 
 Esta excepção é, todavia, condicionada: as transacções serão isentas de Sisa 
 conquanto que as sociedades transmitentes e transmissária se mantenham 
 abrangidas pelo regime de tributação do lucro consolidado nos três anos 
 seguintes ao da transmissão (cfr. n.º 7 do artigo 16.º do CIMSISSD). Este regime 
 aponta, necessariamente, para uma natureza precária da isenção.
 A este respeito, importa ainda dizer que outro elemento há, para além do que 
 dispõe o n.º 7 do artigo 16.º do CIMISISSD, que indicia o carácter 
 necessariamente temporário da isenção. Ao integrar-se na categoria geral dos 
 benefícios fiscais (artigo 1º, nº 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais), a 
 isenção apresenta-se tendencialmente como uma medida de natureza conjuntural, ou 
 seja, decorrente de uma opção legislativa por natureza mutável. Se se recordar a 
 distinção feita, a propósito dos elementos essenciais do imposto, por Alberto 
 Xavier (Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, p. 282) entre contribuinte 
 isento e não contribuinte, a situação da recorrida é a de uma contribuinte que, 
 em dado contexto temporário, se viu na posição de contribuinte isento. 
 Assim sendo, e atentando agora aos pressupostos ou requisitos da protecção de 
 confiança que se deixaram já enunciados, necessário é concluir pelo não 
 preenchimento de, pelo menos, dois desses pressupostos. Desde logo, não pode 
 afirmar-se que, in casu, tenha o Estado (maxime, o legislador) encetado 
 comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade 
 
 (pois desde o momento em que a isenção foi aprovada que os particulares sabem 
 tratar-se, aqui, de uma situação excepcional e condicionada). Depois, também não 
 pode considerar-se que fossem fundadas em «boas razões» as expectativas privadas 
 de manutenção do regime jurídico da isenção: já que de nenhum elemento do regime 
 de Sisa se pode deixar de retirar a regra geral segundo a qual todas as 
 transmissões de imóveis são objecto de tributação, a revogação da norma que 
 previa a isenção não podia surgir aos olhos da recorrida como algo de improvável 
 ou inverosímil.
 Atenta a especial natureza desta isenção – que, repete-se, desde o início da sua 
 consagração assumia uma natureza condicional (porque dependia da manutenção de 
 uma situação de tributação do lucro consolidado pelo prazo mínimo de três anos) 
 
 – dos autos decorre, pois, que a recorrida tem, aqui, unicamente uma expectativa 
 de manutenção de um status quo, expectativa esta que não pode considerar-se 
 juridicamente relevante para o efeito de merecer a tutela dispensada pelo 
 princípio constitucional da tutela da confiança.
 Adianta-se ainda que também o terceiro requisito – o de que a recorrida fez 
 planos de vida, investimentos, tendo em conta a expectativa da continuidade do 
 
 «comportamento» estadual – não se afigura preenchido. Pode, neste caso, 
 indagar-se sobre a existência de um «investimento» na confiança sob duas 
 perspectivas: a de que a recorrida transmitiu os imóveis apenas porque confiava 
 que esta transmissão estaria isenta de Sisa; ou, ainda, a de que a recorrida 
 optou pelo regime de tributação pelo lucro consolidado apenas porque confiava 
 que as transmissões «entre-grupo» não seriam tributadas em sede de Sisa.
 Quanto à primeira vertente enunciada, decorre claramente dos autos não ter 
 ocorrido este investimento. Com efeito, à data das transmissões, a recorrida 
 sabia já que não lhe seria eventualmente aplicável o regime de isenção de Sisa. 
 Acresce que não se pode afirmar, com certeza, ter a recorrida optado pelo regime 
 de tributação pelo lucro consolidado apenas porque este regime lhe proporcionava 
 a vantagem consubstanciada na isenção de Sisa, no âmbito das transmissões entre 
 sociedades do mesmo grupo económico. É certo que a concessão de uma isenção de 
 pagamento de imposto de Sisa, no caso das transmissões realizadas entre 
 sociedades do mesmo grupo económico, foi gizada pelo legislador com o intuito de 
 incentivar a criação de «grupos empresariais» pois, caso contrário, seria 
 necessário justificar o tratamento privilegiado destas transmissões face a todas 
 as outras transmissões que são não-isentas de Sisa. Mas, a este respeito, 
 importa notar que a isenção de Sisa não era a única vantagem decorrente da opção 
 por este regime de tributação. Na verdade, o regime de tributação pelo lucro 
 consolidado (introduzido pelo Decreto-Lei n.º 414/87, de 31 de Dezembro, 
 alterado pela Lei n.º 71/93, de 26 de Novembro) proporcionava outras vantagens 
 para o grupo societário, nomeadamente: a eliminação total da dupla tributação, 
 em sede de IRC e de imposto sobre as Sucessões e Doações por Avença, 
 relativamente aos lucros/dividendos distribuídos entre as sociedades do grupo, a 
 não realização de quaisquer retenções na fonte, em sede de IRC, nas relações 
 entre as sociedades do grupo, a possibilidade de as mais e menos-valias apuradas 
 na transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado, assim como quaisquer 
 ganhos e perdas realizados em transacções entre as diversas sociedades do grupo 
 não serem consideradas ganhos/perdas na determinação da matéria colectável em 
 sede de IRC e a possibilidade de compensação dos lucros e prejuízos gerados no 
 mesmo ano pelas diversas sociedades do grupo (Assim, Luís Belo, “As novas regras 
 da tributação pelo lucro consolidado”, Fisco, Vol. 5, Julho 1994, pp. 3-11 e, do 
 mesmo autor, “Algumas reflexões ao nível do impacto sobre os grupos económicos 
 da designada reforma fiscal”, Fisco, Vol. XII, t. 99/100, pp. 67-83. Por esta 
 razão, não se pode aqui dizer que tenha sido necessariamente a isenção sob 
 análise a justificação da opção da recorrida por este regime de tributação. Ou 
 seja, não se vislumbra aqui que a recorrida tenha realizado um investimento na 
 confiança da manutenção do regime legal vigente.
 Assim sendo, também o terceiro requisito para protecção da confiança não se 
 afigura, no caso, preenchido. 
 Não tem por isso razão o tribunal a quo quando sustenta ser materialmente 
 inconstitucional a norma ínsita ao artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 30-G/2000, de 29 
 de Dezembro, na parte em que revoga o n.º 31 do artigo 11.º do Código Municipal 
 de Sisa e de Imposto sobre Sucessões e Doações. 
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)  Não julgar inconstitucional a norma ínsita ao artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 
 
 30‑G/2000, de 29 de Dezembro, na parte em que revoga o n.º 31 do artigo 11.º do 
 Código Municipal de Sisa e de Imposto sobre Sucessões e Doações quando aplicável 
 a transacções ocorridas depois da sua entrada em vigor e a sociedades abrangidas 
 pelo regime de tributação do lucro consolidado; 
 b)  Consequentemente, concedendo provimento ao recurso, ordenar a reforma da 
 decisão recorrida em conformidade com o agora decidido quanto à questão de 
 constitucionalidade. 
 
  
 Sem custas.
 
  
 Lisboa, 12 de  Março de 2009.
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão