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Processo n.º 49/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. Relatório
 
                                  1.1. A. interpôs recurso (excepcional) de 
 revista, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), a coberto do artigo 150.º 
 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei 
 n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, contra o acórdão do Tribunal Central 
 Administrativo Sul, de 1 de Junho de 2006, que negou provimento ao recurso 
 interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 27 de 
 Março de 2006, que indeferira pedido de intimação para protecção de direitos, 
 liberdades e garantias, formulado pelo recorrente, ao abrigo do artigo 109.º e 
 seguintes do CPTA, contra o Ministro da Justiça, no sentido de que a entidade 
 requerida fosse intimada “a adoptar a seguinte conduta: a) proceder à abertura 
 de concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial 
 antes do termo do prazo do período transitório, a que se refere o artigo 106.º 
 do Estatuto do Notariado (artigo 124.º do Estatuto do Notariado); b) abster‑se 
 de fixar qualquer restrição, no âmbito das condições de acesso e candidatura 
 
 àquele concurso, que possa impedir que ao mesmo se apresentem os notários que, 
 nos termos do artigo 107.º do citado Estatuto, tenham optado pela transição para 
 o regime do notariado, apresentando‑se ao 1.º concurso, mas que não tenham 
 logrado obt[er] licença de instalação de cartório; c) assegurar ao requerente, 
 no âmbito do concurso, em cumprimento do disposto no artigo 124.º do Estatuto do 
 Notariado, o direito de preferência, em relação ao cartório de que é titular, 
 reconhecido aos notários que optaram pelo novo regime do notariado, com o 
 sentido e alcance dados pela lei de autorização legislativa da Assembleia da 
 República (Lei n.º 49/2003, de 22 de Agosto – artigo 2.º, alínea p)), e o 
 Estatuto do Notariado aprovou (Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro – 
 artigo 123.º, n.º 4)”.
 
  
 
                                  1.2. Para melhor compreensão do sentido e 
 alcance das pretensões formuladas pelo requerente importa recordar que com a 
 aprovação, pelo Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro, do novo Estatuto do 
 Notariado (EN), se procedeu à “privatização do notariado”, através da mudança do 
 estatuto dessa profissão, que passou do regime da função pública para o regime 
 de profissão liberal. Como se lê na exposição de motivos daquele diploma, 
 
 “tratando‑se de uma reforma de grande complexidade e inovação, geradora de 
 naturais perturbações no meio notarial, impõe‑se que a mesma se concretize de 
 modo progressivo, por forma que a transição do sistema em vigor para novo modelo 
 notarial se faça sem atropelos a direitos e expectativas legítimas dos notários 
 e funcionários a ela afectos”, pelo que se estabeleceu “um período transitório 
 de dois anos, durante o qual coexistirão notários públicos e privados, na dupla 
 condição de oficial público e profissional liberal, no termo do qual só este 
 
 último sistema vigorará”, tendo, “durante este período transitório, os notários 
 
 (…) que optar pelo modelo privado ou, em alternativa, manter o vínculo à função 
 pública, sendo, neste caso, integrados em conservatórias dos registos”.
 
                                  Em execução deste propósito, o artigo 106.º do 
 EN previu que “a transição do actual para o novo regime do notariado deve 
 operar‑se num período de dois anos contados da data de entrada em vigor do 
 presente Estatuto” (n.º 1) e que “durante o período de transição deve 
 proceder‑se ao processo de transformação dos actuais cartórios, à abertura de 
 concursos para atribuição de licenças, à resolução das situações funcionais dos 
 notários e dos oficiais que deixem de exercer funções no notariado e demais 
 operações jurídicas e materiais necessárias à transição” (n.º 2). O artigo 
 
 107.º, n.º 1, reconheceu aos actuais notários a possibilidade de fazerem uma 
 das seguintes opções: (i) transição para o novo regime do notariado; ou (ii) 
 integração em serviço da Direcão‑Geral dos Registos e do Notariado; a primeira 
 opção era feita mediante requerimento de admissão ao “primeiro concurso” 
 previsto no artigo 123.º (n.º 2 do artigo 107.º), presumindo‑se da ausência de 
 entrega desse requerimento que o notário fizera a segunda opção (n.º 3 do 
 artigo 107.º).
 
                                  O artigo 109.º do EN estabeleceu que, na data 
 da sua entrada em vigor, seriam criados, por município, quadros de pessoal 
 paralelos com o número de lugares correspondentes ao número dos funcionários 
 dos cartórios notariais abrangidos pelo diploma e a extinguir quando vagarem 
 
 (n.º 1), sendo os notários e os oficiais que prestam serviço nos cartório 
 notariais integrados no quadro de pessoal paralelo do município onde prestam 
 serviço, com manutenção do direito à sua categoria funcional (n.º 2), dispondo o 
 subsequente n.º 3 que “os notários e os oficiais mantêm‑se a prestar serviço no 
 mesmo cartório até à tomada de posse do notário que iniciar funções nos termos 
 previstos no presente diploma”. A afectação dos notários (que optassem por não 
 transitar para o novo regime do notariado) aos serviços externos dos registos 
 far‑se‑ia por despacho do Director‑Geral dos Registos e do Notariado em lugar de 
 categoria funcional equivalente (n.º 4 do artigo 109.º) e com manutenção do 
 vencimento de categoria e de exercício que auferissem nessa data (n.º 1 do 
 artigo 110.º).
 
                                  Ao primeiro concurso para atribuição de licença 
 de instalação de cartório notarial podiam apresentar‑se os notários, os 
 conservadores dos registos, os adjuntos de conservador e de notário e os 
 auditores dos registos e do notariado (n.º 1 do artigo 123.º), dispondo o n.º 4 
 deste preceito que “o notário que concorra ao lugar de que é titular à data de 
 abertura do concurso goza de preferência absoluta na atribuição da respectiva 
 licença”. Por último, previa o artigo 124.º do EN que “concluído o concurso 
 referido no artigo anterior, o Ministério da Justiça, durante o período 
 transitório, deve abrir novos concursos para atribuição de licenças de 
 instalação de cartórios notariais, de acordo com o número de lugares vagos e 
 respectiva localização geográfica previstos no mapa notarial anexo ao presente 
 Estatuto”.
 
                                  As pretensões deduzidas pelo requerente – que 
 concorrera ao primeiro concurso, mas que nele não obtivera colocação, sendo 
 certo que não se candidatara ao lugar de que era titular e relativamente ao qual 
 gozava de preferência absoluta – consistiam, assim, em suma, na intimação da 
 entidade requerida para que abrisse um concurso subsequente, durante o período 
 transitório, que ele fosse admitido a apresentar–se a esse concurso e que lhe 
 fosse reconhecida a mesma preferência absoluta expressamente prevista, no artigo 
 
 123.º, n.º 4, do EN, para o primeiro concurso.
 
                                  Para o efeito, lançou mão do processo de 
 intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que, nos termos do 
 artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, “pode ser requerida quando a célere emissão de uma 
 decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva 
 ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, 
 de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas 
 circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, 
 segundo o disposto no artigo 131.º” (este último preceito prevê que: “quando a 
 providência cautelar se destine a tutelar direitos, liberdades e garantias que 
 de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil ou quando entenda haver 
 especial urgência, pode o interessado pedir o decretamento provisório da 
 providência”).
 
  
 
                                  1.3. O indeferimento da pretensão do requerente 
 fundou‑se essencialmente no entendimento, assumido pelas instâncias (TAF de 
 Lisboa e TCA Sul), de que, por um lado, o direito de admissão ao concurso em 
 causa poderia ser alcançado mediante uma decisão de mérito a proferir numa acção 
 administrativa não urgente, cuja utilidade poderia ser assegurada pelo 
 decretamento provisório de uma providência cautelar e daí que se não 
 justificasse a intimação requerida, e, por outro lado, de que para a 
 Administração não decorria “nem da Constituição, nem da lei ordinária, o dever 
 de agir objectivado na abertura de um segundo concurso com os pressupostos de 
 natureza excepcional inerentes ao primeiro concurso efectuado no período de 
 transição para os notários que já o eram à data da entrada em vigor do novo 
 regime do notariado como profissão liberal”.
 
                                  No termo das alegações do recurso de revista 
 interposto para o STA, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
                  “1. Está em causa um direito, liberdade e garantia individual – 
 o direito ao exercício da profissão – artigo 47.º da CRP;
 
                  2. A natureza da legítima pretensão do recorrente – abertura de 
 concurso que lhe permita aceder a uma licença de Cartório Notarial Privado – 
 impõe uma decisão de mérito;
 
                  3. A urgência justificava‑se e justifica‑se, porquanto os 
 
 «concursos subsequentes» para os notários que transitavam do anterior regime 
 estavam legal e expressamente previstos para o «período transitório» de dois 
 anos (artigo 106.º do EN), cujo termo então se aproximava e que neste momento já 
 foi ultrapassado;
 
                  4. Justificava‑se e justifica‑se igualmente a urgência, 
 porquanto se receava que a entidade recorrida, passado o «período transitório», 
 e para não cumprir o legalmente estabelecido para aquele período, viesse a abrir 
 concurso, fixando regras que excluíssem a admissão do recorrente;
 
                  5. Tal receio e urgência comprovou‑se com a abertura de 
 concurso de que foram excluídos os notários provenientes do anterior regime, que 
 não lograram colocação no 1.º concurso e para os quais estavam previstos os 
 
 «concursos subsequentes»;
 
                  6. O acórdão recorrido, ao inclinar‑se e ao decidir com base no 
 entendimento de que não se justificava o presente processo urgente para tutela 
 de direitos, liberdades e garantias com decisão de mérito, mas antes ser caso de 
 providência cautelar comum, como já o havia entendido a 1.ª instância, faz 
 interpretação inconstitucional dos artigos 106.º e 124.º do Estatuto do 
 Notariado, por violação do artigo 47.º da CRP, que consagra a liberdade de 
 escolha,  acesso e exercício de profissão.
 
                  7. Além de que encerra errada, restritiva e inconstitucional 
 interpretação do artigo 109.º do CPTA, em violação do direito de acesso aos 
 tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 
 
 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
 
                  8. Ao assim considerar, embora errada e ilegalmente, deveria 
 ter oficiosamente convolado os autos, para que o recorrente não ficasse privado 
 da tutela que a lei lhe garante.
 
                  9. Justifica‑se, pois, ou uma decisão de mérito, ordenando a 
 abertura de concurso ao recorrente e demais notários do anterior regime na sua 
 situação, ou a sua admissão em condições preferenciais ao concurso já aberto, ou 
 ainda, em alternativa, a convolação em providência cautelar comum, decretando‑se 
 a mesma, embora provisoriamente;
 
                  10. O douto acórdão recorrido violou, entre outras disposições 
 legais, os artigos 109.º e seguintes do CPTA, e ainda os artigos 106.º, 123.º e 
 
 124.º do Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro (Estatuto do Notariado), bem 
 como os artigos 20.º, 47.º e 268.º da CRP.”
 
  
 
                                  1.4. O STA, no acórdão ora recorrido, começou 
 por recordar que as instâncias haviam dado por apurados os seguintes factos:
 
                                  a) Em 29 de Março de 2004, A. era Notário do 
 Cartório Notarial de Santana, Madeira;
 
                                  b) Por Aviso n.º 4994/2004, de 30 de Março, 
 publicado no Diário da República II Série, n.º 93, de 20 de Abril de 2004, foi 
 aberto concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial;
 
                                  c) A. apresentou requerimento de admissão ao 
 concurso que antecede, tendo concorrido a alguns cartórios mas não para o 
 Cartório Notarial de Santana, em que era Notário titular;
 
                                  d) Por Aviso n.º 9225/2004, de 29 de Setembro, 
 publicado no Diário da República, II Série, n.º 235, de 6 de Outubro de 2004, 
 foi aberto concurso de provas públicas para atribuição do título de notário, nos 
 termos do disposto no n.º 5 da Portaria n.º 398/2004, de 21 de Abril;
 
                                  e) Por Aviso n.º 491/2005, de 12 de Janeiro, 
 publicado no Diário da República, II Série, n.º 14, de 20 de Janeiro de 2005, 
 foi tornado público o despacho do Ministro da Justiça de 11 de Janeiro de 2005, 
 que homologou a lista final do concurso para atribuição de licença de instalação 
 de cartório notarial referido em b);
 
                                  f) A A. não foi atribuída licença de instalação 
 de cartório notarial no referido concurso;
 
                                  g) A. exerce funções de Notário no Cartório 
 Notarial de Santana, Madeira.
 
                                  Em seguida, desenvolveu o acórdão ora recorrido 
 a seguinte argumentação, que conduziu ao improvimento do recurso:
 
  
 
                  “3. Como se relatou, o acórdão recorrido negou provimento ao 
 recurso da sentença do TAFL, confirmando a decisão ali tomada, de indeferimento 
 de pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, 
 formulado sob invocação do artigo 109.º do CPTA, e no sentido de que, no prazo 
 correspondente ao período transitório referido no artigo 106.º do EN, o 
 Ministro da Justiça procedesse à abertura de um segundo concurso para 
 atribuição de licença de instalação de cartório notarial, nas condições 
 preferenciais legalmente estabelecidas para os notários concorrentes ao 
 primeiro concurso realizado e sem restrição de candidatura para o recorrente e 
 demais notários que, tendo‑se candidatado àquele primeiro concurso, não 
 obtiveram licença de instalação de cartório, por não terem usado, então, da 
 preferência legal de que beneficiavam.
 
                  Para assim decidir, entendeu o acórdão recorrido, à semelhança 
 do que já concluíra a sentença nele confirmada, que a abertura de tal segundo 
 concurso, nas condições indicadas, não era necessário para assegurar ao 
 recorrente o exercício, em tempo útil, do direito de escolha de profissão ou de 
 exercício da respectiva profissão de notário. Pois que o recorrente poderá 
 candidatar‑se ao novo concurso, no qual a Administração não está obrigada a 
 assegurar ao recorrente as condições preferenciais de que legalmente poderia 
 beneficiar e das quais decidiu, então, não usar.
 
                  O recorrente impugna esse entendimento, alegando, 
 essencialmente, que está em causa um direito, liberdade e garantia – o direito 
 de exercício de profissão – consagrado no artigo 47.º da CRP. E que, para 
 assegurar tal direito, em tempo útil, se torna necessária decisão de mérito que 
 intime a entidade requerida a proceder à abertura do referido concurso, nas 
 pretendidas condições preferenciais, face ao esgotamento, entretanto 
 verificado, do referenciado período transitório e ao propósito, manifestado por 
 aquela entidade, de proceder à abertura de concurso, com condições que excluem 
 o recorrente. Conclui, assim, que deveria ter sido proferida decisão de mérito a 
 intimar a entidade requerida nos termos peticionados, ou, em alternativa, 
 convolado o procedimento de intimação em providência cautelar e decretada a 
 pretendida abertura de concurso, a título provisório.
 
                  Vejamos se procede tal alegação.
 
                  A criação de procedimentos jurídicos céleres e prioritários 
 tendentes a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de 
 direitos, liberdades e garantias constituiu, como refere Gomes Canotilho 
 
 (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., p. 506), uma das mais 
 importantes inovações da 4.ª revisão da Constituição (Lei Constitucional n.º 
 
 1/97), traduzida na imposição constitucional ao legislador ordinário, no sentido 
 da conformação, designadamente, do processo administrativo de molde a 
 assegurar, por via preferente e sumária, a protecção de direitos, liberdades e 
 garantias.
 
                  Com efeito, dispõe o artigo 20.º da Constituição que «5. Para 
 defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos 
 cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, 
 de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações 
 desses direitos». O que não significa a criação de um qualquer meio cautelar, 
 pois que se pretende a concretização de um direito a processos céleres e 
 prioritários, de forma a obter uma eficaz e atempada protecção contra violações 
 ou ameaças a direitos, liberdades e garantias (vd. acórdão de 18 de Novembro de 
 
 2004, P. n.º 978/04).
 
                  Trata‑se, pois, da consagração de «um direito constitucional de 
 amparo de direitos a efectivar através das vias judiciais normais» (G. 
 Canotilho, ob. e loc. cit.).
 
                  A concretização desse direito encontra consagração, justamente, 
 no invocado artigo 109.º do CPTA, onde se prevê que «1 – A intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere 
 emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma 
 conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, 
 em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou 
 suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma 
 providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º».
 
                  Face a este preceito legal, a utilização do processo de 
 intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos 
 seguintes requisitos: em primeiro lugar, é necessário que esteja em causa o 
 exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia e que a adopção da 
 conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício; e, para além disso, 
 exige‑se, ainda, que a célere emissão da decisão de intimação seja 
 indispensável, «por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento 
 provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º».
 
                  No caso sujeito, e tal como se conclui no acórdão recorrido, 
 não se verifica, desde logo, o primeiro dos indicados requisitos de utilização 
 do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
 
                  Recordemos, antes de mais, o essencial dos factos materiais 
 fixados no tribunal recorrido: O recorrente, notário do Cartório Notarial de 
 Santana, Madeira, apresentou candidatura ao primeiro concurso para atribuição de 
 licença de instalação de cartório notarial, nos termos previstos no EN, 
 aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro. Sendo que, nesse 
 concurso, o recorrente gozava de preferência absoluta na atribuição de licença 
 para o lugar de notário de que era titular, o recorrente não concorreu a esse 
 lugar e não obteve licença de instalação de cartório notarial em qualquer dos 
 lugares a que concorreu, por neles ter sido preterido por outros concorrentes 
 melhor classificados. O recorrente mantém‑se no exercício de funções de notário 
 no referido Cartório Notarial de Santana (…), em conformidade, aliás, com a 
 previsão do artigo 103.º [ter‑se‑á querido referir o artigo 109.º, n.º 3] do 
 referido EN.
 
                  Nestas circunstâncias, defende o recorrente que, por não estar 
 concluída a transição para o novo regime do notariado, que deveria completar‑se 
 no período de dois anos contados da data da entrada em vigor do EN (artigo 
 
 106.º), o novo concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório 
 notarial deverá destinar‑se, por força do artigo 124.º do EN, ao preenchimento 
 das vagas que subsistiram depois do primeiro concurso e à colocação prioritária 
 dos notários que, como o recorrente, foram candidatos àquele primeiro concurso 
 e nele não obtiveram licença de instalação de cartório notarial. Sendo que, como 
 atrás já se viu, o recorrente entende que estes não estão abrangidos pela 
 inibição legal de candidatura a novo concurso.
 
                  Daí que, como se relatou, tenha requerido a intimação da 
 entidade requerida a proceder à abertura de concurso para atribuição de licença 
 de instalação de cartório notarial, sem restrição de candidatura do ora 
 recorrente e nas condições preferenciais estabelecidas no artigo 123.º, n.º 4, 
 do EN.
 
                  Ora, independentemente da razão que, eventualmente, possa 
 assistir ao recorrente, no que respeita à alegada vinculação da Administração a 
 abrir novo concurso no período transitório apontado e com as finalidades e 
 condições preferenciais por ele invocadas, perante a matéria de facto fixada e 
 que, agora, cumpre acatar (artigo 150.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA), torna‑se claro 
 que, diversamente do que alega o mesmo recorrente, não está em causa, de 
 imediato, o direito de exercício da respectiva profissão de notário. Que o 
 recorrente continua a exercer, em conformidade aliás, com a previsão do artigo 
 
 109.º do EN: «3. Os notários mantêm-se a prestar serviço no mesmo cartório até à 
 tomada de posse do notário que iniciar funções nos termos previstos no presente 
 diploma».
 
                  Assim sendo, e como se adiantou, não se verifica, no caso, o 
 primeiro dos requisitos da requerida intimação, por não se mostrar indispensável 
 a abertura do pretendido novo concurso para assegurar o exercício do direito do 
 recorrente à sua profissão de notário.
 
                  Pois que, nas circunstâncias referidas e por força do disposto 
 no citado artigo 109.º, n.º 3, do EN, o recorrente tem condições para se manter 
 naquele exercício profissional até que, na sequência de novo concurso, seja 
 seleccionado, eventualmente, outro notário para o lugar em que o recorrente 
 exerce tais funções.
 
                  O que vale dizer que não ocorre situação de urgência em que se 
 configure como iminente e irreversível a lesão daquele direito do recorrente ao 
 exercício de profissão, que, de acordo com a lei, deve estar subjacente à de 
 intimação definitiva da Administração, a decidir nos termos previstos no 
 referenciado artigo 109.º do CPTA.
 
                  E é também a inexistência, no caso em apreço, de uma tal 
 situação de urgência que, desde logo, afasta a possibilidade de convolação do 
 formulado pedido de intimação num pedido de decretamento provisório de 
 providência cautelar, nos termos do artigo 131.º do CPTA. Pois que, como decorre 
 da letra deste último preceito legal, o decretamento desta providência cautelar 
 pressupõe igualmente a ocorrência de uma situação de urgência, e a um nível até 
 mais elevado («especial urgência»), traduzida numa situação de risco de lesão 
 iminente e irreversível de um direito, liberdade e garantia. Neste sentido, e 
 entre outros, veja‑se J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa 
 
 (Lições), 8.ª ed., p. 277; e M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos 
 Tribunais Administrativos, 4.ª ed., p. 327. Aliás, não é a urgência – requisito 
 exigível em ambos os casos –, mas a verificada não indispensabilidade de célere 
 emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que delimita o campo de 
 aplicação do decretamento provisório de providências cautelares, previsto no 
 referido artigo 131.º do CPTA, em sede de tutela de direitos, liberdades e 
 garantias, e o da intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, 
 previsto no artigo 109.º do mesmo CPTA (vd. M. Aroso de Almeida/C. A. Fernandes 
 Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. 
 Almedina, 2005, p. 662.).
 
                  Por fim, e quanto à alegada concretização, pela entidade 
 recorrida, do invocado propósito de abrir o novo concurso com exclusão do 
 recorrente, cabe notar que também não levaria ao deferimento do pedido de 
 intimação formulado. Pois que, nesse caso, bastaria ao recorrente solicitar o 
 decretamento provisório de uma providência cautelar (eventualmente de suspensão 
 de eficácia do acto administrativo de abertura do concurso) para atingir o fim 
 visado pelo recorrente de assegurar a manutenção do exercício do direito à 
 respectiva profissão de notário. A tutela cautelar comum seria, assim, adequada 
 e suficiente, não se verificando, por isso, o pressuposto de utilização do meio 
 processual principal, mas subsidiário, relativamente aos demais meios 
 processuais de contencioso administrativo (vd. M. Aroso de Almeida/C. A. 
 Fernandes Cadilha, Comentário …, cit., p. 538), que é o da intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA 
 
 (vd., neste sentido, o citado acórdão de 18 de Novembro de 2004, P. 987/04, e 
 Fernanda Maçãs, «Meios Urgentes e Tutela Cautelar», CEJ, A Nova Justiça 
 Administrativa, Coimbra Editora, 2006, p. 94 e seguintes).
 
                  A alegação do recorrente é, em suma, totalmente improcedente, 
 sendo de manter, pelas razões expostas, a decisão recorrida.”
 
  
 
                                  1.5. É contra este acórdão que vem interposto, 
 pelo recorrente, o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), referindo no respectivo requerimento de interposição de recurso:
 
  
 
                  “2 – O ora recorrente suscitou a inconstitucionalidade 
 decorrente da interpretação dada aos artigos 106.º e 124.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 26/2004, de 4 de Fevereiro, por violação do artigo 47.º da CRP, segundo a qual 
 não existia a necessidade de decisão de mérito urgente que justificasse o uso do 
 meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias 
 
 (artigo 109.º do CPTA), interpretação esta que o acórdão recorrido manteve.
 
                  3 – Assim como suscitou a inconstitucionalidade decorrente da 
 interpretação dada ao artigo 109.º do CPTA, por violação dos artigos 20.º e 
 
 268.º, n.º 4, da CRP, ao decidir‑se que, no caso dos autos, não existia a 
 necessidade de decisão de mérito urgente, como meio único para assegurar o 
 exercício, em tempo útil, do direito, liberdade e garantia de acesso e 
 exercício da profissão de notário, plasmado no artigo 47.º da CRP, que 
 justificasse o uso do meio processual de intimação para protecção de direitos, 
 liberdades e garantias.
 
                  4 – Tais inconstitucionalidades foram suscitadas em diversas 
 peças processuais, como sejam as alegações de apelação e alegações de revista 
 e, consequentemente, em tempo.
 
                  5 – Encontram‑se, no entanto, melhor concretizadas nas 
 alegações de revista, como se pode ver das conclusões 6., 7. e 10., que aqui se 
 dão por reproduzidas, e que se mantêm, na mesma exacta medida em que o acórdão 
 recorrido confirmou as decisões anteriores, mantendo a interpretação 
 inconstitucionalizante das disposições legais citadas”.
 
  
 
                                  O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator 
 do STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional 
 
 (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
 
                                  Neste Tribunal, o relator, no despacho que 
 determinou a apresentação de alegações, consignou que deveriam as partes 
 
 “pronunciar‑se, querendo, sobre o eventual não conhecimento do objecto do 
 recurso, por não ter sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, sendo antes a violação da Constituição directamente imputada à 
 decisão judicial recorrida, em si mesma considerada (isto é, ao juízo 
 subsuntivo que entendeu que o caso concreto não se enquadrava na previsão 
 normativa)”.
 
                                  O recorrente apresentou alegações, no termo das 
 quais formulou as seguintes conclusões:
 
  
 
                  “1. Não está suscitada, nem podia estar, a 
 inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, mas a inconstitucionalidade de 
 normas, por força da interpretação adoptada pela decisão recorrida, o que é 
 coisa diversa.
 
                  2. Sendo assim, nada obsta ao conhecimento do pedido de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade, como tem sido, aliás, entendimento 
 do próprio Tribunal Constitucional (v. citado Acórdão n.º 239/96).
 
                  3. Assim, a interpretação dada ao sentido e alcance do artigo 
 
 109.º do CPTA inconstitucionaliza aquela disposição, por violação dos artigos 
 
 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
 
                  4. Efectivamente, os factos demonstraram a razão que assistia 
 ao recorrente, pois o concurso não obedeceu às regras a que se deviam submeter 
 os concursos subsequentes, pelo que o recorrente e demais notários na sua 
 situação não foram admitidos àquele concurso.
 
                  5. Igualmente, não lhe foi assegurada a preferência que a lei 
 lhe confere em relação ao cartório de que é titular, enquanto notário público.
 
                  6. Efectivamente, bastaria ter algum candidato concorrido para 
 o Cartório Notarial de Santana e lhe haver sido atribuída a respectiva licença 
 para o recorrente, segundo o ilegal entendimento do Ministério da Justiça, com 
 que o acórdão recorrido pactuou, passar à situação de mero funcionário público, 
 perder a qualidade de notário e ver‑se definitivamente interdito de exercer tal 
 profissão, tudo por mera decisão administrativa.
 
                  7. Ou seja, tudo isto demonstra que a entidade recorrida 
 deveria ter aberto concurso subsequente no período transitório, destinado a 
 possibilitar a atribuição de licença de cartório notarial ao recorrente e 
 restantes notários na sua situação, que, tendo optado pelo notariado privado 
 pela forma e no momento prescritos na lei, não lograram obter licença no 
 primeiro concurso.
 
                  8. A abertura de novo concurso a que se possa candidatar é a 
 
 única forma de assegurar ao recorrente a defesa do direito, liberdade e garantia 
 de acesso e exercício da profissão de notário; caso contrário, será o mesmo 
 obrigado, contra a sua vontade expressa nos termos da lei, a integrar um 
 serviço da DGRN, como funcionário, ficando impedido de exercer o notariado, 
 agora reservado a profissionais liberais detentores de licença de cartório 
 privado.
 
                  9. A lei é clara no sentido de que tal concurso deveria ter 
 ocorrido no período transitório, que no momento da apresentação do requerimento 
 inicial se aproximava vertiginosamente e agora há meses terminou, sob pena de se 
 consumarem as consequências acima referidas e que se quis legitimamente evitar 
 com os presentes autos.
 
                  10. Daqui resulta a invocada urgência em obter uma condenação 
 de mérito, sob pena de se consumar lesão irreversível do direito à profissão do 
 recorrente.
 
                  11. Nestes termos, a interpretação dada aos artigos 109.º do 
 CPTA e 106.º e 124.º do Estatuto do Notariado inconstitucionalizou aquelas 
 normas por manifesta violação dos artigos 20.º, 47.º e 268.º, n.º 4, da CRP, 
 inconstitucionalidade que este Tribunal deve conhecer.”
 
  
 
                                  O recorrido (Ministério da Justiça) apresentou 
 contra‑alegações, que culminam com a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
 “1. O recorrente, nas suas alegações, limita‑se a referir, em síntese, que, não 
 sendo admitido ao concurso subsequente e assegurada a preferência, nas condições 
 do primeiro concurso – objecto do pedido inicial – bastaria ter algum candidato 
 concorrido para o Cartório Notarial de Santana, de que é titular, para passar à 
 situação de mero funcionário, contra a sua vontade expressa, colocando em 
 causa, mais uma vez, como no antecedente, o acerto do julgado sobre a não 
 verificação da urgência na obtenção de uma decisão de mérito, requisito de 
 aplicação da norma do artigo 109.º do CPTA;
 
 2. Deste modo, o recorrente, contrariamente ao que afirma, não suscitou qualquer 
 questão de inconstitucionalidade da interpretação da norma do artigo 109.º do 
 CPTA concretamente aplicada no douto acórdão recorrido, ou sequer das normas 
 dos artigos 106.º e 124.º do EN, limitando‑se a reportar o alegado vício de 
 inconstitucionalidade à própria decisão, ou seja, como se refere na expressão do 
 Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator, «(...) ao juízo subsuntivo que 
 entendeu que o caso concreto não se enquadrava na previsão normativa»;
 
 3. Assim, o que o recorrente suscitou foi a inconstitucionalidade de uma decisão 
 judicial, matéria que está fora do âmbito do recurso de constitucionalidade e 
 subtraída à jurisdição do Tribunal Constitucional.
 Verifica‑se, portanto, a falta manifesta de um pressuposto essencial para o 
 conhecimento do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, 
 alínea b), da LTC e do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP.
 
 4. Subsidiariamente, sempre se dirá que o douto acórdão recorrido conclui «que 
 não ocorre situação de urgência em que se configure como iminente e irreversível 
 a lesão daquele direito do recorrente ao exercício de profissão, que, de acordo 
 com a lei, deve estar subjacente à de intimação definitiva da Administração, a 
 decidir nos termos previstos no referenciado artigo 109.º do CPTA»;
 
 5. Ora, não estando em causa o acerto daquele julgado, o juízo de 
 
 (in)constitucionalidade há-de exclusivamente incidir sobre a interpretação dada 
 
 à norma do artigo 109.º do CPTA, que, na conclusão anterior, fluí da referida 
 decisão;
 
 6. Donde, a interpretação da referida norma, no sentido da função 
 concretizadora do artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, considerando que «a 
 utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e 
 garantias depende dos seguintes requisitos: em primeiro lugar, é necessário que 
 esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia 
 e  que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício; e, 
 para além disso, exige‑se, ainda, que a célere emissão da decisão de intimação 
 seja indispensável, ‘por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o 
 decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no 
 artigo 131.º’», revela‑se, manifestamente, em conformidade com os referidos 
 preceitos constitucionais, pelo que, quanto a esta parte, nenhum reparo pode 
 merecer.
 
 7. Não se verifica, pois, a alegada interpretação «inconstitucionalizante» das 
 normas referidas, designadamente, do artigo 109.º do CPTA – e dos artigos 106.º 
 e 124.º do EN, a cuja aplicação nem sequer se procedeu no Acórdão recorrido –, 
 face ao disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, e 268.º, n.ºs 4 e 5, e 47.º da 
 CRP, respectivamente.”
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Fundamentação
 
                                  2.1. Embora a formulação utilizada pelo 
 recorrente, quer no requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade, quer nas subsequentes alegações, sugira a existência de 
 duas questões de constitucionalidade (uma reportada ao artigo 109.º do CPTA e a 
 outra aos artigos 106.º e 124.º do EN), uma análise mais atenta dessas peças 
 processuais e da própria decisão recorrida evidencia que a questão é apenas uma: 
 a da possibilidade de utilização do processo especial de intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, 
 tendo em conta a situação do recorrente e as pretensões por ele deduzidas.
 
                                  Nesta perspectiva, a norma relevante é a do 
 artigo 109.º do CPTA e da análise do acórdão recorrido resulta que aí se 
 considerou que, dependendo a utilização desse meio processual de dois requisitos 
 
 – (i) estar em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e 
 garantia, revelando‑se a adopção da conduta pretendida apta a assegurar esse 
 exercício; e (ii) não ser possível assegurar eficazmente a tutela desse direito 
 através do decretamento provisório de uma providência cautelar –, nenhum deles 
 se verificava no presente caso. A propósito da não verificação do primeiro 
 requisito é que se constata a divergência de interpretações que o recorrente e o 
 tribunal recorrido fazem das pertinentes normas do EN (descritas supra, n.º 
 
 1.2.), em especial as dos artigos 106.º e 124.º: segundo aquele, findo o prazo 
 de dois anos fixado para o período transitório já não era possível a abertura de 
 mais “concursos subsequentes” e da não abertura de concurso dentro desse 
 período, com o reconhecimento do direito do recorrente a ele se candidatar e de 
 exercitar a preferência absoluta relativamente ao cartório em que exercia 
 funções, decorria inexoravelmente a consequência da imediata cessação de funções 
 de notário do recorrente e a sua transição para os quadros das conservatórias de 
 registo; diversamente, o acórdão recorrido entendeu que o recorrente se manteria 
 em funções no seu cartório notarial, nos termos do artigo 109.º, n.º 3, do EN, 
 até que, na sequência de novo concurso, fosse seleccionado eventualmente outro 
 notário para o mesmo lugar. Daqui resulta, pois, que o acórdão recorrido não fez 
 aplicação das normas dos artigos 106.º e 124.º do EN no sentido que o recorrente 
 acusa de inconstitucional; pelo contrário, expressamente consignou que a 
 conclusão a que chegou quanto à não indispensabilidade da abertura do pretendido 
 novo concurso para assegurar o exercício do direito do recorrente à sua 
 profissão de notário era independente “da razão que, eventualmente, possa 
 assistir ao recorrente, no que respeita à alegada vinculação da Administração a 
 abrir novo concurso no período transitório apontado e com as finalidades e 
 condições preferenciais por ele invocadas”. Quanto à não verificação do segundo 
 requisito, constatou o acórdão recorrido que, para adequada protecção dos 
 direitos do recorrente – que, recorde‑se, de acordo com a decisão recorrida, não 
 seriam postos em causa pelo mero esgotamento do período transitório de dois 
 anos, mas apenas por eventual nomeação de outro notário para o mesmo cartório, o 
 que pressupunha a abertura de novo concurso –, “bastaria ao recorrente 
 solicitar o decretamento provisório de uma providência cautelar (eventualmente 
 de suspensão de eficácia do acto administrativo de abertura do concurso) para 
 atingir o fim visado pelo recorrente de assegurar a manutenção do exercício do 
 direito à respectiva profissão de notário”, concluindo que “a tutela cautelar 
 comum seria, assim, adequada e suficiente, não se verificando, por isso, o 
 pressuposto de utilização do meio processual principal, mas subsidiário, 
 relativamente aos demais meios processuais de contencioso administrativo (…), 
 que é o da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, 
 previsto no artigo 109.º do CPTA”.
 
                                  Conclui‑se, assim, que a norma directamente 
 aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida – e a ela se tem de 
 cingir o objecto do presente recurso – foi tão‑só a do artigo 109.º do CPTA, 
 interpretada no sentido de que não é lícito o uso da intimação para protecção de 
 direitos, liberdades e garantias quando não existe uma situação de urgência só 
 debelável por esse meio processual principal e quando o eventual risco para o 
 direito do interessado pode ser adequadamente sustido através de meio 
 processual comum, acoplado a medida cautelar, e já não as dos artigos 106.º e 
 
 124.º do EN, que apenas foram evocados, tal como o artigo 109.º, n.º 3, do mesmo 
 Estatuto, para determinar o momento em que poderia ser posta em crise a 
 manutenção do recorrente como notário. Para o recorrente, de acordo com uma 
 interpretação dos artigos 106.º e 124.º do EN que o tribunal recorrido não 
 sufragou, a cessação dessas funções ocorreria inexoravelmente no termo do 
 período transitório a menos que antes disso ele lograsse a obtenção, num dos 
 
 “concursos subsequentes”, de licença de instalação de cartório notarial; para o 
 tribunal recorrido, essa cessação só ocorrerá, nos termos do artigo 109.º, n.º 
 
 3, do EN, quando for nomeado, na sequência de concurso, novo notário para o 
 cartório de que o recorrente era titular. Não compete ao Tribunal Constitucional 
 pronunciar‑se sobre qual deve ser considerada a interpretação mais correcta do 
 sistema legal em causa, mas antes aceitar como um dado da questão de 
 constitucionalidade a interpretação do direito ordinário efectuada pelas 
 instâncias, sendo, no entanto, certo, por resultar inequivocamente dos autos, 
 que, mesmo depois de esgotado o período de dois anos subsequente à entrada em 
 vigor do Estatuto do Notariado, o recorrente continuou a exercer funções de 
 notário no Cartório Notarial de Santana, Madeira, por não ter ocorrido qualquer 
 nomeação de novo notário para esse lugar na sequência dos concursos entretanto 
 abertos.
 
  
 
                                  2.2. Assim delimitado o objecto do recurso, e 
 admitindo que, nos termos formulados, a questão suscitada possa assumir 
 natureza normativa, há que recordar que este Tribunal, também pela 2.ª Secção, 
 já se pronunciou acerca da constitucionalidade da norma do artigo 109.º do CPTA.
 
                                  Fê‑lo no Acórdão n.º 5/2006, onde, na sequência 
 de desenvolvidas referências doutrinais, se concluiu:
 
  
 
                  «Podemos, assim, afirmar, de acordo com a generalidade da 
 doutrina, que o critério de determinação da subsidiariedade da intimação para 
 protecção de direitos, liberdades e garantias face aos meios cautelares – isto 
 
 é: saber quando, perante uma ameaça séria de lesão do exercício de um direito, 
 liberdade ou garantia, se deve lançar mão de uma solução urgente de mérito 
 
 (através da intimação) ou de uma tutela provisória (através da antecipação de 
 uma providência cautelar) – radica essencialmente na adequação, para a situação 
 concreta, de uma sentença provisória ou de uma sentença de mérito definitiva: 
 
 “haverá lugar à aplicação da intimação sempre que o decretamento provisório 
 consumir o objecto do processo principal, tornando‑se definitivo” (Maria 
 Fernanda Maçãs, local citado, p. 52), pois “o que conta é a capacidade ou 
 incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente uma situação e não 
 a urgência” (Isabel Fonseca, obra citada, p. 78). Ou, segundo Carla Amado Gomes 
 
 (“Pretexto ...”, citado, p. 565), “não se trata (...) de uma questão de maior 
 rapidez na concessão da providência (...), mas antes da aplicação do princípio 
 da interferência mínima em sede cautelar (em sentido amplo)”, isto é: “estando 
 em causa cognições sumárias motivadas pela urgência, o juízo provisório, 
 revisível no próprio processo cautelar em curso, prefere ao juízo definitivo 
 proferido na intimação, só eventualmente revisível em via de recurso”.»
 
  
 
                                  Tal como no caso em apreço no processo em que 
 foi proferido o citado Acórdão n.º 5/2006, também no presente caso, assente que 
 o lugar exercido pelo recorrente só poderia ser posto em risco por eventual 
 nomeação de outro notário, o que pressupunha a abertura de um concurso, não se 
 pode considerar intoleravelmente cerceador das garantias constitucionais o 
 entendimento do tribunal recorrido de que, para prevenir esse risco, seria 
 bastante a impugnação do acto que determinasse a abertura do concurso em 
 condições que o recorrente reputasse ilegais, associada a pedido de medida 
 cautelar, designadamente a de suspensão de eficácia.
 
                                  Conclui‑se, assim, sem necessidade de mais 
 desenvolvidas considerações, que a interpretação normativa acolhida no acórdão 
 recorrido não viola as normas e princípios constitucionais invocados pelo 
 recorrente.
 
  
 
                                  3. Decisão
 
                                  Em face do exposto, acordam em:
 
                                  a) Não julgar inconstitucional, face aos 
 artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma 
 do artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 
 aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de 
 não permitir o uso do processo de intimação para protecção de direitos, 
 liberdades e garantias quando a colocação em risco do direito em causa supõe uma 
 actuação da Administração contra a qual é possível reagir, em tempo útil, 
 mediante o recurso a um meio processual comum, associado a providência 
 cautelar; e, consequentemente,
 
                                  b) Negar provimento ao recurso, confirmando a 
 decisão recorrida, na parte impugnada.
 
                                  Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 14 de Março de 2007.
 Mário José de Araújo Torres (Relator)
 Benjamim Silva Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos