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Processo n.º 1014/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório 
 
  
 
 1. A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra da sentença do 
 Tribunal da Comarca de Torres Novas que o condenou pela prática de um crime de 
 abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido nos artigos 
 
 30º, n.º 2, e 79º do Código Penal e 7º, n.º 1, e 105.º, nº 1, do Regime Geral 
 das Infracções Tributárias (RGIT), invocando, além do mais, a prescrição do 
 procedimento criminal por terem decorrido cinco anos desde a data em que foi 
 notificado da acusação (30 de Abril de 1999) ou da data em que foi designada a 
 audiência de julgamento (15 de Julho de 1999).
 
  
 O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 16 de Julho de 2008, negou 
 provimento ao recurso, fundamentando a decisão, na parte respeitante à 
 prescrição do procedimento criminal, nos seguintes termos:
 
  
 A questão da prescrição do procedimento criminal foi objecto de apreciação 
 detalhada no acórdão recorrido.
 Ali se pondera, além do mais:
 
 “O prazo da prescrição e por referência ao que dispõe o art° 21.º, n° 1, do RGIT 
 
 é que o procedimento criminal por crime tributário extingue-se por efeito da 
 prescrição logo que sobre a sua prática sejam decorridos 5 anos.
 E o n° 2 diz que o disposto no n° 1 não prejudica os prazos de prescrição 
 estabelecidos no CP quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou 
 superior a  5 anos.
 O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no 
 Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da 
 suspensão do processo nos termos previstos no n° 2 do art° 42.º e no art° 47.º 
 do RGIT.
 O crime previsto e punido pelo art° 105.º, n° 1, do RGIT é punido com a pena de 
 prisão até 3 anos.
 O procedimento criminal prescreve no prazo de 5 anos quando se tratar de crimes 
 puníveis com a pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 1 ano 
 mas inferior a 5 anos. – art° 118.º,  n° 1, alínea c), do CP.
 O art° 120.º do CP enumera as causas de suspensão da prescrição, que uma vez 
 cessada faz voltar a correr a prescrição.
 A prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o 
 procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou 
 não tendo esta sido deduzida a partir da notificação da decisão instrutória que 
 pronunciar o arguido (...) – art° 120.º, n° 1, alínea b), do CP.
 Neste caso a suspensão não pode ultrapassar 3 anos – artº 120.º, n.º 2, do CP.
 O art° 121.º do CP enumera as causas de interrupção da prescrição sendo que 
 depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
 Por outro lado, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, 
 desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o prazo 
 normal da prescrição acrescido de metade – art° 120.º, n° 3, do CP.
 São causas de suspensão da prescrição a notificação da acusação – art° 120.º, n° 
 
 1, alínea b), do CP.
 São causas de interrupção da prescrição a constituição de arguido, a notificação 
 da acusação, a notificação do despacho que designa dia para a audiência – art° 
 
 121.º, n° 1, alíneas  a), b) e d), do CP.
 O início do prazo da prescrição nos crimes continuados começa a correr desde o 
 dia da prática do último acto.
 O último acto ocorreu em Novembro de 1997.
 Em 10/8/98, A. por si e como representante do B. foram constituídos arguidos fls 
 
 224 e 225 do 1° volume) em 30/4/99 foram os mesmos notificados da acusação, 
 facto que teve a virtualidade de interromper e suspender a prescrição (fls 390 
 verso do 2° volume) e em 15/7/99 foram os mesmos notificados da data da 
 audiência (fls 400 do 2° volume), factos que tiveram a virtualidade de 
 interromper a prescrição.
 Atento o que se deixa dito, ainda não decorreram 10 anos e meio desde aquela 
 data (5 anos - prazo normal, mais 2 anos e meio de interrupção e 3 anos de 
 suspensão) pelo que o ilícito ainda não prescreveu” (fim de transcrição).
 A esta fundamentação o recorrente apenas contrapõe (conclusão 6) que “a 
 notificação efectuada em 10.08.98 não tem natureza interruptiva”.
 Ora não há dúvida – nem o recorrente questiona – que em 10/8/98 A. por si e como 
 representante do B. foram constituídos arguidos (fls 224 e 225 do 1° volume) – 
 que tem efeito interruptivo nos termos do art. 121º, n.º 1, alínea a), do CP, 
 com a consequente inutilização do prazo decorrido até então.
 E que em 30/4/99 foram os mesmos notificados da acusação (fls 390 verso do 2° 
 volume). Facto que teve a virtualidade de interromper novamente e suspender o 
 prazo da prescrição – art. 121°, n.º 1, alínea a), e art. 120°, n.º 1, alínea 
 b), do CP.
 Assim o prazo normal da prescrição contado desde a interrupção, acrescido de 
 metade, ressalvado o tempo máximo da suspensão (art. 121° do CP) consumar-se-ia 
 no final do mês de Maio de 2008.
 Sucede, porem, que - como resulta do ponto 31º da matéria provada - os arguidos 
 aderiram ao chamado “Plano Mateus” em 31.01.2007.
 Mantendo-se o acordo de pagamento subjacente à referida adesão ao “Plano Mateus” 
 até à declaração de falência da sociedade comercial, em 19.12.2007 – cfr. ponto 
 
 35° da matéria provada.
 Resultando ainda do ponto 36º da matéria provada que foi a declaração de 
 falência que inviabilizou o pagamento ao abrigo do Plano Mateus.
 Ora o referido “Plano Mateus” foi instituído pelo DL 124/96, de 10.08, 
 estabelecendo um regime de “pagamento em prestações dos créditos por dívidas de 
 natureza fiscal ou à Segurança Social cujo prazo de cobrança  voluntária tenha 
 terminado até 31.07.1996”.
 Por sua vez a Lei n.° 51-A/96, de 09.12, veio estabelecer as consequências da 
 autorização desse regime de pagamento em prestações relativamente aos crimes de 
 fraude e abuso de confiança fiscal.
 Postulando, no seu art. 2º:
 
 1. Se o agente obtiver da administração fiscal autorização para efectuar o 
 pagamento do imposto e respectivos acréscimos legais em regime prestacional o 
 processo será suspenso enquanto se mantiver o pagamento das prestações.
 
 2. A autorização a que se refere o número anterior suspende igualmente o 
 processo de averiguação fiscal enquanto se mantiver o pagamento pontual das 
 prestações.
 
 3. O prazo de encerramento do processo de averiguação ... bem como o prazo da 
 prescrição do procedimento criminal por crime fiscal, suspendem-se por efeito da 
 suspensão do processo, nos termos dos números anteriores.
 Assim à contagem do prazo da prescrição supra efectuado há que somar o tempo 
 durante o qual o procedimento esteve suspenso por efeito da adesão ao referido 
 
 “Plano Mateus”.
 Suspensão da prescrição que bem se compreende: se existe um acordo de pagamento 
 voluntário susceptível de extinguir o procedimento criminal (artigo 3º da citada 
 Lei 51-A/96) não faria sentido que durante o cumprimento de tal acordo, com o 
 processo suspenso por essa razão, continuasse a correr o prazo da prescrição 
 como se o processo corresse os seus termos normais.
 Assim, por efeito da referida Lei, durante o período que vai de 31.01.2007 até 
 
 19.12;2007, o prazo da prescrição esteve suspenso.
 E tal suspensão, prevista em Lei especial, não se engloba no limite máximo da 
 suspensão previsto no n.° 2 do art. 120° do C. Penal - aplicável apenas ao “caso 
 previsto na alínea b)” do mesmo preceito.
 Somando assim ao prazo máximo previsto no citado art. 120°, n.° 2.
 Pelo que, adicionando aquele período em que não correu o prazo da prescrição, à 
 data limite de 31.05.2008 apenas prescreverá volvidos 11 meses e 19 dias sobre 
 aquela data. O que sucederá num horizonte ainda distante.
 Não estando pois completado o prazo da prescrição.
 
  
 Através do requerimento de 30 de Julho de 2008, o recorrente arguiu a nulidade 
 do acórdão e a sua inconstituicionalidade por falta de fundamentação, que o 
 Tribunal da Relação julgou improcedente por decisão de 11 de Novembro seguinte.
 
  
 O recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, 
 pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 120.º, n° 
 
 1, alínea b), e n° 2, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de que a 
 suspensão da prescrição do procedimento criminal por crime fiscal, constante do 
 n° 3 do artigo 2° da Lei n° 51-A/96, de 9 de Dezembro, não se engloba no limite 
 máximo da suspensão previsto no n° 2 do artigo 120.º do Código Penal, mesmo 
 tendo tal suspensão ocorrido em data anterior ao começo do prazo da prescrição.
 
  
 Tendo o recurso sido admitido, o recorrente apresentou alegações em que formula 
 as seguintes conclusões:
 
 
 
 1 — Pretende-se ver apreciada e julgada inconstitucional a norma extraída do 
 artigo 120º, nº 1, alínea b), e n° 2 do Código Penal, na dimensão e 
 interpretação que lhe foi dada e aplicada pelo Tribunal a quo na decisão 
 recorrida; 
 
 2 — Segundo a qual, a suspensão da prescrição do procedimento criminal, por 
 crime fiscal constante do n° 3 do artigo 2° da Lei n° 51-A/96, de 9.12, com 
 referência aos n°s 1 e 2 do mesmo artigo da Lei, não se engloba no limite máximo 
 da suspensão previsto no n° 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável apenas 
 ao caso previsto na alínea b) do n° 1 do mesmo preceito legal, somando-se assim 
 ao prazo máximo previsto no citado artigo 120, n° 2. do Código Penal, mesmo 
 tendo tal suspensão ocorrido em data anterior à data de inicio ou começo do 
 prazo de prescrição, constante do artigo 119.º, n° 2, alínea b), do Código 
 Penal; 
 
 3 - Que determina que, nos crimes continuados a prescrição só começa a correr 
 desde o dia da prática do último acto; 
 
 4 — Tal interpretação viola os princípios constitucionais consagrados nos 
 artigos 20.º, 18°, 20,º, 32° e 204°, da Constituição da República Portuguesa; 
 
 5 — Porquanto se entende não poder ser ampliada inovatoriamente a tipologia de 
 causas de suspensão aí previstas; 
 
 6 — No Acórdão recorrido, proferido em 16.07.2008, foi apreciada e decidida a 
 questão da prescrição do procedimento criminal, no caso dos autos, levantada 
 pelo recorrente; 
 
 7 — O início do prazo de prescrição, nos crimes continuados, só começa a correr 
 desde o dia da prática do último acto, que no caso dos autos, ocorreu em 
 Novembro de 1997; 
 
 8 — No caso em análise, o prazo normal da prescrição, contado desde a 
 interrupção acrescido de metade, ressalvado o tempo máximo da suspensão (art° 
 
 120.º do C. P.), consumar-se-ia no final do mês de Maio de 2008; 
 
 9 — O arguido aderiu ao denominado Plano Mateus (Decreto-Lei n° 124/96), em 
 
 31.01.1997, mantendo-se o acordo de pagamento em prestações até 19.12.1997. 
 
 10 — Estabelecendo o art° 2° do Decreto-Lei n° 51-A/96 que o processo será 
 suspenso enquanto se mantiver o pagamento das prestações. 
 
 11 — Entendeu assim o douto acórdão que à contagem do prazo de prescrição 
 efectuado e que terminava segundo ele, em 31 de Maio de 2008, há que somar o 
 tempo durante o qual o procedimento esteve suspenso por efeito da adesão ao 
 Plano Mateus; 
 
 12 — Porque tal suspensão não se engloba no limite máximo previsto no n° 2 do 
 artigo 120.º do Código Penal, aplicável apenas ao caso previsto na alínea b) do 
 n° 1 do mesmo preceito legal; 
 
 13 — Somando-se assim ao prazo máximo previsto no artigo 120.º, n° 2, do Código 
 Penal, 
 
 14 – Pelo que, adicionado tal período de suspensão à data limite de 31.05.2008, 
 a prescrição apenas operaria passados mais 11 meses e 19 dias daquela data. 
 
 15 — Mesmo que tal período de tempo em que ocorreu a adesão ao Plano Mateus seja 
 anterior à data de início da prática do último acto criminoso, que ocorreu em 
 Novembro de 1997; 
 
 16 — Data esta que, no caso dos autos, delimita e legalmente marca o início do 
 prazo da prescrição, relativamente aos crimes continuados (art° 119.º, n° 2, 
 alínea b), do Código Penal); 
 
 17 — O Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão recorrido, ao interpretar a 
 norma que regula as causas de suspensão de prescrição (art° 120.º do Código 
 Penal), ampliou inovatoriamente a tipologia das causas aí previstas; 
 
 18 — Nelas incluindo a possibilidade da suspensão do prazo da prescrição, quando 
 este prazo ainda não se podia legalmente iniciar. 
 
 19 — Não sendo constitucionalmente admissível ocorrer a suspensão de um prazo de 
 prescrição, quando este ainda não começou a correr; 
 
 20 — Nem se pode iniciar ou adicionar posteriormente, um prazo ou período de 
 tempo, respeitante a facto ocorrido em data anterior à data do início ou começo 
 da contagem do prazo da prescrição; 
 
 21 — Por conflituante e em violação das normas e princípios constitucionais da 
 proporcionalidade e dos direitos e garantias de defesa (arts. 32.º e 204.º da 
 Constituição da República Portuguesa). 
 
 22 — O artigo 2° do Decreto-Lei n° 51-A/96 refere expressamente que “o processo 
 será suspenso enquanto se mantiver o pagamento a prestações; 
 
 23 — Portanto apenas durante aquele período de Janeiro a Novembro de 1997; 
 
 24— E se tal for legalmente possível. 
 
 25 — É materialmente inconstitucional, por ofensa dos princípios da 
 proporcionalidade e dos direitos e garantias de defesa (art° 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa), a interpretação normativa que amplia, sem 
 qualquer limite temporal, os prazos de prescrição do procedimento criminal, como 
 consequência de uma suspensão, iniciada ou resultante de facto ocorrido em data 
 anterior à data do legal do início ou começo daquele prazo de prescrição. 
 
 26 — Tal interpretação viola os princípios constitucionais consagrados nos arts. 
 
 2º, 18.º, 20.º, 32.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, porquanto 
 se entendem feridos os princípios de certeza e paz jurídica, de defesa do Estado 
 de Direito Democrático e do progressivo esbatimento da necessidade de 
 perseguição penal, com o decurso do tempo, à luz dos fins que tal perseguição 
 serve. 
 
 27 — Tais valores, reclamam por si só, que o instituto da prescrição tenha de 
 ser visto e considerado como um valor constitucional em si mesmo, para o comum 
 dos ilícitos: 
 
 28 — Sendo razoável que a sociedade civil possa entender, mantendo-se em vigor, 
 na sua essência, os preceitos que instituem a prescrição que, uma vez decorrido 
 o tempo previsto nesses preceitos, não se reclame perseguição criminal aos 
 agentes de crimes, cuja prática há muito ocorreu; 
 
 29 — E que aquela perseguição não opere, mediante normas ou processos 
 interpretativos, de onde resulta, na prática, a ineficácia do instituto de 
 prescrição, ou injustas incertezas quanto ao seu termo ou prazo. 
 
 30— A dimensão normativa e interpretativa das normas do artigo 120.º, n° 1, 
 alínea b), e n° 2 do Código Penal deve ser dada no sentido de não permitir a 
 soma ou ampliação ao prazo máximo nele previsto, de qualquer outro prazo de 
 suspensão do procedimento criminal por factos ocorridos em data anterior à data 
 de inicio do prazo de prescrição estabelecido do artigo 119.º, n° 2, alínea b), 
 do Código Penal. 
 Termos em que, devem as normas constantes do artigo 120.º, n° 1, alínea b), e no 
 n.º 2 do Código Penal, quando interpretadas e aplicadas como o foram na decisão 
 recorrida, em termos de admitir e permitir que a suspensão da prescrição do 
 procedimento criminal, por crime fiscal constante do n° 3 do artigo 2° da Lei n° 
 
 51-A/96, com referência aos n°s 1 e 2 do mesmo artigo, não se englobe no limite 
 máximo da suspensão previsto no n° 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável 
 apenas ao caso previsto na alínea b) do n° 1 do mesmo preceito legal, somando-se 
 assim ao prazo máximo previsto no citado artigo 120.º, n° 2, do Código Penal, 
 mesmo tendo tal suspensão ocorrido em data anterior à data de início ou começo 
 do prazo de prescrição, constante do artigo 119.º, n° 2, alínea b), do Código 
 Penal, serem julgadas inconstitucionais por limitarem as garantias de defesa do 
 arguido e violarem os princípios constitucionais consagrados nos artigos 2°, 
 
 18°, 20.º, 32° e 204° da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 O magistrado do Ministério Público contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
 
  
 
 1. Não é inconstitucional a norma resultante do artigo 120º, nº 1, alínea b), e 
 nº 2 do Código Penal, “quando interpretada e aplicada como o foi na decisão 
 recorrida, em termos de admitir e permitir que a suspensão da prescrição do 
 procedimento criminal, por crime fiscal constante do n° 3 do artigo 2° da Lei n° 
 
 51-A/96, com referência aos n°s 1 e 2 do mesmo artigo, não se englobe no limite 
 máximo da suspensão previsto no n° 2 do artigo 120.º do Código Penal, aplicável 
 apenas ao caso previsto na alínea b) do n° 1 do mesmo preceito legal, somando-se 
 assim ao prazo máximo previsto no citado artigo 120.º, n° 2, do Código Penal, 
 mesmo tendo tal suspensão ocorrido em data anterior à data de início ou começo 
 do prazo de prescrição, constante do artigo 119.º, n° 2, alínea b), do Código 
 Penal”.
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.
 
  
 Cabe apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 2. Os factos que relevam para a apreciação do recurso de constitucionalidade são 
 os seguintes:
 
  
 
 - num período que mediou entre Fevereiro de 1995 e Outubro de 1997, A., na 
 qualidade de representante do B., Lda., remeteu ao serviço de finanças 
 declarações periódicas relativas ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), no 
 total de 39 862 554$00, sem que as fizesse acompanhar dos respectivos meios de 
 pagamento (n.º 5 da matéria de facto); 
 
  
 
 - nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 1997, o B., Lda., através de A., 
 liquidou aos clientes o IVA relativo às transacções realizadas e recebeu as 
 respectivas importâncias (n.º 6 da matéria de facto);
 
  
 
 - e enviou ao serviço de finanças, em Novembro e Dezembro de 1997 e em Janeiro 
 de 1998 as competentes declarações periódicas, sem as fazer acompanhar dos 
 respectivos meios de pagamento, nos montantes de 1 499 162$00, 593 695$00 e 1 
 
 949 331$00, respectivamente (n.ºs 7 e 8 da matéria de facto). 
 
  
 
 - A. e o B., Lda., em cujo nome e interesse actuou, nos períodos anteriormente 
 referidos, receberam, por diversas vezes, montantes de IVA não inferiores a 43 
 
 904 742$00, que fizeram seus, destinando-os, entre outros fins, ao pagamento de 
 salários e de fornecedores, apesar de saberem que a eles não tinham direito, 
 sendo aqueles montantes resultantes do imposto liquidado a terceiros e 
 efectivamente recebido (n.º 9 da matéria de facto). 
 
  
 
 - em 31 de Janeiro de 1997, A. aderiu ao chamado “Plano Mateus” com o propósito 
 de regularizar as dívidas da empresa ao Estado (n.º 31 da matéria de facto). 
 
  
 
 - por sentença de 19 de Dezembro de 1997, foi decretada a falência da sociedade 
 B., Lda. (n.º 35 da matéria de facto);
 
  
 
 - esta situação inviabilizou o pagamento gradual das dívidas ao abrigo do Plano 
 Mateus (n.º 36 da matéria de facto).
 
  
 Resulta ainda dos elementos do processo que A., por si e como representante do 
 B., foi constituído arguido, no âmbito do presente processo penal, em 10 de 
 Agosto de 1998 (fls 224-225), foi notificado da acusação em 30 de Abril de 1999 
 
 (fls 390 verso) e da designação de data para a audiência em 15 de Julho seguinte 
 
 (fls 400). 
 
  
 Com base nos factos muito sucintamente relatados, o arguido, ora recorrente, foi 
 condenado, por decisão de primeira instância, pela prática de um crime de abuso 
 de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido nos artigos 30º, n.º 
 
 2, e 79º, do Código Penal e 7º, n.º 1, e 105.º, nº 1, do RGIT.
 
  
 Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou o julgado e, 
 contrariando a tese sufragada pelo recorrente, deu como não verificada a 
 prescrição do procedimento criminal, essencialmente com base na seguinte ordem 
 de considerações:
 
  
 
 - o prazo prescricional, iniciado em Novembro de 1997, data em que ocorreu o 
 
 último acto ilícito, interrompeu-se por efeito da notificação da acusação ao 
 arguido, mantendo-se suspenso desde esse momento até ao limite máximo de três 
 anos, nos termos previstos no artigo 120º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código 
 Penal;
 
 - nestes termos, a prescrição nunca poderia operar, ressalvado o tempo de 
 suspensão, antes de transcorrido o prazo de prescrição aplicável (cinco anos) 
 acrescido de metade (dois anos e meio), como prevê o artigo 121º, n.º 3, do 
 Código Penal;
 
  
 
 - havendo ainda que acrescer ao prazo normal de suspensão resultante do artigo 
 
 120º, n.º 2, do Código Penal, o prazo de suspensão especialmente previsto no 
 artigo 2º, n.º 3, da Lei n.º 51-A/96, de 9 de Dezembro, por virtude da adesão do 
 arguido  ao regime de pagamento de dívidas fiscais em prestações a que se refere 
 o Decreto-Lei n.º 124/96, de 10 de Agosto;
 
  
 
 - implicando o prolongamento do prazo prescricional pelo período de 11 meses e 
 
 19 dias correspondente ao intervalo entre 31 de Janeiro a 19 de Dezembro de 
 
 1997, durante o qual vigorou o regime prestacional do Decreto-Lei n.º 124/96.
 
  
 Não se conformando com o assim decidido, o recorrente considera serem 
 inconstitucionais as normas do artigo 120.º. n° 1, alínea b), e n.º 2 do Código 
 Penal, por violação do disposto nos artigos 2°, 18°, 20.º, 32° e 204° da 
 Constituição, quando interpretadas – tal como o foram pela decisão recorrida – 
 no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento criminal a que se 
 refere o n° 3 do artigo 2° da Lei n° 51-A/96 não se engloba no limite máximo da 
 suspensão previsto no n° 2 do artigo 120.º do Código Penal, e poderá ainda 
 acrescer a esse limite, mesmo quando o facto determinante de tal suspensão tenha 
 ocorrido em data anterior à do começo do prazo prescricional.
 
  
 Para explicitar o invocado vício de inconstitucionalidade, o recorrente refere 
 que a interpretação normativa efectuada pelo acórdão recorrido amplia 
 inovatoriamente a tipologia de causas de suspensão previstas no artigo 120º do 
 Código Penal (conclusões 5ª e 17ª), alarga, sem qualquer limite temporal, os 
 prazos de prescrição do procedimento criminal (conclusão 25ª), e põe em causa o 
 progressivo esbatimento da necessidade de perseguição penal por efeito do 
 decurso do tempo (conclusão 26ª).
 
  
 De tudo devendo concluir-se – como alega - que a referida interpretação 
 normativa viola o princípio da proporcionalidade e as garantias de defesa do 
 arguido, bem como o princípio da certeza e paz jurídica. 
 
  
 A tese da inconstitucionalidade radica, por conseguinte, na existência de uma 
 diminuição das garantias de defesa do arguido por via da configuração de uma 
 suspensão do prazo de prescrição não prevista na lei penal e sem limite 
 temporal, de onde também decorre a violação do princípio da proporcionalidade; 
 e, por outro lado, na violação do princípio da segurança jurídica, na medida em 
 que o alargamento do período de suspensão do prazo prescricional põe em causa o 
 esbatimento pelo decurso da necessidade de perseguição criminal e, desse modo, a 
 paz social.
 
  
 
 3. O que o tribunal recorrido fez - deve começar por dizer-se - foi aditar, para 
 efeito da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, os períodos 
 de suspensão do prazo que resultavam de diferentes regimes jurídicos: a 
 suspensão por efeito da notificação da acusação ao arguido, nos termos do artigo 
 
 120.º, n° 1, alínea b), do Código Penal, e que não podia ultrapassar o limite de 
 
 3 anos como prevê o n.º 2 desse artigo; e a suspensão resultante de um diverso 
 facto jurídico, que consistiu na adesão do arguido ao regime prestacional de 
 pagamento das dívidas fiscais, a que se refere o artigo 2°, n.º 3, da Lei n° 
 
 51-A/96.
 
  
 De facto, o Código Penal prevê que a prescrição do procedimento criminal se 
 suspenda, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em 
 que decorreram as situações descritas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 
 
 120º, incluindo o caso de o procedimento criminal se encontrar pendente «a 
 partir da notificação da acusação», hipótese versada na primeira parte da alínea 
 b) desse n.º 1; e o período de suspensão precisamente previsto nessa alínea b) 
 não pode ultrapassar, como explicita o n.º 2 do mesmo artigo 120º, o prazo de 3 
 anos.
 
   
 A Lei n° 51-A/96, por sua vez, instituiu um regime especial de suspensão do 
 processo penal fiscal e do prazo de prescrição do procedimento criminal, que é 
 apenas aplicável aos crimes de fraude fiscal, abuso de confiança fiscal  e 
 frustração de créditos fiscais que resultem de condutas ilícitas que tenham dado 
 origem às dívidas abrangidas pelo disposto no Decreto-Lei n.º 225/94, de 5 de 
 Setembro, e no Decreto-Lei n.º 124/96, dde 10 de Agosto (artigo 1º), e que 
 engloba as situações em que o agente do crime tenha sido autorizado a efectuar o 
 pagamento das dívidas fiscais em regime de prestações (artigo 2º); sendo ainda 
 certo que o pagamento integral dos impostos e acréscimos legais, de acordo como 
 esse regime legal, extingue a responsabilidade criminal (artigo 3º).
 
  
 Nada permite concluir, neste contexto, que a aplicação conjugada de ambos os 
 regimes de suspensão do prazo prescricional viole qualquer dos princípios 
 constitucionais invocados pelo recorrente.
 
  
 O Código Penal ressalva a possibilidade de a legislação avulsa instituir regimes 
 especiais de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal (proémio 
 do artigo 120º), e essas outras disposições especiais têm igual valor 
 legislativo desde que cumpram os critérios de repartição de competência 
 legiferante e, em especial, observem o regime de reserva parlamentar que for 
 aplicável (cfr. artigos 112º, n.º 1, e 165º, n.º 1, alínea c), da Constituição).
 
  
 Nenhuma norma ou princípio constitucional impõe que todo o direito penal e 
 processual penal, e designadamente as matérias a que se referem os artigos 27º a 
 
 32º da Constituição, deva constar de um único diploma legal, colocando-se aí 
 apenas um problema de técnica legislativa que o legislador deverá ponderar, 
 dentro da sua margem de livre conformação, em função da conveniência de regular 
 de forma unitária e sistemática a disciplina fundamental de um certo ramo de 
 direito ou sector da vida social.
 
  
 Não é, por isso, constitucionalmente ilegítimo que um novo regime de suspensão 
 do prazo prescricional tenha sido introduzido por um diploma avulso, quando é, 
 aliás, certo que essa alteração normativa surge como medida legislativa de 
 natureza conjuntural, no quadro global de regularização das dívidas ao Estado 
 
 (que havia sido implementada pelos citados Decretos-Leis n.ºs 225/94 e 124/96), 
 e que se justifica plenamente que tenha sido objecto de tratamento autónomo e 
 diferenciado (cfr. preâmbulo deste último diploma legal).
 
  
 Por outro lado, como o Tribunal Constitucional tem também reconhecido, não 
 existe norma constitucional que explicitamente consagre a regra da 
 imprescritibilidade do procedimento criminal (acórdão n.º 629/2005), sendo 
 apenas exigível, como emanação do princípio da legalidade da perseguição 
 criminal, que o Estado proceda à regulamentação da prescrição - incluindo o 
 regime de interrupção e suspensão dos prazos prescricionais - de uma forma 
 precisa e concreta, obviando a situações em que se opere, na prática, a 
 ineficácia do instituto da prescrição (Faria e Costa, Linhas de Direito Penal e 
 de Filosofia: alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra, 2005, págs. 179 e 187; 
 neste sentido aponta também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 483/2002).
 
  
 Ora, no caso concreto, não pode deixar de considerar-se cumprido este 
 desiderato. Segundo dispõe a Lei n° 51-A/96, nos casos em que o agente tiver 
 obtido da administração fiscal, nos termos legais, a autorização para efectuar o 
 pagamento dos impostos e respectivos acréscimos legais em regime prestacional, 
 há lugar à suspensão do processo de averiguações, bem como do processo penal 
 fiscal, enquanto se mantiver o pagamento pontual das prestações, e, por efeito 
 da suspensão do processo, ocorre também a suspensão do prazo de prescrição do 
 procedimento criminal pelo mesmo período de tempo (artigo 2º).
 
  
 O comando legal não pode deixar qualquer dúvida de interpretação e, enquanto 
 medida de política legislativa, é também perfeitamente inteligível.
 
  
 Visando o legislador criar incentivos à regularização de dívidas fiscais, e 
 tendo previsto a extinção da responsabilidade criminal em relação às condutas 
 ilícitas que tenham originado essas dívidas, desde que tenha sido efectuado o 
 pagamento integral dos impostos e acréscimos legais em regime prestacional, não 
 faria qualquer sentido que, simultaneamente com o procedimento de pagamento a 
 prestações, continuasse a decorrer o processo penal em vista a obter a 
 condenação do agente pela sua actividade ilícita.
 
  
 Neste condicionalismo, a única solução juridicamente defensável, do ponto de 
 vista da protecção da confiança dos cidadãos, era a de assegurar a suspensão do 
 processo administrativo ou criminal que estivesse já em curso, tendo em linha de 
 conta que a adesão das entidades devedoras ao plano de pagamento das dívidas 
 conduziria normalmente à inutilidade da lide por extinção da responsabilidade 
 criminal.
 
  
 Por outro lado, em face dos curtos prazos de prescrição que estão definidos na 
 lei penal geral (artigo 118º do Código Penal), a suspensão do processo deveria 
 ter como lógica consequência a própria suspensão do prazo de procedimento 
 criminal, sob pena de o mecanismo de regularização de dívidas poder ser 
 utilizado fraudulentamente como forma de o agente se eximir, pelo decurso do 
 tempo, à perseguição criminal.
 
  
 Além de que, neste caso, a causa suspensiva do prazo de prescrição do 
 procedimento criminal foi criada por lei em benefício do agente, e não pode ser 
 imputada ao funcionamento da administração da justiça ou a um outro qualquer 
 factor externo à posição processual do arguido .
 
  
 Há por isso fundamento material bastante para o estabelecimento de uma nova 
 causa de suspensão da prescrição, sendo que esta é tão ou mais justificável que 
 qualquer das outras elencadas no artigo 120º do Código Penal. E tratando-se de 
 uma causa suspensiva fundada em facto jurídico diverso daquele que está previsto 
 na alínea b) do n.º 1 deste artigo, nenhuma razão subsistia para que o lapso de 
 tempo durante o qual o processo estivesse suspenso com aquele fundamento devesse 
 encontrar-se abrangido pelo limite estipulado no n.º 2 desse preceito, que 
 apenas se reporta às situações em que o processo está pendente após a 
 notificação da acusação ou da decisão instrutória.
 
  
 
 4. Acresce que, contrariamente ao que vem alegado, a suspensão do prazo de 
 prescrição do procedimento criminal a que se refere o artigo 2º, n.º 3, da Lei 
 n° 51-A/96 não opera de forma ilimitada.
 
  
 Embora esse dispositivo não fixe expressamente qualquer limite temporal para a 
 suspensão, esta está necessariamente indexada ao próprio sistema legal de 
 diferimento do pagamento dos créditos, conforme o previsto no artigo 5º do 
 Decreto-Lei n.º 124/96, o qual não poderá exceder o período correspondente a 150 
 prestações mensais. Além de que as dívidas tornam-se exigíveis quando deixe de 
 ser efectuado o pagamento integral e pontual das prestações previstas, ou seja 
 revogada a autorização para a regularização de dívidas através desse 
 procedimento ou o devedor incorra em incumprimento de qualquer obrigação 
 tributária principal (artigo 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 124/96).
 
  
 E havendo razão – como se pôde constatar - para instituir esta nova causa 
 suspensiva da prescrição, bem se compreende que ela não deva cessar enquanto se 
 mantiver a situação jurídica que lhe deu origem, e, portanto, enquanto se não 
 extinguir, por qualquer motivo legalmente relevante, o procedimento de pagamento 
 das dívidas em regime prestacional.
 
  
 Como facilmente se pode concluir, não há, nestas circunstâncias, qualquer 
 preterição das garantias de defesa do arguido, ou sequer violação do princípio 
 da proporcionalidade ou do princípio da legalidade da perseguição criminal.
 
  
 O regime da citada Lei n° 51-A/96 foi instituído em benefício do agente do 
 crime, que poderá eximir-se, por via da adesão ao plano de regularização de 
 dívidas e a consequente suspensão do processo criminal, à responsabilidade 
 decorrente da sua anterior actividade ilícita que era legalmente punível. O 
 prazo pelo qual o processo se encontra suspenso (com a correspondente suspensão 
 da prescrição) é aquele que permite dar concretização prática ao procedimento 
 pelo qual se obtém a isenção da responsabilidade criminal, e é, por conseguinte, 
 uma medida  necessária, adequada e proporcional ao objectivo que se pretende 
 atingir. Não pode dizer-se, por outro lado, que o regime legal assim gizado põe 
 em causa a paz social (na medida  em que prolonga o período de tempo durante o 
 qual é ainda possível ao Estado exercer a pretensão punitiva), quando a verdade 
 
 é que a causa suspensiva da prescrição é determinada pela oportunidade que é 
 dada ao agente, através do pagamento diferido das dívidas fiscais, de obter o 
 arquivamento do processo crime e se colocar a coberto da perseguição penal. 
 
  
 
 5. O recorrente sustenta, no entanto, que a interpretação normativa efectuada 
 pelo tribunal recorrido é constitucionalmente ilegítima, também na medida em que 
 permite operar a suspensão antes ainda da data em que se iniciou o  prazo de 
 prescrição.
 
  
 Esta arguição assenta na circunstância de o acórdão recorrido ter relevado, para 
 efeitos do artigo 2º, n.º 3, da Lei n° 51-A/96, o prazo decorrido entre a adesão 
 do arguido ao plano de regularização de dívidas, em 31 de Janeiro de 1997, e o 
 momento em que essa situação cessou por efeito da declaração de falência, em 19 
 de Dezembro seguinte, quando é certo que o último facto ilícito, que determinou 
 o início da contagem do prazo prescricional, ocorreu em Novembro de 1997.
 
  
 Não compete ao Tribunal Constitucional, como se sabe, tomar posição sobre a 
 correcção da solução jurídica adoptada pelo tribunal recorrido, na perspectiva 
 da interpretação e aplicação do direito ordinário, mas tão-só controlar a 
 conformidade constitucional da interpretação normativa que foi acolhida.
 
  
 
  
 E, neste plano, o único princípio constitucional que pode estar em causa, e a 
 que deverá reconduzir-se a alegação do recorrente, tendo em conta o 
 circunstancialismo do caso, é o da segurança jurídica.
 
  
 Uma das exigências que decorre do princípio da segurança jurídica, como elemento 
 essencial de um Estado de Direito, que poderá extrair-se do artigo 2º da 
 Constituição, é a previsibilidade e calculabilidade da actuação estadual (Reis 
 Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, 
 Coimbra, 2004, pág. 261).
 
  
 E neste sentido também o Tribunal Constitucional tem afirmado que o princípio do 
 Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos 
 cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que 
 implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas 
 expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de 
 que «a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou 
 demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a 
 comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de 
 direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» 
 
 (entre  outros, o Acórdão nº 303/90, in “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 
 
 17º vol. V, pág.65). 
 
  
 E ainda no recente acórdão n.º 50/2009 se ponderou a necessidade de proceder, em 
 cada caso, a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos 
 cidadãos, decorrentes do princípio do Estado de direito democrático, e a 
 liberdade constitutiva e conformadora do legislador, ao qual, inequivocamente, 
 há que reconhecer a legitimidade de tentar adequar as soluções jurídicas às 
 realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis. Um 
 tal equilíbrio, como se afirma no mesmo aresto, será postergado nos casos em que 
 
 «a lei viola aquele mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem poder 
 depositar na ordem jurídica de um Estado de direito, impondo-se, então, a 
 intervenção do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica que 
 está implícito no princípio do Estado de direito democrático, por forma que a 
 obstar a que nova lei vá desrespeitar os mínimos de certeza e segurança dos 
 destinatários na ordenação da sua vida de acordo com a ordem jurídica vigente».
 
  
 No caso vertente, importa notar que os factos ilícitos a que se reporta o 
 processo penal, e pelos quais o arguido, ora recorrente, foi condenado, remontam 
 ao período que mediou entre 1994 e 1997, sendo o último facto ilícito cometido 
 em Novembro deste ano.
 
  
 O arguido aderiu ao plano de pagamento diferido das dívidas fiscais em Janeiro 
 de 1997, num momento em que estava já incurso na prática continuada de crime de 
 abuso de confiança fiscal, por falta de entrega à administração fiscal das 
 prestações tributárias que estava obrigado a liquidar. A própria possibilidade 
 de acesso aos procedimentos de regularização de dívidas previsto no Decreto-Lei 
 n.º 124/96 – de que depende o funcionamento do regime de suspensão de processo 
 fiscal penal mencionado na Lei n° 51-A/96 e a consequente suspensão da 
 prescrição – pressupunha que as dívidas em causa tivessem origem em actuações 
 ilícitas puníveis por qualquer dos tipos legais definidos nessa Lei e, entre 
 eles, o crime de abuso de confiança fiscal.
 
  
 Estando em causa uma continuação criminosa nada impedia, por outro lado, que o 
 correspondente procedimento criminal pudesse ser instaurado a partir da notícia 
 de qualquer dos actos ilícitos praticados, e por isso também a partir do 
 primeiro desses actos ou de qualquer dos actos intermédios até ao termo da 
 actividade ilícita.
 
  
 A circunstância de a lei determinar que o prazo de prescrição só corre, nos 
 crimes continuados, desde o dia da prática do último acto, deve-se apenas ao 
 facto de existir aí uma unidade de propósito criminoso, com conexão temporal e 
 uniformidade de processo de actuação, que justifica a unificação dos diversos 
 actos de execução do mesmo tipo legal de crime, e que permite reportar ao último 
 acto praticado o momento a partir do qual se torna exigível, em ordem ao valor 
 social da paz jurídica, a imposição de um limite temporal para a perseguição 
 penal.
 
  
 Não significa isso que a acção penal não possa ser exercida em relação a 
 qualquer uma das plúrimas condutas do agente que preencham o tipo de ilícito 
 penal.
 
  
 Em todo este contexto, o arguido não podia ignorar que se encontrava sujeito à 
 eventualidade de lhe ser aplicado o regime de suspensão do processo penal fiscal 
 logo que este lhe fosse instaurado, com implicações também na contagem do prazo 
 de prescrição por efeito da suspensão prevista no n.º 3 do artigo 2º da Lei n.º 
 
 51-A/96. 
 
  
 A adesão ao esquema de pagamento diferido das dívidas fiscais implicava à 
 sujeição ao regime legal globalmente considerado e, portanto, também, às suas 
 diversas incidências, incluindo no tocante à repercussão que poderia ter na 
 sustação do processo crime e consequente suspensão da prescrição.
 
  
 Não poderá considerar-se, neste condicionalismo, que a interpretação normativa 
 adoptada pelo tribunal recorrido represente uma violação do princípio da 
 segurança jurídica, em termos de poder ser tida como constitucionalmente 
 desconforme.
 
  
 Não ocorre, pois, a violação do disposto nos artigos 2°, 18°, 20.º e 32° da 
 Constituição. A norma do artigo 204° - também invocada pelo recorrente -, na 
 medida em que se limita a permitir aos tribunais a recusa de aplicação de normas 
 que infrinjam o disposto na Constituição, tem um carácter meramente adjectivo e 
 não assume relevo autónomo como parâmetro de constitucionalidade, pelo que não 
 tem de ser considerada.
 
 
 
  
 III. Decisão
 Termos em que se decide negar provimento ao recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.
 
  
 Lisboa, 12 de Março de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão