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Processo n.º 258/09
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
       Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
   
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 27 de Abril de 2009, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, negar 
 provimento ao recurso por ele interposto, por reputar manifestamente infundada 
 a questão da inconstitucionalidade, por pretensa violação do artigo 32.º, n.º 1, 
 da Constituição da República Portuguesa (CRP), da interpretação dos artigos 
 
 113.º, n.º 9, 425.º, n.º 6, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) e 
 
 41.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, no sentido de que a 
 notificação do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso interposto 
 da decisão judicial que julgou a impugnação da decisão administrativa 
 sancionadora de contra‑ordenação, deve ser efectuada ao mandatário judicial do 
 recorrente, não sendo exigida a sua notificação pessoal ao arguido.
 
  
 
                         1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal da 
 Relação de Coimbra (TRC), de 11 de Fevereiro de 2009 – que negou provimento ao 
 recurso interposto do despacho do Tribunal Judicial de Castelo Branco, de 4 de 
 Junho de 2008, que indeferira requerimento apresentado pelo ora recorrente no 
 sentido de se determinar o arquivamento dos autos por prescrição do procedimento 
 contra‑ordenacional –, referindo no requerimento de interposição de recurso:
 
  
 
             «2.º – Quer em primeira instância, quer no douto acórdão do 
 Tribunal da Relação de Coimbra ora recorrido, que conheceu da matéria de 
 prescrição, interpretando o disposto nos artigos 113.º, n.º 9, 425.º, n.º 6, e 
 
 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal no sentido de que a notificação ao 
 arguido em processo crime e, consequentemente, contra‑ordenacional, de um 
 acórdão condenatório proferido por esse Tribunal da Relação se considera feita 
 na pessoa do seu mandatário judicial, designadamente para efeitos da contagem de 
 prazo de interposição de recurso, e, consequentemente, para o seu trânsito em 
 julgado, independentemente, em qualquer caso, da notificação pessoal ao 
 arguido, sem exceptuar os casos em que este não tenha obtido conhecimento 
 pessoal da decisão condenatória, foi fixado que o arguido ficou devidamente 
 notificado do primeiro acórdão proferido nos autos, sobre o fundo da questão.
 
             3.º – Porém, os artigos 113.º, n.º 9, 425.º, n.º 6, e 411.º, n.º 1, 
 todos do Código de Processo Penal, nessa interpretação que lhes é dada, tanto 
 pela M.ma Juiz a quo em primeira instância, quer pelos Senhores Desembargadores, 
 no sentido de que a notificação de uma decisão condenatória, relevante para a 
 contagem de prazo de interposição de recurso, e, consequentemente, para o seu 
 trânsito em julgado, é apenas a notificação ao defensor, independentemente, em 
 qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que 
 este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória, é 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
             4.º – O recorrente não se conforma com tais interpretações nem, 
 consequentemente, com a douta decisão proferida no referenciado acórdão, 
 decorrente da respectiva inconstitucionalidade, razão porque interpõe o 
 presente recurso e pretende ver decretada a referenciada inconstitucionalidade 
 específica.
 
             5.º – Efectivamente, as inconstitucionalidades, como invocadas pelo 
 ora recorrente, foram perpetradas no douto acórdão de que se recorre, bem como 
 pelo Tribunal da Primeira Instância, tendo já em sede de recurso para a Relação 
 sido suscitada a presente questão de inconstitucionalidade, nos precisos termos 
 em que agora o faz, pelo que a suscitou de modo processualmente adequado perante 
 o tribunal que proferiu a decisão recorrida.»
 
  
 
             2. O presente recurso emerge de impugnação judicial da decisão da 
 Delegação Distrital de Castelo Branco da Direcção‑Geral de Viação, que aplicou 
 ao ora recorrente, pela prática, em 25 de Abril de 2006, de uma 
 contra‑ordenação prevista e punida pelo artigo 27.º, n.º 1, do Código da 
 Estrada, a sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir veículos a 
 motor, pelo período de 60 dias.
 
             A impugnação foi julgada improcedente por despacho de 20 de Abril de 
 
 2007 do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco.
 
             O arguido interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação 
 de Coimbra, que, por acórdão de 21 de Novembro de 2007, lhe negou provimento. 
 Este acórdão foi notificado ao mandatário do recorrente por carta registada 
 expedida em 26 de Novembro de 2007.
 
             Em 8 de Maio de 2008, o arguido apresentou no Tribunal Judicial da 
 Comarca de Castelo Branco requerimento no sentido do imediato arquivamento dos 
 autos, por prescrição do procedimento contra‑ordenacional, referindo, em suma, 
 que: (i) o facto imputado ao arguido ocorreu em 25 de Abril de 2006, há já mais 
 de dois anos; (ii) o arguido ainda não foi notificado do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Coimbra, devendo entender‑se que a notificação do mandatário forense 
 não obsta ao dever de notificar o arguido, só começando a correr o prazo para o 
 trânsito em julgado a partir da prática de tal acto; (iii) com a entrada em 
 vigor do Decreto‑Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, foi criado um regime 
 especial de prescrição do procedimento, das coimas e das sanções acessórias 
 aplicável às contra‑ordenações previstas no Código da Estrada, que afastou a 
 aplicação do regime geral consagrado nos artigos 27.º a 31.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 433/82, de 27 de Outubro; (iv) de acordo com aquele regime especial, existe um 
 prazo único de prescrição do procedimento contra‑ordenacional rodoviário de 
 dois anos (o mesmo acontecendo com o prazo de prescrição das coimas e das 
 sanções acessórias), que, no caso, já decorreu, o que determina a extinção, por 
 prescrição, do procedimento em causa.
 
             Esta pretensão foi indeferida por despacho de 4 de Junho de 2008, 
 por se entender que os acórdãos prolatados por tribunais superiores são 
 notificados ao defensor ou advogado do arguido, não impondo a lei a notificação 
 pessoal deste, pelo que, no caso, o acórdão do TRC, de 21 de Novembro de 2007, 
 se mostra regularmente notificado ao arguido e transitou em julgado, 
 acrescentando: «Finalmente, como é manifesto, não ocorreu a suscitada 
 prescrição do procedimento contra‑ordenacional dos autos».
 
             O arguido interpôs recurso desta decisão para o TRC, tendo 
 sintetizado a respectiva motivação nas seguintes conclusões:
 
  
 
             «a) Por requerimento apresentado pelo arguido, em 8 de Maio de 2008, 
 veio o mesmo, invocando que o processo ainda não havia transitado em julgado, 
 por omissão de notificação do arguido, requerer a prescrição do procedimento 
 contra‑ordenacional;
 
             b) Isto porque, tendo o arguido recorrido para o venerando Tribunal 
 da Relação de Coimbra, o respectivo acórdão condenatório, notificado ao 
 advogado, não o havia sido ao próprio arguido, nem antes nem após a baixa do 
 processo;
 
             c) Pelo douto despacho de que ora se recorre, veio a M.ma Juiz a quo 
 indeferir o requerido, fundamentando‑se para tal no conhecimento de uma 
 questão prévia – ou que, pelo menos, materialmente revestiu essa natureza –, em 
 concreto a existência de trânsito em julgado, prévio à data de prescrição 
 invocada pelo arguido, pelo que se não pronunciou quanto à questão da contagem, 
 em si, do prazo prescricional, como suscitada por este último;
 
             d) E a M.ma Juiz a quo fixou tal corolário por entender, de forma 
 inequívoca, que com a notificação do defensor do arguido fica, sem mais, 
 garantido o cumprimento dos deveres de conhecimento, pelo arguido, da decisão 
 condenatória, pelo que o prazo de recurso, e respectivo trânsito, se contam a 
 partir desse momento, com exclusão de qualquer outro;
 
             e) Caso o presente recurso ou, bem assim, o que venha ulteriormente 
 a ser interposto junto ao Tribunal Constitucional, seja deferido, apenas a M.ma 
 Juiz a quo terá poderes jurisdicionais para, em primeira instância, se 
 pronunciar sobre o requerido no que respeita à questão do efectivo prazo 
 prescricional relevante nos presentes autos;
 
             f) A tutela jurisdicional não se esgota, na ordem jurídica 
 portuguesa, mesmo nos casos – como o das contra‑ordenações –, em que não existe 
 um duplo grau de jurisdição ordinária, uma vez que é possível, pelo menos, o 
 recurso de inconstitucionalidades;
 
             g) O sentido do legislador ao incluir, no artigo 425.º do Código de 
 Processo Penal, o seu n.º 6, através da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, foi 
 claramente o de impor às instâncias de recurso o dever processual inequívoco 
 de notificar as partes, e não os seus mandatários, das decisões que proferiam;
 
             h) Ciente disso, e para que a prescrição aproveitasse ao arguido, o 
 seu defensor, ora subscritor, não lhe comunicou, deliberadamente, o teor do 
 douto acórdão, fazendo‑o no que entende ser o cumprimento da sua leges artis e 
 dos seus deveres deontológicos;
 
             i) O venerando Tribunal da Relação de Coimbra, ao não notificar 
 pessoalmente o arguido do douto acórdão dos autos, omissão essa que não se 
 encontra sanada, e a M.ma Juiz a quo, ao indeferir o pedido de prescrição 
 fundando‑se, para isso, no facto de considerar o arguido notificado através do 
 seu mandatário, violaram frontalmente o comando expresso constante do n.º 6 do 
 artigo 425.º do Código de Processo Penal;
 
             j) Os artigos 113.º, n.º 9, 425.º, n.º 6, e 411.º, n.º 1, todos do 
 Código de Processo Penal, na interpretação que lhes é dada pela M.ma Juiz a quo, 
 no sentido de que a notificação de uma decisão condenatória, relevante para a 
 contagem de prazo de interposição de recurso, e, consequentemente, para o seu 
 trânsito em julgado, é apenas a notificação ao defensor, independentemente, em 
 qualquer caso, da notificação pessoal ao arguido, sem exceptuar os casos em que 
 este não tenha obtido conhecimento pessoal da decisão condenatória, é 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa.»
 
  
 
             A este recurso foi negado provimento pelo acórdão ora recorrido, com 
 a seguinte fundamentação jurídica:
 
  
 
             «O arguido, inconformado com a decisão de 1.ª instância que o 
 condenou como reincidente pela prática de uma contra‑ordenação prevista pelo 
 artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, interpôs recurso para o Tribunal 
 da Relação de Coimbra, que decidiu negar provimento ao recurso e manter a 
 decisão recorrida.
 
             Proferida tal decisão, dela apenas foi notificado o seu mandatário, 
 como decorre de fls. 105.
 
             Remetidos os autos à 1.ª instância, o mesmo arguido, alicerçado em 
 que a falta de notificação pessoal própria do mencionado aresto deste Tribunal 
 configuraria uma omissão que obstaria ao trânsito em julgado da decisão, veio 
 requerer ao tribunal que declarasse prescrita a contra‑ordenação cometida, 
 atendendo ao tempo entretanto decorrido sobre a prática da mesma.
 
             Novamente sem êxito, pois que, através do despacho de que agora 
 recorre, o M.mo Juiz indeferiu o requerido.
 
             A questão a decidir é saber se, em contrário do decidido, a 
 notificação do anterior acórdão proferido por este Tribunal devia também ser 
 realizada pessoalmente ao próprio arguido/recorrente ou, tal como decidido, se 
 basta a lei processual penal, no caso, com a simples notificação realizada na 
 pessoa do seu mandatário.
 
             A jurisprudência tem decidido que a notificação de uma decisão 
 proferida por tribunal superior apenas deve ser notificada ao mandatário, não 
 sendo necessário proceder à notificação pessoal do arguido.
 
             Os acórdãos proferidos pelas Relações apenas são notificados aos 
 recorrentes na pessoa dos seus mandatários, não tendo aplicação o disposto no 
 artigo 113.º, n.º 9, do CPP [Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6 de 
 Fevereiro de 2002, in Colectânea de Jurisprudência, ano X, tomo I, pp. 
 
 200/202].
 
             Com efeito, este preceito legal, ressalvando a regra geral da 
 representação do arguido pelo respectivo defensor ou advogado, apenas impõe a 
 notificação ao arguido das decisões respeitantes ‘à acusação, à decisão 
 instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as 
 relativas à aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial e a 
 dedução do pedido de indemnização civil’.
 
             Das situações referidas parece resultar bem clara a intenção de se 
 excluir qualquer referência a actos processuais ocorridos na fase de recurso, 
 onde o arguido está obrigatoriamente assistido por defensor, nos termos da 
 alínea d) do n.º 1 do artigo 64.º do CPP, por justamente se reconhecer a 
 necessidade de apoio em questões e matérias essencialmente de direito.
 
             Tanto assim é que o arguido começa por não ser notificado 
 
 (pessoalmente) da própria admissão dos recursos e, nesta fase, não tem qualquer 
 intervenção pessoal – é sempre representado pelo defensor –, excepto na 
 audiência com renovação da prova, para a qual é convocado, sem que a sua falta 
 dê origem a adiamento da mesma.
 
             Ora, um acórdão proferido em recurso obedece a formalismo próprio 
 que não se confunde na sua totalidade com o formalismo das sentenças proferidas 
 em 1.ª instância, como aliás decorre do preceituado no n.º 6 do artigo 425.º do 
 CPP, onde se diz: ‘O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao 
 Ministério Público’.
 
             Como é sabido, o defensor é um sujeito do processo, um órgão de 
 administração da justiça, actuando embora exclusivamente em favor do arguido. 
 Como órgão da justiça, o seu poder dever emana da lei. Sendo assim, a lei 
 determina a sua intervenção no processo, conferindo‑lhe direitos e deveres e 
 disciplinando, em relação aos actos processuais, a sua função de substituto 
 
 (representante) do arguido ou a exclusão dessa qualidade, tudo assente na 
 constatação de que ele é um órgão de administração da justiça e de que 
 desempenha uma função pública.
 
             Assim, a lei basta‑se com a sua intervenção em determinados actos 
 processuais, sem a presença ou convocação do arguido, como acontece na 
 audiência dos tribunais superiores (artigo 412.º, n.º 4), salvo no caso de 
 renovação da prova no recurso perante as Relações, mas, ainda assim, com uma 
 imperatividade muito focalizada, como resulta do n.º 4 do artigo 420.º, que diz: 
 
 ‘O arguido é sempre convocado para a audiência, mas, se tiver sido regularmente 
 convocado, a sua falta não dá lugar a adiamento, salvo decisão do tribunal em 
 contrário’.
 
             Como resulta do disposto nos artigos 372.º, 373.º e 425.º do CPP, é 
 diferente a tramitação do acórdão, conforme tenha lugar em primeira ou segunda 
 instância. No primeiro caso, a leitura da sentença equivale à sua notificação 
 aos sujeitos processuais que deverem considerar‑se presentes em audiência, 
 procedendo‑se, em seguida, ao seu depósito na secretaria, com entrega de cópia 
 aos interessados (n.ºs 4 e 5 do artigo 372.º). O arguido que não estiver 
 presente considera‑se notificado da sentença depois de esta ter sido lida 
 perante o defensor nomeado ou constituído (n.º 3 do artigo 373.º). No segundo 
 caso, e não havendo lugar à renovação da prova (artigo 430.º do CPP), o arguido 
 não é obrigado a estar presente, não há leitura do acórdão, nem a lei se refere 
 ao seu depósito (artigo 425.º do CPP). Também nos termos do artigo 411.º, n.º 1, 
 do CPP e não se tratando de decisão oral reproduzida em acta, o prazo para 
 interposição do recurso conta‑se a partir da notificação da decisão ou, 
 tratando‑se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. No artigo 425.º 
 não se fala em depósito do acórdão e ainda que este efectivamente se verifique, 
 os intervenientes processuais não têm possibilidade de determinar a data em que 
 o mesmo é feito, pois não há leitura pública do mesmo. ‘O acórdão do Tribunal 
 da Relação, mesmo proferido após audiência, deve ser notificado ao defensor ou 
 advogado do arguido, não impondo a lei a notificação pessoal deste’ [Acórdão do 
 Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Outubro de 2006, Proc. 132/05.9TBCTB].
 
             Do exposto, a conclusão inevitável de que, proferido o anterior 
 acórdão deste Tribunal, se procedeu à devida tramitação, notificando‑se do mesmo 
 tão‑somente o mandatário do arguido/recorrente, pelo que a decisão proferida 
 transitou em julgado.
 
             Quer dizer que, tendo transitado a decisão, não há lugar à 
 prescrição do procedimento contra‑ordenacional, pelo que se deverá manter a 
 decisão recorrida.
 
 *
 
             Sempre se dirá, todavia, que, mesmo que assim não fosse, a 
 infracção praticada pelo arguido não se encontra prescrita, pois o artigo 
 
 188.º do Código da Estrada veio fixar o prazo normal de prescrição, que passou a 
 ser de dois anos, em vez de um ano como até aí, afastando‑se, neste particular, 
 do artigo 27.º do RGCC, continuando a aplicar‑se as restantes regras por força 
 do disposto no artigo 132.º do mesmo Código da Estrada, designadamente no que 
 se reporta à interrupção e à suspensão da prescrição, artigos 27.º‑A e 28.º do 
 RGCC, de onde decorre que o prazo máximo de prescrição do procedimento 
 
 [contra‑ordenacional] cifra‑se agora em três anos e seis [meses], prazo normal 
 de prescrição, acrescido de metade – artigo 28.º, n.º 3, do RGCC, acrescentado 
 do prazo de suspensão que não pode ir além de seis meses – artigo 27.º‑A do 
 mesmo diploma.
 
             Nada existe no Código da Estrada que nos permita afastar o 
 princípio geral nesta matéria, a legislação especial fixa o prazo normal de 
 prescrição e a legislação geral, Código Penal, relativamente aos crimes, e 
 Regime Geral de Contra‑Ordenações e Coimas quando, como é o caso, se trata deste 
 tipo de ilícitos.
 
             Aliás, mal se compreendia que um Código ditado pelas fortes 
 necessidades de prevenção e repressão de ilícitos estradais, como resulta do 
 agravamento das sanções e obrigações nele previstas, viesse encurtar um prazo 
 prescricional.
 
             O facto de se desejar com as alterações ao Código da Estrada um 
 processo mais célere que encurte o prazo entre a infracção e a sua punição e 
 uma maior eficácia das sanções nada contende, pensamos nós, com o alargamento do 
 prazo prescricional, que permite precisamente que mais infractores sejam 
 punidos.
 
             O Código da Estrada, como outra legislação avulsa, verbi gratia a 
 Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), mais não fez do que fixar um prazo normal 
 de prescrição para as infracções nele previstas, deixando para a lei geral a 
 contagem efectiva desse prazo [Cf. Código da Estrada, anotado por Taipa de 
 Carvalho, anotação ao artigo 188.º, de onde resulta de forma clara que se 
 aplicam os artigos 27.º‑A e 28.º às contra‑ordenações estradais].»
 
  
 
             3. Como resulta da precedente transcrição do acórdão recorrido, a 
 decisão de improvimento do recurso, com confirmação do indeferimento da 
 pretensão do recorrente de ser declarada a extinção, por prescrição, do 
 procedimento contra‑ordenacional, assentou em dois fundamentos, qualquer um 
 deles suficiente para manter tal sentido decisório: (i) considerar‑se que a 
 notificação de acórdãos proferidos em tribunais superiores em recursos de 
 decisões judiciais proferidas em impugnações de decisões administrativas 
 sancionadoras de contra‑ordenações é feita ao defensor ou mandatário do 
 arguido, não sendo legalmente exigida a notificação pessoal do arguido, pelo 
 que a notificação do acórdão de 21 de Novembro de 2007 se mostra regularmente 
 efectuada, tendo o mesmo transitado em julgado, com a consequente extinção, pelo 
 julgamento definitivo, do procedimento contra‑ordenacional, o que afasta de todo 
 a possibilidade de ser colocada a questão da posterior extinção do mesmo 
 procedimento, por prescrição; e (ii) considerar‑se que o regime geral de 
 suspensão e interrupção da prescrição do procedimento contra‑ordenacional (e 
 das coimas e das sanções acessórias) previsto nos artigos 27.º‑A e 28.º do 
 Decreto‑Lei n.º 433/82 se aplica às contra‑ordenações previstas no Código da 
 Estrada, conjugadamente com o alargamento para dois anos do prazo normal de 
 prescrição efectuado pelo artigo 188.º deste Código, o que determina que, no 
 caso, o prazo de prescrição do procedimento contra‑ordenacional seja de três 
 anos e seis meses, que ainda não decorreu, uma vez que a infracção em causa foi 
 praticada em 25 de Abril de 2006.
 
             Atendendo à reconhecida natureza instrumental do recurso de 
 constitucionalidade, era sustentável não se conhecer, por inutilidade, do 
 mérito do presente recurso, dado que, mesmo que viesse a ser‑lhe concedido 
 provimento, determinando‑se a reformulação da decisão recorrida, com eliminação 
 do seu primeiro fundamento, sempre se manteria o sentido dessa decisão, embora 
 com a sua base de sustentação limitada ao segundo fundamento, que não foi 
 incluído pelo recorrente no objecto do presente recurso e, por isso, se mostra, 
 de forma definitiva, insusceptível de alteração [Anote‑se que, no Acórdão n.º 
 
 604/2008, este Tribunal já teve oportunidade de julgar manifestamente infundada 
 a questão da inconstitucionalidade do entendimento, sufragado no acórdão então 
 recorrido, no sentido da aplicabilidade subsidiária das normas sobre suspensão 
 e interrupção dos prazos prescricionais estabelecidos no regime geral do ilícito 
 de mera ordenação social aos prazos de prescrição relativos a 
 contra‑ordenações previstas no âmbito do Código da Estrada].
 
             Admitindo‑se, porém, que o próprio acórdão recorrido não terá 
 colocado os dois aludidos fundamentos ao mesmo nível, e, sobretudo, que se pode 
 atribuir à adopção do primeiro fundamento um maior grau de estabilidade quanto à 
 ininvocabilidade, no presente caso, da prescrição do procedimento 
 contra‑ordenacional, considera‑se preferível a emissão de um juízo de mérito do 
 recurso, assente, como se demonstrará, no carácter manifestamente infundado da 
 questão de inconstitucionalidade suscitada.
 
  
 
             4. O recorrente fundamenta a arguição de inconstitucionalidade em 
 pretensa violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP – que proclama: «O 
 processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» 
 
 –, partindo do pressuposto da aplicação sem reservas desse comando ao processo 
 contra‑ordenacional, que equipara inteiramente ao processo criminal, 
 designadamente quanto aos requisitos de notificação das decisões dos tribunais 
 superiores, relevantes para efeitos da contagem dos prazos de interposição de 
 recurso.
 
             Ora, é justamente esse ponto de partida da tese do recorrente que 
 manifestamente claudica.
 
             Na verdade, constitui afirmação recorrente na jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional a da não aplicabilidade directa e global aos processos 
 contra‑ordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo 
 criminal, salientando‑se (cf., designadamente, os Acórdãos n.ºs 659/2006, 
 
 313/2007 e 135/2009), que, no artigo 32.º da CRP, só o disposto no seu n.º 10 se 
 dirige directamente aos processos de contra‑ordenação, e que, com a introdução 
 dessa norma constitucional (efectuada, pela revisão constitucional de 1989, 
 quanto aos processos de contra‑ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a 
 quaisquer processos sancionatórios), o que se pretendeu foi assegurar, nesses 
 tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos 
 estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente 
 assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função 
 pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao actual artigo 269.º, n.º 3). 
 Tal norma implica tão‑só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de 
 sanção, contra‑ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou 
 qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) 
 e possa defender‑se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), 
 apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a 
 apurar a verdade (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa 
 Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do 
 n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão 
 constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento 
 ao arguido, «nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios», de 
 
 «todas as garantias do processo criminal» (artigo 32.º‑B do Projecto de Revisão 
 Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da 
 Assembleia da República, II Série‑RC, n.º 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 
 
 541‑544, e I Série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466).
 
             É certo que, como se reconheceu no Acórdão n.º 659/2006, não se 
 limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos arguidos em processos 
 sancionatórios, mas é noutros preceitos constitucionais, que não no n.º 10 do 
 artigo 32.º, que eles encontram esteio. É o caso, desde logo, do direito de 
 impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa, direito 
 que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as 
 decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. E, entrados esses 
 processos na «fase jurisdicional», na sequência da impugnação perante os 
 tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas garantias 
 constitucionais dos processos judiciais, quer directamente referidas naquele 
 artigo 20.º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo 
 equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático 
 
 (artigo 2.º da CRP), sendo descabida a invocação, para esta fase, do disposto 
 no n.º 10 do artigo 32.º da CRP.
 
             Porém, entre esses direitos não se conta o direito de recurso (ou de 
 duplo grau de jurisdição) consagrado, especificamente para o processo criminal, 
 no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, tendo o citado Acórdão n.º 659/2006 julgado não 
 inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artigo 73.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 433/82, interpretado no sentido de não permitir recurso para o Tribunal da 
 Relação de despacho de indeferimento de arguição de nulidade processual, 
 proferido posteriormente à decisão de rejeição de impugnação judicial de 
 decisão administrativa sancionadora de contra‑ordenação.
 
             Já no Acórdão n.º 77/2005, após se expressarem reservas quanto à 
 atribuição ao n.º 10 do artigo 32.º da CRP de um alcance tão amplo que 
 abarcasse, no «direito de defesa» nele contemplado, quer o direito de 
 impugnação judicial das decisões de aplicação de coimas, quer ainda o direito de 
 recorrer das decisões desta impugnação judicial, isto é, a imposição da 
 garantia de uma segunda instância judicial para apreciação da impugnação da 
 decisão administrativa, se decidiu não julgar inconstitucional o artigo 74.º, 
 n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 433/82, «interpretado no sentido de que, sendo 
 notificado o mandatário do dia designado para leitura da decisão de impugnação 
 judicial em processo contra‑ordenacional, o prazo para recorrer se conta a 
 partir da data da leitura da decisão em audiência, esteja ou não presente o 
 arguido ou o seu mandatário».
 
             Sendo, assim, manifesto não constituir o n.º 1 do artigo 32.º da 
 CRP, único preceito constitucional invocado pelo recorrente, base adequada à 
 afirmação de um direito de recurso das decisões dos tribunais proferidas no 
 
 âmbito da impugnação judicial de decisões administrativas sancionadoras de 
 contra‑ordenações, direito esse a que instrumentalmente se ligariam os 
 requisitos de notificação daquelas decisões, a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada no presente recurso surge como manifestamente infundada, o que permite 
 a prolação de decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação apresentada pelo recorrente assenta 
 nos seguintes fundamentos:
 
  
 
             “1.º – Vem o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator suscitar duas questões 
 processuais com as quais o recorrente se não conforma, a saber:
 
             a) O facto de entender que o TRC se pronunciou pela 
 prorrogabilidade, nos termos gerais do RGCO, dos prazos prescricionais previstos 
 no Código da Estrada;
 
             b) O facto de o recorrente se ter limitado a invocar a violação do 
 artigo 32.º, n.º 1, da CRP, pelo que ficaria assim precludida a possibilidade de 
 conhecer da violação de outras normas constitucionais, por respectiva omissão 
 de referência em sede de recurso;
 
             2.º – Em relação à primeira das questões enunciadas, cumpre, antes 
 de mais, referir que, precisamente devido à natureza instrumental do processo 
 constitucional, não cabe no mesmo conhecer e qualificar questões de que lhe não 
 seja lícito conhecer.
 
             3.º – Efectivamente, o âmbito do recurso, em processos 
 contra‑ordenacionais, é limitado àquele que venha a ser definido como seu 
 objecto – artigo 403.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 72.º‑A (em 
 interpretação correcta) do RGCO e, evidentemente, ao âmbito material da própria 
 decisão recorrida.
 
             4.º – O Tribunal da Relação de Coimbra não tem poderes de cognição 
 sobre a matéria da prorrogabilidade do prazo prescricional, uma vez que a M.ma 
 Juiz a quo sobre ela se não pronunciou.
 
             5.º – Assim, das afirmações a esse respeito feitas nesse, aliás 
 douto, acórdão não se pode atribuir o valor de decisão e, muito menos, 
 considerar que produza efeitos no processo, designadamente quanto à formação de 
 caso julgado nessa matéria.
 
             6.º – Qualquer entendimento em contrário constitui irregularidade 
 processual.
 
             7.º – De qualquer forma, não teria o Tribunal Constitucional, mas 
 sim o STJ, jurisdição para conhecer de tal matéria, caso a questão efectivamente 
 fosse suscitável.
 
             8.º – No entanto, ainda assim, o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, 
 ao descer, por sua própria iniciativa, ao conhecimento de matéria processual não 
 constitucional deverá, por maioria de razão, ficar sujeito ao respectivo regime 
 processual ordinário.
 
             9.º – Pelo exposto, ao entender que tal considerando do douto 
 acórdão é algo mais que um mero considerando e constitui elemento estruturante 
 da decisão do TRC e dos respectivos efeitos, além de incorrer em incompetência 
 absoluta em razão da matéria, incorreria, o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, em 
 irregularidade processual por violação do disposto nos mencionados artigos, bem 
 como por exceder os limites do alcance da decisão a quo.
 
             10.º – Nessa medida, e para que se não venha posteriormente 
 considerar, com suporte nesta decisão, que tal considerando do TRC forma caso 
 julgado, desde já se requer a anulação da mencionada decisão, na parte 
 respeitante a tal matéria.
 
             11.º – Quanto à segunda das questões enunciadas em 1.º, diz o Ex.mo 
 Senhor Conselheiro Relator: «Sendo, assim, manifesto não constituir o n.º 1 do 
 artigo 32.º da CRP, único preceito constitucional invocado pela recorrente, base 
 adequada à formação de um direito de recurso das decisões dos tribunais 
 proferidas no âmbito da impugnação judicial de decisões administrativas 
 sancionadoras de contra‑ordenações, direito esse a que instrumentalmente se 
 ligariam os requisitos da notificação daquelas decisões, a questão de 
 inconstitucionalidade suscitada no presente recurso surge como manifestamente 
 infundada, o que permite a prolação de decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do 
 artigo 78.º‑A da LTC».
 
             12.º – Desta mencionada afirmação decorre, sem qualquer dúvida, que 
 o Ex.mo Senhor Relator restringiu o conhecimento da questão à alegada violação 
 do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, não se pronunciando sobre qualquer 
 outra norma que pudesse estar violada pela normas e interpretação postas em 
 crise, nem sequer para dizer que nenhuma outra norma constitucional aplicável a 
 processos contra‑ordenacionais se encontra violada.
 
             Ora,
 
             13.º – Dispõe o artigo 79.º‑C da Lei do Tribunal Constitucional que: 
 
 «O Tribunal Constitucional só pode considerar inconstitucional ou ilegal a norma 
 que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja 
 recusado aplicação, mas pode fazê‑lo com fundamento na violação de normas ou 
 princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi 
 invocada».
 
             14.º – A expressão «pode», constante dessa norma, numa leitura 
 apressada poderia levar a pensar que, quando está a avaliar a 
 inconstitucionalidade de uma norma legal e respectiva interpretação, o TC apenas 
 está vinculado a conhecer da inconstitucionalidade expressamente invocada, 
 ficando ao seu livre arbítrio decidir se, detectando outras 
 inconstitucionalidades, delas conhece ou não.
 
             15.º – Porém, não é assim: tal poder é um poder‑dever ou um poder 
 vinculado, e obriga o TC a fundamentar a (in)existência de quaisquer 
 inconstitucionalidades, e não apenas a (in)existência da inconstitucionalidade 
 invocada. E ao omitir tal fundamentação o TC não só comete uma irregularidade 
 processual,
 
             16.º – Como ainda o próprio artigo 79.º‑C da LTC, interpretado no 
 sentido de que aquele se não encontra vinculado a fundamentar senão a 
 existência, ou inexistência, da inconstitucionalidade expressamente invocada em 
 recurso, ficando ao seu livre arbítrio decidir se conhece, ou não, de outras 
 inconstitucionalidades que venha a detectar, viola ele próprio os princípios 
 constitucionais fixados nos artigos 2.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 5, e sobretudo 
 
 202.º, n.º 2, e 204.º da CRP.
 
             [17.º] – Termos em que a decisão reclamada deve ser anulada na 
 medida em que não é devidamente fundamentada, devendo vir a ser reformulada em 
 respeito do disposto no mencionado artigo 79.º‑C da Lei do Tribunal 
 Constitucional ou, bem assim, revogada e conferido prazo ao recorrente para 
 produzir as suas alegações de direito.
 
             [18.º] – De qualquer forma, muito embora o lugar próprio para tal 
 sejam as alegações de direito, sempre pode o recorrente adiantar que é 
 lamentável, e mesmo perigoso para o Estado de Direito, que se faça uma 
 sistemática interpretação restritiva do regime processual de recurso por forma 
 a não conhecer do fundo das questões, mas sim e apenas da admissibilidade 
 processual do recurso. Muito embora aqui se não esteja perante a admissibilidade 
 processual em sentido estrito, está‑se francamente ante uma manifestada falta de 
 vontade, do Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, em procurar (e com facilidade 
 encontraria) normas constitucionais efectivamente violadas in casu, sem 
 necessidade de recorrer ao subterfúgio da inaplicabilidade das normas 
 constitucionais penais constantes do artigo 32.º da CRP ao processo de 
 contra‑ordenação.
 
             [19.º] – São, a respeito de tal conduta processual, sintomáticas as 
 sucessivas condenações de que o Estado Português tem sido objecto nas várias 
 instâncias internacionais competentes.
 
             [20.º] – E quanto à pretensa inaplicabilidade do artigo 32.º da CRP 
 ao processo contra‑ordenacional, e ao emergente entendimento, no seio do TC, 
 que as respectivas garantias não são aplicáveis ao ilícito contra‑ordenacional, 
 cumpre advertir V.as Ex.as do seguinte: como é notório para os agentes da 
 justiça (pelo menos para alguns), o processo contra‑ordenacional foi a forma de 
 o poder administrativo, com a cumplicidade ou conivência do poder legislativo, 
 descriminalizar extensas matérias de ilícito penal, remetendo‑as da jurisdição 
 dos tribunais para a da administração pública.
 
             [21.º] – Neste momento, como V.as Ex.as muito bem sabem, o âmbito de 
 aplicação do direito contra‑ordenacional é cada vez mais extenso e invade a 
 quase totalidade da vida dos cidadãos, em quase todos os seus aspectos.
 
             [22.º] – Por via disso, a única forma de garantir a efectividade do 
 princípio do Estado de Direito, consignado no artigo 2.º da Constituição, é 
 manter a aplicação de todas as garantias legais e constitucionais do direito e 
 processo penal ao processo contra‑ordenacional.
 
             [23.º] – Não assusta ao mandatário do recorrente porque agora é este 
 e apenas este que o afirma, e assume para si e apenas para si, a 
 responsabilidade por custas ou outra da presente reclamação, afirmar expressa e 
 deliberadamente que descolar, do processo contra‑ordenacional, as garantias do 
 processo criminal poderá constituir sentença de morte para o Estado de Direito, 
 traduzindo-se na desgarantização maciça de cada vez mais extensa maioria de 
 matérias de ilícito que podem afectar gravemente a vida dos cidadãos.
 
             [24.º] – Assinale-se, a mero título de exemplo, o regime 
 contra‑ordenacional de higiene e segurança alimentar e económica que, pela sua 
 extensão e pelas práticas dos organismos encarregues de proceder à respectiva 
 fiscalização e punição, se torna invasivo mesmo em práticas da vida privada, 
 designadamente nas zonas rurais.
 
             [25.º] – Com todo o respeito, e pede‑se a V.as Ex.as que não tomem 
 tal afirmação por mais que aquilo que é, ao permitir a desgarantização do 
 direito contra‑ordenacional, entre outras coisas, os órgãos jurisdicionais estão 
 a permitir a abertura de espaço a uma nova forma de totalitarismo que, uma vez 
 instalado, acabará por os destruir na sua essência, bem como a todos os valores 
 
 ínsitos na Constituição e no actual regime, deixando a tais órgãos 
 jurisdicionais, com o Tribunal Constitucional à cabeça, o ingrato papel de 
 coveiros do Estado de Direito, e vítimas da sua própria complacência.
 
             [26.º] – Queira Deus que não seja assim ou que, pelo menos, se assim 
 for, a vossa consciência vos não julgue com a severidade com que a história o 
 fará.
 
             [27.º] – E é por estas razões que, muito embora se esteja a discutir 
 uma simples questão de contra-ordenação estradal, se não pode deixar de reagir 
 como se reage.
 
             Nestes termos, pede‑se, ou melhor, implora‑se, a V.as Ex.as, que, 
 além de decretarem a anulação da douta decisão singular dos autos nos termos do 
 acima referenciado, fixem, mesmo ao arrepio da orientação jurisprudencial desse 
 Tribunal, que o artigo 32.º da CRP, bem todas as demais normas garantísticas, 
 penais e processuais penais, ínsitas na Constituição e nos seus princípios, 
 sejam consideradas aplicáveis, em toda a sua extensão, a todo o normativo 
 contra‑ordenacional, substantivo ou processual, não em nome da desoneração duma 
 simples sanção de inibição de conduzir, mas em nome dos princípios ínsitos na 
 Constituição, e contra os princípios ínsitos em todas as posições jurisdicionais 
 que levaram o recorrente até ao presente momento e que constituem a norma em 
 toda a ordem de questões, dando assim provimento à reclamação,
 
             Assim fazendo Justiça!” 
 
  
 
                         1.3. O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal apresentou resposta, na qual propugna o indeferimento da reclamação, 
 dado que “a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão 
 reclamada e da corrente jurisprudencial que lhe subjaz”.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. O objecto adequado das reclamações de decisões 
 sumárias proferidas ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC cinge‑se, 
 naturalmente, à reapreciação do fundamento efectivamente invocado e aplicado em 
 tal decisão como ratio decidendi.
 
                         No presente caso, o único e efectivo fundamento de tal 
 decisão consta do respectivo n.º 4 e consiste no entendimento de que a questão 
 de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente era de qualificar como 
 manifestamente infundada, o que determinou a prolação de uma decisão de “negar 
 provimento ao recurso”.
 
                         No n.º 3 da decisão sumária ora reclamada, perante a 
 constatação do facto de o acórdão recorrido assentar num duplo fundamento [1.º – 
 a desnecessidade de notificação pessoal ao arguido do acórdão de 21 de Novembro 
 de 2007, de que deriva ter esse acórdão transitado em julgado, o que afastava, 
 de todo, a possibilidade de questionar‑se a prescrição do procedimento 
 contra‑ordenacional; 2.º – sendo aplicável à prescrição do procedimento por 
 contra‑ordenações estradais as regras de suspensão e interrupção da prescrição 
 constantes dos artigos 27.º‑A e 28.º do Decreto‑Lei n.º 433/82, o prazo máximo 
 de prescrição ser, no caso, de 3 anos e 6 meses (e não de 2 anos, como 
 sustentava o recorrente), que ainda não se tinha completado], colocou‑se a 
 questão da eventual inutilidade do conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade, cujo objecto apenas contendia com o primeiro fundamento 
 invocado. Tratou‑se de indagação que ao Tribunal Constitucional era lícito 
 proceder, pois lhe compete, antes de entrar na apreciação do mérito do recurso 
 de constitucionalidade, aferir da admissibilidade do recurso e da utilidade do 
 seu conhecimento, o que pode envolver a necessidade de ponderação de outras 
 partes da decisão recorrida, para além da especificamente questionada no 
 recurso, como sempre sucede quando se questiona a utilidade do conhecimento do 
 recurso por o seu eventual provimento ser insusceptível de determinar a 
 alteração do sentido da decisão recorrida, por esta assentar em outro 
 fundamento, autónomo, não incluído no objecto do recurso, como no presente caso 
 justamente ocorria. No entanto – apesar da constatação do facto indesmentível de 
 o acórdão recorrido ter expressamente considerado aplicáveis ao procedimento 
 contra‑ordenacional estradal as regras gerais de suspensão e de interrupção da 
 prescrição do procedimento contra‑ordenacional, o que determinava, no caso, a 
 não verificação da prescrição, e apesar de ser igualmente indesmentível, face à 
 mera análise dos autos, que o recorrente não arguiu a nulidade desse 
 pronunciamento do acórdão recorrido, designadamente por excesso de pronúncia 
 
 –, entendeu‑se na decisão sumária ora reclamada não se justificar a prolação de 
 uma decisão de não conhecimento do recurso, fundada na inutilidade desse 
 conhecimento, essencialmente por se reconhecer ser diverso o alcance do decidido 
 consoante esteado num ou noutro dos fundamentos invocados. Na verdade, o 
 segundo fundamento, por si só, apenas impedia que se considerasse prescrito o 
 procedimento enquanto não se perfizessem 3 anos e 6 meses sobre a data da 
 infracção, enquanto o primeiro fundamento, considerando transitado em julgado o 
 acórdão confirmativo da condenação, significava que, extinto o procedimento pela 
 condenação definitiva, já não mais se podia colocar sequer a questão da 
 prescrição do procedimento. Daqui resulta que das considerações tecidas no n.º 3 
 da decisão sumária se conclui, sem possibilidade de dúvida, que não se entendeu 
 que o conhecimento do recurso era inútil (o que teria determinado uma decisão de 
 não conhecimento do recurso, e não uma decisão de improvimento, que foi a 
 proferida), pelo que surge como irrelevante o aduzido pelo recorrente nos n.ºs 
 
 2.º a 10.º da presente reclamação.
 
                         Quanto ao único efectivo fundamento da decisão sumária 
 de improvimento do recurso – ser a questão de constitucionalidade suscitada pelo 
 recorrente de qualificar como manifestamente infundada –, reitera‑se a 
 orientação firme deste Tribunal no sentido da inaplicabilidade ao processo 
 contra‑ordenacional da garantia de duplo grau de jurisdição que, para as 
 decisões condenatórias ou lesivas de direitos fundamentais do arguido em 
 processo criminal, se extrai do artigo 32.º, n.º 1, da CRP. Foi essa, assim 
 delineada, a questão de inconstitucionalidade que o recorrente elegeu para 
 objecto do recurso, controvertendo a necessidade de notificação pessoal ao 
 arguido do acórdão da Relação confirmativo da condenação contra‑ordenacional 
 sempre na perspectiva da instrumentalidade dessa notificação para efeitos de 
 interposição de recurso do acórdão da Relação.
 
                         A definição da questão de constitucionalidade em causa 
 foi feita, pelo recorrente, sob sua exclusiva responsabilidade, através da 
 conjugação de uma determinada interpretação de normas de direito ordinário, por 
 um lado, e da invocação de determinada norma ou princípio constitucional, por 
 outro. É essa específica questão de inconstitucionalidade, assim definida, que 
 ao Tribunal Constitucional compete apreciar se é, ou não, de qualificar como 
 manifestamente infundada, juízo esse que foi emitido na decisão sumária 
 reclamada, com expressa e desenvolvida invocação de reiterada jurisprudência, 
 juízo esse que ora se reitera, surgindo como claramente excessiva a pretensão 
 do recorrente de que, para poder considerar uma questão de 
 inconstitucionalidade como manifestamente infundada, o Tribunal Constitucional 
 tivesse de ponderar, não apenas o específico fundamento de 
 inconstitucionalidade invocado pelo recorrente, mas todos os outros possíveis 
 fundamentos que se pudessem imaginar. A desrazoabilidade da tese do recorrente 
 mais se evidencia quando se constata que ele, na presente reclamação, não logra 
 apontar qualquer outro fundamento de inconstitucionalidade do critério 
 normativo impugnado que pudesse ser invocado, para além do reportado ao artigo 
 
 32.º, n.º 1, da CRP.
 
  
 
                         3. Termos em que acordam em indeferir a presente 
 reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 20 de Maio de 2009.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos