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Processo n.º 918/08
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
 
 
 1. O magistrado do Ministério Público nos Juízos de Pequena Instância Criminal 
 de Lisboa requereu o julgamento, em processo comum perante tribunal singular, de 
 A. imputando-lhe a prática, em concurso real, de um crime de condução sob efeito 
 do álcool, p. p. pelos artigos 292º n.º 1 e 69º n.º 1 alínea a) do Código Penal, 
 e de um crime de condução de automóvel na via pública sem habilitação legal, p. 
 p. pelo artigo 3º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro. O processo 
 foi posteriormente distribuído à 2ª Secção do 6º Juízo Criminal de Lisboa, onde, 
 em 11 de Abril de 2008, o juiz proferiu despacho a declarar o tribunal 
 incompetente para a realização do promovido julgamento e a recusar o recebimento 
 dos autos. Para o efeito, decidiu:
 
  
 A) Recusa-se por inconstitucional, a interpretação dada aos arts. 119º al. f) e 
 
 391º-D do Código de Processo Penal e a sua subsequente aplicação, no sentido de 
 que a inviabilidade da realização do julgamento no prazo de 90 dias a contar da 
 dedução da acusação constitui uma nulidade insanável, porquanto tal conduz à 
 alteração da forma de processo abreviado para a forma de processo comum, e 
 assim, de forma mediata, à alteração das regras prévias e expressas que fixam a 
 competência dos tribunais, neste caso, do Tribunal de Pequena Instância Criminal 
 e dos Juízos Criminais de Lisboa, em violação dos arts. 22º, 23º, 100º, 102º, nº 
 
 1 da Lei 3/99 de 13/01, art. 119.º, al. e) do Código de Processo Penal, e art. 
 
 32º, nº 9 da Constituição da República Portuguesa. 
 B) Em consequência, declara-se este tribunal incompetente para a realização do 
 julgamento e recusa-se o recebimento destes autos. 
 
  
 Notificado, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional 
 
 'nos termos do disposto no artigo 70º, nº. 1 alínea a) da Lei 28/82 de 15 de 
 Novembro'. Todavia, ainda antes de o pedido ser apreciado, apresentou um outro 
 requerimento com o seguinte teor: 
 
  
 O Ministério Público, não se conformando com o despacho de fls. 73 e seguintes, 
 que declarou a incompetência dos Juízos Criminais de Lisboa para realização do 
 julgamento, recusando o recebimento dos autos, por considerar inconstitucional, 
 a interpretação dada aos artigos 119º al. f) e 391º-D do Código de Processo 
 Penal e a sua subsequente aplicação, no sentido de que a inviabilidade da 
 realização do julgamento no prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação 
 constitui nulidade insanável, porquanto tal conduz à alteração da forma de 
 processo abreviado para a forma de processo comum, e assim, de forma mediata, à 
 alteração das regras prévias e expressas que fixam a competência dos tribunais, 
 neste caso, do Tribunal de Pequena Instância Criminal e dos Juízos Criminais de 
 Lisboa, em violação dos artigos 22º, 23º, 100.º, 102, nº l da Lei 3/99 de 13/01, 
 artigo 119º, al. e) do Código de Processo Penal, e artigo 32º, nº 9 da 
 Constituição da República Portuguesa, do mesmo vem interpor recurso que a 
 decisão admite (art. 399.º e 400º do CPP), devendo o mesmo subir imediatamente 
 
 (407º, nº. 1), nos próprios autos (406º, nº. 1), devendo ser-lhe fixado efeito 
 suspensivo da decisão recorrida (artº. 408º, n.º 3). 
 O Ministério Público ainda vem desistir do recurso interposto nos autos para o 
 Tribunal Constitucional, por entender que a decisão recorrida não se integra em 
 qualquer das situações previstas no artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro e 
 Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro. 
 
  
 Apreciando o caso, o juiz proferiu o seguinte despacho:
 
  
 I. Do recurso interposto pelo digno Ministério Público para o Tribunal 
 Constitucional e da desistência do recurso para o Venerando Tribunal 
 Constitucional, declarada pela digna Procuradora da República. 
 A superiora hierárquica da digna Procuradora-Adjunta em funções neste tribunal, 
 veio desistir do recurso por esta interposto ao abrigo dos arts. 70.º, nº 1 al. 
 a) e 72º, nº 1 al. a) e nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional, alegando, em 
 síntese, que a questão suscitada no nosso despacho em crise, não trata de uma 
 questão de inconstitucionalidade. 
 Desde já deixamos consignado que não concordamos com a desistência de recurso 
 declarada pelo digno Ministério Público. 
 Vejamos. 
 Porque o despacho objecto de recurso interposto para o Tribunal Constitucional 
 faz parte destes autos, apenas citámos o seu dispositivo, que é do seguinte 
 teor: 
 
 “Pelo exposto e decidindo: 
 A) Recusa-se por inconstitucional, a interpretação dada aos arts. 119º al. f) e 
 
 391º-D do Código de Processo Penal e a sua subsequente aplicação, no sentido de 
 que a inviabilidade da realização do julgamento no prazo de 90 dias a contar da 
 dedução da acusação constitui uma nulidade insanável, porquanto tal conduz à 
 alteração da forma de processo abreviado para a forma de processo comum, e 
 assim, de forma mediata, à alteração das regras prévias e expressas que fixam a 
 competência dos tribunais, neste caso, do Tribunal de Pequena Instância Criminal 
 e dos Juízos Criminais de Lisboa, em violação dos arts. 22º, 23º, 100º, 102º, nº 
 
 1 da Lei 3/99 de 13/01, art. 119º, al. e) do Código de Processo Penal, e art. 
 
 32º, nº 9 da Constituição da República Portuguesa. 
 B) Em consequência, declara-se este tribunal incompetente para a realização do 
 julgamento e recusa-se o recebimento destes autos.” 
 Ora, quanto a nós, e é nessa esteira que fundamentamos o despacho em causa, a 
 questão subjacente à citada decisão, é uma questão de inconstitucionalidade, 
 conforme, aliás, fizemos questão de sublinhar no dispositivo. 
 
 É certo que a questão não é linear e é de alguma complexidade, porquanto, 
 conforme resulta da fundamentação do despacho em crise, salvo melhor 
 entendimento, as regras da competência, e em especial o princípio do juiz legal, 
 subjacente ao preceituado no art. 32º, nº 9 da Constituição da República 
 Portuguesa, foram atingidas de forma mediata. 
 Contudo, resulta da fundamentação do despacho que a tutela Constitucional das 
 regras de competência, estende-se a violações mediatas dos respectivos 
 normativos. 
 Nestes termos, continuamos a sufragar que a questão é de inconstitucionalidade. 
 Neste âmbito, recorde-se que conforme dispõe o art. 70.º, nº 1 al. a) da Lei do 
 Tribunal Constitucional: 
 
 “Artigo 70º
 
 (Decisões de que pode recorrer-se)
 
 1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos 
 tribunais: 
 a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em 
 inconstitucionalidade;” 
 Resultando, por seu turno do disposto no art. 73º, n.º 3 do Tribunal 
 Constitucional, que o recurso é obrigatório para o Ministério Público nos 
 seguintes termos: 
 
 “3. O recurso é obrigatório para o Ministério Público quando a norma cuja 
 aplicação haja sido recusada, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, conste 
 de convenção internacional, acto legislativo ou decreto regulamentar, ou quando 
 se verifiquem os casos previstos nas alíneas g), h) e i) do nº 1 do artigo 70º, 
 salvo o disposto no número seguinte.” 
 Ora, no despacho objecto de recurso, resulta manifesto da sua fundamentação, que 
 estão em causa não só normativos do Código de Processo Penal, mas também normas 
 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei 3/99 de 
 
 13/01), ou seja, indubitavelmente actos legislativos. 
 Nestes termos, salvo melhor entendimento, julga-se que o recurso para o Tribunal 
 Constitucional é obrigatório para o digno Ministério Público, não podendo este 
 desistir do mesmo. 
 Assim sendo, há que admitir o recurso interposto para o Venerando Tribunal 
 Constitucional, e não admitir a desistência do mesmo. 
 Pelo exposto, decide-se: 
 a) Admitir por legal, tempestivo e pelo digno Ministério Público ter 
 legitimidade, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com efeito 
 suspensivo e subida imediata nos próprios autos, tudo conforme disposto nos 
 arts. 70.º, n.º 1 al. a), 72º, n.º 1 al. a) e nº 3, 75.º, nº 1 e 78º, nº 4 da 
 Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15/11). 
 b) Não admitir a desistência de tal recurso. 
 Notifique-se e, após trânsito, subam os autos ao Venerando Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 II. Do recurso ordinário interposto pela Digníssima Procuradora da República. 
 Após a desistência do recurso interposto para o Venerando Tribunal 
 Constitucional, supra apreciada, veio a Digníssima Procuradora da República, 
 interpor recurso ordinário do mesmo despacho, dirigido ao Venerando Tribunal da 
 Relação de Lisboa. 
 Vejamos quais as consequências da não admissão da desistência do recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional, para o recurso ordinário interposto. 
 Segundo a Lei do Tribunal Constitucional: 
 
 “Artigo 75º
 
 (Prazo)
 
 1. O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 
 dias e interrompe os prazos para a interposição de outros que porventura caibam 
 da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.” 
 Resulta deste normativo, que com a interposição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional interrompeu-se o prazo para a interposição de outros recursos, em 
 especial de qualquer recurso ordinário. 
 Assim sendo, o recurso ordinário apresentado pela digna Procuradora da 
 República, apenas pode ser interposto após decisão a proferir pelo Venerando 
 Tribunal Constitucional, no âmbito do recurso obrigatório interposto pelo 
 Ministério Público. 
 Nestes termos, não se admite o recurso ordinário interposto, sem prejuízo de 
 eventual recurso ordinário eventualmente a interpor após a descida dos autos do 
 Tribunal Constitucional. 
 
  
 
  
 
 2.  Foi ouvido liminarmente o representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional que se pronunciou pelo 'prosseguimento' do recurso. Todavia, por 
 decisão sumária lavrada a fls. 124 e seguintes, o relator decidiu não conhecer 
 do recurso. O despacho tem o seguinte fundamento:
 
  
 
      «[...] Cumpre decidir, tendo em conta que o despacho que, no tribunal 
 recorrido, admita o recurso ou lhe determine o efeito não vincula o Tribunal 
 Constitucional – n.º 3 do artigo 76º da LTC.
 
 3.  Conforme determina o artigo 75º-A da LTC, os recursos de fiscalização 
 concreta devem ser interpostos por requerimento apresentado pelo Ministério 
 Público, ou pelos interessados com legitimidade para tal.
 
 É no tribunal recorrido que deve verificar-se a existência e validade da 
 manifestação de vontade de recorrer da parte com legitimidade para tal.  
 Acontece que quando foi admitido, o Ministério Público recorrente já tinha 
 desistido do recurso. Ora, independentemente do juízo que possa caber sobre a 
 natureza da questão e sobre a actividade do Ministério Público, o certo é que 
 não cabe a qualquer outra entidade, designadamente ao juiz, sobrepor a sua 
 vontade à do recorrente, pois é indiscutivelmente seguro que, apesar de 
 obrigatório para o Ministério Público, a interposição deste recurso está sempre 
 dependente da verificação dos demais requisitos, entre os quais se conta a já 
 aludida atempada manifestação de vontade, que aqui manifestamente falta.
 
 4.  Em face do exposto, não admito o recurso.[...]»
 
  
 
 3.  Contra a transcrita decisão reclama o representante do Ministério Público, 
 nos seguintes termos:
 
  
 O representante do Ministério Público, neste Tribunal, notificado do teor da 
 decisão proferida nos autos, nos termos do nº 1 do artigo 78º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, dela vem reclamar para a conferência, ao abrigo do nº 2 do mesmo 
 preceito, o que fez nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 
 1- Nos recursos obrigatórios, como é o caso, o Ministério Público não se pode 
 abster da respectiva interposição. 
 
 2- Esta interposição configura-se como algo que não está sujeito a graus maiores 
 ou menores de concordância ou discordância relativamente à decisão recorrida, já 
 que não se está perante uma mera faculdade, não sendo disponível o direito de 
 recorrer. 
 
 3- Do que não é disponível, não se pode desistir (cf. artigo 299º, nº 1 do 
 Código do Processo Civil, que constitui legislação aplicável subsidiariamente 
 face ao disposto no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional). 
 
 4- Acresce, que em matéria de recursos há especialidades no regime a que o 
 Ministério Público está sujeito (cf. artigo 681, nº 4 do Código do Processo 
 Civil), sendo ainda certo que em sede de recursos obrigatórios para o Ministério 
 Público estão legalmente consagradas especialidades, conforme decorre do nº 6 do 
 artigo 690º do mesmo diploma. 
 
 5- Em situações em tudo idênticas à do presente processo, foi admitido o recurso 
 obrigatório do Ministério Público, tendo-se determinado a produção de alegações 
 
 – cf. processos nºs 911/08 – 2.ª secção, 913/08 – 2.ª secção, 914/08 – 3.ª 
 secção 920/08 – 3 secção, 976/08 – 3.ª secção, 916/08 – 2.ª secção, 966/08 – 3.º 
 secção, e 1004/08 – 3.ª secção. 
 
 6- Termos em que deverá a presente reclamação ser deferida, admitindo-se o 
 recurso e prosseguindo o processo.
 
  
 Não houve resposta, importando agora decidir.
 
  
 
 4.  Os argumentos apresentados pelo reclamante não abalam os fundamentos da 
 decisão sob reclamação. Na verdade, as especialidades que condicionam a 
 interposição, pelo Ministério Público, do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 
 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro não vão ao ponto de dispensar a 
 iniciativa que é especialmente atribuída ao Ministério Público nesta tarefa, nem 
 apagam a exigência da verificação dos demais requisitos que permitem a 
 interposição do recurso, ocorrência que seria dispensável se se entendesse, como 
 parece fazer o reclamante, que seria obrigatório que o Tribunal conheça do 
 recurso, em vez de ser obrigatório, como diz a lei, que o Ministério Público 
 interponha o recurso. É, aliás, inequívoca a jurisprudência do Tribunal sobre a 
 necessidade de verificação dos requisitos legais para que o Tribunal conheça do 
 objecto do recurso previsto na citada alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC 
 
 (ver, por exemplo, o Acórdão 250/99 no sítio electrónico do Tribunal 
 Constitucional). 
 Deste modo:
 Exigindo o artigo 75º-A da LTC que os recursos de fiscalização concreta devem 
 ser interpostos por requerimento apresentado pelo Ministério Público, ou pelos 
 interessados com legitimidade para tal, certo é que o conhecimento, pelo 
 Tribunal, da decisão que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento em 
 inconstitucionalidade, depende da prévia interposição do recurso pelo Ministério 
 Público. 
 Acontece que, conforme se sustenta no despacho em reclamação, quando o presente 
 recurso foi admitido, já o Ministério Público tinha desistido do recurso. Ora, 
 independentemente do juízo que possa caber sobre a natureza da questão e sobre a 
 sua actividade, o certo é que a lei confere ao Ministério Público competência 
 própria para ponderar sobre se se verificam os pressupostos adequados à  
 interposição do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, 
 circunstância que impõe que se lhe reconheça total legitimidade para entender 
 que não ocorrera uma autentica e própria desaplicação normativa com fundamento 
 em inconstitucionalidade, e para optar por fazer avaliar a legalidade da decisão 
 pela via normal do recurso. 
 Com efeito, a lei não prevê um procedimento de recurso automático, nem cabe ao 
 juiz sobrepor a sua vontade à do recorrente, pelo que a interposição deste 
 recurso está sempre dependente da manifestação de vontade de recorrer por parte 
 de quem tem legitimidade para tal, impulso que aqui manifestamente faltou.
 
  
 
 5.  Termos em que se decide indeferir a reclamação, mantendo o despacho que 
 recusou conhecer do objecto do recurso. Sem custas.
 
  
 Lisboa, 11 de Março de 2009
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão