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Processo n.º 649/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. A., na qualidade de responsável subsidiário, recorreu do despacho do Chefe do 
 Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão que aplicou à sociedade B., Lda. a 
 coima de € 2 054, 92 pela prática da infracção consistente na falta de 
 apresentação da declaração periódica do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) 
 relativo ao período de Janeiro a Dezembro de 2001, pedindo que fosse considerado 
 prescrito o processo de contra-ordenação ou, se assim não se entendesse, 
 revogada a decisão, “por ausência de culpa do recorrente e inexistência de 
 imposto a cobrar, por ausência de actividade da sociedade originária”.
 
  
 Por sentença de 15 de Maio de 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, 
 negou provimento ao recurso, pelo que o recorrente impugnou essa decisão perante 
 a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
 
  
 Por acórdão de 28 de Maio de 2008, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu 
 provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, com base na seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 […]
 
 3 – Conforme resulta dos autos, está em causa uma dívida proveniente de coima 
 fiscal, relativa ao ano de 2001, aplicada à originária devedora, a sociedade B., 
 Componentes Têxteis, Lda., e para cujo pagamento foi citado, por reversão, o ora 
 recorrente, na sua qualidade de responsável subsidiário.
 A questão que, previamente, se coloca consiste em saber se o recorrente é ou não 
 responsável pelo exigido pagamento.
 Essa questão prende-se com uma outra, aliás, de conhecimento oficioso, que tem a 
 ver com a (in)constitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos 
 administradores, gerentes ou outras pessoas que tenham exercido a administração 
 das pessoas colectivas originariamente devedoras, nos termos do disposto no artº 
 
 8º do RGIT.
 
 
 A este propósito, escrevem Jorge Sousa e Simas Santos, in RGIT anotado, 2ª ed., 
 pág. 94, que, “mesmo alicerçando na responsabilidade civil por factos ilícitos a 
 responsabilização dos responsáveis subsidiários e solidários aqui prevista e 
 mesmo sendo ela dependente de actos próprios destes ou omissão de deveres de 
 controle ou vigilância, é uma realidade incontornável que quem faz o pagamento 
 de uma sanção pecuniária é que a está a cumprir, pelo que esta responsabilização 
 se reconduz a uma transmissão do dever de cumprimento da sanção do responsável 
 pela infracção para outras pessoas.
 Na verdade, a aplicação de uma pena de multa ou coima consubstancia-se na 
 criação de uma relação de crédito de que é titular o Estado e devedor o 
 condenado e a imposição da obrigação de pagamento da multa ou coima é 
 precisamente a forma de cumprimento da sanção respectiva e, por isso, usem-se os 
 eufemismos que se usarem, quem paga a multa ou a coima coactivamente está a 
 cumprir a sanção.
 Nestas condições, é duvidosa a constitucionalidade material destas 
 responsabilidades por não assentar (ou não depender, na situação prevista no n.º 
 
 6) na verificação em relação ao responsável dos pressupostos legais de que 
 depende a aplicação da respectiva sanção. Com efeito, no n.º 3 do art. 30.º da 
 C.R.P., enuncia-se o princípio da intransmissibilidade das penas, que, embora 
 previsto apenas para estas, deverá aplicar-se a qualquer outro tipo de sanções, 
 por ser essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que 
 justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de 
 obtenção de receitas. Os fins das sanções aplicáveis por infracções tributárias 
 são exclusivamente de prevenção especial e geral, pelo efeito ressocializador ou 
 a ameaça da sanção levar o infractor a alterar o seu comportamento futuro e 
 conseguir que outras pessoas, constando a aplicação àquele da sanção, se 
 abstenham de praticar factos idênticos aos por ele praticados…
 Por isso, a aplicação de sanção a pessoa a quem não pode ser imputada 
 responsabilidade pela sua prática não é necessária para satisfação dos fins que 
 a previsão de sanções tem em vista e, por isso, é constitucionalmente proibida a 
 sua aplicação, por força do preceituado no art. 18.º, n.º 2, da C.R.P. que 
 estabelece o princípio nuclear da necessidade de qualquer restrição de direitos 
 fundamentais”.
 Por outro lado, a própria presunção legal de que a falta de pagamento 
 consubstanciadora da infracção fiscal é imputável aos gerentes parece igualmente 
 inconstitucional por inconciliável com a presunção de inocência vigente em 
 matéria sancionatória – artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
 Aliás, o n.º 10 deste último preceito dispõe expressamente que são assegurados 
 ao arguido, em quaisquer processos sancionatórios, contra-ordenações incluídas, 
 os direitos de audiência e de defesa, os quais… não estão assegurados ao 
 revertido pois que têm que concretizar, desde logo, a possibilidade de recurso 
 ou impugnação judicial do acto sancionatório e a possibilidade efectiva de 
 contraditar eficazmente os elementos trazidos pela acusação.
 Cfr., por todos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 220/89, in Boletim do 
 Ministério da Justiça 384, p. 326.
 Em comentário àquele inciso normativo, os constitucionalistas Gomes Canotilho e 
 Vital Moreira, in CRP anotada – 4ª edição, p. 526, nota XVII, referem tratar-se, 
 aí, “de uma simples irradiação, para esse domínio sancionatório, de requisitos 
 constitutivos do estado de direito democrático”, assacando a tais processos 
 sancionatórios, “carácter para-penal”, consequentemente de natureza pública.
 E o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/01, de 19 de Junho, assinala que 
 
 “não só se aplicam, ao ilícito contra-ordenacional, garantias 
 constitucionalmente atribuídas ao direito penal (v.g. princípios da legalidade e 
 da aplicação da lei penal mais favorável), como também existe um evidente 
 paralelismo entre o processo penal e o processo contra-ordenacional que é 
 conformado por princípios básicos daquele, tendo em atenção os interesses 
 subjacentes” (Acórdão desta Secção do STA de 12/3/08, in rec. nº 1.053/07).No 
 mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão desta Secção do STA de 27/2/08, in rec. nº 
 
 1.057/07.
 
 É, assim, de concluir que, também no domínio do ilícito contra-ordenacional, se 
 deve aplicar os princípios da intransmissibilidade das coimas e da presunção de 
 inocência, pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, ainda que em 
 termos de responsabilidade subsidiária, nos termos do artº 8º do RGIT.
 E tanto basta para o presente recurso proceder, ficando, assim, prejudicada a 
 apreciação das demais questões suscitadas nas conclusões da respectiva 
 motivação.
 
 […].
 
  
 Tendo havido lugar, nesse aresto, à recusa de aplicação, por 
 inconstitucionalidade, da norma do artigo 8º do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, e, no seguimento do processo, apresentou alegações em que 
 concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 1. Não são inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do artigo 8º do RGIT 
 
 (Lei nº 15/2001, de 5 de Junho) quando interpretadas no sentido de admitir a 
 responsabilidade subsidiária de administradores, gerentes ou outras pessoas, que 
 exerçam funções de administração, pelo pagamento de coimas aplicadas à 
 sociedade, porquanto se não viola o princípio da intransmissibilidade das penas 
 
 (artigo 30º, nº 3, da CRP) nem o princípio da presunção da inocência (artigo 
 
 29º, nº 2 da CRP).
 
 2. Termos em que deve indeferir-se o recurso e ordenar se conheça a questão em 
 conformidade com o decidido por este Tribunal.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 2.   Como resulta da factualidade tida como assente, foi instaurado processo 
 contra-ordenacional contra a sociedade B., Lda. pela infracção resultante da 
 falta de entrega da declaração periódica do Imposto sobre o Valor Acrescentado 
 
 (IVA) relativo ao ano de 2001 e que culminou com a aplicação de coima no valor 
 de € 2 054, 92.
 
  
 Posteriormente foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva 
 da coima, o qual reverteu contra A., enquanto responsável subsidiário.
 
  
 Não se alcança, no entanto, do contexto da decisão recorrida a que título foi 
 imputada ao interessado a responsabilidade subsidiária, sendo que a declaração 
 de inconstitucionalidade emitida pelo tribunal recorrido é reportada 
 genericamente à norma do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias 
 
 (RGIT).
 
  
 O recurso encontra-se, em todo o caso, circunscrito às alíneas a) e b) do n.º 1 
 desse artigo, em resultado da restrição tacitamente efectuada nas conclusões da 
 alegação do recorrente, pelo que é nesses termos que deve considerar-se 
 delimitado o seu objecto.
 
  
 Quanto ao mérito do recurso
 
  
 
 3. O tribunal recorrido considerou, na linha de anterior jurisprudência, que a 
 atribuição de responsabilidade subsidiária a administradores, gerentes e outras 
 pessoas com funções de administração em sociedades, por dívida resultante de não 
 pagamento de coima fiscal em que a pessoa colectiva tenha sido condenada, com a 
 consequente reversão da respectiva execução fiscal, em consequência do que 
 dispõe, nessa matéria o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, é 
 susceptível de violar o princípio da intransmissibilidade das penas, consagrado 
 no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição da República, e, bem assim, o  princípio 
 da presunção de inocência do arguido, que decorre do artigo 32.º, n.º 2, 
 princípios que, nesses termos, entende serem aplicáveis mesmo no domínio do 
 ilícito contra-ordenacional.
 
  
 O preceito análise, inserido nas disposições comuns do Regime Geral das 
 Infracções Tributárias, sob a epígrafe “Responsabilidade civil pelas multas e 
 coimas”, dispõe o seguinte:
 
  
 
 1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente 
 de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que 
 irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são 
 subsidiariamente responsáveis:
 a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no 
 período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por 
 culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou 
 insuficiente para o seu pagamento;
 b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão 
 definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu 
 cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
 
 […]”.
 
  
 O que a norma, por conseguinte, prevê é uma forma de responsabilidade civil, que 
 recai sobre administradores e gerentes, relativamente a multas ou coimas em que 
 tenha sido condenada a sociedade ou pessoa colectiva, cujo não pagamento lhes 
 seja imputável ou resulte de insuficiência de património da devedora que lhes 
 seja atribuída a título de culpa.
 
  
 Note-se, a este propósito, que o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de 
 emitir um juízo de não inconstitucionalidade em relação a um idêntico efeito de 
 responsabilidade subsidiária que resulta da norma do artigo 112º, alínea a), do 
 Código das Sociedades Comerciais, que igualmente prevê que os direitos e 
 obrigações das sociedades extintas por incorporação ou por fusão se transmitam 
 para a sociedade incorporante ou a nova sociedade.
 
  
 Esse juízo assentou, no entanto, essencialmente, no entendimento de que, nesses 
 casos, só formalmente se verifica uma transmissão, visto que não há lugar à 
 liquidação ou dissolução das sociedades incorporadas, antes se regista o 
 aproveitamento, no seio da sociedade incorporante, dos elementos pessoais, 
 patrimoniais e imateriais da sociedade extinta, o que conduz à inaplicabilidade, 
 nessa situação, da proibição da transmissibilidade das penas constante do artigo 
 
 30º, n.º 3, ainda que estejam em causa obrigações decorrentes de 
 responsabilidade contra-ordenacional (cfr. os acórdãos n.ºs 153/04, de 16 de 
 Março, 160/04, de 17 de Março, 161/04, de 17 de Março, 200/04, de 24 de Março, e 
 
 588/05, de 2 de Novembro).
 
  
 Alguns desses arestos não deixaram, todavia, de enquadrar a questão da 
 intransmissibilidade das penas, em termos que mantêm plena validade para o caso 
 dos autos.
 
  
 No acórdão n.º 160/04, por exemplo, considerou-se o  seguinte:
 
  
 A evolução do texto constitucional – que anteriormente previa a 
 insusceptibilidade de transmissão de “penas” [e agora prevê que “A 
 responsabilidade penal é insusceptível de transmissão”] – não se ficou, porém, a 
 dever a qualquer intenção de transcender o domínio do direito penal (como, 
 aliás, resulta claramente também da nova redacção), mas sim evitar que o 
 princípio da intransmissibilidade se confinasse às situações em que a decisão de 
 aplicação da lei penal transitara em julgado, sobrevindo apenas na fase da 
 aplicação da pena.
 Ora, não obstante a doutrina e a jurisprudência constitucionais irem no sentido 
 da aplicação, no domínio contra-ordenacional, do essencial dos princípios e 
 normas constitucionais em matéria penal, não deixa de se admitir, como se 
 escreveu no citado acórdão n.º 50/03, a “diferença dos princípios 
 jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a 
 que se submetem as contra-ordenações”. Diferença, esta, que cobra expressão, 
 designadamente, na natureza administrativa (e não jurisdicional) da entidade que 
 aplica as sanções contra-ordenacionais (como se decidiu no acórdão n.º 158/92, 
 publicado no DR, II Série, de 2 de Setembro de 1992) e na diferente natureza e 
 regime de um e outro ordenamento sancionatório (cfr. v. g. acórdãos n.ºs 245/00 
 e 547/01, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 3 de Novembro de 2000 
 e de 9 de Novembro de 2001).
 Nestes termos, a intransmissibilidade de um juízo hipotético ou definitivo de 
 censura ética, consubstanciado numa acusação ou condenação penal, não tem de 
 implicar, por analogia ou identidade de razão – que não existe – a 
 intransmissibilidade de uma acusação ou condenação por desrespeito de normas sem 
 ressonância ética, de ordenação administrativa.
 Nem sequer se pode, pois, a partir da referida norma, obter um padrão 
 constitucional previsto a partir do qual se pudesse censurar o referido 
 entendimento do artigo 112º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais. Não 
 o impõe, também, o artigo 30º da Constituição, referido aos “Limites das penas e 
 medidas de segurança”; não o impõe o artigo 32º, n.º 10, da Constituição, que 
 estende apenas os direitos de audiência e defesa do arguido aos processos de 
 contra-ordenação e a quaisquer outros processos sancionatórios; e não o impõe a 
 lógica de tutela do arguido que justificou a jurisprudência constitucional em 
 matérias como o princípio da legalidade, ou a aplicação da lei mais favorável 
 
 (v.g., acórdãos n.ºs 227/92 e 547/01, publicados, respectivamente, no DR, II 
 Série, de 12 de Setembro de 1992 e de 15 de Julho de 2001).
 Mais do que verificar a desconformidade de um certo sentido da norma impugnada 
 em relação ao parâmetro invocado, conclui-se, pois, pela inexistência do 
 pretendido parâmetro, aplicável para o efeito pretendido”.
 
  
 O referido aresto, embora centrado ainda na sobredita questão da transmissão de 
 responsabilidade por incorporação ou fusão de sociedades, não deixa de fornecer 
 elementos decisivos para a interpretação da norma do artigo 30º, n.º 3, da 
 Constituição, salientando que ela não pode servir de parâmetro uniforme para a 
 responsabilidade penal e a responsabilidade contra-ordenacional.
 
  
 Procurando decifrar o sentido e alcance da norma, também Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira salientam que a insusceptibilidade da transmissão da responsabilidade 
 penal está associada ao princípio da pessoalidade, daí resultando como 
 principais efeitos: (a) a extinção da pena (qualquer que ela seja) e do 
 procedimento criminal com a morte do agente; (b) a proibição da transmissão da 
 pena para familiares, parentes ou terceiros; (c) a impossibilidade de subrogação 
 no cumprimento das penas. O que, em todo o caso, não obsta – como acrescentam os 
 mesmos autores - à transmissibilidade de certos efeitos patrimoniais conexos das 
 penas, como, por exemplo, a indemnização de perdas e danos emergentes de um 
 crime, nos termos da lei civil (Constituição da República Portuguesa Anotada, 
 vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pág. 504)). 
 
  
 No caso vertente, importa ter em consideração, antes de mais, que não estamos 
 perante uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou tão pouco 
 de transmissão de responsabilidade contra-ordenacional.
 
  
 O que o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de 
 responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta 
 do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de 
 insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento 
 da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento 
 quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda 
 durante o período de exercício do seu cargo.
 
  
 O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma 
 responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à 
 sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório 
 que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou 
 gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a 
 Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento 
 da multa ou coima que eram devidas.
 
  
 A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da 
 multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios 
 da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe 
 reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado 
 entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que 
 tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da 
 responsabilidade contra-ordenacional.
 
  
 Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o 
 administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma 
 responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que 
 ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de 
 contra-ordenação (cfr. artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo 
 Tributário).
 
  
 Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes 
 assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção 
 contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se 
 traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a 
 Administração Fiscal. 
 
  
 
 É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que 
 fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade 
 civil.
 
  
 Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do 
 artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, um qualquer mecanismo de 
 transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, nem ocorre qualquer 
 violação do disposto no artigo 30º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse 
 entender - o que não é liquido - que a proibição aí contida se torna aplicável 
 no domínio das contra-ordenações.
 
  
 
 4. Concluindo-se, como se concluiu, que a norma do artigo 8º, n.º 1, alíneas a) 
 e b), do RGIT não pode entender-se como consagrando uma modalidade de 
 transmissão para gerentes ou administradores da coima aplicada à pessoa 
 colectiva, facilmente se compreende que esse dispositivo não pode também pôr em 
 causa o princípio da presunção da inocência do arguido, a que o tribunal 
 recorrido também fez apelo para declarar a inconstitucionalidade do preceito.
 
  
 Na verdade, o artigo 32º, n.º 2, da Constituição, ao estipular no seu primeiro 
 segmento que “[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da 
 sentença de condenação”, estabelece um princípio da constituição processual 
 criminal que assenta essencialmente na ideia de que o processo deve assegurar ao 
 arguido todas as garantias práticas de defesa até vir a ser julgado publicamente 
 culpado por sentença definitiva (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição 
 Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pág. 355).
 
  
 Ainda que se aceite que este princípio tem também aplicação no âmbito dos 
 processos de contra-ordenação, como refracção da garantia dos direitos de 
 audiência e de defesa do arguido, que é tornada extensiva a essa forma de 
 processo pelo artigo 32º, n.º 10, da Constituição, o certo é que, no caso, 
 conforme já se esclareceu, não estamos perante uma imputação a terceiro de uma 
 infracção contra-ordenacional relativamente à qual este não tenha tido 
 oportunidade de se defender, mas perante uma mera responsabilidade civil 
 subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que se não confunde com o 
 facto típico a que corresponde a aplicação da coima.
 
  
 Não há, por isso, razões para manter o entendimento sufragado pelo tribunal 
 recorrido quanto à questão de constitucionalidade.
 
  
 
  
 III. Decisão
 
  
 Termos em se decide:
 a) não julgar inconstitucionais as normas das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 
 
 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 
 
 5 de Junho, na parte em que se refere à responsabilidade civil subsidiária dos 
 administradores e gerentes por coimas aplicadas a pessoas colectivas em processo 
 de contra-ordenação;
 b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma do 
 acórdão recorrido em conformidade com o juízo de constitucionalidade formulado.
 
  
 Sem custas.
 
  
 Lisboa, 12 de Março de 2009
 Carlos Fernandes Cadilha
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão