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Processo nº 387/93
 
 1ª Secção
 Relator: Cons. Tavares da Costa
 
  
 
  
 
  
 
                              Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
                   1.-       A. intentou na comarca de Lisboa, em 15 de Setembro 
 de 1988, acção com processo especial de despejo contra B., pedindo a declaração 
 de caducidade do contrato de arrendamento e o subsequente despejo do primeiro 
 andar do prédio de que é proprietário, locado ao pai da ré, já falecido e que, 
 entretanto, aí deixara de residir por abandono do domicílio conjugal, nele se 
 mantendo sua mulher, também já falecida, e a ora ré, filha do casal.
 
  
 
                              A acção, por sentença de 20 de Novembro de 1991, do 
 Senhor Juiz do 3º Juízo Cível de Lisboa, foi julgada improcedente e, 
 consequentemente, do pedido se absolveu a demandada (fls. 202 e segs.).
 
  
 
                              O autor apelou do assim decidido para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, alegando, nomeadamente, que, fundamentando-se a acção no nº 
 
 1 do artigo 1111º do Código Civil, a decisão violou o disposto nos artigos 342º 
 e 351º, 1111º e 1110º, 1093º, nº 2, alínea c), e 1029º e 1056º, todos do Código 
 Civil, criando uma 'situação de desigualdade entre os cidadãos-partes, 
 ofendendo a defesa e os seus direitos fundamentais', sendo inconstitucional 'a 
 douta sentença', chamando à colação os artigos 13º, 16º, 18º e 205º, nº 2, da 
 Constituição da República (CR).
 
  
 
                              A Relação, por acórdão de 1 de Outubro de 1992, 
 julgou improcedente a apelação, confirmando a anterior sentença e condenando o 
 recorrente como litigante de má fé (fls. 240 e segs.).
 
  
 
                              Este, no dia 9 desse mês requereu, 'nos termos e 
 para os fins do artigo 58º do RAU' (o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado 
 pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro), o despejo imediato da ré, com 
 a alegação de que esta, na pendência da acção, deixou de pagar, ou depositar, as 
 rendas vencidas (fls. 248).
 
                              Entretanto, a 30 do mesmo mês, deduziu o incidente 
 de aclaração de acórdão ( fls. 258).
 
  
 
                              E a 26 de Novembro, como, entretanto, a ré tivesse 
 feito prova nos autos do depósito das rendas em mora e da indemnização fixada 
 de acordo com o nº 3 daquele artigo 58º, veio reiterar o pedido de despejo 
 imediato, por verificar não ter sido paga, nem depositada, a renda relativa a 
 Junho de 1988, vencida em 1 de Maio anterior (fls. 273).
 
  
 
                              A Relação, por acórdão de 25 de Março de 1993, não 
 só indeferiu os suscitados incidentes relativos ao não pagamento ou depósito 
 das rendas, como igualmente desatendeu o pedido de aclaração (fls. 300 e 
 segs.).
 
  
 
  
 
                   2.-       Notificado deste último acórdão, veio o autor 
 interpôr recurso para o Tribunal Constitucional 'do mesmo, por violação dos 
 artigos 13º, 16º, 18º, 205º, nº 2, e 207º, todos da Constituição da República 
 Portuguesa, nos termos dos artigos 70º e seguintes da Lei nº 85/89, de 7 de 
 Setembro (sic), por interpretação inconstitucional dos artigos 1029º, 1056º, 
 
 342º, 351º e 1093º do Código Civil, e artigos 495º e 264º, estes do Código de 
 Processo Civil.' (fls. 306).
 
                              Foi o recurso recebido pelo Senhor Desembargador 
 relator, para subir imediatamente, nos próprios autos, e, já neste Tribunal, 
 observado o disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, para melhor concretização 
 do objecto do recurso, veio o interessado esclarecer recorrer ao abrigo da 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º desse texto legal, 'tratando-se de interpretação 
 inconstitucional, em 1ª instância, e apelação, dos artigos 1056º, 1029º, 342º e 
 
 351º, todos do Código Civil.  E, na fase do incidente do depósito de rendas, de 
 interpretação inconstitucional do artigo 979º do Código de Processo Civil  -  
 actual artigo 58º do RAU', tendo suscitado as questões de inconstitucionalidade 
 nas 'alegações do recurso de apelação e impugnação do depósito de rendas' (fls. 
 
 316).
 
  
 
  
 
                   3.-       Conclui como se segue o recorrente, nas respectivas 
 alegações:
 
  
 
             1º - É inconstitucional a interpretação, na 1ª instância, e, por 
 homologação, na 2ª instância, quanto aos artigos 1029º, 1056º, 342º e 351º, 
 todos do Código Civil, violando-se, com isso, os artigos 13º, 16º, 18º e 205º, 
 nº 2, da CR;
 
  
 
             2ª - É inconstitucional o artigo 58º do RAU, enquanto, no incidente 
 de dívida de rendas, na pendência da acção, altera a sanção do anterior artigo 
 
 979º do Código de Processo Civil, violando os citados preceitos constitucionais 
 e ainda o artigo 62º, nº 1 da CR.
 
  
 
                              Ocorrendo as referidas inconstitucionalidades, 
 termina por pedir se considere 'como não verificada a renovação automática do 
 contrato em causa' e, bem assim, 'a falta de pagamento de qualquer renda, na 
 pendência de uma acção de despejo, como devendo continuar a ser sancionada com 
 o despejo imediato'.
 
  
 
                              Por sua vez, a recorrida pugna pela improcedência 
 do recurso, rematando as suas alegações no sentido de :
 
             a) não caber na competência do Tribunal Constitucional a apreciação 
 de interpretações inconstitucionais de normas constitucionais;
 
             b) não terem as normas citadas influído na decisão, uma vez que 
 apenas estava em causa o artigo 1111º do Código Civil;
 
             c) não ser possível pedir a inconstitucionalidade do artigo 58º do 
 RAU e a aplicação do artigo 979º do Código de Processo Civil, pois aquele diz o 
 mesmo que este;
 
             d) tendo ocorrido transmissão do contrato  -  citado artigo 1111º  - 
 
  é falso alegar-se ter havido transmissão automática.
 
  
 
                              Não respondeu o autor à invocada matéria de 
 inexistência dos pressupostos do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                              Deduzido novo incidente de falta de pagamento de 
 rendas, o que forçou os autos a baixarem à Relação, onde se indeferiu mais uma 
 vez a pretensão do autor (fls. 334) e corridos os vistos legais, cumpre 
 apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
                              Sustenta a recorrida que a decisão impugnada já 
 transitou, pois o Tribunal Constitucional apenas pode apreciar a 
 constitucionalidade de normas jurídicas.  Em sua tese, o que o recorrente 
 pretende, inadmissivelmente, mais não é do que lograr nova instância de recurso, 
 reapreciando-se o já decidido.
 
  
 
                              Como é óbvio, será esta a primeira questão a 
 tratar, pois a sua eventual procedência poderá, desde logo, inviabilizar o 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
                              Ora, foi este interposto ao abrigo do artigo 70º, 
 nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, estando condicionado, na sua admissibilidade, 
 
 à verificação, entre outros, de dois pressupostos essenciais:
 
  
 
                                a)       suscitação durante o processo da 
 inconstitucionalidade de norma  -  ou normas;
 
                                b)       utilização dessa norma  -  ou normas  -  
 pela decisão recorrida, como fundamento normativo do julgamento, ou seja, como 
 ratio decidendi.
 
  
 
                              As normas (ou uma sua determinada interpretação) 
 que o recorrente pretende integrarem o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade, são  -  recorde-se a delimitação feita nas conclusões das 
 alegações apresentadas pelo recorrente (fls. 318 e segs.)  -  as dos artigos 
 
 1029º, 1056º, 342º e 351º, todos do Código Civil, e a do artigo 58º do RAU.
 
  
 
                              Refira-se, no entanto, que o recorrente, num 
 primeiro momento  -  o requerimento de interposição do recurso para este 
 Tribunal (fls.316)  -  invoca as normas constantes dos 'arts. 1029º, 1056º, 
 
 342º, 351º e 1093º do Código Civil e (...) arts. 495º e 264º estes do Código de 
 Processo Civil' (fls. 306) e, mais tarde, em resposta ao despacho-convite, 
 proferido pelo ora relator nos termos do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, veio 
 esclarecer estar em causa a interpretação inconstitucional 'dos arts. 1056º, 
 
 1029º, 342º e 351º, todos do Código Civil e (...) do art. 979º do Código de 
 Processo Civil  -  actual art. 58º do RAU'.
 
  
 
                              Dir-se-ia não ter o autor uma firme convicção de 
 quais são as normas cuja interpretação entende ser constitucionalmente 
 reprovável.  Independentemente, porém, de qualquer juízo que semelhante 
 flutuação proporcione, o certo é que pode, desde já, afirmar-se não ocorrer, 
 manifestamente, o pressuposto do recurso consistente na efectiva aplicação, 
 pela decisão recorrida, das normas cuja interpretação constitucional se 
 invoca.
 
  
 
                              De facto, o acórdão da Relação, de 1 de Outubro de 
 
 1992, confirmando a sentença da 1ª instância, apenas fez aplicação das normas 
 constantes dos artigos 1093º e 1111º do Código Civil (cfr. fls. 242-v. a 245) e, 
 no acórdão de 25 de Março de 1993 que indeferiu o pedido de aclaração daquele 
 acórdão e os incidentes de impugnação do depósito das rendas, aquele Tribunal 
 considerou, expressamente, como não aplicáveis ao caso dos autos, quer o artigo 
 
 58º do RAU, quer o revogado artigo 979º do Código Civil, uma vez que a renda em 
 causa se reportava a data anterior à pendência da acção (fls. 300 e segs.).
 
  
 
                              A respeito deste específico pressuposto  - efectiva 
 aplicação, na decisão recorrida, da norma cuja inconstitucionalidade é 
 suscitada  -  dir-se-á, na peugada de jurisprudência assente deste Tribunal, 
 que o recurso de constitucionalidade desempenha, sempre, uma função 
 instrumental, só sendo justificada essa via quando útil para se decidir a 
 questão de fundo.  O sentido do julgamento da questão de constitucionalidade  - 
 
  diga-se por outras  palavras  -  há-de influir utilmente na decisão de fundo, 
 não se compaginando com o âmbito de uma pura dissertação académica.
 
  
 
                              Neste sentido se pronunciaram, inter alia, os 
 acórdãos nºs. 86/90, 49/91 e 607/94, inéditos, 82/92, 169/92, 339/92, 257/92 e 
 
 449/93, (publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Agosto, 18 de 
 Setembro, 16 de Novembro de 1992, 18 de Junho de 1993 e de 29 de Abril de 1994, 
 respectivamente).
 
  
 
                              Ora, a esta luz, conclui-se que as normas de 
 suscitada inconstitucionalidade no caso vertente não foram efectivamente 
 aplicadas  -  e, como observámos, só quando a norma aplicada (ou desaplicada) 
 for relevante para a decisão da causa é que se justifica a intervenção do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
                              Não se verifica, por consequência, o pressuposto de 
 aplicação normativa exigido seja pela Constituição, no seu artigo 280º, nº 1, 
 alínea b), seja pela Lei nº 28/82, no seu artigo 70º, nº 1, alínea b):  como se 
 escreveu no citado acórdão nº 82/92, sempre que a decisão final não se tenha 
 servido da norma impugnada como seu fundamento legal, 'o recurso de 
 inconstitucionalidade que se dirija à específica fiscalização concreta dessa 
 mesma norma não pode ser admitido por força da ausência de um seu pressuposto de 
 admissibilidade'.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
                              Em face do exposto, decide-se não conhecer do 
 recurso.
 
  
 
                              Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se 
 fixa em  5 (cinco) unidades de conta.
 
  
 
                              Lisboa, 14 de Março de 1995
 
                                           Alberto Tavares da Costa
 Vítor Nunes de Almeida
 Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Maria Fernanda Palma
 José Manuel Cardoso da Costa