 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 741/07 
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro 
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, na sua redacção actual (doravante, Lei do Tribunal Constitucional), 
 pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade da norma contida no n.º 1 do 
 artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, em devida e correcta conjugação 
 com a norma do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil e ainda da norma do n.º 2 do 
 artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na interpretação dada na 
 decisão recorrida, de que, em síntese, em sede do Instituto de Protecção 
 Jurídica existe um só grau de recurso, por violação do disposto nos artigos 
 
 20.º, nºs 1, 4 e 5, 32.º, nºs 1 e 7, 202.º e 203.º, in fine, da Constituição da 
 República Portuguesa.” 
 Concluiu a sua alegação pela seguinte forma: 
 
 “1.ª A apreciação de petição do instituto de Protecção Jurídica não configura 
 bagatela jurídica, antes se apresenta como questão essencial por, a montante da 
 questão principal trazida a juízo, poder cercear ou impedir o acesso ao direito 
 e aos tribunais pelo cidadão economicamente carenciado. 
 
 2.ª O recurso da decisão judicial tirada sobre a impugnação do acto 
 administrativo que tenha indeferido a concessão desse instituto é, na realidade, 
 o primeiro e único recurso jurisdicional. 
 
 3.ª A sua admissibilidade não está vedada por lei, nem nas excepções previstas 
 no artº 400.º do Código de Processo Penal, nem no n. ° 1 do art.° 28. ° da Lei 
 n. ° 34/2004, de 29 de Julho, não podendo existir qualquer razão para 
 interpretar esta norma de modo diverso do que a sua letra expressa, por absoluta 
 omissão. 
 
 4.ª Sendo a regra geral, a do artº 399. ° da aludida lei adjectiva penal, a 
 aplicável pois que a irrecorribilidade tem que estar expressa taxativamente. 
 
 5.ª Sem que sequer se possam esgrimir quaisquer outros motivos, designadamente 
 de índole histórica ou de celeridade, que obstem a esta interpretação. 
 
 6.ª Muito menos a expressão ‘Alcance da decisão final’ plasmada a art° 29. ° da 
 mesma Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, pode ser entendida noutro sentido que não 
 como sendo a definitiva, a que já não tem recurso judicial, a transitada em 
 julgado. 
 
 7.ª É, pois, recorrível por nada estar expresso nessas normas legais no sentido 
 contrário, devendo estar se o não fosse, segundo a regra do citado art.° 399. ° 
 do Código de Processo Penal. 
 
 8.ª A interpretação legislativa das normas arguidas plasmada pelo Tribunal a quo 
 viola o direito do cidadão carenciado a aceder de forma célere e equitativa ao 
 direito e aos tribunais, sindicando as decisões judiciais que se lhe afigurem de 
 erradas e/ou ilegais, competindo aos tribunais, em primeira linha, tutelar tais 
 direitos, assegurando o seu exercício, em submissão à lei e à constituição, seja 
 qual for a posição desse cidadão na acção a dirimir. 
 
 9.ª Devendo, em conformidade, ser declarada a inconstitucionalidade das normas 
 dos artigos 28. °, n.º 1 da Lei n. ° 34/2004, de 29 de Julho, e do art.° 399. ° 
 do Código de Processo Penal, na interpretação dada, contrária ao sentido 
 emergente da norma do n. ° 2 do art° 9. ° do Código Civil, de que a decisão 
 judicial tirada da impugnação do acto administrativo é irrecorrível por violar 
 os imperativos dos artigo 20. °, nºs 1, 4 e 5, e artigo 32. °, nºs 1 e 7, sem 
 perder de vista o que acrescentado pelos artigo 202. °, n. ° 2, e artigo 203. 
 
 °da Constituição da República Portuguesa.” 
 Na contra-alegação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto junto deste Tribunal, 
 sufragou o entendimento de que a norma constante do artigo 28.º, n.º 1 da Lei 
 n.º 34/2004, interpretada em termos de consagrar a irrecorribilidade da decisão 
 proferida em tribunal de 1.ª Instância, que haja julgado improcedente a 
 impugnação deduzida pelo interessado em obter o apoio judiciário, não viola 
 qualquer preceito ou princípio constitucional, pelo que o recurso deve 
 improceder, para além de que a “questão” invocada em juízo de 
 inconstitucionalidade ser desprovida de natureza normativa. 
 
 2. Notificado para responder, querendo, deste último segmento invocado, veio o 
 Recorrente deduzir, nomeadamente a seguinte argumentação: 
 
 “ (…) 
 Insurgiu-se, respeitosamente, o recorrente contra despacho judicial que 
 interpreta a citada norma legal no sentido de que esta, na senda do que decorria 
 da anterior lei de apoio judiciário, a Lei n° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, 
 afastava a hipótese de recurso para o tribunal superior tirado sobre juízo que, 
 em primeira instância, indeferia a impugnação judicial da decisão administrativa 
 derrogante daquele peticionado instituto 
 E sustentou tal inconformismo e discordância, em súmula, com a substancial 
 diferença entre ambas as leis supra referidas em matéria de nomenclatura 
 utilizada e do rigor da correspondência do espírito na sua letra pois que o que 
 na anterior lei se denominava ‘recurso de impugnação’foi redenominado como 
 
 ‘impugnação judicial’ na actual lei, para além da retirada da expressão ‘em 
 
 última instância’ que naqueloutra constava, o que, de per se, implica que não só 
 inexiste um segundo grau de recurso ao sindicar-se a decisão judicial ante o 
 tribunal superior, pois que este seria o primeiro e único em sede judicial, como 
 também, e principalmente, o sábio legislador quis deixar aberta a possibilidade 
 de recurso ao retirar do texto legislativo a expressa referência à 
 impossibilidade de essa decisão judicial poder ser sindicada em instância 
 superior, ficando claramente aberta a possibilidade de ser interposto recurso da 
 primeira e única decisão judicial tomada em sede de protecção jurídica 
 E ancorou essa sua tese interpretativa no princípio jurídico básico da adequação 
 da interpretação legislativa ao espírito da norma sem ofensa da expressão 
 literal que tem que ter uma correspondência mínima mesmo que imperfeitamente 
 expressa, como vem plasmado em sede de art. 9.º do Código Civil, regras esta de 
 aplicação genérica no que tange à interpretação das leis. Para tanto, porque o 
 recurso de inconstitucionalidade interpretativa, ainda que abstracto, tem que 
 ter objectividade e efeitos práticos no formalismo processual, exemplificou com 
 a antítese defendida na decisão recorrida nos presentes autos, o que, de resto, 
 conjuntamente com a interpretação que considera correcta, sempre seria conditio 
 sino qua non em face do imperativo de apresentar a tese alegadamente ferida 
 dessa inconstitucionalidade, como resulta dos artigo 70.º, n° 1, alínea b), 
 artigo 72°, n° 2, e 75°-A, n° 2, todos da Lei n°28/82, de 15 de Novembro. 
 Daí alcança o recorrente que, não estando expressamente prevista naquela norma 
 da Lei n° 34/2004 a irrecorribilidade da decisão que julga a impugnação 
 judicial, se aplica a regra geral da lei processual penal, aquela que rege os 
 autos para onde se destina o aludido instituto. 
 Por todo este conjunto de razões, concomitantes e interdependentes, se afigura 
 ao recorrente correcta a sua arguição de inconstitucionalidade interpretativa da 
 concreta tese plasmada nos autos referida à sobredita norma da lei de protecção 
 jurídica com indicação expressa dos motivos que ancoram o seu entendimento 
 conducente à admissibilidade do recurso apresentado para sindicar a decisão 
 judicial tirada sobre a impugnação do acto administrativo. […]”
 Decidindo. 
 II – Fundamentação 
 
 3. Traduz jurisprudência uniforme e reiterada, por parte deste tribunal, que o 
 recorrente tem o ónus de enunciar, logo no requerimento de interposição do 
 recurso, de modo preciso e claro, a norma cuja (in)constitucionalidade pretende 
 que seja apreciada. Se questiona uma certa interpretação normativa, torna-se 
 necessário que precise esse sentido, de modo a que, vindo a norma a ser 
 considerada inconstitucional com esse sentido, o Tribunal o possa enunciar na 
 sua decisão de tal forma que o tribunal recorrido possa, ao reformar a decisão, 
 saber qual o sentido da norma que não pode ser utilizado por ser incompatível 
 com a Constituição (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs, 116/2002 (publicado no 
 Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 2002) e 507/2006, de 22 de 
 Setembro (disponível em www.tribunalconstitucional.pt). 
 Na situação dos autos, o Recorrente em vez de enunciar, numa proposição clara, o 
 sentido normativo do n.º 1 do artigo 28.º aplicado pela decisão recorrida e que 
 tem por inconstitucional, transcreveu e criticou os argumentos e o processo 
 interpretativo utilizados pela decisão recorrida. Ora, conforme se exarou no 
 citado Acórdão n.º 507/2006, “uma coisa são os argumentos, inclusivamente por 
 comparação entre o teor dispositivo actual dos preceitos que integram o regime 
 jurídico vigente e o daquele que o precedeu, em ordem a chegar a determinada 
 solução e outra coisa é a enunciação do comando jurídico ou critério normativo 
 de decisão susceptível de generalização que, extraído de um desses preceitos ou 
 de determinado bloco legal, funcionou como ratio decidendi.” 
 De facto, “o recorrente não definiu ou individualizou perante o Tribunal a quo 
 qualquer critério normativo positivamente suportado, fazendo recair sobre ele um 
 juízo de inconstitucionalidade, sendo que o cumprimento do ónus de suscitação da 
 inconstitucionalidade de uma norma não pode considerar-se satisfeito sem a 
 expressa indicação da norma que se considera inconstitucional, requisito este 
 que o recorrente não satisfez” (cfr. Acórdão n.º 427/2007, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 Por outro lado, é de salientar que a “norma” com que o Recorrente define o 
 objecto do recurso de constitucionalidade contende, fundamentalmente, com o 
 controlo do processo interpretativo seguido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, 
 o que, por configurar em si uma questão referente à obtenção da decisão, 
 constitui matéria excluída da esfera de competência cognitiva do Tribunal 
 Constitucional. 
 Na verdade, não compete a este Tribunal sindicar a actividade hermenêutica 
 efectuada pelos outros tribunais a qual integra o processo decisório e, assim, a 
 actividade jurisdicional propriamente dita. Objecto do recurso de 
 constitucionalidade, no domínio da fiscalização concreta, são, tão-somente, 
 normas e já não as decisões recorridas. 
 Não correspondendo o modelo português de controlo concreto da 
 constitucionalidade ao regime do recurso amparo ou queixa constitucional, neste 
 
 âmbito cabe apenas averiguar da conformidade com a Lei Fundamental de normas, 
 dimensões ou segmentos normativos. 
 Com efeito, na expressão de Lopes do Rego, (“Jurisprudência Constitucional”, n.º 
 
 3, Julho a Setembro de 2004, p. 7), “como genérica directriz, poderá partir-se 
 da afirmação de que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada 
 interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, 
 sobre uma regra abstractamente enunciada e vocacionada para uma aplicação 
 potencialmente genérica – não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro 
 acto de julgamento, que enquanto ponderação casuística da singularidade e 
 irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração 
 ou subsunção do julgador, exclusivamente imputável à latitude própria da 
 conformação interna da decisão judicial (...).” 
 
 4. Ora, o que o Recorrente pretende é afrontar a interpretação que o Tribunal da 
 Relação de Lisboa empreendeu. O que significa que o que vem verdadeiramente 
 impugnado é a decisão judicial propriamente dita, isto é, o acto de julgamento, 
 o que implica o não conhecimento do recurso. 
 Assim, 
 III – Decisão 
 Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, considerando que existe 
 impedimento processual ao conhecimento do recurso, em não tomar conhecimento do 
 mesmo. 
 Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) UC.
 Lisboa, 14 de Novembro de 2007
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos