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Processo nº 377/93
 
 2ª secção
 Relator: Cons. Messias Bento
 
  
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 
                         I Relatório:
 
  
 
                         1. T..., SA, requereu, no Supremo Tribunal 
 Administrativo, a suspensão de eficácia do acto do SECRETÁRIO DE ESTADO DO 
 TESOURO (contido na Portaria nº 218-A/92, publicada no suplemento do Diário da 
 República, II série, nº 157, de 9 de Julho de 1992), que revogou a autorização, 
 que lhe havia sido concedida para exercer qualquer actividade de intermediação 
 em valores mobiliários, e nomeou o presidente da comissão liquidatária.
 
  
 
  
 
                         Ao requerer o decretamento de uma tal providência, 
 suscitou a requerente a inconstitucionalidade material do artigo 627º, nº 4, do 
 Código do Mercado de Valores Mobiliários, por ofensa do direito de acesso aos 
 tribunais para defesa dos próprios direitos e interesses legalmente protegidos 
 
 (consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República) e da garantia do 
 recurso contencioso (consagrada no artigo 268º, nº 4, da mesma Constituição) - 
 disposições constitucionais estas integradas pelo artigo 8º da Declaração 
 Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
  
 
                         O Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção), por 
 acórdão de 12 de Janeiro de 1993, julgando improcedente a questão de 
 inconstitucionalidade suscitada pela requerente, rejeitou o pedido de suspensão 
 de eficácia, uma vez que, face ao disposto no referido artigo 627º, nº 4, do 
 Código do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo Decreto-Lei nº 142-A/91, 
 de 10 de Abril), é tal suspensão de eficácia legalmente inadmissível.
 
  
 
  
 
                         É deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (de 
 
 12 de Janeiro de 1993) que vem o presente recurso, interposto pela mesma T..., 
 ao abrigo do que preceitua a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, para apreciação da questão de constitucionalidade, tendo por 
 objecto a norma que se contém no referido artigo 627º, nº 4, do Código do 
 Mercado de Valores Mobiliários.
 
  
 
  
 
                         Neste Tribunal, alegou a recorrente T..., que formulou 
 as seguintes conclusões:
 
  
 a). A norma constante do nº 4 do artigo 627º do Código de Mercado de Valores 
 Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142-A/91, de 10 de Abril, é 
 materialmente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20º, nº 1, 
 e 268º, nº 4, da Constituição da República, integrados pelo artigo 8º da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem;
 b). É também materialmente inconstitucional por infringir o princípio da 
 igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.
 Termos em que [...] deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o 
 acórdão recorrido [...].
 
  
 
  
 
                         De sua parte , o SECRETÁRIO DE ESTADO DO TESOURO - que 
 também alegou - formulou as conclusões que seguem:
 a) A norma do nº 4 do artigo 627º do C.M.V.M. não é materialmente 
 inconstitucional, não violando, nem os artigos 20º, nº 1, da C.R.P. e 268º, nº 4 
 
 (Direito da Tutela Jurisdicional), nem o artigo 13º (princípio da igualdade);
 b) Antes pelo contrário a sua 'ratio legis' plasma‑se, é derivação da 'ratio 
 legis' de cada um dos princípios e da RATIO JURIS dos princípios constitucionais 
 resultantes, entre outros, dos princípios do meio menos lesivo (artigo 18º, nº 
 
 2, da C.R.P.), da proporcionalidade (artigo 266º, nº 2), da prossecução do 
 interesse público (artigo 266º, nº 1) e da intervenção do Estado/Polícia 
 Económica (artigo 8º, alínea e) contra (sic) todas as 'práticas lesivas do 
 interesse geral' da 'comunidade económica' dos agentes que activa ou 
 passivamente participam ou realizam o mercado mobiliário/financeiro e cuja 
 segurança e confiança se integra respectivamente, quer no princípio da 
 intervenção, quer no próprio princípio da igualdade e da justiça de que a boa fé 
 
 é uma derivação.
 c) A mesma norma do nº 4 do citado artigo 627º, no confronto com o invocado 
 
 'efeito útil' e 'atempado do direito de acção' carece também por sequela das 
 
 'ratio legis' e 'ratio juris' constitucionais assinalados na conclusão b) 
 anterior, dum 'efeito útil' próprio específico das normas de Polícia económica 
 em conformidade com os princípios do 'meio menos lesivo' e da 
 
 'proporcionalidade' que não são violadores dos princípios da igualdade e da 
 justiça.
 Nos termos e com os fundamentos expostos, deve ser negado provimento ao recurso, 
 porque infundada a pretensão de inconstitucionalidade do nº 4 do artigo 627º do 
 CMVM.
 
  
 
  
 
                         A COMISSÃO LIQUIDATÁRIA DA T... - que já havia sido 
 notificada para responder ao pedido de suspensão de eficácia apresentado perante 
 o Supremo Tribunal Administrativo - produziu igualmente alegações, nas quais 
 concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso, 'por irregularidade 
 insanável no mandato forense do recorrente da instância 'a quo''.
 
  
 
  
 
                         Esta conclusão (no sentido do não conhecimento do 
 recurso) fá-la a COMISSÃO LIQUIDATÁRIA decorrer das seguintes premissas:
 
 1ª - Nos presentes autos, a 'T... S.A. EM LIQUIDAÇÃO' não é efectiva recorrente;
 
 2ª - Verifica-se, com efeito, uma irregularidade na representação e no mandato 
 outorgado ao Advogado que na instância 'a quo' interpôs quer a petição inicial 
 de recurso contencioso quer o propriamente dito recurso ora em apreço neste 
 Tribunal.
 
 3ª - Com efeito, os seus poderes de representação foram-lhe outorgados por J..., 
 na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da dita T...;
 
 4ª - Porém, desde 10.7.92 este órgão social já estava dissolvido e
 
 5ª - Não dispunha aquele de tais poderes e qualidades. Com efeito
 
 6ª - A Portaria 218-A/92 (2ª Série D.R. nº 157 de 10.07), por força da al. a) nº 
 
 2 do artº 628º do Cód. Mercado de Valores Mobiliários determinou a dissolução e 
 entrada em liquidação imediatas da T... e,
 
 7ª - A mesma Portaria nomeou, como órgão social liquidatário até à constituição 
 da Comissão Liquidatária, o Comissário do Governo João Luís Fernandes Figueira.
 
 8ª - Por força do disposto nos nºs 1 e 3 do artº 21º, por analogia com a parte 
 final do artº 32º do D.L. 30.689 de 27.8.40 e, por força do nº 1 do artº 152º. 
 do Cod. Soc. Comerciais, bem ainda como também por força do disposto no nº 3 do 
 artº 1189º, 1190º e 1210º todos do CPC e, actualmente substituídos pelos artºs 
 
 134º, 141º e 143º do D.L. 123/92 de 23 de Abril aplicáveis por força dos artºs 
 
 12º e 65º do D.L. 30.689 de 27.8.40, é indubitável que, com a entrada em 
 dissolução e liquidação, a representação da sociedade T... ficou desde logo a 
 caber unicamente ao seu liquidatário, com óbvia exclusão de anteriores 
 representantes.
 
 9ª - Assim, por força do nº1 do artigo 21º do CPC aplicável pelo artigo 1º da 
 LPTA é inequívoco não dispor o dito Ilustre advogado recorrente da instância 'a 
 quo' de quaisquer poderes legais de representação da T....
 
 10ª. - Por isso, embora a instância 'a quo' não se tenha pronunciado sobre esta 
 questão que no entanto já lhe fora colocada, a irregularidade em causa é sempre 
 tanto sanável como objecto de apreciação. Ora, 
 
 11ª - A dita Portaria 218-A/92 consubstancia um acto administrativo revogatório 
 constitutivo que de 'per si' e sem necessidade de actos complementares ou de 
 execução, produziu a dissolução da T..., entrada em liquidação, e nomeação de um 
 liquidatário.
 
 12ª - Tal liquidatário cessou funções, enquanto órgão singular em 19.1.93 pela 
 entrada em funções de um novo órgão social liquidatário, a Comissão 
 Liquidatária.
 
 13ª - Não dispondo agora, como nunca dispôs nos autos, de poderes conferidos 
 pelos ditos liquidatários, o Ilustre Advogado que baseia o seu mandato em 
 procuração de órgão social dissolvido à data do início dos autos e deste 
 recurso, não pode representar a T....
 
 14ª - Razões pelas quais, tem de declarar-se verificada questão prévia, a qual, 
 nos termos do nº 1 do artº. 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional obsta ao 
 conhecimento do recurso.
 
 15ª - Aliás, no sentido de que em liquidação a sociedade cretícia é representada 
 conforme se dispõe no D.L. 30.689 de 27.8.40 já assim tem decidido esta 
 Instância Constitucional (Acórdãos 453/93, 450/93 e 449/93 da 1ª Secção do T.C. 
 de 15/07). 
 
  
 
  
 
                         Pronunciando-se sobre a questão prévia do não 
 conhecimento do recurso (suscitada pela COMISSÃO LIQUIDATÁRIA DA T...), a 
 recorrente T..., S.A veio sustentar a regularidade da representação no 
 requerimento da suspensão de eficácia (e, assim, no recurso para este Tribunal 
 da decisão que a não decretou), mandatando, para o efeito, o advogado que a 
 representa.
 
  
 
  
 
                         3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                         II. Fundamentos:
 
  
 
                         4. Questão prévia do não conhecimento do recurso:
 
  
 
                          A T..., SA - que se constituira em 13 de Outubro de 
 
 1988 e fora autorizada a exercer a actividade de intermediação em valores 
 mobiliários - viu ser-lhe cassada a respectiva autorização, pela Portaria nº 
 
 218-A/92 (Diário da República, II série, nº 157, de 9 de Julho de 1992), que 
 reza assim:
 Tendo sido comunicada pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários no 
 exercício das funções que lhe estão legalmente cometidas, a prática de actos 
 pela referida sociedade corretora e a existência de situações subsumíveis nas 
 als. c), d), e) e f) do nº 1 do art. 626º do Código do Mercado de Valores 
 Mobiliários, aprovado pelo Dec.-Lei 142-A/91, de 10‑4;
 Considerando que os supracitados actos e situações constituem, nos termos do 
 art. 626º do Código do Mercado de Valores Mobiliários e do art. 10º do Dec.‑Lei 
 
 23/86, de 18-2, aplicável às sociedades corretoras por força do Dec.-Lei 
 
 229-I/88, de 4-7, fundamento para ser revogada a autorização concedida à 
 mencionada T..., S.A., para operar como intermediário financeiro;
 Considerando o disposto na al. a) do nº 2 do art. 628º do Código do Mercado de 
 Valores Mobiliários e no nº 5 do art. 10º do citado Dec.-Lei 23/86;
 Manda o Governo pelo Secretário de Estado do Tesouro, ouvidos o Banco de 
 Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, nos termos do nº 1 do 
 art. 627º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, e ao abrigo do Desp. 
 
 18/91-XII, de 6-12, do Ministro das Finanças, publicado no DR, 2ª, de 27-12, o 
 seguinte:
 
 1º É revogada a autorização concedida à T..., S.A., para exercer toda e qualquer 
 actividade de intermediação em valores mobiliários.
 
 2º Para os efeitos previstos no Dec.-Lei 30 689, de 27-8-40, é nomeado para 
 presidir à comissão liquidatária da referida Sociedade o licenciado João Luís 
 Fernandes Figueira.
 
 3º A presente portaria entra imediatamente em vigor.
 
  
 
  
 
                         A Portaria acabada de transcrever foi editada, como dela 
 consta, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 627º do Código do Mercado de 
 Valores Mobiliários (aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 142-A/91, de 10 
 de Abril) - artigo 627º que dispõe sobre a 'competência e formalidades da 
 revogação' da autorização de que depende, nos termos do artigo 615º, nº 1, do 
 mesmo Código, 'o exercício das actividades de intermediação em valores 
 mobiliários mencionados no artigo 608º'.
 
  
 
  
 
                         O artigo 627º dispõe como segue:
 Artigo 627º - Competência e formalidades da revogação
 
 1 - A revogação será decidida pela entidade que, à data em que deva decretar-se, 
 seja competente, nos termos dos artigos 615º e 616º, para a concessão da 
 autorização em causa, e será precedida de parecer emitido, no âmbito das suas 
 atribuições, pelo Banco de Portugal e pela CMVM, quando a referida competência 
 pertencer ao Ministro das Finanças, ou apenas por uma dessa entidades, quando, 
 ao abrigo do artigo 616º, houver sido delegada na outra, e, em qualquer caso, de 
 parecer do respectivo governo regional, se o intermediário financeiro tiver a 
 sua sede numa região autónoma.
 
 2 - Os pareceres a que se refere o número anterior devem ser emitidos no prazo 
 de 15 dias.
 
 3 - A decisão de revogação será adequadamente fundamentada, e, quando for da 
 competência do Ministro das Finanças, revestirá a forma de portaria.
 
 4 - No recurso contencioso das decisões referidas no presente artigo não é 
 admitida a suspensão de eficácia do acto.
 
  
 
  
 
                         Sustenta, em síntese, a COMISSÃO LIQUIDATÁRIA DA T... 
 que, tendo a referida T..., SA, entrado em liquidação, a respectiva 
 representação passou 'a caber unicamente ao seu liquidatário, com óbvia exclusão 
 de anteriores representantes', por isso que, como a procuração ao advogado, que 
 subscreve as peças do recurso, foi passada pelo ex-presidente do conselho de 
 administração da T... (J...), existe 'uma irregularidade na representação e no 
 mandato ao advogado', que há-de conduzir ao não conhecimento do recurso.
 
  
 
  
 
                         A T..., SA (aqui recorrente) - depois de sublinhar que 
 
 'os poderes de representação em juízo dos representantes da empresa em 
 liquidação' 'dizem respeito à massa do estabelecimento', não podendo 'interferir 
 com o poder que aos anteriores administradores assiste de designarem mandatário 
 forense para o exercício, pela empresa destinatária do acto administrativo 
 contido na Portaria nº 218-A/92, do direito de recurso consagrado na 
 Constituição e na lei' - acrescenta:
 
 - Com efeito, uma coisa são as relações jurídicas da T..., S.A., em liquidação, 
 com terceiros - maxime, os seus credores -, e outra, bem distinta, é a relação 
 jurídico-administrativa Estado – T..., S.A., emergente do acto de revogação da 
 autorização para o exercício da sua actividade.
 
 - E se, no plano das primeiras relações - de índole privatística -, bem se 
 compreende que os antigos administradores tenham de ser preteridos em favor da 
 comissão liquidatária da massa do estabelecimento, já no âmbito das relações 
 jurídico-públicas referidas em segundo lugar tudo se há-de passar, para efeitos 
 de recurso, nos termos que existiam à data da prática do acto administrativo 
 lesivo dos interesses da empresa.
 
 - A não ser assim, chegar-se-ia ao intolerável absurdo de negar à sociedade 
 lesada o direito de recurso contencioso, com cujo exercício os interesses a 
 defender pela individualidade designada para presidir à sua comissão 
 liquidatária - primeiro - e por esta comissão - depois - abertamente conflituam.
 
  
 
  
 
                         A razão está, obviamente, do lado da aqui recorrente.
 
  
 
  
 
                         A decisão de revogação da autorização - que tem que ser 
 
 'adequadamente fundamentada' (cf. o nº 3 do artigo 627º, atrás transcrito) e só 
 pode ter por fundamentos (para além dos 'admitidos na lei geral') os factos 
 enunciados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 626º - é, sem margem para 
 dúvidas, contenciosamente impugnável.
 
  
 
  
 
                         Ora, sendo à T..., SA, constituída em 13 de Outubro de 
 
 1988, que a Portaria nº 218-A/92 retira a autorização do exercício das 
 actividades de intermediação em valores mobiliários - e não à T..., que entrou 
 em liquidação em consequência dessa revogação da autorização -, óbvio é que é 
 aquela (e não esta) a titular do interesse directo, pessoal, e legítimo na 
 anulação do acto administrativo em que se consubstancia tal decisão de 
 revogação.
 
                         Por isso, pode ela recorrer contenciosamente desse acto. 
 E, pela mesma razão, pretendendo ela obter a suspensão de eficácia daquele acto 
 e existindo, como existe, uma disposição legal que lho proíbe, mas que ela tem 
 por inconstitucional (e que, como tal, arguiu, sem êxito, perante o Supremo 
 Tribunal Administrativo), tem ela (representada pelos respectivos 
 administradores, que não pela comissão liquidatária) legitimidade para recorrer 
 para o Tribunal Constitucional, pois que, quanto a tal questão de 
 constitucionalidade, é, como se viu, parte vencida.
 
  
 
  
 
                         A ser de outro modo, sentindo-se, embora, lesada pela 
 revogação de autorização que antes lhe fora concedida, a sociedade não poderia 
 defender (ao menos, com eficácia) os seus interesses em juízo, impugnando 
 contenciosamente a decisão de revogação.
 
  
 
  
 
                         5. Objecto do recurso:
 
  
 
                         5.1. Como decorre do que já se disse, não é legalmente 
 admissível a suspensão de eficácia da decisão que revogue a autorização do 
 exercício da actividade de intermediação de valores mobiliários, que se queira 
 impugnar (ou tenha já) impugnado contenciosamente.
 
  
 
  
 
                         A norma que tal estabelece (a saber: o nº 4 do artigo 
 
 627º do Código do Mercado de Valores Mobiliários, atrás transcrito) será 
 inconstitucional, como pretende a recorrente?
 
  
 
                         A esta questão deu o acórdão recorrido resposta 
 negativa, uma vez que - concluiu - a norma em causa não viola o direito de 
 acesso aos tribunais, nem a garantia de recurso contencioso, nem tão-pouco o 
 princípio da igualdade.
 
  
 
                         5.2. Também aqui se conclui pela não 
 inconstitucionalidade da norma em análise.
 
  
 
  
 
                         5.2.1. Desde logo, ela não viola o direito ao recurso 
 contencioso, que o artigo 268º, nº 4, da Constituição da República consagra, 
 assim possibilitando aos interessados que, 'com fundamento em ilegalidade', 
 impugnem em juízo 'quaisquer actos administrativos, independentemente da sua 
 forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos'.
 
  
 
  
 
                         De facto, suposta a recorribilidade do acto e a 
 legitimidade dos recorrentes, o que a norma em causa tão-só preceitua é que os 
 actos administrativos nela visados, mesmo que impugnados contenciosamente, 
 continuarão a poder ser executados, uma vez que a eficácia do acto não pode ser 
 judicialmente suspensa.
 
  
 
  
 
                         5.2.2. O direito de 'acesso [...] aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos  e interesses legítimos', que o artigo 20º, nº 1, da 
 Constituição garante a todos, também não é violado pela norma em causa 
 
                         A um outro propósito - a propósito, justamente, do 
 artigo 50º da Lei nº 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária) 
 
 - este Tribunal já teve ocasião de chamar a atenção para que nenhum preceito 
 constitucional impõe ao legislador que consagre o instituto da suspensão de 
 eficácia dos actos administrativos (cf. os acórdãos nºs 187/88 e 80/91, 
 publicados no Diário da República, II série, de 5 de Setembro de 1989 e 29 de 
 Agosto de 1991, respectivamente).
 
  
 
  
 
                         A suspensão de eficácia dos actos administrativos de que 
 se tenha interposto (ou venha a interpor) recurso contencioso com vista a obter 
 a sua anulação é, por ora, uma garantia que apenas tem assento legal 
 
 (justamente, na Lei de Processo dos Tribunais Administrativos - Decreto-Lei nº 
 
 267/85, de 16 de Junho, artigos 76º e 81º), 'uma garantia que, por isso mesmo, o 
 legislador pode, sem inconstitucionalidade, retirar pura e simplesmente, ou 
 modelar diferentemente' (cf. os citados acórdãos nºs 187/88 e 80/91).
 
                         Nesses acórdãos nºs 187/88 e 80/91, acrescentou-se 
 ainda:
 Para que tal garantia venha a obter consagração constitucional, necessária será 
 uma evolução semelhante à que ocorreu, após a revisão constitucional de 1971, 
 com a própria garantia de recurso contencioso (cf. os artigos 8º, nº 21, da 
 Constituição de 1933 e 268º, nº 3, da Constituição actual) e, depois da revisão 
 constitucional de 1982, com a garantia da fundamentação dos actos  
 administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos 
 cidadãos (cf. o artigo 268º, nº 2). Também estas garantias começaram por ser 
 aspirações dos administrados, tendo passado, em dado momento, a ter força de lei 
 e, só por último, indo ao texto da lei fundamental.
 Por ora, porém - repete-se -, a garantia da suspensão judicial da eficácia do 
 acto administrativo é uma garantia sem assento constitucional, uma garantia 
 apenas concedida pela lei.
 
  
 
  
 
                         É certo que a suspensão de eficácia do acto 
 administrativo judicialmente impugnado - como se assinalou naqueles arestos - 
 
 'torna, decerto, mais consistente o direito de acesso aos tribunais' (recte, o 
 direito ao recurso contencioso). Simplesmente, 'mesmo sem esse plus de garantia 
 que se acrescenta à própria garantia do recurso contencioso', o direito ao 
 recurso (a garantia de 'acesso aos tribunais para defesa dos seus direitoe e 
 interesses') 'continua a ser assegurado, embora, naturalmente a eficácia do 
 resultado do recurso à justiça possa, em certos casos, ser mais problemática'.
 
  
 
  
 
                         Vale a pena, a este propósito, transcrever um passo do 
 acórdão recorrido. Diz-se aí:
 Em suma, o instituto da suspensão de eficácia não é uma providência destinada 
 directamente a permitir a reintegração patrimonial do administrado, eventual 
 credor, face à Administração, mas um instrumento processual orientado a impedir 
 as consequências gravosas do uso imoderado e desnecessário do poder 
 administrativo em contrapolo com a urgência da realização do interesse público 
 prosseguido.
 Nesta óptica, a suspensão de eficácia dos actos administrativos pouco ou nada 
 tem a ver com o princípio constitucional da justiça efectiva. Mas, ainda que o 
 tenha, pelas características que vão referidas, não pode deixar de caber ao 
 poder legislativo, a que a Administração se encontra absolutamente submetida, a 
 faculdade de conformar as situações em que o privilégio de execução prévia pode 
 ou não ser paralisado pela intervenção do juiz administrativo.
 
  
 
  
 
                         Também no acórdão nº 173/91 (Diário da República, II 
 série, de 6 de Setembro de 1991) se escreveu a este propósito:
 
 É correcto, por isso, concluir que, ao menos em geral, a suspensão jurisdicional 
 da eficácia dos actos administrativos não se configura como uma faculdade 
 co‑natural à garantia constitucional do recurso contencioso, nem se apresenta 
 como um pressuposto necessário desta. Esta conclusão não excluirá, todavia, que, 
 em situações decerto excepcionalíssimas, a possibilidade de obtenção da 
 suspensão judicial da eficácia do acto esteja indissoluvelmente ligada à 
 garantia do recurso contencioso, em termos de este se tornar absoluta e 
 irremediavelmente inútil se aquela for eliminada ou gravemente dificultada pelo 
 legislador. Numa situação destas - cuja identificação não se compadece com 
 formulações genéricas, antes pressupõe uma punctualização tópica e típica - e em 
 que a faculdade de obtenção de suspensão jurisdicional da eficácia dos actos 
 administrativos se confunde com o direito ao recurso contencioso, não deverá a 
 lei impedir a suspensão jurisdicional da eficácia do acto impugnado.
 Mas este não é, de modo algum, o caso do artigo 50º da Lei nº 109/88.
 
  
 
  
 
                         Insiste-se, pois: a Constituição não impõe ao legislador 
 
 - ainda que tão-só de forma implícita, como decorrência do artigo 20º, nº 1 - a 
 obrigação de prever a possibilidade de fazer suspender a eficácia dos actos 
 administrativos que sejam objecto de impugnação contenciosa.
 
                         Passa-se aqui algo de semelhante ao que este Tribunal 
 teve ocasião de assinalar quanto à fundamentação dos actos administrativos, numa 
 altura em que estava em vigor a versão originária do artigo 269º da 
 Constituição. Disse ele, então:
 A fundamentação dos actos administrativos não constitui pressuposto 
 juridicamente necessário, ou condição insuprível, do exercício do direito ao 
 recurso contencioso, mas unicamente condição ou factor de uma sua maior 
 viabilidade prática (cf.  acórdão  nº 150/85, publicado no Diário da República, 
 II série, de 19 de Fevereiro de 1985).
 
  
 
  
 
                         5.2.3.A norma aqui sub iudicio também não viola o 
 princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
 
  
 
  
 
                         O princípio da igualdade exige que se tratem de modo 
 igual as situações essencialmente iguais e reclama se tratem diferentemente as 
 situações que forem distintas.
 
                         Por isso, um tratamento diferenciado só importará 
 violação do princípio da igualdade, quando para ele não houver fundamento 
 material, ou seja, quando o mesmo for irrazoável ou arbitrário.
 
  
 
                         Este Tribunal já julgou inconstitucional, por violação 
 do princípio da igualdade, uma norma - a do artigo 50º, nº 1, da Lei nº 109/88, 
 de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária) - que, justamente, fixa um 
 regime especial para a suspensão de eficácia de actos administrativos (cf., 
 entre outros, os acórdãos nºs 43/92 e 366/92, publicados no Diário da República, 
 II série, de 23 de Fevereiro de 1993).
 
  
 
  
 
                         Simplesmente - como se pôs em destaque no acórdão 
 recorrido - em casos como aqueles a que a norma sub iudicio se aplica, 'estão em 
 jogo 'interesses públicos' conjunturalmente carecidos de protecção mais 
 acentuada e vigorosa, materialmente justificativos da diferenciação legislativa 
 no que toca ao regime de suspensão da eficácia dos actos que os envolvam'.
 
  
 
  
 
                         A solução consagrada na norma sub iudicio não é, assim, 
 arbitrária, pois a proibição de suspensão de eficácia da classe de actos 
 administrativos abrangidas por ela, embora seja uma disciplina que contrasta com 
 a que a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos consagra para a 
 generalidade dos actos administrativos, tem a justificá-la razões que não 
 concorrem, em geral, quanto a esses outros actos. Razões que, de resto, são 
 particularmente ponderosas, pois que se trata de, em cumprimento de uma 
 incumbência constitucional [cf. artigo 81º, alínea e)], 'reprimir os abusos do 
 poder económico' e 'práticas lesivas do interesse geral', de forma eficaz e 
 pronta - o que é essencial para que o mercado possa funcionar de acordo com 
 regras claras e para que a economia seja posta ao serviço do bem comum.
 
  
 
  
 
                         6. Concluindo: a norma do nº 4 do artigo 627º do Código 
 do Mercado de Valores Mobiliários (Decreto-Lei nº 142‑A/91, de 10 de Abril) - ao 
 proibir o decretamento judicial da suspensão de eficácia dos actos revogatórios 
 das autorizações para o exercício de actividades de intermediação de valores 
 mobiliários - não é, assim, inconstitucional.
 
  
 
  
 
                         III. Decisão:
 
  
 Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o 
 acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
 
  
 Lisboa, 22 de Fevereiro 1995
 Messias Bento
 Bravo Serra
 Luis Nunes de Almeida (vencido por entender que a norma em apreço viola o artigo 
 
 20º, nº 1, da C.R.P., pelas razões constantes da declaração de voto junta ao 
 Acórdão nº 173/91)
 Guilherme da Fonseca (vencido, nos termos da declaração de voto do Ex.mº Consº 
 Luis Nunes de Almeida)
 José Manuel Cardoso da Costa
 
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