 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 411/07
 Plenário
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
                       Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 I – Relatório
 
  
 
                       1. O pedido.
 
                       O Representante da República para a Região Autónoma dos 
 Açores requer, ao abrigo do n.º 2 do artigo 278.º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP) e dos artigos 57.º e seguintes da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional, em processo de 
 fiscalização preventiva da constitucionalidade, se pronuncie pela 
 inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos a seguir indicados do 
 Decreto n.º 8/2007, sobre Regime das Precedências Protocolares e do Luto 
 Regional, aprovado na sessão de 7 de Março de 2007 da Assembleia Legislativa da 
 Região Autónoma dos Açores, que lhe foi enviado para assinatura como decreto 
 legislativo regional:
 
                       – artigos 1.º, n.º 1, segunda parte, 7.º, n.ºs 1, 10, 12 a 
 
 18, 21 a 24, 26, 27, 1.ª parte, 28 a 31, 32, 1.ª parte, e 38, este na parte 
 referente à “administração local”, 9.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1 e 2, 15.º a 18.º e 
 
 20.º, por violação dos três parâmetros da competência legislativa regional 
 contidos no n.º 4 do artigo 115.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da 
 CRP;
 
                       – artigo 10.º, n.º 1, por inconstitucionalidade material 
 decorrente da violação do estatuto constitucional do Primeiro‑Ministro, 
 constante dos artigos 182.º, 187.º, n.º 1, e 201.º, n.º 1, conjugados com o 
 princípio da unidade do Estado, consagrado nos artigos 6.º e 225.º, n.º 3, da 
 CRP;
 
                       – artigo 10.º, n.º 2, por inconstitucionalidade material 
 decorrente da violação do estatuto constitucional do Representante da República 
 e da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, contido nos artigos 230.º, n.º 
 
 1, e 231.º, n.ºs 3 a 5, da CRP.
 
                       O pedido, entrado na secretaria do Tribunal Constitucional 
 em 26 de Março de 2007 (2.ª‑feira) e tendo por objecto diploma recebido no 
 Gabinete do Representante da República para a Região Autónoma dos Açores em 16 
 de Março de 2007, é tempestivo (artigos 278.º, n.º 3, da CRP e 56.º, n.º 2, e 
 
 57.º, n.º 1, da LTC).
 
                       O requerente detém legitimidade para o pedido, atentos o 
 seu objecto (normas constantes de decreto legislativo regional) e fundamento 
 
 (inconstitucionalidade) – artigo 278.º, n.º 2, da CRP.
 
  
 
                       2. O objecto do pedido.
 
                       O Decreto n.º 8/2007 da Assembleia Legislativa da Região 
 Autónoma dos Açores – Regime das Precedências Protocolares e do Luto Regional 
 na Região Autónoma dos Açores (doravante designado por Regime das Precedências 
 Protocolares) –, aprovado em 7 de Março de 2007 e enviado ao Representante da 
 República para a Região Autónoma dos Açores para assinatura como decreto 
 legislativo regional, foi emitido “nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 227.º, conjugada com o n.º 4 do artigo 112.º da Constituição da República 
 Portuguesa e das alíneas hh) do artigo 8.º e c) do n.º 1 do artigo 31.º do 
 Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores”, que dispõem:
 
  
 
      Constituição da República Portuguesa (redacção da Lei Constitucional n.º 
 
 1/2004, de 24 de Julho):
 
      Artigo 227.º (Poderes das regiões autónomas)
 
      1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os 
 seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:
 
      a) Legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo 
 estatuto político‑administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de 
 soberania;
 
      (…)
 
  
 
      Artigo 112.º (Actos normativos)
 
      (…)
 
      4. Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias 
 enunciadas no estatuto político‑administrativo da respectiva região autónoma 
 que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas 
 alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º.
 
      (…)
 
      
 Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores (Lei n.º 39/80, 
 de 5 de Agosto, alterada pelas Leis n.ºs 9/87, de 26 de Março, e 61/98, de 27 de 
 Agosto):
 
      Artigo 8.º (Matérias de interesse específico) 
 
      Para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa 
 legislativa da Região, bem como das matérias de consulta obrigatória pelos 
 
 órgãos de soberania, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição, 
 constituem matérias de interesse específico:
 
      (…)
 
      hh) Outras matérias que respeitem exclusivamente à Região ou que nela 
 assumam particular configuração.
 
  
 
      Artigo 31.º (Competência legislativa)
 
      1 – Compete ainda à Assembleia Legislativa Regional dos Açores
 
      (…)
 
      c) Legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da 
 República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam 
 reservadas à competência própria dos órgãos de soberania;
 
      (…)
 
  
 
                       Consta do preâmbulo do Decreto n.º 8/2007 (que reproduz a 
 exposição de motivos do Projecto de Decreto Legislativo Regional n.º 1/2007, 
 apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que esteve na génese 
 daquele diploma):
 
  
 
      “A particular configuração que as regras das precedências protocolares 
 assumem no quadro da autonomia política fundamenta o estabelecimento de um 
 regime específico na Região Autónoma dos Açores, devendo o cerimonial regional 
 reflectir a estrutura constitucional da Autonomia e traduzir a percepção que a 
 sociedade tem dos titulares dos diversos órgãos e poderes, relevando a 
 importância protocolar dos titulares dos órgãos de governo próprio.
 Afirmando o pluralismo e a dimensão democrática da Autonomia, dignifica‑se o 
 estatuto da oposição, atribuindo relevância protocolar aos líderes regionais dos 
 partidos da oposição, destacando o papel do líder do maior partido da oposição, 
 o qual é objecto de tratamento diferenciado.
 Tipifica‑se, ainda, a declaração de luto regional pelo falecimento do 
 Presidente da Assembleia Legislativa, dos membros do Governo Regional, dos 
 antigos Presidentes da Assembleia Legislativa e do Governo Regional, assim como 
 pelo falecimento de personalidade ou ocorrência de evento de excepcional 
 relevância.”
 
  
 
                       Os preceitos que contêm as normas cuja apreciação de 
 constitucionalidade vem solicitada são do seguinte teor integral, assinalando‑se 
 a negro os segmentos questionados:
 
  
 
  
 CAPÍTULO I – Princípios gerais
 
      Artigo 1.º (Objecto)
 
 1. O presente diploma estabelece o regime protocolar aplicável nas cerimónias 
 regionais, considerando-se como tal as promovidas pelas entidades públicas 
 sedeadas na Região Autónoma dos Açores.
 
 2. O presente diploma dispõe, igualmente, sobre a declaração de luto regional.
 
 (…)
 
      
 CAPÍTULO II – Precedências
 
      Secção I – Hierarquia
 
      Artigo 7.º (Lista de precedências)
 
      Para efeitos protocolares, as entidades públicas hierarquizam‑se, na 
 Região, pela ordem seguinte:
 
      1. Representante da República para a Região Autónoma dos Açores;
 
      2. Presidente da Assembleia Legislativa;
 
      3. Presidente do Governo Regional;
 
      4. Vice‑Presidentes do Governo Regional;
 
      5. Secretários e Subsecretários Regionais;
 
      6. Antigos Presidentes da Assembleia Legislativa e antigos Presidentes do 
 Governo Regional;
 
      7. Líder regional do maior partido da Oposição;
 
      8. Vice‑Presidentes da Assembleia Legislativa e Presidentes dos Grupos e 
 Representações Parlamentares na Assembleia Legislativa;
 
      9. Presidentes das comissões parlamentares permanentes da Assembleia 
 Legislativa;
 
      10. Deputados à Assembleia da República eleitos pelo círculo eleitoral dos 
 Açores;
 
      11. Deputados à Assembleia Legislativa;
 
      12. Deputados ao Parlamento Europeu indicados pelas estruturas regionais 
 dos partidos políticos;
 
      13. Juiz Conselheiro da Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas;
 
      14. Procurador‑Geral Adjunto da Secção Regional dos Açores do Tribunal de 
 Contas;
 
      15. Comandante Operacional dos Açores;
 
      16. Juiz Presidente e Procurador da República do Círculo Judicial onde se 
 realiza a cerimónia;
 
      17. Juiz e Procurador da República da Comarca onde se realiza a cerimónia;
 
      18. Comandantes das Zonas Militar, Marítima e Aérea dos Açores;
 
      19. Presidentes dos Conselhos de Ilha;
 
      20. Presidente da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores;
 
      21. Reitor da Universidade dos Açores;
 
      22. Presidentes das câmaras municipais;
 
      23. Presidentes das assembleias municipais;
 
      24. Vereadores das câmaras municipais;
 
      25. Líderes regionais dos partidos políticos com representação na 
 Assembleia Legislativa;
 
      26. Presidentes das estruturas regionais das Ordens Profissionais;
 
      27. Chefes de Gabinete do Representante da República, do Presidente da 
 Assembleia Legislativa e do Presidente do Governo Regional;
 
      28. Comandantes regionais da Polícia de Segurança Pública e da Guarda 
 Nacional Republicana;
 
      29. Presidentes das juntas de freguesia;
 
      30. Membros das assembleias municipais;
 
      31. Presidentes das assembleias de freguesia e membros das juntas e das 
 assembleias de freguesia;
 
      32. Assessores e adjuntos do Representante da República, do Presidente da 
 Assembleia Legislativa e do Presidente do Governo Regional;
 
      33. Chefes dos gabinetes dos membros do Governo Regional;
 
      34. Directores regionais e presidentes dos institutos públicos, ou 
 sociedades anónimas de capitais públicos, pela ordem dos respectivos 
 departamentos e dentro destes da respectiva lei orgânica;
 
      35. Secretários‑gerais da Assembleia Legislativa e da Presidência do 
 Governo Regional;
 
      36. Assessores e adjuntos dos membros do Governo Regional;
 
      37. Líderes regionais dos partidos políticos sem representação na 
 Assembleia Legislativa;
 
      38. Cargos dirigentes, ou equiparados, da administração regional autónoma e 
 da administração local, pela ordem dos respectivos departamentos, ou autarquias, 
 e dentro destes da respectiva orgânica.
 
      (…)
 
  
 Secção II – Órgãos de governo próprio
 Artigo. 9.º (Presidente da Assembleia Legislativa)
 
 1. O Presidente da Assembleia Legislativa preside sempre às sessões 
 respectivas, bem como aos actos por ela organizados, excepto se estiverem 
 presentes o Presidente da República ou o Presidente da Assembleia da República.
 
 2. O Presidente da Assembleia Legislativa é substituído e pode fazer‑se 
 representar, nos termos regimentais, por um dos vice-presidentes, o qual goza, 
 nessas circunstâncias, do estatuto protocolar do Presidente.
 
  
 
      Artigo 10.º (Presidente do Governo Regional)
 
      1. O Presidente do Governo Regional preside às cerimónias oficiais em que 
 não estejam presentes o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da 
 República, o Representante da República e o Presidente da Assembleia 
 Legislativa.
 
 2. No caso da cerimónia ser organizada pelo Governo Regional, o Presidente do 
 Governo Regional precede o Representante da República e o Presidente da 
 Assembleia Legislativa.
 
 3. O Presidente do Governo Regional é substituído e pode fazer‑se representar 
 por um membro do Governo da sua escolha, o qual goza, nessas circunstâncias, do 
 estatuto protocolar do Presidente.
 
      (…)
 
  
 Artigo 15.º (Deputados)
 Os Deputados à Assembleia da República, à Assembleia Legislativa e ao Parlamento 
 Europeu ordenam‑se segundo a representatividade parlamentar decorrida da eleição 
 respectiva.
 
  
 Secção III – Poder Local
 Artigo 16.º (Presidentes de Câmara)
 
 1. Os Presidentes de Câmara dos municípios dos Açores gozam, no respectivo 
 concelho, do estatuto de membro do Governo Regional, seguindo‑se‑lhes 
 imediatamente em termos de hierarquia protocolar.
 
 2. Os Presidentes de Câmara presidem às cerimónias realizadas nos paços do 
 concelho ou organizadas pela respectiva câmara, excepto se estiverem presentes 
 o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, o 
 Primeiro‑Ministro, o Representante da República, o Presidente da Assembleia 
 Legislativa ou o Presidente do Governo Regional.
 
 3. Nas cerimónias regionais realizadas no respectivo concelho, o Presidente da 
 Câmara segue imediatamente os membros do Governo Regional.
 
  
 
      Artigo 17.º (Presidentes de Assembleia Municipal)
 
 1. Os Presidentes das Assembleias Municipais, no respectivo concelho, seguem 
 imediatamente o Presidente da Câmara.
 
 2. Os Presidentes das Assembleias Municipais presidem sempre às respectivas 
 sessões, excepto se estiverem presentes o Presidente da República, o Presidente 
 da Assembleia da República, o Primeiro‑Ministro, o Representante da Repúb1ica, o 
 Presidente da Assembleia Legislativa ou o Presidente do Governo Regional.
 
  
 Artigo 18.º (Presidentes de Junta e de Assembleia de Freguesia)
 Aos Presidentes das Juntas e das Assembleias de Freguesia é aplicado o disposto 
 nos artigos anteriores, com as necessárias adaptações, somando‑se os Presidentes 
 de Câmara e de Assembleias Municipais às entidades a quem devem ceder 
 prevalência.
 
  
 Secção IV – Outras entidades
 
      (…)
 
      Artigo 20.º (Autoridades universitárias)
 
 1. O Reitor da Universidade dos Açores preside aos actos realizados na 
 respectiva instituição, excepto quando estiver presente o Presidente da 
 República, o Presidente da Assembleia da República, o Representante da 
 República, o Presidente da Assembleia Legislativa ou o Presidente do Governo 
 Regional.
 
 2. As deputações do claustro académico que participem em cerimónias oficiais 
 seguem imediatamente o Reitor.
 
  
 
                       3. Os fundamentos do pedido.
 
                       O pedido desdobra‑se num pedido de pronúncia no sentido da 
 
 “inconstitucionalidade orgânica” das normas constantes dos artigos 1.º, n.º 1, 
 segunda parte, 7.º, n.ºs 1, 10, 12 a 18, 21 a 24, 26, 27, 1.ª parte, 28 a 31, 
 
 32, 1.ª parte, e 38, este na parte referente à “administração local”, 9.º, n.º 
 
 1, 10.º, n.ºs 1 e 2, 15.º a 18.º e 20.º, e num pedido de pronúncia no sentido 
 da inconstitucionalidade material das normas constantes do artigo 10.º, n.ºs 1 e 
 
 2, do Regime das Precedências Protocolares.
 
  
 
                       3.1. Relativamente à questão da “inconstitucionalidade 
 orgânica”, sustenta o requerente que as normas impugnadas “extravasam os poderes 
 legislativos das Regiões Autónomas”, por não respeitarem “nenhum dos três 
 parâmetros fundamentais pelos quais a Constituição delimita hoje as matérias 
 sobre que pode incidir o exercício das competências legislativas regionais” (e 
 isto “com independência em relação às soluções concretas adoptadas pelo 
 legislador autonómico quanto às posições protocolares destinadas às diferentes 
 entidades oficiais envolvidas e, ademais, sem necessidade de atender à 
 coincidência ou não dessas soluções legais com as prescritas na Lei das 
 Precedências do Protocolo do Estado Português (Lei n.º 40/2006, de 25 de Agosto) 
 
 – lei esta que, não assumindo valor reforçado, não constitui parâmetro de 
 validade do diploma regional em apreço”).
 
                       O desrespeito desses “três parâmetros fundamentais” 
 resulta:
 
                       – em primeiro lugar, de as normas em causa não se cingirem 
 verdadeiramente ao “âmbito regional”, como é imposto pelo primeiro segmento da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP;
 
                       – em segundo lugar, de a normação emanada não se enquadrar 
 em nenhuma das alíneas do artigo 8.º do Estatuto Político‑Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores, (Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, alterada pelas Leis 
 n.ºs 9/87, de 26 de Março, e 61/98, de 27 de Agosto – doravante designado por 
 EPARAA), nem mesmo na alínea hh), sobre “outras matérias que respeitem 
 exclusivamente à Região ou que nela assumam particular configuração”, como 
 deveria suceder por força da interpretação conjugada do segundo segmento da 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, do n.º 1 do artigo 228.º, ambos da CRP, e do 
 artigo 46.º da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Junho; e
 
                       – em terceiro e último lugar, de as disposições em crise 
 invadirem, em contravenção com o terceiro segmento da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 227.º, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República 
 e, mais precisamente, a alínea m) do artigo 164.º, referente ao “estatuto dos 
 
 órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos 
 constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal”, e, ainda, a alínea 
 p) do n.º 1 do artigo 165.º, todos da CRP, sobre o “Ministério Público e 
 estatuto dos respectivos magistrados”.
 
  
 
                       3.1.1. Quanto ao primeiro fundamento – ultrapassagem do 
 
 “âmbito regional” –, o pedido desenvolve a seguinte argumentação:
 
  
 
      “III – 1. As normas acima referenciadas, relativamente às quais é pedida ao 
 Tribunal Constitucional a pronúncia pela inconstitucionalidade, têm em comum o 
 facto de respeitarem a órgãos ou a titulares de órgãos que não integram a pessoa 
 colectiva pública «Região Autónoma dos Açores», mas sim outras pessoas 
 colectivas, nomeadamente o Estado, os Municípios e as Freguesias dos Açores, a 
 Universidade dos Açores e as Ordens Profissionais.
 Significa isto que o Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos 
 Açores n.º 8/2007, no que agora nos interessa, não se limita a estabelecer 
 regras disciplinadoras das precedências protocolares aplicáveis nas relações 
 entre os titulares dos órgãos da própria pessoa colectiva Região Autónoma dos 
 Açores – ou seja, dentro dessa entidade pública –, mas pretende valer também nas 
 relações entre esta Região Autónoma e outras pessoas colectivas públicas dela 
 distintas. Em consequência, o dito Decreto n.º 8/2007 determina a posição 
 protocolar dos titulares dos órgãos destas últimas pessoas colectivas «supra e 
 infra regionais», na sua relação com os titulares dos órgãos da própria Região 
 Autónoma.
 Neste sentido, não se pode dizer que as normas estabelecidas correspondam a um 
 regime protocolar regional, por exclusiva referência à pessoa colectiva Região 
 Autónoma dos Açores, antes se traduzindo num regime de precedências protocolares 
 a ser aplicado nos Açores ou, se se preferir, no território daquela Região. Isto 
 mesmo resulta, com relativa clareza, da segunda parte do artigo 1.º do Regime 
 das Precedências Protocolares e do Luto Regional, onde se define o que deve 
 entender‑se por «cerimónias regionais»: isto é, todas «as promovidas pelas 
 entidades públicas sedeadas na Região Autónoma dos Açores», o que naturalmente 
 abarca o Representante da República enquanto órgão residente do Estado, todos os 
 Municípios e Freguesias dos Açores, a Universidade dos Açores e, mesmo – se a 
 palavra «entidades» não estiver, como tudo indica, empregue em sentido jurídico 
 rigoroso –, a Secção Regional dos Açores do Tribunal de Contas, o Comando 
 Operacional dos Açores e os Comandos Regionais dos Açores da Polícia de 
 Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana.
 Ora, sendo assim, afigura‑se que a Assembleia Legislativa exerceu as suas 
 faculdades normativas fora daquilo a que a alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º 
 designa hoje, após a revisão constitucional de 2004, como o «âmbito regional». 
 De facto, sem prejuízo de esta expressão ter antes de mais um sentido 
 geográfico, traçando os limites espaciais de vigência dos decretos legislativos 
 regionais, ela tem também forçosamente um sentido institucional, que impede os 
 Parlamentos insulares de emanar legislação destinada a produzir efeitos 
 relativamente a outras pessoas colectivas públicas que se encontram fora do 
 
 âmbito de jurisdição natural das Regiões Autónomas – como sucede, sem sombra de 
 dúvida, com o próprio Estado e, bem ainda, com outras pessoas que integram 
 constitucionalmente a Administração Autónoma territorial e institucional 
 
 (autarquias locais, associações públicas e universidades). Diga‑se, 
 inclusivamente, que se a referência ao «âmbito regional» tivesse uma conotação 
 exclusivamente geográfica não passaria de uma pura tautologia, em face da 
 territorialidade que caracteriza de raiz tudo o que respeita à autonomia das 
 Regiões insulares.
 A conclusão alcançada sai reforçada se a limitação da competência legislativa 
 das Regiões insulares ao respectivo «âmbito regional» for interpretada como uma 
 manifestação do princípio constitucional da unidade do Estado, consagrado no n.º 
 
 1 do artigo 6.º e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 225.º. Com efeito, é inerente à 
 natureza de um Estado unitário que uma pessoa colectiva pública não soberana não 
 pode ditar, unilateralmente, regras jurídicas vinculativas da pessoa colectiva 
 que detém o monopólio do exercício de poderes soberanos, seja para acrescentar 
 ou diminuir competências dos seus órgãos, seja para interferir com o estatuto 
 jurídico dos titulares dos respectivos órgãos, incluindo aqui naturalmente a 
 posição protocolar. Por conseguinte, num Estado unitário como o português, 
 sempre que emergir a necessidade de regular legislativamente as relações entre o 
 Estado e as Regiões Autónomas, quer se trate de articular competências 
 administrativas, de disciplinar as relações financeiras recíprocas ou de 
 estabelecer precedências protocolares entre titulares de órgãos de ambas as 
 pessoas colectivas, a competência legislativa para o efeito nunca pode, por 
 definição, ser deferida ao ente regional, mas sempre e necessariamente ao ente 
 estadual – ainda que se reconheça àquele um poder de participação na decisão 
 legislativa a este último reservada (alínea v) do n.º 1 do artigo 227.º e n.º 2 
 do artigo 229.º da Constituição).
 Em suma, a Assembleia Legislativa, quando procura regular as relações 
 protocolares entre titulares de órgãos do Estado e titulares de órgãos da 
 própria Região Autónoma, legisla ultra vires, porque não legisla «no âmbito 
 regional». Não se trata, obviamente, de impedir em absoluto a Região Autónoma de 
 intervir na definição de um conjunto de regras específicas em matéria de 
 precedências protocolares, mas apenas de impedir que, a pretexto de uma 
 definição intra muros, se estabeleçam em simultâneo regras sobre precedências 
 que, contas feitas, atingem directamente titulares dos órgãos da pessoa 
 colectiva Estado e de outras pessoas colectivas dotadas constitucionalmente de 
 um significativo grau de autonomia.”
 
  
 
                       3.1.2. A imputação da violação do segundo parâmetro de 
 delimitação da autonomia legislativa regional – versar o diploma sobre matéria 
 não enunciada no respectivo Estatuto Político‑Administrativo – assenta na 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
      “2. O Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 
 
 8/2007 invoca como norma habilitante da competência exercida a alínea hh) do 
 artigo 8.º do Estatuto Político‑Administrativo – certamente por força da 
 disposição transitória constante do artigo 46.º da Lei Constitucional n.º 
 
 1/2004 –, alínea na qual se estabelece que «constituem matérias de interesse 
 específico» aquelas «outras matérias» não constantes das alíneas anteriores e 
 
 «que respeitem exclusivamente à Região ou que nela assumam particular 
 configuração». Além disso, no próprio preâmbulo do diploma agora enviado para 
 assinatura do Representante da República invoca‑se que «a particular 
 configuração que as regras das precedências protocolares assumem no quadro da 
 autonomia fundamenta o estabelecimento de um regime específico na Região 
 Autónoma dos Açores». Numa palavra, a Assembleia Legislativa procura arrimo para 
 a normação emanada no conceito de interesse específico regional, enquanto limite 
 positivo da respectiva competência.
 No entanto, após a revisão constitucional de 2004 e com as mutações por esta 
 provocadas nos parâmetros definidores da competência legislativa regional, não 
 pode ter‑se por pacífico – mesmo considerando que o regime hoje vigente, 
 resultante da remissão efectuada pelo artigo 46.º da Lei Constitucional n.º 
 
 1/2004, tem natureza transitória – que constitua habilitação bastante para o 
 exercício do poder legislativo regional a circunstância de certa matéria se 
 revestir de interesse específico – o que, aliás, sempre seria necessário 
 demonstrar em concreto.
 Na realidade, não é fácil interpretar o completo desaparecimento do conceito de 
 interesse específico das disposições da Lei Fundamental respeitantes à 
 configuração da competência legislativa regional – o n.º 4 do artigo 112.º, as 
 alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º e o n.º 1 do artigo 228.º –, sendo 
 aí substituído pela expressão «matérias enunciadas no (…) estatuto 
 político‑administrativo». Assim sucede porquanto, mais do que um verdadeiro 
 limite à legislação regional, o interesse específico sempre se apresentou como o 
 fundamento, por excelência, de todas as competências legislativas regionais e, 
 bem assim, de várias outras competências dos órgãos de governo próprio dos 
 Açores e da Madeira. Daí a utilização da expressão limite positivo para 
 designar o dito conceito de interesse específico – expressão de há muito 
 utilizada na doutrina e na própria Jurisprudência Constitucional –, que outra 
 coisa não significava senão o fundamento para uma legislação própria, 
 diferenciada da legislação nacional e, por isso, melhor adaptada à realidade 
 insular e às concretas necessidades de desenvolvimento económico e social das 
 Regiões Autónomas. Numa palavra, mais do que um simples limite ao poder 
 legislativo regional, o interesse específico surgia, na arquitectura 
 constitucional, como a pedra angular do edifício da autonomia 
 político‑administrativa dos Açores e da Madeira, nas suas diferentes vertentes.
 Em consequência da revisão constitucional de 2004, pelo menos duas grandes 
 alternativas hermenêuticas parecem hoje perfilar‑se quanto ao destino do 
 conceito de interesse específico.
 De acordo com uma primeira alternativa, o legislador de revisão constitucional 
 terá eliminado definitivamente o conceito de interesse específico como parâmetro 
 fundante da competência legislativa regional, fazendo tábua rasa de toda a 
 elaboração dogmática e jurisprudencial que, em torno de tal conceito, se tinha 
 vindo a desenvolver desde 1976. O legislador estatutário deverá, em 
 consequência, adoptar na próxima revisão dos Estatutos Político‑Administrativos 
 um catálogo taxativo de matérias sobre as quais as Assembleias Legislativas 
 regionais poderão exercer a sua competência sempre e em quaisquer 
 circunstâncias. Quanto muito, o legislador estatutário poderá, porventura, 
 adoptar um catálogo de matérias não inteiramente fechado, mas em que a 
 respectiva abertura não pode ficar dependente do conceito de interesse 
 específico (ou de outro com características semelhantes).
 Já de acordo com a segunda alternativa, o legislador de revisão constitucional 
 ter‑se-á limitado a desconstitucionalizar o parâmetro positivo definidor da 
 competência legislativa regional, gozando agora o legislador estatutário – numa 
 veste especialmente qualificada, porque deliberando por maioria de 2/3 dos 
 Deputados presentes na Assembleia da República, e após iniciativa legislativa 
 reservada das Assembleias Legislativas dos Açores e da Madeira (alínea f) do n.º 
 
 6 do artigo 168.º e n.º 1 do artigo 226.º) – de uma significativa margem de 
 liberdade conformativa, para, considerando os dados jurídicos e fácticos já 
 conhecidos, optar entre diversas técnicas normativas de delimitação das 
 competências legislativas regionais (v. g., manutenção do conceito de interesse 
 específico como critério delimitador decisivo da competência legislativa 
 regional, fazendo‑o acompanhar de uma listagem exemplificativa de matérias; 
 manutenção do conceito de interesse específico, embora apenas como critério 
 complementar de alargamento de um elenco de matérias fixado estatutariamente; 
 adopção de um critério material novo e mais amplo; ou mesmo fixação de um elenco 
 taxativo de matérias).
 Para decidir a questão que nos ocupa de momento, não é absolutamente necessário 
 tomar partido por uma destas duas orientações fundamentais. Indispensável é 
 antes dilucidar o regime transitório constante do artigo 46.º da Lei de Revisão 
 Constitucional n.º 1/2004, uma vez que é este que se encontra presentemente em 
 vigor. Aí se pode ler que «até à eventual alteração das disposições dos 
 estatutos político‑administrativos das regiões autónomas, prevista na alínea f) 
 do n.º 6 do artigo 168.º, o âmbito material da competência legislativa das 
 respectivas regiões é o constante do artigo 8.º do Estatuto 
 Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores e do artigo 40.º do 
 Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira».
 Ora, também a interpretação do artigo transcrito coloca um verdadeiro dilema 
 hermenêutico.
 Numa primeira interpretação, a remissão que o artigo 46.º faz para os artigos 
 
 8.º e 40.º, respectivamente, dos Estatutos dos Açores e da Madeira é uma 
 remissão plena, devendo estes continuar a ser interpretados da mesma forma que o 
 eram antes da revisão constitucional. Por conseguinte, durante o período 
 transitório, a competência legislativa regional continua a ser delimitada como 
 anteriormente pelo conceito de interesse específico, tal como delineado nos 
 artigos estatutários, e tendo em conta as enumerações exemplificativas de 
 matérias que aí se podem encontrar. Nesta consonância, permanece válido todo o 
 acervo de decisões do Tribunal Constitucional relativo àqueles preceitos. 
 Continuará, assim, a valer a máxima jurisprudencial segundo a qual o facto de 
 certa matéria estar contida numa das muitas alíneas dos elencos estatutários 
 constitui simples presunção, abstracta, de que essa mesma matéria se reveste de 
 uma especificidade regional, podendo essa presunção ser ilidida, caso a caso, 
 pelo confronto entre a legislação produzida e o sentido substantivo que se 
 extrai do conceito de interesse específico (cfr., por todos, o Acórdão n.º 
 
 246/2005). E continuará também a valer aquela outra máxima jurisprudencial 
 segundo a qual a legislação regional não poderá ser uma legislação de 
 substituição da legislação nacional, pelo que os preceitos dos diplomas 
 regionais que se limitem a reproduzir legislação nacional sem qualquer 
 especialidade relevante são inconstitucionais, por falta de interesse específico 
 
 (cfr., por todos, o Acórdão n.º 235/94).
 Numa segunda interpretação, a remissão que o artigo 46.º faz para os artigos 8.º 
 e 40.º dos Estatutos açoriano e madeirense, respectivamente, é uma remissão 
 parcial, sujeita às adaptações tidas por necessárias, à luz dos novos 
 parâmetros da competência legislativa regional introduzidos em 2004. 
 Efectivamente, pretendendo a revisão constitucional eliminar o conceito de 
 interesse específico como parâmetro aferidor da competência legislativa 
 regional, a remissão para os mencionados artigos 8.º e 40.º não visa recuperar, 
 ainda que transitoriamente, esse conceito, mas apenas servir‑se a título 
 instrumental das listas de matérias neles contidas. Em consequência, tais listas 
 de matérias deverão agora ser consideradas como taxativas (ou fechadas), sendo 
 necessário amputá‑las das últimas das suas alíneas, uma vez que estas reproduzem 
 a definição doutrinal e jurisprudencial de interesse específico (alínea hh), no 
 caso dos Açores, e alínea vv), no caso da Madeira). Por outras palavras, o 
 preceito introduzido pelo legislador de revisão constitucional tem por 
 objectivo, tanto quanto possível, antecipar o novo regime constitucional (e 
 estatutário) de delimitação da competência legislativa regional, carecendo para 
 tanto de utilizar listagens de matérias que foram na sua génese, mas não são 
 mais, tidas por matérias de interesse específico.
 Nesta situação dilemática – entre a ultra‑actividade do regime estatutário (e 
 constitucional) anterior e a aplicação antecipada de um regime constitucional (e 
 estatutário) ainda inacabado –, é no mínimo muito duvidoso que se possa aceitar 
 sem mais o deslizamento da vigência do critério do interesse específico para o 
 período transitório, tanto mais que este tende claramente a prolongar‑se no 
 tempo. Se é verdade que a letra do artigo 46.º parece favorecer a primeira 
 interpretação, ao prever, simplesmente, que «o âmbito material da competência 
 legislativa das (…) regiões é o constante do artigo 8.º do Estatuto», não é 
 possível ignorar que a leitura dos trabalhos preparatórios da sexta revisão 
 constitucional revela uma grande «animosidade» contra o conceito de interesse 
 específico, tido por fonte de constrangimentos e interpretações restritivas 
 jurisprudenciais referentes aos poderes legislativos regionais. Efectivamente, 
 não obstante algumas vozes que se ergueram nos debates havidos em defesa do 
 conceito de interesse específico, a tese que fez vencimento foi não apenas a que 
 defendeu a completa eliminação deste como parâmetro da competência legislativa 
 regional, mas a que associou essa solução à adopção estatutária (e por maioria 
 reforçada) de um definição precisa de matérias, por forma a permitir aos 
 legisladores regionais maior segurança e a reduzir, tanto quanto possível, a 
 margem de apreciação do Tribunal Constitucional na verificação dos limites do 
 poder legiferante regional.
 Isto posto, não pode deixar de se considerar inusitado que, após semelhante 
 revisão constitucional, se continue a invocar e a aplicar transitoriamente um 
 conceito que foi considerado «defunto» (cfr. DAR, II‑RC, de 14 de Janeiro de 
 
 2004, pág. 26) e cuja eliminação foi largamente aplaudida na Assembleia da 
 República, tanto mais que existe uma interpretação alternativa que permite 
 aproximar o regime transitório do regime definitivo pretendido pelo legislador 
 de revisão constitucional. Aliás, não é pelo facto de o artigo 46.º da Lei 
 Constitucional n.º 1/2004 não ter sido integrado no texto constitucional, entre 
 as disposições finais e transitórias, que o mesmo deixa de sofrer o influxo 
 sistemático‑teleológico do novo sistema delimitador da competência legislativa 
 insular, constante do n.º 4 do artigo 112.º, da alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 227.º e do n.º 1 do artigo 228.º, onde é notória a ausência de qualquer 
 referência ao antigo conceito de interesse específico.
 
  
 
 3. Ainda que se entendesse que, até à alteração do Estatuto 
 Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores, prevista na alínea f) do 
 n.º 6 do artigo 168.º, o conceito de interesse específico sobrevive no artigo 
 
 8.º daquele diploma fundamental da autonomia ou, pelo menos, na sua alínea hh), 
 a verdade é que as normas colocadas sub judice não versam matéria de interesse 
 específico.
 O simples facto de o Decreto n.º 8/2007 se destinar a regular as precedências 
 protocolares em cerimónias realizadas no território da Região, bem como a 
 circunstância de nos Açores existir um nível de governação e administração que 
 não tem paralelo no Continente, não garantem a todas as disposições normativas 
 do Regime das Precedências Protocolares e do Luto Regional a qualificação como 
 matérias de interesse específico.
 Bem pelo contrário, as normas em apreço são aqui questionadas quanto à sua 
 constitucionalidade por não respeitarem especificamente à pessoa colectiva 
 pública Região Autónoma dos Açores – à posição protocolar relativa dos titulares 
 dos seus diferentes órgãos –, envolvendo antes os titulares dos órgãos de outras 
 entidades públicas, como o Estado, as Autarquias Locais açorianas, a 
 Universidade dos Açores e as Ordens Profissionais. É que, mesmo deixando de lado 
 as normas do Regime das Precedências Protocolares e do Luto Regional que 
 reproduzem com grande proximidade disposições da Lei n.º 40/2006, de 25 de 
 Agosto, apropriando‑se do conteúdo da legislação nacional e substituindo‑a por 
 legislação regional – numa atitude já várias vezes censurada pelo Tribunal 
 Constitucional –, nunca poderia ser considerado como de interesse específico 
 regional um regime legal de precedências protocolares destinado a vigorar, por 
 exemplo, em cerimónias organizadas na residência oficial do Representante da 
 República, na sede da Secção Regional do Tribunal de Contas ou no Comando 
 Operacional dos Açores. E, de igual forma, também nunca poderia considerar‑se 
 de interesse específico regional um regime legislativo que pretende determinar a 
 posição protocolar de titulares de órgãos do Estado – alguns deles titulares de 
 
 órgãos de soberania, como sucede com os Deputados à Assembleia da República, com 
 o Juiz Conselheiro da Secção Regional do Tribunal de Contas e com os demais 
 magistrados judiciais – e de outras pessoas colectivas públicas 
 constitucionalmente dotadas de autonomia, mesmo tratando‑se de cerimónias 
 organizadas por entidades regionais.”
 
  
 
                       3.1.3. O terceiro fundamento da imputação de 
 
 “inconstitucionalidade orgânica” às normas questionadas – versarem sobre 
 matéria da reserva de competência legislativa da Assembleia da República – é 
 desenvolvido do seguinte modo:
 
  
 
      “4. Acresce aos fundamentos já apontados que a alínea m) do artigo 164.º 
 reserva em absoluto à competência legislativa da Assembleia da República a 
 matéria do «estatuto dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos 
 restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal» – 
 o que, naturalmente, exclui a competência da Assembleia Legislativa da Região 
 Autónoma dos Açores no tocante ao estatuto do Representante da República, dos 
 Deputados à Assembleia da República, dos Deputados ao Parlamento Europeu, do 
 Juiz Conselheiro da Secção Regional do Tribunal de Contas e dos demais 
 magistrados judiciais, bem como em relação ao estatuto dos titulares dos órgãos 
 das Autarquias Locais. Por sua vez, a alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º reserva 
 também à competência legislativa da Assembleia da República – reserva relativa 
 não passível de autorização legislativa às Assembleias Regionais – o estatuto 
 dos magistrados do Ministério Público.
 
      A Constituição não estabelece o que deva entender‑se por «estatuto» de um 
 
 órgão de soberania ou de um órgão constitucional, mas, quando as regras sobre 
 precedências protocolares aplicáveis aos respectivos titulares não tenham 
 natureza consuetudinária, vindo a assumir forma legislativa – como sucedeu com 
 a recente Lei n.º 40/2006, de 25 de Agosto –, não há razão para que as mesmas 
 sejam desligadas, quanto ao regime constitucional aplicável, das demais normas 
 relativas ao estatuto dos órgãos em causa, designadamente as normas definidoras 
 das competências, das incompatibilidades e impedimentos, dos deveres, dos 
 direitos e das regalias (remunerações e abonos, ajudas de custo, porventura 
 residência e viatura oficiais, passaporte e cartão de identificação especiais, 
 segurança pessoal, etc.).
 
      Na verdade, «a inclusão de qualquer matéria na reserva de competência da 
 Assembleia da República, absoluta ou relativa, é in totum. Tudo quanto lhe 
 pertença tem de ser objecto de lei da Assembleia da República (…). Só não se 
 depara este postulado quando a própria Constituição estabelece diferenciações 
 por falar em ‘bases’, em ‘bases gerais’, ou em ‘regime geral’ das matérias» 
 
 (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, II, Coimbra, 
 
 2006, págs. 516‑517).
 
      Ora, no domínio em análise, considerando que tanto a alínea m) do artigo 
 
 164.º, como a alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º, consagram matérias em que o 
 alcance da reserva de competência da Assembleia da República não é expressamente 
 encurtado por qualquer referência a «bases», «bases gerais» ou «regime geral», 
 não se vê qualquer outra razão para excluir do estatuto legal dos órgãos de 
 soberania ou dos órgãos constitucionais abrangidos tudo aquilo que diz respeito 
 ao respectivo estatuto protocolar.
 
      Mais ainda, «a reserva de competência é tanto para a feitura de normas 
 legislativas como para a sua entrada em vigor, interpretação, modificação, 
 suspensão ou revogação (…). E é tanto para a feitura de novas normas quanto para 
 a decretação, em novas leis, de normas preexistentes» (Idem, pág. 518). Por 
 isso, não serve de argumento contra a invasão das matérias «reservadas aos 
 
 órgãos de soberania» (parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º) 
 dizer‑se que as soluções contidas nas normas em apreciação do Regime das 
 Precedências Protocolares e do Luto Regional são em parte semelhantes às 
 adoptadas pela Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português. Não só 
 isso nem sempre acontece – uma vez que aquele Regime promove alterações muito 
 significativas de posições protocolares em clara derrogação a esta Lei, 
 sobretudo no que toca aos membros do Governo Regional (que sobem da posição 32 
 para as posições 4 e 5) e aos Deputados à Assembleia Legislativa (que sobem da 
 posição 33 para a posição 11) –, como, em princípio, a questão da competência 
 para legislar num certo domínio é, nas relações entre o Estado e as Regiões 
 Autónomas e após o desaparecimento da subordinação às leis gerais da República, 
 independente das opções legislativas tomadas: ou se tem competência legislativa 
 numa dada matéria e se beneficia aí de liberdade de conformação quanto às 
 soluções a adoptar; ou não se possui tal competência, por esta estar reservada 
 ao Parlamento nacional, sendo então indiferente saber que soluções eram 
 pretendidas pelo legislador regional. Além disso, sublinhe‑se de novo, a 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores nunca poderia estar 
 autorizada constitucionalmente a voltar a decretar, sob forma de lei regional, 
 um regime nacional preexistente e incluído na reserva de competência da 
 Assembleia da República.
 
  
 
      5. Nem se diga que a argumentação expendida, sobretudo considerando o que 
 acima se disse quando à impossibilidade de continuar a invocar a alínea hh) do 
 artigo 8.º do Estatuto Político‑Administrativo, tem por efeito o total 
 afastamento da Assembleia Legislativa da definição do regime jurídico das 
 precedências protocolares nas Regiões Autónomas ou, na melhor das hipóteses, a 
 redução do protocolo regional a algo sem especial interesse prático, uma vez que 
 da disciplina a gizar teriam que ser excluídos todos os órgãos não pertencentes 
 
 à própria pessoa colectiva pública Região Autónoma.
 A objecção improcede em absoluto, e não apenas por apenas valer para o período 
 que decorre até à alteração dos Estatutos Político‑Administrativos prevista na 
 alínea f) do n.º 6 do artigo 168.º. Ela improcede porque a participação activa 
 das Assembleias Legislativas na definição do regime das precedências 
 protocolares aplicável nas Regiões Autónomas não tem necessariamente de se 
 fazer mediante a aprovação de um decreto legislativo regional, podendo antes 
 efectuar‑se por via do poder de iniciativa legislativa e do poder de 
 participação nas decisões dos órgãos de soberania que digam respeito às 
 Regiões.
 Assim, no que toca ao poder de iniciativa legislativa, há que destacar desde 
 logo a reserva de iniciativa das Assembleias Legislativas na alteração dos 
 respectivos Estatutos Político‑Administrativos (n.ºs 1 e 4 do artigo 226.º e 
 alínea e) do n.º 1 do artigo 227.º). Aliás, considerando que, de acordo com o 
 n.º 7 do artigo 231.º, «o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio 
 das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos 
 político‑administrativos», afigura‑se ser esta a sede mais adequada para o 
 tratamento da matéria das precedências protocolares – pelo menos nos seus traços 
 fundamentais –, com a inegável vantagem de, sendo os Estatutos leis 
 parlamentares, não estarem obrigados a cingir o protocolo regional aos titulares 
 dos órgãos da própria Região, podendo fazer o entrosamento entre estes e os 
 titulares de órgãos de outras entidades públicas, desde logo o Estado e as 
 Autarquias Locais.
 Ainda no que refere ao poder de iniciativa legislativa, note‑se que nada impede 
 também que as Assembleias Legislativas apresentem à Assembleia da República, 
 nos termos do n.º 1 do artigo 167.º e da alínea f) do n.º 1 do artigo 227.º, uma 
 proposta de lei destinada a alterar ou a complementar o disposto na Lei n.º 
 
 40/2006, de 25 de Agosto, que versa sobre as precedências do protocolo do Estado 
 português, mas que dedica em exclusivo às Regiões Autónomas os seus artigos 17.º 
 e 25.º a 30.º.
 Por sua vez, o direito das Regiões Autónomas a pronunciarem‑se, «por sua 
 iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da 
 competência destes que lhes digam respeito», previsto na alínea v) do n.º 1 do 
 artigo 227.º e no n.º 2 do artigo 229.º – direito que, presume‑se, terá sido 
 exercido durante o processo de elaboração da Lei n.º 40/2006, de 25 de Agosto – 
 impede também que as mesmas sejam em absoluto afastadas da definição legislativa 
 do regime de precedências protocolares aplicável nas cerimónias regionais. 
 Efectivamente, apesar de os pareceres das Regiões Autónomas – cuja emissão cabe 
 precisamente às Assembleias Legislativas (artigo 79.º do Estatuto dos Açores e 
 artigo 90.º do Estatuto da Madeira) – não assumirem, para a Assembleia da 
 República, natureza vinculativa, a correcta compreensão deste instituto 
 constitucional vincula esta última a um dever de adequada ponderação da opinião 
 e dos fundamentos expressos por aqueles órgãos de governo próprio.
 
  
 
 6. A conclusão alcançada quando à incompetência da Assembleia Legislativa da 
 Região Autónoma dos Açores para emanar um regime de precedências protocolares 
 que afecte titulares de outros órgãos que não os da própria Região – maxime, 
 
 órgãos do Estado – nada tem de original no Direito Comparado.
 Basta para tanto verificar, na impossibilidade de alargar a investigação, o que 
 sucede no Estado Autonómico espanhol, em que «para todos os efeitos, a ordenação 
 de autoridades em actos convocados pelas comunidades autónomas deve respeitar o 
 Real Decreto 2099/1983, sobre Ordenação Geral de Precedências no Estado» e em 
 que «as comunidades autónomas têm competências para elaborar as suas próprias 
 normas internas sobre as precedências oficiais, sempre e quando não se regule ou 
 modifique o disposto para as autoridades que não correspondem à comunidade» 
 
 (Carlos Fuente Lafuente, Protocolo oficial – Las instituciones españolas del 
 Estado y su ceremonial, 3.ª ed., Madrid, 2006, págs. 435‑436).
 Este entendimento tem, aliás, origem jurisprudencial, uma vez que terá sido a 
 Sentença do Tribunal Constitucional n.º 38/1982 (cfr. BOE, n.º 169), depois 
 confirmada pela Sentença do Tribunal Constitucional n.º 12/1985 (cfr. BOE, n.º 
 
 55), que fixou a competência do Estado para estabelecer as regras de precedência 
 protocolar entres as entidades oficiais do Estado e as entidades oficiais das 
 comunidades autónomas.
 De facto, num processo constitucional destinada a resolver um conflito positivo 
 de competências entre o Estado e a Comunidade Autónoma da Catalunha, em que esta 
 havia emanado um decreto fixando a posição protocolar relativa do Presidente do 
 Tribunal Superior de Justiça nos actos oficiais organizados pela referida 
 Comunidade, os juízes constitucionais concluíram o seguinte: as disposições em 
 causa do Estatuto da Catalunha não permitem aceitar a assumpção por esta de 
 qualquer competência neste domínio, «pois o objecto do conflito não é determinar 
 se a Generalidade pode fixar a precedência entre os seus órgãos e autoridades, 
 mas se pode estabelecer a precedência relativa entre estes e os do Estado. A 
 conclusão inicial, portanto, há‑de ser a de que esta competência, com carácter 
 geral, corresponde ao Estado. Solução que é lógica, pois concebe também o Estado 
 na Constituição como uma instituição complexa, na qual tomam parte as 
 Comunidades Autónomas, resultando necessário convir que a regulação da 
 precedência das autoridades e órgãos de distinta ordem nos actos oficiais há‑de 
 corresponder aos órgãos gerais e centrais do Estado». Em consequência, o 
 Tribunal Constitucional espanhol declarou a nulidade da «inclusão do Tribunal 
 Superior de Justiça e do seu Presidente» nos artigos do decreto em causa e 
 sublinhou, relativamente a outros preceitos do mesmo decreto que se limitavam a 
 
 «reflectir a ordenação do Estado actualmente vigente», que «constitui uma 
 técnica legislativa incorrecta a de incluir em disposições a transcrição de 
 preceitos da Constituição e das Leis, quando a competência para os ditar não 
 corresponde ao autor da disposição». Na realidade, esta técnica «introduz um 
 factor de insegurança no ordenamento e de possível confusão acerca do que está 
 vigente em cada momento, ficando tais disposições afectadas em caso de 
 alteração da lei, e ao poder‑se introduzir modificações inadvertidas quando a 
 transcrição não é absolutamente literal ou se retira o transcrito do seu 
 contexto».
 Por sua vez, a Sentença do Tribunal Constitucional n.º 12/1985, tirada também em 
 processo de conflito positivo de competências, em que duas Comunidades 
 Autónomas questionam a competência estadual para emanar o já referido Real 
 Decreto 2099/1983, sobre Ordenação Geral de Precedências no Estado, vem 
 confirmar a jurisprudência anterior, sublinhando a titularidade estatal da 
 competência controvertida para estabelecer as precedências protocolares em 
 cerimónias em que concorram simultaneamente autoridades regionais e estaduais, 
 sem prejuízo da competência autonómica para «ordenar as suas próprias 
 autoridades e órgãos em actos por elas organizados».
 
  
 
                       3.2. Relativamente à questão da inconstitucionalidade 
 material das normas do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do diploma em causa – “porquanto 
 quebram o princípio constitucional da congruência entre a posição protocolar 
 dos titulares de certos órgãos com assento na Constituição e a posição que estes 
 ocupam dentro da estrutura institucional ou do sistema de governo em que se 
 inserem”, atendendo a que “a definição legislativa das precedências 
 protocolares não é, sobretudo quando se trata de órgãos que são objecto de 
 regulação directa pela Lei Fundamental, um domínio em que o legislador possa 
 actuar com absoluta liberdade de conformação, estando antes sujeito a algumas 
 vinculações constitucionais – vinculações essas que, segundo se entende, não 
 foram tidas na devida conta em algumas das soluções gizadas pelo Decreto n.º 
 
 8/2007 da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores” –, expende o 
 requerente:
 
  
 
 “IV – 1. Como acima se anunciou, além da inconstitucionalidade orgânica das 
 disposições normativas sob apreciação, há ainda a considerar a questão da 
 inconstitucionalidade material dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto n.º 
 
 8/2007 da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores: o primeiro 
 número, por omitir entre o Presidente da Assembleia da República e o 
 Representante da República a menção do Primeiro‑Ministro, conferindo assim ao 
 Presidente do Governo Regional – senão mesmo também ao Representante da 
 República e ao Presidente da Assembleia Legislativa – precedência protocolar 
 nas cerimónias oficiais realizadas na Região relativamente à terceira figura do 
 Estado português; o segundo número, por conceder ao Presidente do Governo 
 Regional, nas cerimónias organizadas pelo Governo Regional, precedência 
 relativamente ao Representante da República e ao Presidente da Assembleia 
 Legislativa.
 
      Efectivamente, definindo a Constituição o estatuto de todos os órgãos 
 acabados de referir e situando‑os com clareza na estrutura institucional do 
 Estado, por um lado, e no sistema de governo regional, por outro, não parece que 
 a definição legislativa das respectivas posições protocolares possa resultar de 
 uma decisão inteiramente livre do legislador ordinário. Na verdade, parece ser 
 possível encontrar na Lei Fundamental um conjunto de parâmetros que permitem 
 falar de um princípio de congruência entre a posição protocolar dos órgãos e o 
 respectivo estatuto constitucional – estatuto este que, antes de mais, tem na 
 ordem de tratamento destes órgãos ao longo do articulado constitucional o seu 
 reflexo mais imediato e evidente.
 
  
 
      2. Deste modo, independentemente do alcance e dos limites do mencionado 
 princípio de congruência, não se afigura constitucionalmente aceitável que o 
 Primeiro‑Ministro – a quem compete dirigir «o órgão de condução geral do país e 
 o órgão superior da Administração Pública» e que é «nomeado pelo Presidente da 
 República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo 
 em conta os resultados eleitorais» (artigo 182.º, n.º 1 do artigo 187.º e n.º 1 
 do artigo 201.º) – possa, em qualquer parte do território nacional, perder a 
 posição protocolar que lhe é devida, enquanto membro de um órgão de soberania e 
 terceira figura do Estado.
 A simples circunstância de o Primeiro‑Ministro se encontrar num evento oficial 
 realizado nos Açores não pode, considerando a natureza unitária do Estado 
 
 (artigo 6.º e n.ºs 2 e 3 do artigo 225.º), colocá‑lo numa posição inferior à do 
 Presidente do Governo Regional – assim como, embora a interpretação do referido 
 n.º 1 do artigo 10.º não seja absolutamente líquida, numa posição inferior à do 
 Representante da República e do Presidente da Assembleia Legislativa da Região.
 Numa palavra, viola pois o princípio constitucional da congruência acima 
 configurado que o Primeiro‑Ministro seja a terceira figura da hierarquia do 
 Estado e que, na Região Autónoma dos Açores, venha a ocupar a quarta posição na 
 lista de precedências do protocolo regional, atrás do Representante da 
 República, do Presidente da Assembleia Legislativa e do Presidente do Governo 
 Regional – ou ocupe mesmo a sexta posição, se estiverem presentes o Presidente 
 da República e o Presidente da Assembleia da República.
 
  
 
 3. Por sua vez, no que respeita ao n.º 2 do artigo 10.º do Regime das 
 Precedências Protocolares e do Luto Regional, cumpre referir que a regra 
 segundo a qual «as cerimónias oficiais são presididas pela entidade que as 
 organiza» – regra constante tanto do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 40/2006, de 
 
 25 de Agosto, como do artigo 6.º do Decreto n.º 8/2007 em apreciação – só pode 
 valer na medida em que não decorra claramente da Constituição uma ordenação 
 hierárquica diferente aplicável aos órgãos em questão.
 Assim, o Primeiro‑Ministro não assume a primeira precedência, relativamente ao 
 Presidente da República e ao Presidente da Assembleia da República, pelo facto 
 de a cerimónia ser organizada pelo Governo da República (n.º 1 do artigo 12.º da 
 Lei n.º 40/2006, de 25 de Agosto). A Constituição é clara: o Primeiro‑Ministro é 
 nomeado pelo Presidente da República (n.º 1 do artigo 187.º) e é politicamente 
 responsável perante este e perante a Assembleia da República (artigo 190.º). 
 Conceder‑lhe a presidência de uma cerimónia oficial, estando presentes o 
 Presidente da República e ou o Presidente da Assembleia da República, seria 
 subverter a ordem constitucionalmente estabelecida entre estes três órgãos, 
 sendo indiferente saber se é ou não o Governo o organizador da cerimónia.
 Pela mesma ordem de razões, também o Presidente do Governo Regional não pode 
 assumir a presidência de cerimónias oficiais realizadas nos Açores, organizadas 
 ou não pelo Governo Regional, sempre que estiverem presentes o Representante da 
 República e ou o Presidente da Assembleia Legislativa da Região. De facto, 
 também aqui a Constituição é clara: além da precedência conferida ao 
 Representante da República relativamente aos órgãos de governo próprio da 
 Região – resultante da nomeação daquele por acto do Presidente da República e 
 traduzida na ordem dos preceitos constitucionais que versam sobre os órgãos em 
 apreço (artigos 230.º e 231.º) –, o Presidente do Governo Regional é nomeado e 
 exonerado pelo Representante da República, tomando posse, juntamente com os 
 restantes membros do Governo Regional, perante a Assembleia Legislativa (n.ºs 3 
 e 5 do artigo 231.º); além disso, sendo o Presidente do Governo Regional nomeado 
 em função dos resultados eleitorais para a Assembleia Legislativa, uma vez em 
 funções, é perante ela politicamente responsável em conjunto com os restantes 
 membros do seu Executivo – podendo, aliás, a sua demissão ser provocada pela 
 Assembleia Legislativa, através dos mecanismos estatutários da apreciação do 
 programa do governo, do voto de confiança e da moção de censura (artigos 50.º, 
 
 51.º e 52.º do Estatuto Político‑Administrativo).
 Nesta consonância, a regra segundo a qual as cerimónias oficiais são presididas 
 pela entidade que as organiza, assumindo natureza supletiva e residual, não 
 permite que em todas as cerimónias organizadas pelo Governo Regional o 
 respectivo Presidente tenha a primeira precedência, suplantando o Representante 
 da República e o Presidente da Assembleia Legislativa e postergando com isso a 
 posição que estes dois órgãos ocupam no sistema de governo regional gizado pela 
 Constituição.”
 
  
 
  
 
                       4. Resposta do autor da norma.
 
                       Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54.º da 
 LTC, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores 
 apresentou resposta na qual comunica que esta Assembleia “subscreve 
 integralmente para todos os efeitos” a motivação e as conclusões de parecer 
 jurídico anexo, cujo conteúdo foi sintetizado nas seguintes conclusões:
 
  
 
 “1.ª – A determinação constitucional de que a competência legislativa da 
 Assembleia Legislativa da RA é circunscrita ao «âmbito regional» [artigo 227.º, 
 n.º 1, alínea a)] tem como conteúdo útil consagrar a eficácia estritamente 
 territorial – por oposição a pessoal – do direito regional, pelo que a negação 
 da interpretação do Representante da República não o torna um truísmo.
 
 2.ª – A leitura de semelhante requisito como corporizando um novo limite 
 positivo à competência legislativa autonómica não é compatível com o sentido da 
 revisão constitucional de 2004, devendo por isso significar produzir direito com 
 validade e eficácia circunscritas às regiões – o que o decreto em apreciação 
 respeita inteiramente.
 
 3.ª – Por outro lado, quando restrita a cerimónias regionais a terem lugar na 
 própria região (como no caso vertente), a interferência da legislação regional 
 com os órgãos de soberania não é, a se, problemática, mas apenas o conteúdo e a 
 intensidade dessa mesma regulamentação, pelo que não se trata de um problema 
 competencial ou de (in)constitucionalidade orgânica, mas sim de substância (o 
 que transforma a questão num problema de constitucionalidade material).
 
 4.ª – A isto acresce que a ideia de que a noção de «âmbito regional» não tem 
 apenas um sentido geográfico, mas também institucional, tem consequências 
 absolutamente inaceitáveis, pois impede a RAA de exercer competências 
 constitucionais relativamente à Administração autónoma territorial e 
 institucional aí sedeada [artigo 227.º, n.º 1, alíneas l), m) e o), da 
 Constituição].
 
 5.ª – O Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 
 
 8/2007 encontra‑se validamente fundado na alínea hh) do artigo 8.º do Estatuto 
 Po1ítico‑Administrativo dos Açores, preceito apto a constituir norma habilitante 
 para o exercício do poder legislativo regional.
 
 6.ª – Ao definir o âmbito material da competência legislativa regional durante o 
 período transitório até à revisão do Estatuto Político‑Administrativo dos 
 Açores, o artigo 46.º da Lei Constitucional n.º 1/2004 não pode ser aplicado 
 como contendo uma remissão meramente parcial para o artigo 8.º desse Estatuto, 
 que afaste a vigência da sua alínea hh).
 
 7.ª – Tal interpretação, não só [não] tem qualquer correspondência no texto da 
 disposição transitória, como significaria antecipar uma decisão quanto à 
 eliminação do critério de interesse específico como parâmetro aferidor da 
 competência legislativa regional, que só pode ser tomada pelos intérpretes 
 constitucionais com intervenção nos procedimentos de revisão das leis 
 estatutárias.
 
 8.ª – A matéria da hierarquia e do relacionamento protocolar entre as altas 
 entidades públicas nas cerimónias oficiais realizadas na Região Autónoma dos 
 Açores, sobre a qual incide o Decreto Legislativo Regional n.º 8/2007, 
 reveste-se de interesse específico, pois a existência de órgãos de governo 
 próprio, com um âmbito de intervenção limitado ao seu espaço territorial, 
 constitui uma particularidade da Região Autónoma, de carácter 
 orgânico‑funcional, que o regime protocolar dos actos oficiais aí realizados tem 
 de traduzir, possibilitando a representação externa da singular estrutura 
 governativa existente.
 
 9.ª – A existência de uma especificidade regional justificativa de um 
 tratamento diferenciado das questões protocolares nas cerimónias realizadas nas 
 regiões é evidenciada, de forma clara, pelo facto de a Lei n.º 40/2006, de 25 de 
 Agosto, que estabelece as precedências do Protocolo do Estado Português, conter 
 uma secção especial respeitante exclusivamente às Regiões Autónomas, a qual 
 define uma diferente hierarquização das altas entidades públicas para os actos 
 protocolares a realizar nas Regiões, relativamente àqueles que se celebram no 
 Continente.
 
 10.ª – A tensão internormativa existente entre o Decreto Legislativo Regional 
 n.º 8/2007, que regula uma área do interesse especifico da região, e esta Lei 
 n.º 40/2006, que, em espaço virtualmente concorrente, dispõe sobre o mesmo 
 assunto, tem de ser resolvida ao abrigo do princípio da supletividade do direito 
 estadual, consagrado no n.º 2 do artigo 228.º da Constituição, do qual resulta 
 a desaplicação da normação estadual emitida em domínio de competência 
 legislativa regional e a sua substituição pelo regime constante do diploma 
 autonómico, no espaço territorial regional.
 
 11.ª – O Decreto Legislativo Regional n.º 8/2007 também não padece de 
 inconstitucionalidade orgânica por invadir o domínio de competência legislativa 
 absoluta da Assembleia da República, conferido pelo artigo 164.º, alínea m), da 
 Constituição («estatuto dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos 
 restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal»).
 
 12.ª – Desde logo, porque a posição protocolar que um determinado titular de 
 
 órgão de soberania ocupa numa cerimónia oficial não se enquadra em nenhuma das 
 situações jurídicas activas em que se subjectiva o estatuto inerente a esse 
 cargo, não constituindo um direito, regalia ou imunidade daquele titular.
 
 13.ª – Acresce que o entendimento sufragado pelo Representante da República – 
 segundo o qual o estatuto de um órgão de soberania integra necessariamente a 
 posição protocolar –, conduziria a um alargamento excessivo do domínio 
 legislativo de reserva absoluta da Assembleia da República previsto na alínea m) 
 do artigo 164.º da Constituição, e, simultaneamente, a uma expansão excessiva do 
 conteúdo da reserva de estatuto, em face do n.º 7 do artigo 231.º (implicando, 
 desde logo, a inconstitucionalidade orgânica da Lei n.º 40/2006).
 
 14.ª – Na verdade, à luz do critério da essencialidade como instrumento de 
 delimitação da reserva material de lei, verifica‑se que a matéria do 
 relacionamento protocolar entre entidades públicas não apresenta uma relevância 
 jusfundamental, que, pela sua essencialidade para o interesse comunitário, 
 possa justificar a obrigatoriedade da intervenção do legislador parlamentar.
 
 15.ª – O regime protocolar contém meras regras práticas ou de correcção 
 constitucional, a observar entre os órgãos políticos ou entre os elementos que 
 compõem esses órgãos, os quais não convocam a necessidade de uma legitimação 
 democrática, participação, debate pluralista e transparência que só o processo 
 legislativo parlamentar pode propiciar.
 
 16.ª – Quanto à alegada inconstitucionalidade material do artigo 10.º, n.º 2, do 
 Decreto em análise pela atribuição, ao Presidente do Governo Regional, de 
 precedência relativamente ao Representante da República e ao Presidente da 
 Assembleia Legislativa, a mesma é desprovida de fundamento.
 
 17.ª – Na verdade, o artigo 10.º, n.º 1, da Lei do Protocolo do Estado 
 Português determina que, «na Assembleia da República, o respectivo Presidente 
 preside sempre, mesmo que esteja presente o Presidente da República», o que 
 legitima uma analogia em relação à situação sub judice.
 
 18.ª – A referida analogia não é infirmada pelo facto de o Representante da 
 República representar o Estado e, por isso, dever ter uma precedência absoluta 
 e impostergável sobre os órgãos de governo próprio, visto que uma análise atenta 
 do respectivo estatuto constitucional evidencia claramente que a esse papel se 
 deverá acrescentar uma função de tutela da autonomia regional que, mitigando o 
 referido postulado, autoriza uma precedência ad actum, a ter lugar apenas quando 
 o mesmo se realize por organização do Governo Regional.
 
 19.ª – Por fim, a inconstitucionalidade material do artigo 10, n.º 2, do 
 presente Decreto, derivada da omissão do Primeiro-Ministro entre o Presidente da 
 Assembleia da República e o Representante da República, conferindo assim 
 precedência protocolar ao Presidente do Governo Regional relativamente ao 
 primeiro, não se configura como a questão central que é colocada ao Tribunal 
 Constitucional.
 
 20.º – Aliás, a omissão do Primeiro‑Ministro (de facto, de muita duvidosa 
 constitucionalidade) parece resultar de um lapso da Assembleia Legislativa, 
 consubstanciando uma lacuna que pode e deve ser suprida por via de uma 
 interpretação conforme à Constituição.
 
 21.ª – Para tanto, por força do principio da supletividade do direito estadual, 
 deverá recorrer‑se ao artigo 12.º, n.º 1, da Lei do Protocolo do Estado 
 Português, passando a norma cuja constitucionalidade foi questionada a ter o 
 seguinte conteúdo: «O Presidente do Governo Regional preside às cerimónias 
 oficiais em que não estejam presentes o Presidente da República, o Presidente da 
 Assembleia da República, [o Primeiro‑Ministro], o Representante da República e 
 o Presidente da Assembleia Legislativa».”
 
  
 
                       5. Concluída a discussão do memorando elaborado nos termos 
 do artigo 58.º, n.º 2, da LTC e apurado o vencimento formado relativamente às 
 questões suscitadas, cumpre formular a decisão.
 
  
 
  
 
                       II – Fundamentação
 
  
 
                       6. As precedências protocolares, designadamente de altas 
 entidades públicas, em cerimónias oficiais, eram regidas por um conjunto de 
 normas consuetudinárias até que, na sequência de procedimento legislativo 
 desencadeado pela apresentação dos Projectos de Lei n.ºs 260/X (PS), 261/X (PSD) 
 e 279/X (CDS‑PP) (Diário da Assembleia da República (DAR), X Legislatura, 1.ª 
 Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º 114, de 25 de Maio de 2006, pp. 24‑29 e 
 
 29‑37, e n.º 122, de 24 de Junho de 2006, pp. 44‑53, respectivamente), a Lei 
 n.º 40/2006, de 25 de Agosto (Lei das precedências do Protocolo do Estado 
 Português), procedeu à codificação legal da matéria.
 
                       Na origem dessas iniciativas esteve, por um lado, o 
 reconhecimento da conveniência da substituição de um modelo baseado em “opções 
 consuetudinárias ou casuísticas, de acesso restrito e que não garant[iam], por 
 isso, as necessárias transparência e segurança”, por um modelo integrado por um 
 conjunto globalmente articulado de regras públicas, oficiais, objectivas e 
 claras, que, por outro lado, dessem expressão aos valores políticos fundamentais 
 que norteiam o regime democrático. A relevância da matéria, justificadora da 
 intervenção do legislador parlamentar, radicava no reconhecimento de que as 
 regras de precedência protocolar representam “a projecção da representação 
 pública do Estado”, consagrando “a arquitectura constitucional vigente” 
 
 (Exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 260/X), pelo que “devem exprimir a 
 própria natureza do Estado democrático” e “têm de decorrer da própria estrutura 
 constitucional do Estado” (Exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 261/X). 
 Essa relevância mostra‑se actualmente acrescida “dada a exposição mediática que 
 difunde a organização simbólica dos actos cerimoniais do Estado para a 
 sociedade portuguesa” (Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, 
 Direitos, Liberdades e Garantias, DAR cit., II Série‑A, n.º 123, de 29 de Junho 
 de 2006, pp. 13‑17).
 
                       No decurso deste processo legislativo foram ouvidos os 
 
 órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, que efectivamente nele 
 participaram, através da emissão de pareceres do Governo Regional da Madeira, da 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores e do Governo Regional dos 
 Açores (DAR citado, II Série‑A, n.º 122, de 24 de Junho de 2006, pp. 19 e 19‑23, 
 e n.º 128, de 15 de Julho de 2006, pp. 26‑27, respectivamente).
 
                       A Lei n.º 40/2006 explicitamente visa aplicar‑se “em todo 
 o território nacional” (artigo 2.º), surgindo os titulares de órgãos regionais 
 hierarquizados na lista de precedências do artigo 7.º (cf. n.ºs 14, 15, 32 e 
 
 33), e sendo reguladas especificamente as precedências em cerimónias a realizar 
 nas Regiões Autónomas (artigos 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, n.º 2, 29.º e 30.º) ou 
 nos municípios nas Regiões Autónomas (artigos 31.º, n.ºs 2, segunda parte, e 4, 
 e 32.º, n.º 2, segunda parte) e respectivas freguesias (artigo 33.º) e o lugar 
 protocolar dos embaixadores estrangeiros acreditados em Lisboa quando em visita 
 oficial às Regiões Autónomas (artigo 36.º, n.º 2).
 
                       Foi, assim, num quadro de preexistência de legislação 
 nacional sobre a matéria em causa – legislação essa que, como se viu, 
 explicitamente se destinava a vigorar em todo o território nacional e que 
 conferiu tratamento particular às cerimónias a realizar nas Regiões Autónomas –, 
 que surgiu a iniciativa legislativa regional que originou a formulação do 
 presente pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade, iniciativa 
 essa que, como já se referiu (supra, n.º 2), invoca, como justificação para o 
 estabelecimento de um regime específico na Região Autónoma dos Açores, “a 
 particular configuração que as regras de precedências protocolares assumem no 
 quadro da autonomia política”.
 
                       No entanto, como o próprio requerente sublinha, não está 
 em causa, no presente processo de fiscalização da constitucionalidade, a 
 apreciação da bondade ou correcção intrínseca das soluções concretas adoptadas 
 pelo legislador regional açoriano nem a questão da harmonia ou contraste entre 
 essas soluções e as prescritas na Lei n.º 40/2006.
 
                       Do que se trata, antes de mais, é de apurar se a 
 projectada intervenção legislativa respeita os limites da autonomia legislativa 
 regional constitucionalmente estabelecidos e só se se responder afirmativamente 
 a tal questão (isto é, só se se vier a entender que a Assembleia Legislativa da 
 Região Autónoma dos Açores pode legislar sobre a matéria em causa com a extensão 
 com que o fez) é que se justificará enfrentar a questão da inconstitucionalidade 
 material das normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto n.º 8/2007.
 
  
 
                       7. A competência legislativa primária das Regiões 
 Autónomas antes da revisão constitucional de 2004 [não nos ocupando, por 
 irrelevante para o presente processo, das competências legislativas derivada ou 
 autorizada (mediante autorização da Assembleia da República) e complementar (de 
 leis de bases), consagradas na revisão constitucional de 1989 – artigo 229.º, 
 n.º 1, alíneas b) e c))] era delimitada, para além da óbvia sujeição ao 
 respeito pela Constituição, por um requisito positivo – (i) versar sobre 
 matérias de interesse específico para as regiões –; e por dois requisitos 
 negativos – (ii) não versar sobre matérias reservadas à competência própria dos 
 
 órgãos de soberania; e (iii) não desrespeitar as leis gerais da República ou, a 
 partir da revisão constitucional de 1997, os princípios fundamentais das leis 
 gerais da República.
 
                       Não seguiu, assim, o legislador constituinte português a 
 
 “técnica da enumeração material tipificadora, que tende a repartir 
 horizontalmente os poderes próprios do Estado e das regiões através da 
 enumeração de listas de matérias atribuídas à competência estadual ou regional”, 
 
 à semelhança da Itália ou da Espanha, mas antes “o método da cláusula geral 
 valorativa”, submetendo a competência legislativa regional à observância 
 cumulativa de dois limites de competência e de um limite de substância ou de 
 matéria: o primeiro limite de competência, de ordem positiva, exprimia‑se 
 através de uma cláusula geral (matérias de interesse específico das regiões); o 
 segundo limite de competência, de ordem negativa, exprimia‑se através de um 
 conceito indeterminado (matérias que não estejam reservadas à competência 
 própria dos órgãos de soberania); o último limite, não já de competência, mas de 
 substância, circunscrevia o espaço de liberdade de actuação conformadora dos 
 
 órgãos legislativos regionais ao respeito das leis gerais da República (cf. 
 Maria Lúcia Amaral, “Questões regionais e jurisprudência constitucional: para o 
 estudo de uma actividade conformadora do Tribunal Constitucional”, Estudos em 
 Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa, 1995, pp. 509‑547, em 
 especial pp. 523‑543; republicado em Jorge Miranda e Jorge Pereira da Silva 
 
 (org.), Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997, pp. 261‑296, em especial pp. 
 
 272‑275).
 
                       A indeterminabilidade e generalidade dos conceitos 
 utilizados explica que, na vigência deste quadro constitucional, tenha assumido 
 especial relevância a actividade densificadora e concretizadora dos mesmos 
 levada a cabo pelo Tribunal Constitucional, que foi diversas chamado a 
 pronunciar‑se sobre o sentido e extensão dos referidos três requisitos, emitindo 
 jurisprudência cujos traços essenciais interessará sinteticamente recordar.
 
  
 
                       7.1. Quanto ao requisito do interesse específico – tido 
 como “o cerne da autonomia legislativa” regional, já que é “porque há matérias 
 de interesse específico de cada uma das Regiões Autónomas, as quais, na 
 perspectiva democrática e descentralizadora da Constituição (…), devem ser 
 objecto de normas dimanadas dos seus órgãos, que essa autonomia adquire 
 sentido” (Jorge Miranda, “A autonomia legislativa regional e o interesse 
 específico das Regiões Autónomas”, em Estudos sobre a Constituição, vol. I, 
 Lisboa, 1977, pp. 307‑316, republicado em Estudos de Direito Regional, cit., pp. 
 
 11‑18) –, a jurisprudência do Tribunal Constitucional sempre adoptou, como 
 critério de orientação interpretativa, o de que se deviam considerar de 
 interesse específico para as regiões “aquelas matérias que lhes respeitem 
 exclusivamente ou que nelas exijam um especial tratamento por aí assumirem 
 particular configuração” (Acórdão n.º 42/85, formulação retomada, entre outros, 
 nos Acórdãos n.ºs 57/85, 130/85, 164/86, 333/86, 152/87, 337/87, 91/88, 257/88, 
 
 403/89, 139/90, 141/90 e 215/90).
 
                       A Constituição não enunciava originariamente as matérias 
 de interesse específico, tendo as primeiras enumerações dessas matérias surgido 
 nos Estatutos Político‑Administrativos definitivos das Regiões Autónomas. No 
 que respeita ao EPARAA, a sua primeira versão, constante da Lei n.º 39/80, de 5 
 de Agosto, inseria no artigo 27.º uma enumeração das matérias consideradas de 
 interesse específico para a Região, enumeração meramente exemplificativa (como 
 resultava do uso do advérbio “designadamente”), mas sem qualquer “cláusula 
 geral”, situação que se manteve na primeira revisão (Lei n.º 9/87, de 26 de 
 Março). Idêntico método (enumeração exemplificativa, sem “cláusula geral”) foi 
 seguido no Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira 
 
 (EPARAM), aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho (artigo 30.º).
 
                       Na revisão constitucional de 1997, com o aditamento do 
 artigo 228.º, a Constituição passou a inserir, ela própria, uma lista de 
 
 “matérias de interesse específico das regiões autónomas”, designadamente para 
 efeitos do n.º 4 do artigo 112.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, lista 
 essa que, além de não taxativa, terminava com uma “cláusula geral”: “outras 
 matérias que respeitem exclusivamente à respectiva região ou que nela assumam 
 particular configuração” (alínea o)). Esta técnica legislativa de acoplar uma 
 cláusula geral a uma enumeração exemplificativa foi criticada por Jorge Miranda 
 
 (Manual de Direito Constitucional, tomo V, 2.ª edição, Coimbra, 2000, p. 400, 
 nota 2); na verdade, após se enumerarem diversas matérias ao longo de 13 
 alíneas e de inserir uma “cláusula geral” com a abrangência da consagrada na 
 alínea o), não se vislumbra que outras matérias de interesse específico ainda 
 poderiam surgir, que justificassem a atribuição de natureza meramente 
 exemplificativa àquele elenco. Por outro lado, a inclusão deste conceito 
 material de interesse específico suscitou a “perplexidade” (Maria Benedita 
 Urbano, Poder legislativo regional: os difíceis contornos da autonomía política 
 das rexións. O caso portugués, Separata de Dereito – Revista Xurídica da 
 Universidade de Santiago de Compostela, vol. 15, n.º 1, 2006, pp. 69‑99, em 
 especial p. 95) derivada do facto de “estes critérios que, antes da Revisão de 
 
 1997, serviram de instrumentos hermenêuticos freadores da expansividade do 
 interesse específico regional, transmuta[re]m‑se em critérios ampliadores da 
 reserva constitucional de interesse específico” (J. J. Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, pp. 
 
 809‑810).
 
                       Na sequência desta revisão constitucional, a segunda 
 alteração ao EPARAA, operada pela Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto, veio dedicar 
 o artigo 8.º à enumeração das “matérias de interesse específico”, nomeadamente 
 
 “para efeitos de definição dos poderes legislativos (…) da Região”, através de 
 lista taxativa (atenta a não reprodução do advérbio “designadamente”, constante 
 das duas versões anteriores), mas inserindo, na última alínea (alínea hh)), uma 
 
 “cláusula geral”, de formulação decalcada na alínea o) do artigo 228.º da CRP 
 
 (versão de 1997): “outras matérias que respeitem exclusivamente à Região ou que 
 nela assumam particular configuração”. Idêntica “cláusula geral” consta do 
 artigo 40.º do EPARAM aprovado pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, mas 
 inserida em enumeração que continua a apresentar‑se como não taxativa.
 
                       No entanto, o Tribunal Constitucional sempre entendeu que 
 a mera inserção de determinada matéria nessas listas não bastava para, por si 
 só, dar por verificado o apontado requisito, sendo sempre necessário o 
 apuramento concreto, no caso, da ocorrência dessa especificidade da situação, a 
 exigir regulação legal diferenciada.
 
                       Como se referiu no Acórdão n.º 220/92:
 
  
 
      “O que deva entender‑se por interesse específico regional merece‑nos 
 particular atenção mas não é de resposta fácil nem pacífica (…).
 
      A Constituição furtou‑se à sua conceituação ou a tipificar situações, 
 optando por uma formulação vazia, a densificar a partir da ratio do regime 
 político‑administrativo por ela própria criado para as Regiões Autónomas e 
 consubstanciada de certo modo no artigo 227.º.
 
      Assim, respeitando o valor intangível da integridade de soberania do 
 Estado, a natureza unitária deste (cf. o artigo 6.º da CRP) e o quadro 
 constitucional global, o interesse específico habilitador da produção 
 legislativa regional passa não só pela singularidade da matéria em causa, 
 indiciadora de uma exclusividade específica da Região, como o instituto da 
 colonia da Madeira, mas também pela existência nessa Região, com especial 
 intensidade, de uma especificidade que justifique o seu tratamento em termos 
 distintos dos aplicáveis ao restante território nacional (…).
 
      Recorre‑se, por conseguinte, a um critério valorativo que não se basta com 
 uma enumeração das situações, por extensa que seja, contida no respectivo 
 Estatuto Político‑Administrativo, nem significa que a sua concretização no 
 elenco seja, casuisticamente, determinante.
 
      Na verdade, constitui jurisprudência deste Tribunal não poder uma dada 
 medida legislativa regional considerar‑se constitucionalmente credenciada tão‑só 
 pelo facto de versar sobre matéria que o respectivo Estatuto considere como 
 sendo de interesse específico para a Região, pois é, ainda, necessário que essa 
 matéria lhe respeite exclusivamente ou que nela exija tratamento especial por aí 
 assumir particular configuração (cf., por todos, os já citados Acórdãos n.ºs 
 
 164/86 e 326/86).”
 
  
 
                       Nesse Acórdão n.º 220/92, o Tribunal Constitucional 
 pronunciou‑se pela inconstitucionalidade, por violação da alínea a) do n.º 1 do 
 então artigo 229.º (correspondente ao actual artigo 227.º) da CRP, de normas 
 constantes de decreto aprovado pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira, 
 subordinado ao título “Competências no Âmbito do Ensino Superior», por, apesar 
 de a alínea o) do artigo 30.º do EPARAM incluir entre as matérias de interesse 
 específico para a Região as relativas ao “ensino superior”, não se poder 
 pretender que verse sobre interesse específico “matéria que, pelo seu interesse 
 nacional, os órgãos de soberania da República com competência legislativa 
 reservam para si ou para uma decisão conjunta com os órgãos regionais”, como no 
 caso concreto ocorria.
 
                       O entendimento de que “uma medida legislativa não pode 
 haver‑se como detentora de credencial constitucional bastante tão‑só pelo facto 
 de versar matéria que o respectivo Estatuto considera como sendo de interesse 
 específico para a Região”, sendo “necessário ainda – e sempre – que esta 
 matéria respeite exclusivamente a essa Região ou que nela exija um tratamento 
 especial, por aí assumir especial configuração” foi reafirmado, entre outros, 
 nos Acórdãos n.ºs 235/94 e 583/96.
 
                       O Acórdão n.º 408/98, após reproduzir as passagens do 
 Acórdão n.º 220/92, aditou:
 
  
 
      “Assim, de acordo com esta jurisprudência, a iniciativa legislativa 
 regional tomada ao abrigo da alínea a) do artigo 229.º, ou agora ao abrigo da 
 mesma alínea do n.º 1 do artigo 227.º, porque não há que diferenciar neste 
 contexto, maxime em termos de parâmetros de apreciação da constitucionalidade, 
 deve versar matéria de interesse específico para a Região, sendo certo que este 
 interesse tem de ser sempre apreciado em concreto. Mesmo o facto de a matéria 
 estar indicada no respectivo Estatuto da Região como matéria de interesse 
 específico não implica que, desde logo, se tenha de concluir que se está perante 
 matéria de interesse específico da Região. Tal inclusão deve entender‑se como 
 simples presunção abstracta ilidível, caso a caso, pela demonstração da 
 inexistência de um interesse específico (cf. Acórdão n.º 235/94, in Diário da 
 República, I Série‑A, de 2 de Maio de 1994).”
 
  
 
                       Nesta orientação se insere, por último, o Acórdão n.º 
 
 246/2005, que, considerada a relativa irrelevância de o EPARAM incluir, no seu 
 artigo 40.º, a saúde e a segurança social entre as matérias de interesse 
 específico regional, reputando antes como decisiva a verificação, em concreto, 
 de situação que respeitasse exclusivamente à Região ou exigisse tratamento 
 especial por aí assumir peculiar configuração, acabou por declarar a 
 inconstitucionalidade das normas regionais de responsabilização de familiares 
 por despesas de internamento em meio hospitalar, por se ter constatado que o 
 problema em causa não assumia na Região Autónoma da Madeira especial 
 configuração.
 
  
 
                       7.2. Quanto ao segundo requisito, ligado à reserva de 
 competência própria dos órgãos de soberania, desde cedo constituiu orientação do 
 Tribunal Constitucional a rejeição de uma interpretação restritiva ou literal, 
 que a confinasse ao elenco taxativo das competências constitucionalmente 
 reservadas, de forma explícita, à Assembleia da República e ao Governo, e a 
 adopção do entendimento de que “reservadas à competência própria dos órgãos de 
 soberania são não apenas as matérias que constituem a reserva de competência 
 legislativa da Assembleia da República (artigos 167.º e 168.º da Constituição) e 
 do Governo (artigo 202.º, n.º 1), mas também (…) todas aquelas que reclamem a 
 intervenção do legislador nacional, o que sucede quando se está perante assuntos 
 que interessam imediatamente à generalidade dos cidadãos” (Acórdão n.º 376/89).
 
                       Este entendimento foi afirmado, entre outros, nos Acórdãos 
 n.ºs 57/85, 130/85 (ambos relativos a normas regionais que permitiam a concessão 
 de licenças de trabalho a bordo independentemente do completamento da 
 escolaridade obrigatória, por se entender que o incentivo da escolaridade 
 obrigatória assumia dimensão nacional, apesar de se tratar de matéria não 
 inserida na reserva legislativa parlamentar), 164/86 (por entender que a matéria 
 do comércio externo, a que respeitava a norma regional questionada, que proibia 
 a exportação de peles de bovinos não curtidas, apesar de não fazer parte da 
 reserva de lei, assumia relevância nacional), 326/86, 267/87, 268/88, 212/92, 
 
 256/92, 348/93 (que considerou ser matéria “com relevo imediato para a 
 generalidade dos cidadãos” e, portanto, da competência dos órgãos de soberania, 
 a definição das condições de acesso aos cuidados de saúde), 235/94, 711/97 e 
 
 491/2004, escrevendo‑se no Acórdão n.º 711/97:
 
  
 
 “6. A Constituição, ao indicar os limites dos poderes legislativos das regiões 
 autónomas, não fornece uma definição das matérias «reservadas à competência 
 própria dos órgãos de soberania» [artigo 227.º, n.º 1, alínea a)] ou das 
 matérias «reservadas à Assembleia da República ou ao Governo» (artigo 112.º, 
 n.º 4).  Uma tal definição encontra‑se, no entanto, na jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional, a qual continua válida em face do texto da 
 Constituição emergente da Revisão Constitucional de 1997.
 
      Segundo a jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal, matérias 
 reservadas à competência própria dos órgãos de soberania e, como tais, vedadas 
 ao poder legislativo regional, são, desde logo, as que integram a competência 
 legislativa própria da Assembleia da República, enumeradas nos artigos 161.º, 
 
 164.º (reserva absoluta) e 165.º (reserva relativa) da Constituição, bem como a 
 que é da exclusiva competência legislativa do Governo, ou seja, a matéria 
 respeitante à sua própria organização e funcionamento (artigo 198.º, n.º 2).
 
      Mas, como tem sublinhado o Tribunal Constitucional, embora com vozes 
 discordantes, as matérias reservadas à competência própria dos órgãos de 
 soberania não se circunscrevem às que constituem a reserva de competência 
 legislativa da Assembleia da República e do Governo. A tal competência acham‑se 
 também «reservadas todas as matérias que reclamem a intervenção do legislador 
 nacional». Com efeito, «o carácter unitário do Estado e os laços de 
 solidariedade que devem unir todos os portugueses exigem que a legislação sobre 
 matéria com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos seja produzida 
 pelos órgãos de soberania (Assembleia da República ou Governo), devendo ser 
 estes a introduzir as especialidades ou derrogações que se mostrem 
 necessárias, designadamente por, no caso, concorrerem interesses insularmente 
 localizados». Os referidos princípios da unidade do Estado e da solidariedade 
 entre todos os portugueses reclamam, assim, a intervenção do legislador nacional 
 nas matérias que se apresentam com relevo imediato para a generalidade dos 
 cidadãos ou que respeitam ou se repercutem nas diferentes parcelas do território 
 nacional [cf. os já citados Acórdãos n.ºs 91/84, 164/86, 326/86 e 212/92. Cf., 
 ainda, Mário de Brito, Competência Legislativa das Regiões Autónomas, Separata 
 da Scientia Ivridica, n.ºs 247/249 (1994), pp. 20‑21, e Rui Medeiros/J. Pereira 
 da Silva, ob. cit., pp 114‑115].”
 
  
 
                       Tratava‑se, no fundo, de posição igualmente partilhada por 
 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, 3.ª 
 edição, Coimbra, 1993, p. 853), que defendem que esta “reserva da República” não 
 pode limitar‑se às matérias recortadas nos preceitos constitucionais que definem 
 a competência legislativa reservada da Assembleia da República e do Governo, 
 
 “devendo abranger por inerência outras matérias que, embora pertencendo à 
 competência concorrente da AR e do Governo, não podem, pela sus natureza 
 eminentemente nacional, ser reguladas senão por órgãos legislativos do Estado”, 
 indicando, entre outros exemplos, o estatuto e regime de utilização dos símbolos 
 nacionais.
 
                       Não se ignora que este entendimento, sempre seguido pelo 
 Tribunal Constitucional, mereceu algumas críticas da doutrina, as quais, porém, 
 mais do que questionar a razoabilidade do entendimento de que matérias que, pela 
 sua natureza, reclamavam a intervenção do legislador nacional não podiam ser 
 objecto de legislação regional, censuravam o “sincretismo de critérios” derivado 
 do cruzamento, na apontada fórmula jurisprudencial, de definições de “dois 
 limites distintos do poder legislativo regional: o limite de competência, que 
 decorre da necessária preservação da esfera de reserva de lei estadual, e o 
 limite de matéria ou substância, que decorre da necessária observância do 
 conteúdo das leis gerais da República” (cf. Maria Lúcia Amaral, “Questões 
 regionais e jurisprudência constitucional …”, cit., pp. 534‑543, e Estudos de 
 Direito Regional, cit., pp. 282‑292). Idêntica é a crítica de Pedro Machete 
 
 (“Elementos para o estudo das relações entre os actos legislativos do Estado e 
 das Regiões Autónomas no quadro da Constituição vigente”, Revista de Direito e 
 de Estudos Sociais, ano XXXIII, n.ºs 1‑2, Janeiro‑Junho 1991, pp. 169‑238, em 
 especial pp. 191‑201, republicado em Estudos de Direito Regional, cit., pp. 
 
 87‑163, em especial pp. 108‑115), que, considerando que “não pode deixar de 
 reconhecer‑se a existência de regulamentações necessariamente nacionais, não 
 previstas nas normas constitucionais atributivas de competências reservadas à 
 Assembleia da República e ao Governo”, o que censura é a propensão da aludida 
 orientação jurisprudencial “a fazer coincidir o critério das matérias reservadas 
 com o das leis gerais da República”. É similar o reparo feito, a este propósito, 
 por Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva (Estatuto Político‑Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores Anotado, Lisboa, 1997, pp. 111‑114, anotação XVI ao 
 artigo 32.º). 
 
  
 
                       7.3. A versão originária da Constituição era omissa quanto 
 
 à noção de lei geral da República. Na primeira revisão constitucional (1982), o 
 artigo 115.º, n.º 4 (mantido na versão de 1989) definiu as leis gerais da 
 República como “as leis e os decretos‑leis cuja razão de ser envolva a sua 
 aplicação sem reservas a todo o território nacional”, tendo a revisão de 1997 
 
 (artigo 112.º, n.º 5) eliminado o inciso “sem reservas” e aditado, no final, a 
 expressão “e assim o decretem”, e, como se assinalou, restringido a limitação da 
 autonomia legislativa regional ao respeito pelos princípios fundamentais de tais 
 leis.
 
                       Foi no Acórdão n.º 631/99 que o Tribunal Constitucional 
 foi confrontado pela primeira vez com a nova formulação deste requisito negativo 
 da competência legislativa regional. Nesse aresto [que declarou, com força 
 obrigatória geral, a ilegalidade da norma do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto 
 Legislativo Regional n.º 19‑A/98/A, de 31 de Dezembro, que autorizava o Governo 
 Regional dos Açores a assumir dívidas de autarquias locais, por entender que 
 violava o princípio fundamental contido no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 42/98, 
 de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), que proibia a concessão de quaisquer 
 formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios e freguesias 
 por parte do Estado, das Regiões Autónomas, dos institutos públicos e dos fundos 
 públicos], começou o Tribunal por recordar:
 
  
 
      “4 – Vários foram os arestos do Tribunal Constitucional que caracterizaram 
 as «leis gerais da República», tendo em conta o conceito constitucionalmente 
 definido a partir da revisão de 1982.
 
      Com ressalva das incidências que o aditamento do aludido elemento formal 
 
 [refere‑se ao inciso «que assim o decretem», aditado em 1997] necessariamente 
 tem nessa caracterização, pode, no entanto, afirmar‑se que, no essencial, mantém 
 plena validade o que naqueles arestos se disse reportado ao elemento substancial 
 do conceito – envolver a razão de ser das leis e dos decretos‑leis a sua 
 aplicação a todo o território nacional.
 
      Versar matéria de «inegável dimensão nacional», «com relevo imediato para a 
 generalidade dos cidadãos» que «por exigências decorrentes do princípio da 
 unidade do Estado e dos laços de solidariedade que devem unir os portugueses» 
 
 «são da competência dos órgãos de soberania» (cf. Acórdão n.º 133/90, in ATC, 
 
 15.º vol., p. 455, e outros aí citados) são critérios que o Tribunal tem 
 adoptado para a individualização das leis gerais da República, sem prejuízo da 
 análise caso a caso, pois, como se escreve no citado Acórdão n.º 133/90, «só 
 através da identificação nas leis e nos decretos‑leis das normas e princípios 
 portadores de eficácia normativa para os cidadãos do todo nacional é que se 
 torna possível saber se, em concreto, uma determinada lei ou um decreto‑lei 
 específico revestem a natureza de lei geral da República».”
 
  
 
                       E depois de reconhecer a Lei n.º 42/98 como uma lei geral 
 da República, prossegue o Tribunal Constitucional, no citado Acórdão n.º 
 
 631/99:
 
  
 
      “6 – O limite do poder legislativo regional no confronto com as leis gerais 
 da República, que se reportava a todo o conteúdo dispositivo dessas leis, 
 cinge‑se, a partir da revisão constitucional de 1997 – disse‑se já – ao respeito 
 pelos «princípios fundamentais» daquelas leis, muito embora o artigo 281.º n.º 
 
 1, alínea c), diversamente do que ocorre com o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), 
 não tenha sido consequentemente alterado e deva ser sujeito a interpretação 
 correctiva (cf. Carlos Blanco de Morais, in cit. revista Legislação ..., n.º 
 
 19/20, p. 18).
 
      Impor-se-ia, assim, que o julgador elucidasse, primeiro, este conceito, 
 para depois abordar a questão de saber se o artigo 7.º é a expressão de um dos 
 princípios fundamentais da Lei n.º 42/98, ou seja, do regime das finanças locais 
 definido por este diploma.
 
      À tarefa, árdua e complexa, de integrar este conceito indeterminado – o dos 
 
 «princípios fundamentais» – não teve ainda oportunidade o Tribunal 
 Constitucional de se dedicar; na doutrina, começa a ensaiar‑se a dilucidação do 
 conceito, procurando sintetizá‑lo numa fórmula que, qualquer que seja a sua 
 valia, terá sempre um limite: sendo os princípios fundamentais das leis gerais 
 da República «princípios referentes às matérias concretamente disciplinadas por 
 estas leis», eles são «insusceptíveis de uma captação apriorística» (Gomes 
 Canotilho, in cit. Legislação ..., n.º 19/20, p. 42; cf. ainda Carlos Blanco de 
 Morais, «As competências legislativas das regiões autónomas no conceito da 
 revisão constitucional de 1997», Separata da Revista da Ordem dos Advogados, ano 
 
 57, Dezembro de 1997, pp. 32 e segs.).
 
      Não obstante a norma em causa da Lei n.º 42/98 não surgir catalogada de 
 princípio fundamental do regime instituído pela lei (qualificação insindicável 
 pelo julgador ou mera presunção ilidível?), ela revela, no contexto próprio do 
 diploma, uma opção legislativa fundamental que, seja qual for o nível de 
 densificação do conceito, não deixa margem para dúvidas no sentido da sua 
 qualificação como «princípio fundamental» do regime das finanças locais.”
 
  
 
                       Este entendimento do conceito de princípios fundamentais 
 das leis gerais da República, definido no Acórdão n.º 631/99, foi posteriormente 
 seguido pelo Tribunal Constitucional, em diversas decisões (cf. Acórdãos n.ºs 
 
 458/2002, 69/2004 e 295/2004), até ao recente Acórdão n.º 217/2007 (que não 
 julgou inconstitucional a norma do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional 
 n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro, que consagrou o dia 26 de Dezembro como feriado 
 na Região Autónoma da Madeira, por, além do mais, entender que não resultava do 
 Decreto‑Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, diploma qualificado como lei geral da 
 República, um princípio fundamental que impusesse a existência de um único 
 feriado regional em cada Região Autónoma), considerando tais princípios como os 
 
 “critérios gerais de decisão legislativa que, pelo seu relevo necessário para 
 todos os cidadãos, fundamentam o preenchimento homogéneo de fins e o cumprimento 
 uniforme de obrigações de resultado, por parte de uma disciplina legal 
 determinada” (Carlos Blanco de Morais, As Leis Reforçadas – As leis reforçadas 
 pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre 
 actos legislativo, Coimbra, 1998, p. 29).
 
  
 
                       8. Recordado o modelo de definição da competência 
 legislativa regional instituído pela Constituição de 1976 e cujas linhas 
 mestras se mantiveram até à 6.ª revisão constitucional, é tempo de analisar as 
 radicais alterações introduzidas em 2004, que, como já se referiu, consistiram 
 no abandono dos requisitos relacionados com o interesse específico e os 
 princípios fundamentais das leis gerais da República, na introdução do conceito 
 de âmbito regional, na remissão para os estatutos político‑administrativos da 
 enunciação das matérias passíveis de legislação regional e na manutenção da 
 exclusão das matérias reservadas aos órgãos de soberania.
 
                       O processo de revisão constitucional de 2004 teve como um 
 dos seus objectivos essenciais – senão mesmo o principal – a redefinição do 
 estatuto constitucional das autonomias regionais, em especial no que concerne à 
 competência legislativa regional, matéria sobre a qual praticamente todos os 
 projectos de revisão apresentados inseriram propostas de alterações 
 substanciais.
 
                       O Projecto de revisão constitucional n.º 1/IX, apresentado 
 pelo Partido Socialista [Diário da Assembleia da República (DAR), IX 
 Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, Suplemento ao n.º 8, de 18 de 
 Outubro de 2003, pp. 338‑(2) a 338‑(7)], propunha para o n.º 4 do artigo 112.º 
 
 (para que remetia o artigo 227.º, n.º 1, alínea a)), uma redacção segundo a qual 
 
 “os decretos legislativos regionais versam sobre as matérias expressamente 
 enunciadas no estatuto político‑administrativo da respectiva Região Autónoma 
 como integrantes da sua autonomia legislativa, com excepção das previstas nos 
 artigos 161.º, 164.º, 165.º e 198.º, n.º 2, e das que cabem ao Governo no 
 exercício das funções de soberania”. Como se assinalava na respectiva “Exposição 
 de motivos”:
 
  
 
      “3 – O ordenamento jurídico‑constitucional deixa de comportar o conceito de 
 lei geral da República e em sua substituição definem‑se as matérias de reserva 
 do Estado e as da competência própria das Regiões Autónomas.
 
      As reservas de competência política e legislativa exclusiva da Assembleia 
 da República e do Governo, em função do exercício da soberania, constituem o 
 limite ao exercício da competência legislativa regional. E esta exerce‑se no 
 quadro da competência legislativa própria firmada no estatuto 
 político‑administrativo, em função da especial configuração que as matérias 
 assumem na respectiva região, por razões de intensidade, diversidade ou 
 exclusividade.
 
      Procura‑se, assim, definir com precisão o âmbito das matérias de reserva 
 dos órgãos de soberania, as competências legislativas próprias das Regiões e um 
 espaço fixado pelas autorizações legislativas da Assembleia da República, pelo 
 desenvolvimento de leis de bases e de regimes gerais, bem como o respeitante à 
 transposição de directivas comunitárias.”
 
  
 
                       Na formulação proposta pelo Projecto de revisão 
 constitucional n.º 2/IX, apresentado pelo Bloco de Esquerda (DAR citado, 
 Suplemento ao n.º 14, de 21 de Novembro de 2003, pp. 564‑(2) a 564‑(9)), para o 
 artigo 112.º, n.º 4, previa‑se que “as leis regionais versam sobre as matérias 
 que dizem respeito às Regiões Autónomas e que não estejam reservadas à 
 Assembleia da República ou ao Governo, sem prejuízo do disposto no artigo 
 
 227.º”, e a alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º passaria a dispor que competia às 
 assembleias legislativas regionais “legislar sobre as matérias expressas no 
 respectivo estatuto político‑administrativo e outras de interesse para as 
 Regiões Autónomas que não estejam reservadas à competência absoluta da 
 Assembleia da República”.
 
                       O Projecto de revisão constitucional n.º 3/IX, apresentado 
 pelo PSD e pelo CDS‑PP (DAR citado, pp. 564‑(9) a 564‑(24)), com o propósito 
 declarado, na respectiva nota justificativa, de ultrapassar as insuficiências 
 detectadas na aplicação dos avanços prosseguidos pela revisão de 1997, face ao 
 que se qualificou como a “jurisprudência tradicionalmente restritiva [do 
 Tribunal Constitucional] em matéria de autonomia”, propunha que o artigo 112.º, 
 n.º 4, passasse a prever que “as leis regionais versam sobre as matérias que 
 digam respeito às Regiões Autónomas e não reservadas à Assembleia da República 
 ou ao Governo, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º” 
 
 (que permitia a concessão de autorização da Assembleia da República para as 
 assembleias legislativas regionais legislarem em matéria da sua reserva 
 relativa), e que a alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º atribuísse às Regiões 
 Autónomas poder para “legislar em matérias que digam respeito às Regiões 
 Autónomas expressas no respectivo Estatuto ou do seu interesse que não estejam 
 reservadas à competência própria dos órgãos de soberania”.
 
                       O Projecto de revisão constitucional n.º 4/IX, apresentado 
 pelo PCP (DAR citado, pp. 564‑(24) a 564‑(35)), era menos inovador nesta 
 matéria, propondo para o artigo 112.º, n.º 4, uma redacção segundo a qual “os 
 decretos legislativos regionais versam sobre matérias de interesse específico 
 para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao 
 Governo, não podendo dispor contra leis de valor reforçado”, e para o artigo 
 
 227.º, n.º 1, alínea a), a seguinte formulação: “Legislar, com respeito pelas 
 leis de valor reforçado, em matérias de interesse específico para as Regiões que 
 não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania”.
 
                       Esta última formulação era também a proposta para o artigo 
 
 227.º, n.º 1, alínea a), pelo Projecto de revisão constitucional n.º 6/IX, 
 apresentado pelo Partido Ecologista Os Verdes (DAR citado, pp. 564‑(40) a 
 
 564‑(45)), que não propunha qualquer alteração para o artigo 112.º, n.º 4.
 
                       Como se constata, em nenhum desses projectos se utilizava 
 a expressão “âmbito regional”, que viria a constar da versão final quer do n.º 4 
 do artigo 112.º, quer da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP. Tal 
 expressão surgiu, no âmbito dos trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão 
 Constitucional, integrando as Propostas de emenda n.ºs 18 e 34 (cf. Relatório da 
 Comissão, DAR, II Série‑C, Suplemento ao n.º 33, de 3 de Julho de 2004, pp. 
 
 578‑(9) e 578‑(12)), mas nem do debate travado em sede de Comissão (DAR, II 
 Série‑RC, n.º 10, de 22 de Abril de 2004, pp. 320 e 332‑334), nem da discussão e 
 votação no Plenário, a propósito daqueles dois preceitos (DAR, I Série, n.º 78, 
 de 23 de Abril de 2004, pp. 4258‑4262 e 4292) se retira qualquer contributo 
 explícito determinante para a densificação do conceito.
 
                       No entanto, crê‑se não ser abusivo associar a expressão 
 
 “âmbito regional”, para além de uma referência territorial, às expressões 
 
 “matérias que dizem [digam] respeito às Regiões Autónomas”, constantes dos 
 Projectos de revisão constitucional n.ºs 2/IX e 3/IX, definidas “em função da 
 especial configuração que as matérias assumem na respectiva região” (como se lê 
 na exposição de motivos do Projecto de revisão constitucional n.º 1/IX), e 
 surgindo aquela expressão como sucedânea da anterior menção a “matéria de 
 interesse específico para as respectivas regiões”, ainda utilizada nos 
 Projectos de revisão constitucional n.ºs 4/IX e 6/IX.
 
                       Elucidativas sobre o alcance desta alteração do limite da 
 competência legislativa regional são as considerações tecidas na declaração de 
 voto escrita do Deputado José Magalhães (DAR, I Série, n.º 79, de 24 de Abril de 
 
 2004, p. 4368), quando salienta que a 6.ª revisão constitucional “não veio 
 alterar o disposto no artigo 225.º da CRP”, “pelo que o limite dos poderes dos 
 
 órgãos próprios regionais continua desde logo a definir‑se pelo território e 
 pelos fins próprios da autonomia”, assinalando que, “em vez da competência para 
 aprovar legislação regional versando sobre matérias de interesse específico não 
 reservadas à Assembleia da República e ao Governo e com subordinação aos 
 princípios fundamentais das leis gerais da República, os decretos legislativos 
 surgem agora parametrizados em função da sua natureza regional (pelo território 
 e pelo objecto, que inevitavelmente há‑de assumir uma feição própria por as 
 questões terem um cunho original na região, por serem nela exclusivos ou nela 
 terem especial configuração) e versam sobre matérias enunciadas no estatuto 
 político‑administrativo da respectiva região autónoma que não sejam reservados 
 aos órgãos de soberania” (itálicos acrescentados).
 
                       Resta referir que, também na sequência de proposta surgida 
 no seio da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (proposta n.º 42, 
 DAR, II Série‑C, n.º 33, de 3 de Julho de 2004, p. 578‑(14)), a Lei 
 Constitucional n.º 1/2004 viria a inserir, como disposição transitória, o artigo 
 
 46.º, que, sob a epígrafe “Competência legislativa das regiões autónomas”, 
 dispõe:
 
  
 
      “Até à eventual alteração das disposições dos estatutos 
 político‑administrativos das regiões autónomas, prevista na alínea f) do n.º 6 
 do artigo 168.º, o âmbito material da competência legislativa das respectivas 
 regiões é o constante do artigo 8.º do Estatuto Político‑Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores e do artigo 40.º do Estatuto Político‑Administrativo 
 da Região Autónoma da Madeira.”
 
  
 
                       Entende‑se que o objectivo desta norma transitória não 
 terá sido o de até à revisão dos estatutos político‑administrativos (revisão 
 que surge como “eventual” e para a qual não se fixa prazo) manter a definição da 
 competência legislativa regional anterior à 6.ª revisão, mas antes o de remeter 
 para as listas de matérias constantes das versões vigentes dos estatutos 
 
 (remissão essa cuja exacta extensão será adiante analisada, infra, 11.) o 
 preenchimento (provisório) do segundo limite do novo modelo de demarcação dessa 
 competência: “matérias enunciadas no respectivo estatuto 
 político‑administrativo”.
 
                       É que o catálogo de matérias consideradas de interesse 
 específico das regiões autónomas, que constava do artigo 228.º da CRP desde a 
 revisão de 1997, foi eliminado, remetendo agora o n.º 1 desse preceito para as 
 matérias enunciadas nos estatutos político‑administrativos, o que tem sido 
 considerado como correspondendo ou a uma desconstitucionalização por cotejo com 
 o anterior artigo 228.º ou a uma constitucionalização do correspondente 
 preceito estatutário (cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo 
 V – Actividade Constitucional do Estado, 3.ª edição, Coimbra, 2004, p. 401; e 
 Maria Lúcia Amaral, A Forma da República – Uma Introdução ao Estudo do Direito 
 Constitucional, Coimbra, 2005, pp. 376‑377).
 
                       Numa apreciação global do alcance desta revisão 
 constitucional, refere Vitalino Canas (Constituição da República Portuguesa 
 
 (Após a sexta revisão constitucional – 2004), Lisboa, 2004, p. 22):
 
  
 
      “A sexta revisão constitucional realizou uma importante clarificação e 
 consolidação dos poderes legislativos regionais e, por essa via, da própria 
 autonomia das regiões. Todavia, não é claro que o chamado contencioso das 
 autonomias tenha ficado em definitivo superado.
 
      Merece especial relevo a simplificação dos parâmetros em que o poder 
 legislativo regional se pode exercer, tendo‑se resistido à tentação de criar 
 novos parâmetros vagos ou indeterminados que constavam de alguns dos projectos 
 de revisão constitucional.
 
      Porém, se é verdade que o esforço de clarificação e de simplificação 
 funcionou de modo geral a favor do aprofundamento dos poderes legislativos 
 regionais, não se registou qualquer alteração radical nesse campo.
 
      Assim, apesar do desaparecimento da referência às leis gerais da República 
 como categoria constitucional que constituía um limite à legislação regional, 
 elas reaparecerão eventualmente como categoria doutrinal, porventura 
 reportando‑se às leis emitidas por órgãos de soberania, no âmbito da sua 
 competência reservada, aplicáveis a todo o território nacional.
 
      Por seu turno, embora se tenha suprimido o parâmetro do interesse 
 específico, não desaparecem os parâmetros materiais delimitadores das 
 atribuições das regiões tal como estão enunciados no (inalterado) artigo 225.º, 
 n.º 1.”
 
  
 
                       Desta última frase parece lícito extrair o entendimento de 
 que o “âmbito regional” comporta um elemento material, ligado à estatuição do 
 artigo 225.º da CRP.
 
  
 
                       9. Também o Tribunal Constitucional já teve oportunidade 
 de salientar as profundas alterações introduzidas pela revisão constitucional 
 de 2004 no quadro definidor da competência legislativa regional.
 
                       Assim, logo no Acórdão n.º 246/2005 – embora, no caso 
 sobre que recaiu, por se tratar de diploma anterior àquela revisão e atenta a 
 natureza do vício em causa, se ter concluído ser aplicável a versão 
 constitucional anterior –, o Tribunal Constitucional assinalou:
 
  
 
 “Entre as alterações introduzidas por esta revisão constitucional [a sexta 
 revisão, de 2004] conta‑se a «simplificação dos parâmetros em que o poder 
 legislativo regional se pode exercer» (Vitalino Canas, Constituição da República 
 Portuguesa (após a sexta revisão constitucional – 2004), aafdl, 2004, pág. 22) 
 e, concomitantemente, o alargamento dos poderes legislativos das regiões 
 autónomas. As modificações assinaladas são, essencialmente, as seguintes:
 a) desaparecimento da categoria de leis gerais da República (antigo n.º 5 do 
 artigo 112.º da Constituição), a cujos princípios fundamentais os diplomas 
 regionais se encontravam subordinados;
 b) eliminação da necessidade de existência de interesse específico regional na 
 matéria regulada pelas regiões, enquanto pressuposto ou requisito do exercício 
 da competência legislativa destas últimas (veja-se o n.º 4 do artigo 112.º da 
 CRP, na sua actual redacção).
 O poder legislativo das regiões autónomas continua, porém, a enquadrar‑se pelos 
 fundamentos da autonomia das regiões consagrados no artigo 225.º da CRP e a 
 restringir‑se ao âmbito regional e às matérias enunciadas no respectivo estatuto 
 político‑administrativo, em face do disposto no n.º 4 do artigo 112.º e na 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição (neste sentido, Jorge 
 Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, 3.ª edição, Coimbra Editora, 
 
 2004, págs. 398 a 402, e Vitalino Canas, ob. cit., págs. 140 e 236).
 Subsiste ainda como requisito de exercício da competência legislativa das 
 regiões autónomas o respeito da reserva de competência legislativa dos órgãos de 
 soberania, como se depreende da leitura conjugada dos preceitos constitucionais 
 acima mencionados. No que diz respeito à reserva absoluta de competência 
 legislativa da Assembleia da República, não se registam alterações, estando esta 
 totalmente vedada às regiões autónomas. Já no que se refere à reserva relativa, 
 poderão as regiões, salvo as excepções previstas na Constituição, tratar as 
 matérias nela compreendidas, mediante autorização parlamentar (alínea b) do n.º 
 
 1 do artigo 227.º da CRP).
 
  
 
                       O novo regime constitucional já foi aplicado pelo Tribunal 
 no Acórdão n.º 258/2006, que se pronunciou pela inconstitucionalidade, por 
 violação das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea b), 112.º, 
 n.º 4, 227.º, n..º 1, alínea a), e 228.º, n.º 1, da CRP, de diversas normas do 
 decreto legislativo regional que “Define o regime de afixação ou inscrição de 
 mensagens de publicidade e propaganda na proximidade das estradas regionais e 
 nos aglomerados urbanos”, aprovado pela Assembleia Legislativa da Região 
 Autónoma da Madeira, em 7 de Março de 2006. Após reproduzir a transcrita 
 passagem do Acórdão n.º 246/2005, passou a aferir‑se da verificação cumulativa 
 dos novos requisitos da competência legislativa regional – (i) conter‑se a 
 legislação sindicada no âmbito regional; (ii) estarem as matérias em causa 
 enunciadas no respectivo estatuto político‑administrativo; e (iii) não estarem 
 reservadas aos órgãos de soberania –, tendo sido dada resposta positiva aos dois 
 primeiros e negativa ao terceiro. Com efeito, entendeu‑se, quando ao primeiro 
 requisito, que estar a legislação em causa limitada ao âmbito regional “é 
 conclusão a que facilmente se chega, não sendo outra (em rigor, não podendo ser 
 outra), aliás, a intenção do legislador regional, como decorre, desde logo, de 
 várias passagens do preâmbulo, nomeadamente daquela onde se afirma que «a 
 afixação de mensagens de publicidade ou propaganda exterior carece de 
 regulamentação própria a nível da Região Autónoma da Madeira», bem como do 
 próprio n.º 1 do artigo 1.º”. E, quanto ao segundo, considerou‑se que as 
 preocupações com a “tutela do ambiente, como requisito de preservação da 
 qualidade de vida” e com a “conservação e valorização da paisagem como parte 
 integrante do ambiente”, que, do ponto de vista do legislador regional, 
 justificaram a aprovação do decreto legislativo regional em causa, se incluíam, 
 para efeito de determinação do “âmbito material da competência legislativa” das 
 regiões autónomas (artigo 46.º da Lei Constitucional n.º 1/2004), nas alíneas 
 nn) e oo) do artigo 40.º do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma 
 da Madeira (aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, alterada pelas Leis n.º 
 
 130/99, de 21 de Agosto, e n.º 12/2000, de 21 de Junho), que se referem, 
 respectivamente, à matéria de “valorização dos recursos humanos e qualidade de 
 vida” e “defesa do ambiente e equilíbrio ecológico”. Diversamente, quanto ao 
 terceiro requisito, concluiu o Tribunal que as normas em causa invadiam a 
 reserva de competência dos órgãos de soberania, consignando, a este propósito:
 
  
 
      “5.1.3. Sobre este ponto e ainda em face da anterior versão do artigo 
 
 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição (que respeitava a matérias «que não 
 estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania»), o Tribunal 
 Constitucional pronunciou‑se repetidas vezes, como se pode ler, por exemplo, no 
 Acórdão n.º 268/88 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 
 
 12.º, pág. 460), no sentido de que essas «matérias reservadas à competência 
 legislativa própria dos órgãos de soberania não se circunscrevem às que a CRP 
 expressamente reserva à Assembleia da República (cf. em especial os artigos 
 
 164.º, 167.º e 168.º da CRP) e ao Governo (cf. em particular o artigo 201.º da 
 CRP), abrangendo ainda as matérias em relação às quais a CRP, implicitamente 
 embora, exige a intervenção do legislador nacional (Acórdãos n.ºs 82/86, 164/86 
 e 326/86, Diário da República, I Série, n.ºs 176, de 2 de Abril de 1986, 130, de 
 
 7 de Junho de 1986, e 290, de 18 de Dezembro de 1986).»
 
      Mais recentemente, no Acórdão n.º 415/2005, escreveu‑se, porém, que «poderá 
 hoje questionar‑se se esta jurisprudência […], sobre o sentido do requisito 
 negativo do poder legislativo regional, se mantém válida, nos seus traços 
 gerais, em face do novo texto constitucional – questão, esta, que não foi ainda 
 tratada na jurisprudência constitucional». Contudo, como logo se acrescentou 
 nesse mesmo acórdão, «seja, porém, como for quanto ao exacto alcance da parte 
 final do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, pode dar‑se por 
 assente que entre as matérias ‘reservadas aos órgãos de soberania’ se encontram, 
 pelo menos, as matérias de reserva de competência legislativa absoluta da 
 Assembleia da República e, também, as matérias de reserva relativa. Sobre estas 
 
 últimas, as regiões autónomas apenas poderão legislar, fora das matérias 
 previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º, mediante autorização da 
 Assembleia da República».
 
      Ora, entre as matérias da reserva relativa da Assembleia da República está, 
 precisamente, a dos «direitos, liberdades e garantias», referida na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, cuja violação é alegada pelo 
 requerente. Sendo certo que, em relação a essa matéria, nem sequer é admissível 
 a autorização da Assembleia da República às Assembleias Legislativas das Regiões 
 Autónomas, uma vez que tal está vedado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º 
 da Constituição.”
 
  
 
                       10. Como se assinalou (supra, 3.1.1.), o primeiro 
 parâmetro da competência legislativa regional que o requerente considera violado 
 pelas normas questionadas respeita ao “âmbito regional”, que não se limitaria ao 
 
 âmbito territorial, no sentido de que a legislação regional tem o seu campo de 
 aplicação espacialmente limitado ao território da Região, mas incluiria uma 
 componente institucional, que impediria “os Parlamentos insulares de emanar 
 legislação destinada a produzir efeitos relativamente a outras pessoas 
 colectivas públicas que se encontram fora do âmbito de jurisdição natural das 
 Regiões Autónomas – como sucede, sem sombra de dúvida, com o próprio Estado e, 
 bem ainda, com outras pessoas que integram constitucionalmente a Administração 
 Autónoma territorial e institucional (autarquias locais, associações públicas e 
 universidades)”.
 
                       Da nova formulação constitucional do âmbito da competência 
 legislativa regional deriva seguramente que não foi adoptado um sistema 
 
 “dualista”, segundo o qual um grupo de matérias (as matérias enunciadas no 
 respectivo estatuto político‑legislativo) constituiria “reserva” do legislador 
 regional e um outro grupo integraria a reserva dos órgãos de soberania, 
 constituindo compartimentos estanques. Não foi esse o modelo adoptado pela 6.ª 
 revisão constitucional, que, ao limite positivo da enunciação estatutária e ao 
 limite negativo da reserva dos órgãos de soberania, associou a exigência de a 
 legislação regional se conter no “âmbito regional”.
 
                       Este “âmbito regional”, tendo necessariamente uma 
 componente territorial, inerente à natureza de “pessoas colectivas territoriais” 
 que o corpo do n.º 1 do artigo 227.º da CRP associa às regiões autónomas (cf. 
 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo V – Actividade 
 Constitucional do Estado, 3.ª edição, cit., p. 401), não se esgota, porém, nessa 
 componente. Há, na verdade, que atender aos fundamentos, aos fins e aos limites 
 que a Constituição assinala à autonomia regional, no seu artigo 225.º: os 
 fundamentos dessa autonomia assentam nas características geográficas, 
 económicas, sociais e culturais dos arquipélagos dos Açores e da Madeira e 
 nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares; os fins 
 consistem na participação democrática dos cidadãos, no desenvolvimento 
 económico‑social, na promoção e defesa dos interesses regionais, mas também no 
 reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os 
 portugueses; os limites derivam da não afectação da integridade da soberania do 
 Estado e do respeito do quadro constitucional.
 
                       Assim, a circunstância de a legislação regional se 
 destinar a ser aplicada no território da Região não basta, só por si, para dar 
 por verificado o apontado requisito. O modelo constitucional de repartição da 
 competência legislativa continua a não assentar numa “divisão territorial do 
 poder legislativo, com transferência de matérias do centro para a periferia” 
 
 (Maria Benedita Urbano, “Poder legislativo regional …”, cit., p. 77).  Nesse 
 
 “âmbito regional” não podem deixar de relevar considerações sobre a matéria 
 sobre que versa essa normação, atenta a justificação material do regime 
 autonómico constante do artigo 225.º.
 
                       O território da Região é também (ou em primeira linha) 
 território do Estado, nele vigorando simultaneamente a ordem jurídica estadual e 
 a ordem jurídica regional, só se podendo considerar como integrando o âmbito 
 desta (o “âmbito regional”) a regulação de situações que não afectem, atentas as 
 pessoas (designadamente, pessoas colectivas públicas) envolvidas e os interesses 
 e valores em jogo, a ordem jurídica nacional.
 
                       Assumindo o requisito do “âmbito regional” uma componente 
 territorial e uma componente material, há que reconhecer que esta última 
 dimensão foi desrespeitada pelas normas questionadas quando pretendem regular o 
 protocolo de cerimónias que, apesar de realizadas no território da Região, são 
 promovidas por entidades públicas que não são “órgãos regionais” e quando 
 abrangem nessa regulação entidades que, designadamente, “representam” órgãos de 
 soberania.
 
                       Como atrás se assinalou, a propósito da motivação das 
 iniciativas legislativas que conduziram à aprovação da Lei n.º 43/2006, as 
 regras de precedências protocolares das altas entidades públicas devem 
 constituir uma projecção visível da arquitectura constitucional do Estado, 
 assumindo uma dimensão simbólica que convoca a intervenção do legislador 
 nacional, sendo actualmente insustentável a sua redução a regras de cortesia, 
 desprovidas de juridicidade.
 
                       A perspectiva da “representação simbólica” (cf. Hanna 
 Fenichel Pitkin, El Concepto de Representación, tradução espanhola de The 
 Concept of Representation, ed. Centro de Estúdios Constitucionales, Madrid, 
 
 1985, pp. 101 e seguintes), “centra‑se na utilização de esquemas simbólicos (v. 
 g., bandeira, hino, cargo político), os quais, através de um processo 
 intelectivo‑sensorial a levar a cabo pelos cidadãos, são associados a 
 determinadas realidades como a nação, o povo, etc.”, assinalando‑se que “a 
 função simbólica atribuída a certas pessoas (em particular ao chefe do Estado) 
 ou a coisas, cumpre algumas tarefas políticas de não negligenciável relevância 
 
 (v. g., identificação, integração política, coesão dos membros de um grupo)” 
 
 (Maria Benedita Urbano, Representação Política e Parlamento, Coimbra, 2004, 
 policopiado, p. 124).
 
                       A este propósito, cumpre referir que se considera de todo 
 irrelevante que diplomas regionais publicados em 1979, ao regularem o uso dos 
 símbolos regionais (bandeira e hino), tenham reflexamente interferido com o uso 
 dos símbolos nacionais. A Constituição não se interpreta de acordo com a 
 legislação ordinária, não sendo de acolher a existência de uma “presunção de 
 constitucionalidade” ou de “não inconstitucionalidade” derivada da promulgação 
 de leis ou decretos‑leis, extensível à assinatura de decretos legislativos 
 regionais (cf. a crítica desta tese, extraída, na vigência da Constituição de 
 
 1933, da diferenciação do regime de apreciação da inconstitucionalidade orgânica 
 ou formal dos diplomas promulgados e não promulgados, em Miguel Galvão Teles, 
 Direito Constitucional – Sumários Desenvolvidos Relativos ao Título II da Parte 
 III do Curso (Direito Constitucional Vigente), AAFDL, Lisboa, 1970, pp. 22‑24 e 
 
 99‑101, e Eficácia dos Tratados na Ordem Interna Portuguesa (Condições, Termos 
 e Limites), Lisboa, 1967, pp. 77‑80 e 155‑185; e, já na vigência da 
 Constituição de 1976, defendida por Rui Medeiros, A Decisão de 
 Inconstitucionalidade, Lisboa, 1999, pp. 74‑89, em Jorge Miranda, “Apreciação da 
 dissertação de doutoramento do Mestre Rui Medeiros”, Direito e Justiça, vol. 
 XIII, 1999, tomo 2, pp. 259‑277, em especial n.º 6, pp. 263–267). Entende‑se, 
 antes, que a promulgação não é uma “declaração de constitucionalidade”, em 
 termos de constituir qualquer presunção nesse sentido, quer porque os poderes de 
 fiscalização dos tribunais e do Tribunal Constitucional, nessa matéria, atingem 
 indiferenciadamente actos promulgados e actos não promulgados, quer porque – e 
 determinantemente – o Presidente da República não está vinculado a requerer a 
 fiscalização preventiva da constitucionalidade (cf. Miguel Galvão Teles, 
 
 “Liberdade de iniciativa do Presidente da República quanto ao processo de 
 fiscalização preventiva da constitucionalidade”, O Direito, ano 120.º, 1988, 
 I‑II (Janeiro‑Junho), pp. 35‑43, e Miguel Lobo Antunes e Mário Torres, A 
 Promulgação, separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.º 405, p. 31).
 
                       A isto acresce que, desde a revisão constitucional de 
 
 1997, o regime dos símbolos nacionais integra a reserva absoluta da competência 
 legislativa da Assembleia da República (artigo 164.º, alínea s)), não sendo, 
 admissível a intervenção legislativa regional na matéria, nem primária, nem 
 autorizada (alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP) – cf. António de Araújo, 
 
 “A Nação e os seus símbolos (Breves comentários ao artigo 11.º da 
 Constituição)”, O Direito, ano 133.º, 2001, I (Janeiro‑Março), pp. 197‑224).
 
                       Conclui‑se, assim, que a iniciativa legislativa em 
 análise, quando pretende estabelecer o regime protocolar aplicável a cerimónias 
 promovidas por entidades públicas que, apesar de sedeadas na Região Autónoma dos 
 Açores, se encontram fora do âmbito de jurisdição dos órgãos regionais e 
 abrangendo nessa regulação entidades que, designadamente, representam órgãos de 
 soberania, desrespeita o limite da competência legislativa regional que a 
 confina ao “âmbito regional”.
 
                       Ora, justamente porque a iniciativa legislativa em apreço, 
 atenta a sua natureza inter‑relacional, tem necessariamente se ser encarada na 
 sua globalidade [assistindo neste ponto razão ao parecer que substancia a 
 resposta, quando refere que não “deve ser apreciada norma a norma, antes devendo 
 ressaltar (a) economia de um diploma regional, tendo em conta a matéria regulada 
 e o regime jurídico estabelecido” (n.º 18)], não cabendo, nesta sede de 
 fiscalização preventiva, qualquer tarefa de “redução” da normação, não se 
 justifica o aprofundamento da indagação quanto a saber se algumas entidades 
 
 (designadamente as ligadas às autarquias locais da Região) ainda se poderiam 
 considerar englobadas no “âmbito de jurisdição natural” dos órgãos regionais.
 
  
 
                       11. A segunda questão suscitada pelo requerente – versar o 
 diploma sobre matéria não enunciada no respectivo estatuto 
 político‑administrativo (supra, 3.1.2.) –, pressupõe a prévia dilucidação do 
 sentido do artigo 46.º da Lei Constitucional n.º 1/2004, que dispõe: “Até à 
 eventual alteração das disposições dos estatutos político‑administrativos das 
 regiões autónomas, prevista na alínea f) do n.º 6 do artigo 168.º, o âmbito 
 material da competência legislativa das respectivas regiões é o constante do 
 artigo 8.º do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores e 
 do artigo 40.º do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da 
 Madeira”. Concretamente, coloca‑se a questão de saber se nesta ressalva cabe a 
 alínea hh) daquele artigo 8.º, que refere “outras matérias que respeitem 
 exclusivamente à Região ou que nela assumam particular configuração”.
 
                       Embora a referida disposição transitória não exclua, em 
 termos estritamente literais, esta alínea, sustenta o requerente que a 
 consideração da sua manutenção se mostra de todo incongruente com o sentido e 
 espírito da revisão constitucional. Um dos principais objectivos por esta 
 prosseguidos foi o da eliminação de critérios indeterminados, que, segundo 
 certas visões, teria propiciado, designadamente por parte do Tribunal 
 Constitucional, uma interpretação restritiva e limitadora da autonomia 
 legislativa regional. Como se assinalou, este Tribunal sempre entendeu que, 
 para determinada matéria ser considerada de interesse específico regional, não 
 bastava contar do elenco de matérias abstractamente enunciadas nos estatutos 
 regionais, sendo sempre necessária a apreciação, caso a caso, em concreto, de 
 que se tratava de matéria que respeitava exclusivamente à Região ou que nela 
 exigia um especial tratamento por aí assumir particular configuração.
 
                       Segundo esta visão das coisas, entendendo‑se por 
 
 “matérias” os “tipos de actividades concretas, identificadas tendo em conta os 
 fins sociais que com elas se pretende prosseguir: o ordenamento do território, a 
 protecção do património cultural, o ambiente ou o equilíbrio ecológico ou as 
 vias de comunicação” (Maria Lúcia Amaral, A Forma da República, cit., p. 374), 
 constituiriam “matérias” as elencadas nas alíneas a) a gg) do artigo 8.º do 
 Estatuto Político‑Administrativo dos Açores, mas já não a da sua hh), que 
 repete a noção de “interesse específico regional” que a revisão de 2004 teria 
 querido eliminar definitivamente.
 
                       Em sentido oposto, pode sustentar‑se que a anterior 
 interpretação, afastando do alcance da remissão a alínea hh) do artigo 8.º do 
 EPARAA, não tem qualquer correspondência no texto da disposição transitória, e 
 incorre no risco de condicionar a decisão, a adoptar nos procedimentos de 
 revisão das leis estatutárias, quanto à manutenção, ou não, do critério de 
 interesse específico, já não como limitador da competência legislativa regional, 
 mas como elemento atributivo dessa competência.
 
                       No entanto, na economia do presente acórdão, não se mostra 
 necessária uma tomada de posição do Tribunal Constitucional quanto a este 
 específico ponto, pois é seguro, pelas razões apontadas no ponto anterior, que, 
 admitindo‑se que a remissão da norma transitória abrange a alínea hh) do artigo 
 
 8.º do EPARAA, nunca a matéria sobre que recaiu o diploma em apreciação, com a 
 assinalada extensão a entidades estranhas à jurisdição dos órgãos regionais, 
 poderia ser considerada matéria que respeite exclusivamente à Região Autónoma 
 dos Açores ou que nela assuma particular configuração.
 
                       É ao legislador nacional que incumbe apreciar a eventual 
 necessidade de regulação de certos aspectos de cerimónias que ocorram nos 
 territórios das regiões, mas, para tanto, a salvaguarda dos interesses das 
 Regiões opera‑se, não através de edição de normas autónomas, mas através do 
 direito de se pronunciar, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de 
 soberania, sobre as questões da competência destes que lhes digam respeito 
 
 (primeira parte da alínea v) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP), faculdade esta 
 que, como já se referiu, foi efectivamente exercitada no âmbito da aprovação da 
 Lei n.º 43/2006.
 
                       Pode, assim, concluir‑se que, seja qual for o alcance que 
 se atribua à remissão do artigo 46.º da Lei Constitucional n.º 1/2004 para o 
 artigo 8.º do EPARAA, as normas questionadas desrespeitam, também, o segundo 
 requisito da competência legislativa regional: versar sobre matéria enunciada 
 no respectivo estatuto político‑legislativo.
 
  
 
                       12. Quanto ao parâmetro relativo à ressalva das matérias 
 da reserva de competência dos órgãos de soberania, há que atentar que a matéria 
 em causa, tendo uma natureza relacional, não se esgota nem pode ser 
 perspectivada isoladamente a propósito da definição dos estatutos de cada uma 
 das entidades envolvidas.
 
                       O que ocorre é que, englobando nesse tratamento relacional 
 titulares de órgãos de soberania, o órgão legislativo para tal competente não 
 pode deixar de ser o legislador nacional, por ser o único que se situa numa 
 posição de supra‑ordenação relativamente a todas essas entidades.
 
                       Trata‑se, assim, de matéria que, mesmo que se considere 
 não incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, 
 sempre reclamará a intervenção do legislador nacional, justamente por afectar 
 o posicionamento institucional de entidades pertencentes a distintos poderes do 
 Estado e outros corpos públicos, sendo certo que as reservas assinaladas a este 
 entendimento “amplo” da “reserva da República”, que padeceria de um “sincretismo 
 de critérios”, se esbateram face ao desaparecimento do critério reportado ao 
 respeito das leis gerais da República.
 
                       
 
                       13. Apurado que a Assembleia Legislativa da Região 
 Autónoma dos Açores carece de competência legislativa para editar a normação 
 questionada, com a extensão assinalada, não se justifica apreciar se o modo 
 como o fez padece de inconstitucionalidade material.
 
  
 
                       III – Decisão
 
  
 
                       14. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 pronunciar‑se pela inconstitucionalidade, por violação dos artigos 112.º, n.º 
 
 4, e 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, das 
 normas constantes dos artigos 1.º, n.º 1, segunda parte, 7.º, n.ºs 1, 10, 12 a 
 
 18, 21 a 24, 26, 27, 1.ª parte, 28 a 31, 32, 1.ª parte, e 38, este na parte 
 referente à “administração local”, 9.º, n.º 1, 10.º, n.ºs 1 e 2, 15.º a 18.º e 
 
 20.º do Decreto n.º 8/2007, sobre Regime das Precedências Protocolares e do 
 Luto Regional, aprovado na sessão de 7 de Março de 2007 da Assembleia 
 Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
 
  
 Lisboa, 17 de Abril de 2007.
 Mário José de Araújo Torres 
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 José Manuel Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Ana Maria Guerra Martins
 Rui Carlos Pereira (Com voto de vencido)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                       1. Votei vencido a decisão constante do presente Acórdão, 
 por não poder acompanhar a tese, que claramente lhe subjaz, segundo a qual a 
 Constituição da República Portuguesa não autoriza uma assembleia legislativa 
 regional a aprovar um regime de precedências protocolares e de luto de âmbito 
 regional.
 
                       Ao consagrar os poderes das regiões autónomas, o n.º 1 do 
 artigo 227.º da Constituição indica, à cabeça, o poder de “legislar no âmbito 
 regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto político‑administrativo e 
 que não estejam reservadas aos órgãos de soberania”. Este poder constitui um 
 elemento relevante para compreender a natureza e o alcance da autonomia das 
 regiões.
 
                       Seria incompreensível que tal poder não abrangesse o 
 regime de precedências protocolares e de luto. Há matérias com maior dignidade 
 
 (como, por exemplo, o ordenamento do território, a organização da administração, 
 a educação e o sistema fiscal) em relação às quais se não questiona a 
 competência legislativa das regiões autónomas no âmbito regional.
 
                       É certo que o protocolo de Estado não é de somenos 
 importância. Ele projecta a representação pública do Estado e deve retratar com 
 fidelidade a ordem constitucional. Constitui, afinal, um meio simbólico de 
 comunicar aos cidadãos a identidade e a posição relativa dos titulares de 
 
 órgãos de soberania e altos dignitários do Estado.
 
                       Todavia, o protocolo foi regido por normas 
 consuetudinárias (cuja jurisdicidade é, aliás, discutível) até à entrada em 
 vigor da Lei n.º 40/2006, de 25 de Agosto. Antes da codificação do regime de 
 precedências, nem a Assembleia da República, nem a doutrina constitucional, nem 
 os tribunais assinalaram qualquer inconstitucionalidade por omissão.
 
                       Na verdade, não creio que tenha persistido uma situação de 
 inconstitucionalidade por omissão durante os trinta anos decorridos entre a 
 entrada em vigor da Constituição de 1976 e a aprovação da Lei n.º 40/2006. Dada 
 a sua natureza, as precedências protocolares poderiam continuar a ser regidas, 
 ainda hoje, por normas consuetudinárias.
 
                       Se não estão sujeitas a lei escrita, as precedências 
 protocolares não cabem na reserva de competência legislativa de nenhum órgão de 
 soberania. A iniciativa da Assembleia da República, ao aprovar a Lei n.º 
 
 40/2006, deve ser apreciada no plano da oportunidade político‑constitucional e 
 não como exercício de uma competência exclusiva.
 
  
 
                       2. Após a revisão introduzida pela Lei Constitucional n.º 
 
 1/2004, de 24 de Julho, o exercício das competências legislativas regionais 
 passou a depender, por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º, da 
 verificação cumulativa de três requisitos. Assim, a legislação:
 
                       a) Deve possuir âmbito regional;
 
                       b) Deve incidir em matérias enunciadas no respectivo 
 estatuto político‑administrativo;
 
                       c) Não pode abranger matérias reservadas aos órgãos de 
 soberania.
 
                       No seu pedido, o Representante da República para a Região 
 Autónoma dos Açores alega que nenhum dos referidos parâmetros foi respeitado, o 
 que implicaria uma inconstitucionalidade orgânica dos artigos 1.º, n.º 1, 
 segunda parte, 7.º, n.ºs 1, 10, 12 a 18, 21 a 24, 26, 27, 1.ª parte, 28 a 31, 
 
 32, 1.ª parte, e 38, este na parte referente à “administração local”, 9.º, n.º 
 
 1, 10.º, n.ºs 1 e 2, 15.º a 18.º e 20.º do Decreto n.º 8/2007, sobre Regime das 
 Precedências Protocolares e de Luto Regional, aprovado na sessão de 7 de Março 
 de 2007 da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores.
 
                       A inconstitucionalidade alegada pelo autor do pedido é 
 efectivamente orgânica, na medida em que envolve um problema de delimitação de 
 competências. De todo o modo, esta classificação não tem hoje consequências, 
 ressalvada a hipótese do artigo 277.º, n.º 2, da Constituição. O que importa 
 averiguar é, simplesmente, se os requisitos de competência para aprovar 
 legislação regional foram respeitados.
 
                       
 
                       3. Tal como se sustenta no Acórdão, considero que o 
 conceito de âmbito regional tem uma dimensão territorial obrigatória, por estar 
 em causa uma pessoa colectiva territorial, mas não se esgota nesse elemento. É 
 necessário, designadamente, o concurso de um elemento institucional.
 
                       No caso sub judicio, torna‑se fácil compreender o carácter 
 complexo e funcional do conceito de âmbito regional. Uma cerimónia não pode ser 
 classificada como regional só por ocorrer no território de uma região autónoma. 
 
 É possível promover, no território de uma região, uma cerimónia nacional para 
 comemorar, por exemplo, o Dia de Portugal.
 
                       No entanto, o Acórdão conclui que o Decreto n.º 8/2007 
 excede o âmbito regional por abranger entidades públicas que não são órgãos 
 regionais e que representam, em alguns casos, órgãos de soberania. Pode 
 inferir-se, a contrario sensu, que o Decreto em crise já respeitaria o requisito 
 constitucional se apenas dissesse respeito a órgãos regionais.
 
                       Ora, esta restrição inviabiliza a possibilidade de uma 
 assembleia legislativa regional aprovar um regime de precedências protocolares e 
 de luto, seja ele qual for. Com efeito, um tal regime relaciona, 
 inevitavelmente, os órgãos regionais com outras entidades públicas. Mas, ao 
 fazê‑lo, não sai do âmbito regional. O que interessa é saber se o regime versa 
 sobre cerimónias regionais, ou seja, cerimónias promovidas por órgãos regionais, 
 no âmbito do território da respectiva região, ainda que contem com a presença de 
 outras entidades.
 
                       Não significa isto que um regime regional possa ordenar de 
 forma arbitrária quaisquer entidades não regionais, incluindo órgãos de 
 soberania. Se assim fosse, tal regime poderia dar primazia ao Primeiro‑Ministro 
 sobre o Presidente da República e o Presidente da Assembleia da República, 
 subvertendo a ordem de precedências consagrada, de modo implícito, na própria 
 Constituição.
 
                       Contudo, estas considerações remetem‑nos para o plano da 
 inconstitucionalidade material. Tal como se defende na resposta da entidade 
 recorrida (que subscreve o parecer jurídico que anexa), é no plano material que 
 se averigua se a ordem de precedências seguida em relação a titulares de órgãos 
 de soberania por um regime regional é compatível com a Constituição. A simples 
 menção de entidades públicas não regionais não é, em si mesma, inconstitucional. 
 Sê‑lo‑á apenas se subverter a ordem de precedências que resulta da 
 Constituição.
 
                       
 
                       4. O regime do Decreto n.º 8/2007 enquadra‑se no âmbito da 
 alínea hh) do artigo 8.º do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma 
 dos Açores, por versar “outras matérias que respeit(a)m exclusivamente à Região 
 ou que nela assum(e)m particular configuração”.
 
                       A matéria de precedências protocolares e de luto assume 
 uma configuração particular na Região Autónoma dos Açores (como também, 
 obviamente, na Região Autónoma da Madeira). Negar esta realidade equivale, em 
 substância, a negar que haja cerimónias regionais, apesar de haver cerimónias 
 oficiais promovidas pelas assembleias legislativas e pelos governos regionais.
 
                       Pode duvidar‑se, porém, que ainda esteja em vigor a alínea 
 hh) do artigo 8.º do Estatuto. Tendo em conta que a revisão constitucional de 
 
 2004 suprimiu a exigência de interesse específico na matéria regulada pelas 
 regiões, poderia sustentar‑se uma interpretação ab‑rogante valorativa (ou uma 
 redução teleológica) da remissão efectuada pelo artigo 46.º da Lei 
 Constitucional n.º 1/2004.
 
                       Nesta perspectiva, a remissão para o Estatuto 
 Político‑Administrativo abrangeria todas as alíneas do artigo 8.º, exceptuando 
 a hh). Alegadamente, a manutenção em vigor dessa alínea seria contrária ao 
 sentido da revisão constitucional, que suprimiu a referência ao interesse 
 específico regional na matéria regulada pelas regiões (anterior redacção do 
 artigo 227.º, n.º 1, alínea a)).
 
                       Porém, uma tal interpretação é paradoxal. Os trabalhos 
 preparatórios da revisão provam que o legislador pretendeu clarificar e 
 aprofundar a autonomia e não restringi‑la. Por isso, o artigo 46.º da Lei 
 Constitucional n.º 1/2004 remete para os estatutos político‑administrativos 
 pré‑existentes, presumindo inilidivelmente que eles são compatíveis com o novo 
 regime autonómico. Esta conclusão é vincada pela circunstância de a remissão 
 prever uma “eventual” revisão dos estatutos, admitindo como mera hipótese a sua 
 transitoriedade.
 
                       Por outro lado, não há contradição entre a supressão do 
 requisito constitucional do interesse específico e a persistência do interesse 
 específico como caso em que é admissível a edição de leis regionais. Na primeira 
 situação, o requisito constitucional funcionava como modo de restrição da 
 actividade legislativa regional; na segunda, opera em sentido oposto, permitindo 
 que seja emitida legislação regional em situações não contempladas 
 expressamente pelas alíneas anteriores do artigo 8.º do Estatuto.
 
                       As críticas feitas por parte da doutrina à técnica 
 utilizada no artigo 8.º do Estatuto, por misturar casos individualizados com 
 uma cláusula geral (de interesse específico), não têm relevância neste contexto. 
 Independentemente de quaisquer outras considerações, tal argumentação não 
 permite concluir que a norma da alínea hh) foi revogada.
 
  
 
                       5. Não entendo que as normas em análise invadam a reserva 
 de competência dos órgãos de soberania (nomeadamente, da Assembleia da 
 República). Pelo seu carácter relacional, as regras protocolares não podem fazer 
 parte integrante do estatuto de um órgão do Estado. Se assim fosse, poderia 
 cair‑se em contradição na atribuição de precedências, visto que a competência 
 para legislar sobre os vários órgãos é diversificada, pertencendo à Assembleia 
 da República ou ao Governo.
 
                       Por estas razões, sou de opinião que o regime de 
 precedências protocolares e de luto não cabe no âmbito das reservas de 
 competência legislativa. Em matéria de cerimónias regionais, a Assembleia da 
 República pode aprovar leis, mas as Assembleias Legislativas Regionais não estão 
 impedidas de o fazer.
 
                       Após a revisão constitucional de 2004, a repartição de 
 competências entre os órgãos de soberania e as Regiões Autónomas mudou de 
 configuração. Se antes valia uma regra de tendencial alternatividade, assente, 
 sobretudo, no requisito do interesse específico, agora vale uma regra de 
 concurso em todas as matérias de âmbito regional previstas nos estatutos e não 
 reservadas aos órgãos de soberania. No caso de concurso de leis com o mesmo 
 objecto, prevalece a legislação regional, por força do n.º 2 do artigo 228.º da 
 Constituição.
 
  
 
                       6. Não concordando com o juízo de inconstitucionalidade 
 orgânica em que assenta a decisão do presente Acórdão, julgo que a norma do n.º 
 
 1 do artigo 10.º do Decreto n.º 8/2007 padece de inconstitucionalidade material 
 porque quebra, como sustenta o autor do pedido, o princípio constitucional de 
 congruência entre a posição protocolar dos titulares de órgãos previstos na 
 Constituição e a posição que esses órgãos ocupam na estrutura institucional ou 
 no sistema de governo em que se inserem.
 
                       A esta luz, nada justifica a colocação do 
 Primeiro‑Ministro em posição inferior à do Presidente do Governo Regional. Um 
 tal posicionamento protocolar viola o estatuto do Primeiro‑Ministro, consagrado 
 nos artigos 183.º a 187.º e 201.º da Constituição.
 
                       Uma “interpretação conforme à Constituição” que invertesse 
 a ordem protocolar e desse prioridade ao Primeiro‑Ministro em relação ao 
 Presidente do Governo Regional não tem aqui sentido. Em primeiro lugar, a 
 interpretação conforme à Constituição deve obedecer às regras da Ciência do 
 Direito – assim, deve encontrar na letra da lei um mínimo de correspondência 
 verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e pressupor que o legislador soube 
 exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código 
 Civil); em segundo lugar, a interpretação conforme à Constituição é prevista no 
 
 âmbito da fiscalização concreta sucessiva (artigo 80.º, n.º 3, da Lei do 
 Tribunal Constitucional), como instituto de aproveitamento de normas jurídicas 
 em vigor, mas não em sede de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
 
  
 
                       7. Já não acompanho a imputação de inconstitucionalidade 
 material que o autor do pedido formula quanto ao n.º 2 do artigo 10.º do Decreto 
 n.º 8/2007. De facto, existe um fundamento racional, constitucionalmente 
 atendível, que justifica o regime consagrado nesta norma. Trata‑se do princípio 
 protocolar que indica que as cerimónias oficiais são presididas pela entidade 
 que as organiza (artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2006), princípio esse que é 
 recebido pelo artigo 6.º do Decreto n.º 8/2007.
 
                       Esta regra explica que, nos actos realizados na Assembleia 
 da República, presida o respectivo Presidente, mesmo que esteja presente o 
 Presidente da República (artigos 10.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, da Lei nº 40/2006). 
 De acordo com o mesmo critério, nos actos promovidos pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça ou pelo Tribunal Constitucional, são também os respectivos Presidentes a 
 presidir, salvo se estiver presente o Presidente da República.
 
  
 
                       Rui Carlos Pereira