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Processo n.º 861/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 
  
 
           Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
 
             
 I - Relatório   
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público e B., o relator proferiu decisão 
 sumária de não conhecimento do objecto do recurso, nos termos seguintes:
 
 «1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 20.06.2007, que rejeitou o recurso extraordinário para fixação de 
 jurisprudência, interposto pelo recorrente para o pleno das secções criminais.
 O presente recurso (fls. 90/91 dos autos) vem interposto nos seguintes termos: 
 
 «(…) Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas 
 nos artigo 180.°, n.° 1, do Código Penal, e nos artigo 308°, e 437.°, n.°s 1 a 
 
 3, do Código de Processo Penal, na interpretação dada no douto acórdão recorrido 
 com adesão, com transcrição parcial, à decisão que se julgava na oposição de 
 julgados de que inexiste o necessário dolo específico nas atitudes, palavras e 
 juízos de valor do senhor advogado arguido nos autos do aresto recorrido porque 
 a conduta por si desenvolvida tem que se integrar na previsão do art.° 154.°, n° 
 
 3, do Código de Processo Civil, por ali se prever o uso de expressões e 
 imputações indispensáveis à defesa da causa, matéria diversa da plasmada no caso 
 julgado pelo acórdão fundamento, onde foi julgado esse dolo estar 
 consubstanciado. 
 Uma tal interpretação dessas normas legais viola capitalmente os imperativos dos 
 artigos 13°, artigo 20º, n.°s 1, 4 e 5 do artigo 26.°, n.° artigo 202.°, n.° 2, 
 e artigo 203.°, e artigo 204.°, todos da Constituição da República Portuguesa. 
 Esta questão de inconstitucionalidade interpretativa foi suscitada expressa e 
 cautelarmente nas conclusões 9ª a 11ª do recurso submetido ao Supremo Tribunal 
 de Justiça, a quo, no que concerne às duas primeiras normas, sendo que no que 
 respeito diz à terceira delas surge ela de um modo tão inusitado e imprevisto 
 que cabe dele recurso exactamente por isso, como tem sido reconhecido em alguma 
 da jurisprudência deste Tribunal Constitucional. 
 Sendo a interpretação considerada correcta pelo recorrente a constante no 
 sobredito recurso, designadamente a conclusões 1ª a 8ª e 12ª, e que se resume a 
 que o conteúdo dos ditos expressos pelos dois advogados arguidos em cada um dos 
 acórdãos ali em confronto, sendo semelhantes na sua excessiva rudeza e absoluta 
 inutilidade para a boa e eficaz defesa dos interesses que lhes haviam sido 
 confiados no exercício do seu múnus profissional, e divergindo tão só no rigor 
 das expressões utilizadas, que não dos excessos, e dos destinatários, um cidadão 
 comum num caso e magistrado judicial no outro, contêm ambos em si mesmos todos 
 os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de difamação, pelo que 
 têm que se ter por apreciarem de modo distinto a norma substantiva e, no caso 
 recorrido a adjectiva também, não pronunciando sequer o arguido quando as 
 expressões por ele usadas são francamente mais graves e insidiosas que 
 aqueloutras constantes no acórdão fundamento, pelo que carecem de uniformização 
 jurisprudencial, no sentido apontado pelo acórdão fundamento, segundo a mais sã 
 aplicação da justiça, na defesa dos direitos de personalidade do ofendido, 
 cumprindo o dever de formular um juízo de igualdade de cidadania, tutela que 
 incumbe aos tribunais de modo livre, mas sujeito à lei e à constituição, segundo 
 a necessária submissão às convenções internacionais ratificadas pelo Estado 
 Português.»
 
             2. No presente recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC, o pedido de apreciação de inconstitucionalidade recai sobre o artigo 
 
 180.º, n.º 1, do Código Penal e sobre os artigos 308.º e 437.º, n.ºs 1 e 3, do 
 Código de Processo Penal.
 No que diz respeito a esta última disposição, resulta evidente que o recorrente 
 não suscita qualquer questão de constitucionalidade normativa, já que em momento 
 algum imputa qualquer vício de inconstitucionalidade ao fundamento normativo de 
 interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência. Antes 
 pretende submeter à apreciação do Tribunal a decisão recorrida em si mesma 
 considerada, questionando a aplicação da norma que foi feita no caso concreto.
 Resulta claramente da leitura da fundamentação do acórdão recorrido que neste se 
 apreciou, perante as especificidades do caso concreto, a (in)verificação dos 
 requisitos do recurso para fixação de jurisprudência, previsto no artigo 437.º 
 do Código de Processo Penal, não se tendo enunciado qualquer critério geral e 
 abstracto, indiferente aos circunstancialismos da realidade em análise.
 Ora, como este Tribunal tem reiteradamente salientado, não é o acto judicativo 
 de concreta aplicação do direito, enquanto tal, que pode ser fiscalizado no 
 recurso de constitucionalidade. A apreciação de conformidade constitucional 
 incide sempre sobre um determinado critério normativo aplicado na decisão 
 recorrida.
 Não tendo sido suscitada qualquer questão de (in)constitucionalidade reportada a 
 uma norma ou dimensão normativa, não se encontram, reunidos, quanto ao artigo 
 
 437.º, n.ºs 1 a 3, por essa razão, os pressupostos necessários ao conhecimento 
 do recurso.
 Quanto ao artigo 180.º, n.º1, do Código Penal, estaria alegadamente em causa uma 
 interpretação normativa deste preceito segundo a qual a existência de um dolo 
 específico constituiria pressuposto da imputação do crime contra a honra, 
 interpretação que teria levado à prolação de um despacho de não pronúncia, ao 
 abrigo do disposto no artigo 308.º do Código de Processo Penal.
 Estando em apreciação a inconstitucionalidade de uma norma na interpretação que 
 a decisão recorrida lhe deu, importa que essa interpretação tenha tido 
 influência determinante do sentido da decisão de fundo, exigindo-se que ela 
 tenha constituído uma verdadeira ratio decidendi do julgamento que à causa foi 
 dado.
 Ora, este pressuposto processual não está aqui preenchido. Na verdade, quer o 
 despacho de não pronúncia, quer a decisão do Tribunal da Relação no recurso 
 contra ele apresentado, fundamentaram-se basicamente na falta de significado e 
 valor ofensivos da honra do recorrente das afirmações produzidas pelo arguido, 
 no contexto em que o foram. Apreciação que, pelo que fica dito, escapa à esfera 
 de cognição deste Tribunal.
 Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de rejeição do recurso 
 para fixação de jurisprudência:
 
 «Como bem aponta a Exª Mª Srª Procuradora Geral Adjunta o presente recurso 
 arranca de um fundamento inexistente, ou seja o de que a decisão proferida, e 
 objecto de recurso, teria excluído a responsabilidade penal do arguido com 
 fundamento na exclusão de culpa e fazendo apelo à necessidade de um dolo 
 específico. Porém, tal não corresponde à realidade pois que a decisão recorrida 
 não equaciona a existência de uma causa de exclusão mas tão-somente considera as 
 expressões produzidas como irrelevantes penalmente (Como se refere expressamente 
 o valor ofensivo da honra e consideração é nulo no contexto em que foram 
 produzidas as frases em causa) ou seja está em causa uma questão de tipicidade e 
 não de culpa».
 Não tendo a interpretação normativa que o recorrente alega ferida de 
 inconstitucionalidade servido efectivamente de fundamento à decisão recorrida, 
 também não está preenchido, quanto aos artigos 180.º, n.º 1, do Código Penal, e 
 
 437.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal, um pressuposto processual de 
 conhecimento do recurso.
 
 3. Pelo exposto, e nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não 
 conhecer do objecto do presente recurso. […]»
 
  
 
 2. Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
 
 «[…] Foi determinado em decisão sumária não tomar conhecimento do mérito do 
 presente recurso com os sucintos fundamentos de que em momento algum do 
 requerimento de interposição do recurso extraordinário para fixação de 
 jurisprudência se imputa qualquer vício de inconstitucionalidade à norma do 
 art.° 437.° do Código de Processo Penal e no que tange à regra do art° 180.º, 
 n.° 1 do Código Penal não foi ela determinante para a solução jurídica aplicada 
 na decisão objecto desse recurso extraordinário, ficando assim vedado a este 
 Tribunal Constitucional conhecer o objecto do presente recurso, sem que nada se 
 diga no que diz respeito à norma do art.° 308.º do Código de Processo Penal, 
 também arguida de inconstitucionalidade interpretativa. 
 Com o devido e merecido respeito, que muito é, o recorrente tem que manifestar 
 aqui o seu inconformismo com esta apreciação liminar da matéria trazida a juízo 
 tendo até em vista a errada interpretação dos termos recursivos em que se 
 fundamenta. 
 
 É facto que o ora reclamante não imputou qualquer inconstitucionalidade 
 interpretativa prévia em sede da interposição do sobredito recurso para fixação 
 de jurisprudência quanto à sua norma de base, o art.° 437.º, n.°s 1 a 3, do 
 Código de Processo Penal. 
 Porém, invocou expressamente no requerimento que deu azo ao presente recurso 
 constitucional o inusitado e imprevisto do entendimento desta básica norma desse 
 instituto jurisprudencial, tal a clareza que se lhe perfila na oposição de 
 julgados que arguiu. 
 O ónus de prognose da inconstitucionalidade de um entendimento normativo, sendo 
 imperativo em sede de recurso para este Tribunal, falece ante a especial 
 carência de possibilidade de interpretação fora do comum, caduca perante o que o 
 bom senso e o senso comum apontam com grande grau de probabilidade de não ser 
 controverso, desaparece mesmo com a análise, mesmo que sumária, da 
 jurisprudência sobre a matéria potencialmente objecto dessa eventualidade de 
 diversidade de teses. 
 In casu, a oposição de julgados era tão flagrante, a contraditoriedade das 
 soluções encontradas para casos judiciais coincidentes no modo de prática e tipo 
 de ilícito era tão notória para o cidadão comum, o bonus paterfamilias, que 
 jamais o reclamante lograria admitir a vaga possibilidade de ser encontrada 
 qualquer fuga a essa leitura factual básica. 
 Este inusitado, imprevisível e anómalo entendimento do Tribunal a quo, impõe 
 pois solução excepcional, segundo jurisprudência consolidada deste Subido 
 Tribunal, mormente os Acórdãos n.°s 61/92, 188/93, 181/96, 569/95 e 596/96,  
 entre outros, carecendo de apreciação em conferência. 
 Por outro lado, e no que concerne à regra do n.° 1, do art.° 180.°, do Código 
 Penal, não logra o recorrente alcançar a ausência de relevo capital na aplicação 
 dessa norma no aresto que se sindicava no Tribunal a quo, pois que ela impondo a 
 penalização de determinado tipo de comportamento lesivo da honra e consideração 
 do abstracto cidadão, enquadra e consubstancia, na sua própria natureza 
 jurídica, o significado e valor ofensivos desses intangíveis direitos de 
 personalidade. 
 
 É emanente dessa norma legal, como o é da factualidade de ambos os casos em 
 confronto ante o Tribunal a quo, a tutela desses direitos e em conflito estavam 
 duas soluções jurídicas para um mesmo tipo de realidade, esta era, e é, a 
 realidade única dos factos que consubstanciam ambos os casos contraditoriamente 
 resolvidos. 
 Daí que num caso tenha sido julgado e condenado o arguido, no outro - em tudo 
 idêntico excepto na qualidade funcional do ofendido - nem sequer se tenha 
 submetido o arguido a julgamento, daí também a errada interpretação da norma do 
 art.° 308.° da lei adjectiva penal, que esta nem sequer foi apreciada na 
 doutíssima decisão sumária ora censurada. 
 Clarividente fica que, ao contrário do expandido neste Subido Tribunal, não pode 
 deixar de ter influência no julgamento do caso apresentado à fixação de 
 jurisprudência em contraposição ao acórdão fundamento, a interpretação normativa 
 ali tirada sobre a “(...)falta de signficado e valor ofensivos da honra do 
 recorrente das afirmações produzidas pelo arguido(...)”, que não podia deixar de 
 ser, e foi, o entendimento da norma que ali prevaleceu impondo a despenalização 
 dos actos ilícitos praticados por aquele arguido advogado contra este ofendido, 
 em oposição com aqueloutro arguido advogado ofendendo um senhor magistrado, e 
 ambos os casos na mesma comarca. 
 Destarte, na modesta óptica do reclamante, nada obsta à apreciação do mérito do 
 presente recurso, sob pena de, em concretização de summum jus, suma injuria, se 
 estar violando direitos fundamentais de igualdade de cidadania no acesso 
 equitativo ao direito e aos tribunais, de recurso, e de defesa dos direitos de 
 personalidade, reconhecidos ao cidadão, segundo os tratados e convenções 
 internacionais ratificados pelo Estado Português, mormente os art.°s 6.°, n.° 1, 
 
 13.° e 14.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das 
 Liberdades Fundamentais que saem, também eles, violados, para além da implícita 
 nulidade por absoluta omissão de pronúncia quanto à inconstitucionalidade 
 interpretativa da norma do art.° 308.° do Código de Processo Penal. »
 
  
 
 3. O Ministério Público apresentou resposta no sentido da manifesta 
 improcedência da reclamação, considerando ser evidente a «inverificação dos 
 pressupostos do recurso interposto».
 O recorrido B. também apresentou resposta no sentido da improcedência da 
 reclamação.
 
  
 
  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II – Fundamentação
 
  
 
 4. Na presente reclamação, para além de demonstrar discordância com o sentido da 
 decisão reclamada, o recorrente suscita duas questões: por um lado, que a 
 decisão reclamada não se teria pronunciado sobre a norma do artigo 308.º do 
 Código de Processo Penal, também arguida de inconstitucionalidade pelo 
 recorrente; e, por outro, que a decisão reclamada não terá tido em consideração 
 que a interpretação do artigo 437.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal, 
 sufragada na decisão recorrida se apresentou como “inusitada, imprevisível e 
 anómala', pelo que não era exigível ao recorrente a prévia invocação da 
 inconstitucionalidade daquela interpretação normativa.
 Adiante-se, desde já, que não assiste razão ao reclamante.
 Em primeiro lugar, o objecto do recurso, tal como o mesmo foi delineado pelo 
 recorrente no requerimento de interposição, não autonomizava questões de 
 constitucionalidade relativamente aos três preceitos questionados (artigo 180.º, 
 n.º 1, do Código Penal, e artigos 308.º e 437.º, n.ºs 1 a 3, do Código de 
 Processo Penal), mas antes questionava, ainda que com deficiente clareza e 
 precisão, a inconstitucionalidade de uma alegada interpretação normativa, 
 extraída daquele conjunto de normas. Tal bastava para tornar desnecessária a 
 individualização da falta de pressupostos do recurso quanto à norma do artigo 
 
 308.º do Código de Processo Penal.
 Ainda assim, o certo é que a decisão reclamada se pronunciou expressamente sobre 
 a impossibilidade de apreciar a questão reportada ao referido preceito legal, 
 por a mesma não se inserir na competência deste Tribunal Constitucional. A esse 
 respeito lê-se na decisão reclamada: «Na verdade, quer o despacho de não 
 pronúncia, quer a decisão do Tribunal da Relação no recurso contra ele 
 apresentado, fundamentaram-se basicamente na falta de significado e valor 
 ofensivos da honra do recorrente das afirmações produzidas pelo arguido, no 
 contexto em que o foram. Apreciação que, pelo que fica dito, escapa à esfera de 
 cognição deste Tribunal.»
 Em segundo lugar, mostra-se irrelevante saber se o reclamante suscitou 
 atempadamente uma questão de inconstitucionalidade referente ao artigo 437.º, 
 n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal, uma vez que, como resulta patente da 
 decisão reclamada, os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso, nesta 
 parte, não se encontram reunidos, desde logo, porque o recorrente não suscitou − 
 nem a decisão recorrida aplicou − qualquer critério normativo, ou seja, qualquer 
 critério geral e abstracto, indiferente aos circunstancialismos da realidade em 
 análise, susceptível de ser objecto de recurso de constitucionalidade.
 
 É, assim, de manter na íntegra a decisão de não conhecimento do recurso, pelos 
 fundamentos constantes na decisão reclamada, que aqui se reafirmam.
 
  
 III. Decisão
 
  
 Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 11 de Dezembro de 2007
 Joaquim Sousa Ribeiro
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos