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Processo n.º 373/08
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é 
 recorrente A., Lda e recorrida B., a Relatora proferiu a seguinte decisão 
 sumária:
 
  
 
 «I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., Lda e recorrida B., foi 
 interposto recurso de acórdão proferido pela 3ª Secção do Tribunal da Relação de 
 Coimbra, em 11 de Março de 2008 (fls. 263 a 267), para que seja apreciada a 
 inconstitucionalidade da “interpretação dada ao art. 678º, n.º 1 do C.P.C., pelo 
 Tribunal da Relação, no sentido de «não se verificar a inconstitucionalidade 
 alegada, já que a norma ínsita no art. 678º, n.º 1 do CPC não infringe quaisquer 
 disposições ou princípios constitucionais, nomeadamente, as disposições e os 
 princípios indicados pela reclamante” (fls. 281).
 
  
 
                         Cumpre, então, apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 2. Sempre que o Tribunal Constitucional seja confrontado com questão que se 
 revista de manifesta simplicidade, o Relator pode proferir decisão sumária, nos 
 termos do artigo 78º-A da LTC.
 
  
 Ora, conforme bem demonstrado pela decisão recorrida, o Tribunal Constitucional 
 dispõe de jurisprudência unânime e consolidada no sentido da não 
 inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 678º do CPC, por não 
 decorrer da Constituição que haja um direito de acesso a um duplo grau de 
 jurisdição, através de recurso, em sede de processo civil. Para além da 
 jurisprudência mencionada na decisão recorrida (cfr. Acórdãos n.º 163/90, n.º 
 
 330/91, n.º 210/92, n.º 340/94, n.º 95/95, n.º 116/95 e n.º 239/97), 
 justifica-se referir que a jurisprudência mais recente deste Tribunal tem 
 mantido esse mesmo entendimento, sem oscilações (assim, ver, entre muitos 
 outros, os Acórdão n.º 257/07, n.º 360/05, n.º 330/05, n.º 320/05, n.º 315/05, 
 n.º 273/05, n.º 232/05, n.º 215/05 e n.º 162/05, todos disponíveis in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Como tal, reitera-se a referida jurisprudência, no sentido da não 
 inconstitucionalidade da limitação ao direito de recurso, em sede de processo 
 civil, decorrente da norma extraída do n.º 1 do artigo 678º do CPC, 
 remetendo-se, para o efeito, para a mais densa fundamentação constante do 
 Acórdão n.º 431/2002, disponível in www.tribunalconstitucional.pt:
 
  
 
 “«De facto, é jurisprudência firme deste Tribunal que a Constituição, maxime, o 
 direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta 
 sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa 
 dos seus direitos, destacando-se os Pareceres da Comissão Constitucional nºs. 
 
 8/78 (5º vol.) e 9/82 (19º vol.) e o Acórdão nº. 65/88, de 23 de Março, in 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., págs. 653 a 670.
 Mais recentemente, ilustram esse entendimento, entre muitos outros, o Acórdão 
 nº. 149/99, de 9 de Março, de que se transcreve:
 
 “De resto e já em termos gerais, na interpretação do disposto no artigo 20º, nº 
 
 1 da C.R.P., o Tribunal Constitucional vem reiteradamente entendendo que a 
 Constituição não consagra um direito geral de recurso das decisões judiciais, 
 afora aquelas de natureza criminal condenatória e, aqui, por força do artigo 
 
 32º, nº 1 da Lei Fundamental (cfr., por todos, Acórdão nº 673/95 in DR, II 
 Série, de 20/3/96); e no mesmo sentido aponta a maioria da doutrina (cfr. 
 Ribeiro Mendes “Direito Processual Civil” AAFDL, vol. III pp. 124 e 125 e Vieira 
 de Andrade “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976” pp. 332 
 e 333).”
 Também no Acórdão nº. 239/97, de 12 de Março, se disse:
 
             “A existência de limitações de recorribilidade, designadamente 
 através do estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um 
 determinado tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de 
 racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não 
 seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada 
 de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de 
 recurso.
 
  
 
             Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do 
 funcionamento da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo 
 Tribunal, e consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são 
 subtraídas – ou dito de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação 
 especial de recurso contida no artigo 764º.
 
                         
 
             Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de 
 
 ‘filtragem’ de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e 
 outras não), estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as 
 acções contidas no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, 
 tratadas da mesma forma.
 
  
 Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de 
 tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo, 
 designadamente a chamada ‘discriminação intolerável’, não é afectada pelo 
 específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado 
 pelo recorrente.”
 Por seu turno, no Acórdão nº. 72/99, de 3 de Fevereiro de 1999, que acompanha 
 este último acabado de transcrever, destacam-se outros acórdãos demonstrativos 
 desta jurisprudência:
 
  
 
 “A limitação do recurso em função das alçadas não ofende também o princípio 
 constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da 
 Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido se tem pronunciado a 
 jurisprudência constante do Tribunal Constitucional. Assim, vejam-se, como mais 
 significativos, os acórdãos nºs 163/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 16º vol., p. 301 ss); 210/92 (publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 22º vol., p. 543 ss); 340/94 e 403/94 (não publicados); 95/95 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, nº 93, de 20.4.1995); 377/96 
 
 (publicado no Diário da República, II Série, nº 160, de 12.7.1996)”.»”
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Nestes termos, pelos fundamentos expostos, decide-se não julgar inconstitucional 
 a norma extraída do n.º 1 do artigo 678º do CPC quando interpretada no sentido 
 de que quando “o valor da acção de insolvência é inferior à alçada dos tribunais 
 de 1ª instância (…), não é admissível recurso ordinário da sentença” (fls. 282).
 
  
 Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos 
 termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.»
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão, vem a recorrente reclamar, para a conferência, 
 contra a não admissão do recurso, através de extenso requerimento cujas 
 passagens mais relevantes ora se transcrevem:
 
  
 
 «(…) 
 
 5 - Salvo devido respeito por opinião contrária, o artigo 678. °, n.º 1 CPC, é 
 materialmente inconstitucional à luz do disposto no artigo 13.°, n.º 2 da 
 C.R.P., que consagra o princípio da igualdade e não discriminação por razões 
 económicas, dado que configura um tratamento discriminatório dos cidadãos. 
 
 6 - Por outro lado, o referido preceito é materialmente inconstitucional, por 
 violação dos princípios da justiça e do Estado de direito, do princípio 
 democrático, do princípio da dignidade humana, e do princípio da tutela efectiva 
 e equitativa, bem como do direito ao recurso. 
 
 7 - A inadmissibilidade do recurso interposto pela ora reclamante, com base no 
 valor da acção, nos termos do artigo 678°, n.º 1 do C.P.C. é, desde logo, 
 materialmente inconstitucional, por violação do direito fundamental de acesso ao 
 direito e tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente na sua vertente de direito 
 a um processo equitativo e não discriminatório — art. 20º, n°4 e 13° da C.R.P., 
 em função de critérios económicos, entre outros princípios constitucionais. 
 
 (…)
 
 11 - Da hierarquia da organização judiciária dos tribunais judiciais em três 
 graus (artigo 209. °, n.º 1, alínea a), da C.R.P.), deve concluir-se que as 
 normas que restringem o direito ao recurso, conformam uma restrição ou limitação 
 de um direito fundamental, de forma desproporcionada e incompatível pela opção 
 pelo Estado de Direito Democrático, consubstanciador do princípio último da 
 protecção mais elevada dos direitos fundamentais (artigo 1º, 2. ° e 18. ° da 
 C.R.P.). 
 
 12 - Na verdade, a Constituição da República Portuguesa de 1976, assumiu a 
 vertente recursória como um direito fundamental, pelo que, quer a imposição de 
 alçada, quer a adopção do critério de sucumbência, provocam uma verdadeira 
 discriminação. 
 
 (…)
 
 28 - Apesar de não haver qualquer imposição constitucional absoluta do duplo 
 grau de jurisdição, o legislador ordinário tem a liberdade de alterar 
 pontualmente as regras sobre recorribilidade das decisões e a existência dos 
 recursos. 
 
 (…)
 
 31 - É óbvio que, achando-se constitucionalmente garantido o direito de acesso 
 aos tribunais e prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso - 
 artigos 211.°, n.º 1, alínea a), e 212.°, n.º 1,3,4 e 5-daí há-de decorrer— como 
 se acentuou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 178/88 (Diário da 
 República, II Série, de 30 de Novembro de 1988) — “que o legislador não é 
 inteiramente livre da definição de quais sejam as decisões recorríveis (...)“. 
 
 32 - Embora disponha de “uma larga margem de liberdade no tocante à definição 
 das decisões susceptíveis de ser impugnadas por via de recurso (...) “, não pode 
 ele — conforme Acórdão n.º 31/87 (Diário da República, II Série, de 1 de Abril 
 de 1987) — “eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e 
 qualquer caso “, nem “inviabilizar na prática” essa faculdade. 
 
 33 - Para alimentar a tese da inconstitucionalidade do preceito invocado, 
 podemos socorrer-nos da argumentação expandida pelo Juiz Conselheiro J. O. 
 Cardona Ferreira, a propósito do art. 678° do C.P.C.: “Estes condicionalismos 
 
 (...) deixam como irrecorríveis largo número de decisões. Embora compreendendo o 
 regime, ele é, no mínimo, controverso, porque o princípio da igualdade é, a 
 nosso ver, algo desvirtuado quando fica dependente, exclusivamente, de factor 
 quantitativo. 
 
 (…) 
 
 41 - A previsão constitucional [artigos 211. °, n.º 1, alínea a), e 212. °, n.º 
 
 1] de uma ordem de tribunais ou hierarquia dos tribunais judiciais, impõe a 
 existência de pelo menos um recurso dentro dessa hierarquia. 
 
 42 - Se o triplo grau de jurisdição só existe nos casos que a Lei determinar 
 
 (artigo 212. °, n.º 5, da Constituição), então é certo que o duplo grau de 
 jurisdição existe sempre e não somente nos casos que a Lei determinar (artigo 
 
 212. °, n.º 4).» (fls. 300 a 321)
 
  
 
 3. Notificada da reclamação, a recorrida deixou esgotar o prazo de pronúncia sem 
 que viesse aos autos apresentar qualquer requerimento.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir. 
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 4. Da argumentação expendida pela reclamante não resulta qualquer novo argumento 
 que seja apto a abalar o sentido da jurisprudência consolidada neste Tribunal, 
 na qual se alicerçou a decisão reclamada. Ao longo da sua prática 
 jurisprudencial, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de proceder à 
 ponderação dos diversos direitos e interesses em contraponto, entre os quais 
 aqueles agora aduzidos pela reclamante, tendo concluído – sem oscilações – no 
 sentido propugnado pela decisão reclamada.
 
  
 Deste modo, cabe a esta conferência reiterar o sentido da jurisprudência 
 consolidada neste Tribunal – melhor elencada na decisão reclamada –, 
 acompanhando o juízo no sentido da não inconstitucionalidade a norma extraída do 
 n.º 1 do artigo 678º do CPC quando interpretada no sentido de que quando “o 
 valor da acção de insolvência é inferior à alçada dos tribunais de 1ª instância 
 
 (…), não é admissível recurso ordinário da sentença”.
 
  
 Deste modo, não subsistem fundamentos para alteração da decisão reclamada.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 
 n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação. 
 
  
 Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 1 de Julho de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes
 Gil Galvão