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Processo n.º 128/07
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
 
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1.            Inconformado com a decisão sumária proferida a fls. 4570 e 
 seguintes pela qual se decidiu não conhecer do recurso interposto nos termos da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, reclama o 
 recorrente A., ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A daquela Lei, alegando:
 
  
 
  
 
 [...] 
 I - Introdução 
 Por decisão sumária de 23 de Fevereiro de 2007, tomada ao abrigo do artigo 78-A 
 da LTC, foi decidido o não conhecimento do objecto do recurso deduzido pelo aqui 
 recorrente. 
 Tal decisão sumária vem fundamentada na não verificação dos pressupostos de 
 admissibilidade do recurso previsto na aI. b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 
 A citada decisão sumaria é ilegal, porque proferida fora dos casos e 
 circunstâncias consagradas na Lei de Organização, Funcionamento e Processo do 
 Tribunal Constitucional. 
 Como se demonstra, 
 
  
 II  Ilegalidade da decisão sumária 
 Nos termos da Lei pode ser proferida decisão sumária de não conhecimento do 
 recurso da competência do Juiz Relator. 
 
  
 Porém, 
 
  
 Tal decisão só pode ocorrer quando o recorrente (i) depois de notificado para 
 suprir as insuficiências, (ii) não indique integralmente os elementos exigidos 
 pelos números 1 a 4 do art. 75-A da LTC. (cf. art. 78-A/2 da LTC). 
 
  
 Ou seja, 
 
  
 Quando o recorrente, (i) não enuncie no seu requerimento de interposição de 
 recurso a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é 
 interposto, (ii) não alegue a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade 
 pretende que o Tribunal aprecie, (iii) não alegue a norma ou princípio 
 constitucional ou legal que considera violado, (iv) não indique a peça 
 processual em que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade ou ilegalidade. 
 
  
 O recorrente observou, no seu requerimento de interposição de recursos, todos os 
 elementos requisitados por lei, pelo que se mostra excluída a admissibilidade da 
 decisão sumária de não conhecimento. 
 
  
 E ainda que não o tivesse feito, sempre seria vedada a prolação de decisão 
 sumária sem que fosse concedido prazo para sanação das insuficiências do mesmo 
 quanto aos elementos previstos no art.º 75-A/1/2/3/4 da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional. 
 
  
 O Tribunal não fundamenta a decisão sumária com a simplicidade da matéria, e ou 
 com a manifesta falta de fundamento da pretensão deduzida. 
 
  
 De facto, 
 
  
 Vem referido, a folhas 3 da decisão sumária, que “o recurso foi admitido por 
 despacho que, como é sabido, não vincula este Tribunal (n.º 3 do artigo 76.º da 
 LTC)”. 
 Porém, tal normativo diz respeito à susceptibilidade do requerimento de 
 interposição do recurso ser admitido pelo tribunal recorrido sem satisfazer os 
 requisitos exigidos pelo art.º 75-A, o que, nesse caso, não vincula o Tribunal 
 Constitucional (art. 687 do CPC e 76/3, da LTC e Acs. 21/92, 603/92, 466/99, 
 
 167/00 e 310/00). 
 Não acontecendo in casu, a deficiência do requerimento de interposição de 
 recurso, também aqui, não podia, com este fundamento normativo, o Tribunal 
 Constitucional proferir decisão sumária de não conhecimento do recurso. 
 
  
 Termos em que se conclui ter sido a decisão sumária notificada proferida fora 
 dos casos e circunstâncias previstas na lei. 
 O que deve ser conhecido e declarado em conferência, ordenando-se o 
 prosseguimento do processo para conhecimento do recurso. 
 
  
 Sem prescindir, 
 Também nos segmentos relativos às concretas questões colocadas para apreciação 
 do recurso se afigura que a decisão proferida não fez o correcto enquadramento e 
 tratamento das questões efectivamente colocadas. Limitando-se a aceitar como boa 
 a fundamentação do acórdão recorrido que não apreciou nem sindicou. 
 
  
 Assim, 
 III  Inconstitucionalidade da interpretação do art. 374/4 do CPP 
 O Tribunal Constitucional não conhece da inconstitucionalidade da dimensão 
 normativa do artigo 374/22 do CPP na medida em que é entendimento do Tribunal 
 que “não tendo sido a norma em causa aplicada como razão de decidir no acórdão 
 recorrido, com o sentido considerado inconstitucional, não pode o Tribunal dela 
 conhecer pois ainda que se viesse a concluir pela sua inconstitucionalidade, 
 esse julgamento não teria qualquer repercussão na decisão recorrida.” 
 
  
 Salvo melhor juízo, não acompanhamos tal entendimento que, parece, desfocalizou 
 a análise da questão suscitada e decidida. 
 
  
 Questão que comporta um sentido e extensão que se não compadece com a natureza 
 sintética do requerimento de interposição do recurso, e que não terá sido, por 
 isso, devidamente apreendida pela decisão sumária proferida. 
 
  
 Desde logo porque o entendimento do conceito de “efectiva aplicação da norma” 
 como “razão de decidir do acórdão”, na formulação da decisão sumária, retiraria 
 do elenco de normas constitucionalmente sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional, em sede de fiscalização concreta, normas processuais cujo 
 conteúdo exprima meras regras de fundamentação dos actos processuais. Como é o 
 caso deste artigo 374/2 do CPP, no que, pelo menos, diz respeito ao segmento do 
 
 “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” 
 
  
 A não observância de tais regras nunca constituiriam “a razão de decidir” de 
 acórdãos, sentenças ou quaisquer despachos, pois que as mesmas não contendem com 
 a parte substancial decisória de qualquer daqueles actos. 
 
  
 Mas sim exprimem o direito do cidadão à segurança das decisões judiciais, 
 tomadas de forma fundamentada e sustentada, lógicas, racionais e cognoscíveis 
 pelo cidadão médio.
 
  
 O que significaria que a norma prevista no art. 374/2 do CPP in fine seria 
 insindicável pelo Tribunal Constitucional pois nunca pode configurar como “razão 
 da decisão”. 
 
  
 Ora, 
 
  
 
 É sabido que não é configurável juridicamente a existência de normas cuja 
 inconstitucionalidade seja insindicável. 
 
  
 Acresce que este Tribunal, em anteriores arestos [Acórdãos n.º 232/00, n.º 
 
 288/99, n.º 573/98, n.º 172/94], se pronunciou sobre os requisitos de 
 fundamentação das sentenças judiciais e, nomeadamente, do próprio art. 374/2 do 
 CPP. 
 
  
 O que mostra que a decisão sumária analisa a questão em termos [indevidamente] 
 simplificados. 
 
  
 Não pode vir ainda afirmar-se a despicienda importância que a análise da 
 inconstitucionalidade da dimensão normativa do artigo 374/2 do CPP in fine 
 acarreta, porquanto, 
 
  
 
 …a correcta e integral fundamentação das decisões judiciais, de acordo com as 
 regras processuais em vigor, constitui direito fundamental dos cidadãos. 
 
  
 E a correcta e integral fundamentação da decisão de facto é parte integrante, se 
 não o mais importante segmento, das decisões judiciais, por contender com a sua 
 inteligibilidade intrínseca. 
 
  
 A tal ponto que a lei comina com a nulidade da sentença que não observe, 
 integralmente o preceito do artigo 374/2 do CPP. 
 
  
 
 É a correcta e integral fundamentação da matéria de facto posta que vai dissipar 
 dúvidas sobre o processo lógico, racional e cognitivo que presidiu à aplicação 
 da norma substantiva ao caso concreto. Donde a justificação da exigência do 
 exame crítico das provas produzidas. 
 
  
 Importância ainda mais impressiva no âmbito penal que de mais perto contende com 
 os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e valores sociais. 
 
  
 O recorrente tem direito a que, cumpridos os requisitos de forma previstos no 
 artigo 75‑A da LTC, seja emitida uma decisão de mérito pelo Tribunal 
 Constitucional quanto 
 
 à questão colocada pelo seu recurso. 
 
  
 Decisão de mérito que pede e espera quanto à dimensão normativa do segmento do 
 art. 374/2 do CPP que alude ao “exame critico das provas que serviram para 
 formar a convicção do tribunal.” 
 
  
 Por se entender que as instâncias judiciais aplicaram tal segmento normativo com 
 um sentido de inexigibilidade de exame crítico violador dos direitos e garantias 
 de defesa em processo criminal. 
 
  
 Resulta da decisão sumária proferida que o Exmo Relator aceitou— 
 inquestionadamente — o juízo de conformidade legal e constitucional efectuado 
 pelo Tribunal da Relação do Porto. 
 
  
 Ora, o que se pede e espera, num recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, é que o Tribunal Constitucional aprecie ele próprio a 
 conformidade constitucional da norma, com o sentido com que foi aplicada. 
 
  
 O que, no caso, não foi efectuado pela decisão sumária, sem que se venham 
 indicadas razões [ou decisões anteriores] que justifiquem a desnecessidade da 
 apreciação. 
 
  
 Como melhor se explica. 
 
  
 A questão que se coloca é exactamente a da razão de ser da decisão proferida em 
 
 1ª e 2ª instâncias. 
 
  
 Na interpretação e aplicação do art. 374/2 do CPP bastaram-se ambas as 
 instâncias da jurisdição ordinária com uma enunciação puramente descritiva dos 
 fundamentos de facto da decisão, sem que — uma e outra instância — explicitassem 
 qualquer exame crítico da provas produzidas e valoradas para julgamento. 
 
  
 Vale isto por dizer que as instâncias conferiram à norma do art. 374/2, no 
 segmento relativo ao “exame crítico” da prova, uma mera dimensão narrativa e não 
 a dimensão analítica que se crê requisitada pela única interpretação 
 constitucionalmente conforme do dever de fundamentação das decisões judiciais, 
 
 ínsito na formulação “exame crítico das provas que serviram para formar a 
 convicção do tribunal”. 
 
  
 Matéria que deve ser sindicada pelo Tribunal Constitucional no âmbito do recurso 
 interposto. 
 
  
 IV  Intempestividade da arguição de inconstitucionalidade dos pontos ii), iii) 
 e iv) 
 Diz-se na Decisão Sumária, de que se reclama, que “a aclaração da decisão final 
 não constitui o momento adequado para se considerar cumprido o ónus de suscitar 
 uma questão de constitucionalidade durante o processo, uma vez que o poder 
 jurisdicional do tribunal recorrido se encontra já esgotado, o que não lhe 
 permite conhecer questões novas.” 
 
  
 Assim declarado, omite-se que a decisão proferida sobre o pedido de aclaração 
 faz parte integrante da própria decisão. 
 
  
 
 É evidente que o pedido de aclaração não serve para colocar questões não 
 suscitadas anteriormente no processo e que devessem ter sido [evadas a alegações 
 de recurso. 
 
  
 Porém, só nos pedidos de esclarecimento e de aclaração podem ser suscitadas as 
 questões que emanem da própria decisão proferida, em última instância ordinária 
 de recurso, em termos de confrontarem o recorrente com a interpretação e ou 
 aplicação de normas na decisão do próprio recurso, não anteriormente aplicadas 
 no decurso do processo. E com que razoavelmente não pudessem ou devessem contar. 
 
 
 
  
 Por isso, sendo embora a adequada, em tese, a consideração da Decisão Sumária de 
 afirmar que “Só nos casos excepcionais e anómalos, em que o recorrente não 
 dispôs processualmente de5sa possibilidade, é que será admissível a arguição em 
 momento subsequente. “... 
 
  
 
 …afigura-se que, em concreto, o caso dos autos constitui uma manifestação 
 inequívoca de excepcionalidade da ocorrência. 
 
  
 Por razões distintas (i) quanto aos art. 412/3/b e 412/4 do CPP, de um lado, 
 
 (ii) e quanto ao art. 130/2 do CPP, por outro. 
 
  
 E que se passam a explicitar. 
 
  
 De facto, só numa análise perfunctória se pode afirmar que, no caso, o 
 recorrente teve possibilidade de arguir a inconstitucionalidade das normas 
 previstas nos artigos 412/3/b), 412/4 e 130/2 do CPP em sede de alegações de 
 recurso — último momento de intervenção processual do recorrente antes do 
 acórdão final. 
 
  
 Pois que se censura, exactamente o sentido das normas aplicadas, tal como usadas 
 na fundamentação da decisão recorrida do Tribunal da Relação do Porto. 
 
  
 
  
 V  Da tempestividade da arguição quanto aos art. 412/3/b) e 412/4 do CPP 
 A folhas 26 do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto é, pela primeira vez 
 mencionado em todo o processo, que “ (...) todavia, ao cumprir a injunção 
 prevista no artigo 412.º n. º 3, li. b) e 4 do CPP, adopta a posição cómoda de 
 indicar as testemunhas que entende sem cumprir a obrigação de especificar a 
 localização concreta das partes dos depoimentos que impõem decisão diversa por 
 referência aos suportes técnicos que as contêm; pelo contrário, a localização 
 desses integrais depoimentos, do seu início ao seu termo o que, manifestamente, 
 inviabiliza qualquer séria tentativa de abordagem da questão.” 
 
  
 A aplicação e interpretação das normas dos artigos 412/3/b) e 412/4 do CPP no 
 sentido que inviabiliza qualquer séria tentativa de abordagem da questão. “, 
 referindo-se à apreciação de concretos pontos da matéria de facto que o 
 recorrente entende estarem mal julgados, foi levantada pela primeira vez naquele 
 Acórdão da Relação do Porto. 
 
  
 De forma absolutamente imprevista e inesperada. 
 
  
 Não dispondo o recorrente de oportunidade processual para suscitar a questão 
 antes da decisão do tribunal a quo, pois não pôde antever a aplicação da norma 
 com o concreto sentido com que foi aplicada. 
 
  
 Aplicação com o sentido de inviabilizar a apreciação dos pontos concretos da 
 matéria de facto mal julgados e alegados pelo recorrente nas als. a) a l) da 
 Conclusão 3.ª das suas alegações. 
 
  
 Porque, inequivocamente, o recorrente elencou os testemunhos que impunham 
 decisão diversa da recorrida, 
 
  
 Porque, tendo sido feita transcrição dos mesmos, foi feita referência aos 
 suportes técnicos, 
 
  
 Porque não tem suporte legal a interpretação de que o recorrente tinha de 
 elencar o momento e local exacto do suporte técnico onde encontrar a 
 transcrição, 
 
  
 Porque foi mencionado em que suporte se encontrava a transcrição, início e fim 
 temporal no mesmo do depoimento.... 
 
  
 
 …não tinha o recorrente como esperar interpretação de tal forma rigorosa a 
 apontar para o segundo ou minuto exacto da localização do depoimento. 
 
  
 Interpretação restritiva que não encontra qualquer suporte na lei. 
 
  
 Interpretação restritiva que ofende, por grosseiramente rigorosa, os direitos e 
 garantias do recorrente a ver apreciado, em segundo grau, matéria de facto, que 
 contende com direitos fundamentais, neste caso, a própria liberdade pessoal do 
 recorrente. 
 
  
 Interpretação restritiva esta que exprime uma intolerável prevalência do mais 
 fechado formalismo processual em relação à busca da verdade material. 
 
  
 Interpretação restritiva esta que, nem no processo civil tem acolhimento, 
 bastando-se neste com a referencia ao assinalado em acta de audiência [art.º 
 
 690-A n.º 2 do CPC]. 
 
  
 Tal interpretação restritiva inviabilizou de facto a apreciação da impugnação da 
 matéria de facto mal julgada, o que constitui uma compressão intolerável do 
 direito de recurso. 
 
  
 Tal interpretação restritiva constituiu a razão de ser da decisão de 
 improcedência da decisão sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente em 
 segunda instância. 
 
  
 Pelo que foi efectivamente aplicada pelo Tribunal da Relação do Porto. 
 
  
 E foi aplicada por forma que constituiu surpresa. 
 
  
 Da procedência do recurso de constitucionalidade decorre a necessidade de ser 
 alterada a decisão da instância recorrida em conformidade com o juízo de 
 constitucionalidade a proferir. 
 
  
 Pelo que se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de 
 inconstitucionalidade do art. 374/2 com a dimensão normativa com que foi 
 aplicado pela decisão do Tribunal da Relação do Porto. 
 
  
 Deve aliás recordar-se, a este respeito, que o Tribunal Constitucional teve já a 
 oportunidade de declarar - com interesse para a preservação de um efectivo 
 direito de recurso em processo penal - as seguintes inconstitucionalidades: 
 
  
 i)                           da norma do art. 411/1 do CPP, por violação do art. 
 
 32/1 da Constituição, interpretado no sentido de ao prazo de 15 dias referido 
 nesse preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pode ter 
 acesso às gravações da audiência, desde que se pretenda impugnar a matéria de 
 facto e desde que o arguido actue com a diligência devida. [Ac. 546/2006, DR 2 
 série, nº213 - 06.11.2006] 
 ii)                        da norma do art. 412/2 do CPP, por violação do art. 
 
 32/1 da Constituição, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas 
 conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), 
 b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao 
 mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência. [Ac. 320/2002 de 
 
 09.071 
 
  
 As questões que se pretendem ver apreciadas prendem-se com as dimensões 
 normativas dos art. 412/3/b e 412/4 do CPP. 
 
  
 Nos termos da lei processual penal, e em sede de “Motivação do recurso e 
 conclusões” [art. 412º do CPP] dispôs o legislador, com interesse para a 
 apreciação do presente recurso e reclamação, que: 
 
  
 
 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve 
 especificar: 
 a) …
 b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; 
 c) …
 
 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas 
 alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes 
 técnicos, havendo lugar a transcrição. 
 
  
 O Acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto deu a ambos estes preceitos 
 
 — do art. 412/3/b e do art. 412/4 do CPP — o sentido de a falta de especificação 
 da Localização concreta das partes dos depoimentos que impõem decisão diversa 
 por referência aos suportes técnicos que as contêm inviabilizar qualquer séria 
 tentativa de abordagem da questão e o consequente recurso da decisão da matéria 
 de facto. 
 
  
 Este sentido, e consequente inviabilização do recurso da matéria de facto, é tão 
 mais chocante quanto, o recorrente [qualquer recorrente]: 
 
  
 
 - não tem como assinalar por referência ao especificado na acta, qualquer 
 passagem da gravação; 
 
  
 
 - a transcrição da gravação só é efectuada posteriormente à apresentação da 
 motivação do recurso, pelo que também não pode ser assinalada por referência ao 
 texto da transcrição; 
 
  
 Este sentido, e consequente inviabilização do recurso da matéria de facto, é tão 
 mais chocante quanto, o recorrente [este concreto]: 
 
  
 
 - teve o cuidado, na motivação de recurso, de identificar enunciada e 
 detalhadamente as passagens dos depoimentos que impunham decisão diversa; 
 
  
 
 - teve a oportunidade de, no prazo do art. 417 do CPP, e em resposta ao parecer 
 do MP na 2 Instância, assinalar as passagens por referência à transcrição 
 entretanto efectuada. 
 
  
 As questões suscitadas na decisão recorrida — da aplicação das normas dos art. 
 
 412/3/b e 412/4 do CPP, com o sentido de inviabilização da impugnação da matéria 
 de facto decidida pela instância por ausência de especificação da localização 
 concreta das partes dos depoimentos que impõem decisão diversa por referencia 
 aos suportes técnicos que as contêm - não podia ser esperada pelo Recorrente, 
 que cumpriu nos termos da lei o ónus de motivação. 
 
  
 E comporta tal asserção do Tribunal da Relação do Porto dimensões normativas 
 compressoras do direito de recurso em matéria de facto, violadoras dos direitos 
 e garantias de defesa em processo criminal, que conferem aos normativos dos art. 
 
 412/3/b e 412/4 do CPP uma dimensão inconstitucional paralela às já declaradas 
 para os art. 411/1 e 412/2 do CPP. 
 
  
 Pelo que deve ser ordenado o prosseguimento do recurso para conhecimento da 
 questão da constitucionalidade dos art. 412/3/b e 412/4 do CPP com os sentidos 
 com que foi aplicado pela decisão recorrida. 
 
  
 VI  Da tempestividade da arguição quanto ao art. 130/2 do CPP 
 A folhas 25 do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto é, pela primeira vez 
 mencionado em todo o processo, que “É verdade que nenhuma das testemunhas 
 ouvidas foi capaz de referir um concreto acto de apropriação por parte de algum 
 dos arguidos; não é menos verdade que todas elas acabam por deixar nos autos 
 outros factos do seu conhecimento, dos quais, elas próprias retiraram as suas 
 conclusões, em termos de autoria dos factos, para além de qualquer dúvida 
 razoável.” 
 
  
 A Decisão Sumária aderiu, mais uma vez, à posição emitida pelo Tribunal da 
 Relação que considera que a norma prevista no artigo 130.º n.º 2 do CPP não foi 
 aplicada, mas sim a norma prevista no artigo 127.º do mesmo diploma. 
 
  
 Tal afirmação não resiste à leitura do próprio acórdão para o qual vai 
 referenciada a fundamentação da decisão sumária. 
 
  
 Em causa encontra-se efectivamente a aplicação por parte do Tribunal da Relação 
 da previsão normativa do artigo 130.º n.º 2, embora o Tribunal não mencione 
 expressamente tal norma. 
 
  
 Dispõe a norma o seguinte: 
 
  
 
 130º
 Vozes públicas e convicções pessoais
 
 1 - Não é admissível como depoimento a reprodução de vozes ou rumores públicos. 
 
 2 - A manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua 
 interpretação só é admissível nos casos seguintes e na estrita medida neles 
 indicada: 
 a) Quando for impossível cindi-la do depoimento sobre factos concretos; 
 b) Quando tiver lugar em função de qualquer ciência, técnica ou arte; 
 c) Quando ocorrer no estádio de determinação da sanção. 
 
  
 Recorda-se, como aliás é conhecido, que para que a questão da 
 constitucionalidade possa ser suscitada em recurso não é necessário que a 
 decisão recorrida faça uma utilização expressa da norma, bastando que a mesma 
 tenha sido aplicada de forma implícita. [cf. Acs. 88/86, 47/90 e 235/93] 
 Ora,
 Porque o artigo 127.º consagra um critério geral de apreciação da prova, por 
 parte do julgador. 
 
  
 Porque no Acórdão o julgador não está, naquele trecho, a apreciar o valor 
 probatório daquela prova testemunhal, de acordo com regras de experiência, 
 
  
 Mas sim a descrever o processo cognitivo que aquelas testemunhas percorreram 
 para, apesar de não conhecerem directamente qualquer acto de apropriação, 
 concluírem, convictamente, que do cotejo de outros factos do seu conhecimento, 
 que o recorrente praticou os actos de apropriação! 
 
  
 Que processo é este se não a descrição da razão de ser da convicção das 
 testemunhas de que o recorrente praticou os factos criminosos, produto das suas 
 conclusões e não do conhecimento dos factos narrados na acusação ou pronúncia? 
 
  
 Quando o tribunal se permite escrever, como escreveu: 
 
 “É verdade que nenhuma das testemunhas ouvidas foi capaz de referir um concreto 
 acto de apropriação por parte de algum dos arguidos; não é menos verdade que 
 todas elas acabam por deixar nos autos outros factos do seu conhecimento, dos 
 quais, elas próprias retiraram as suas conclusões, em termos de autoria dos 
 factos, para além de qualquer dúvida razoável.” 
 
  
 está explícita e expressamente a atribuir valor probatório às convicções 
 pessoais das testemunhas, o que é vedado por lei. 
 
  
 Ora, 
 
  
 Porque não se verificava nenhum dos casos das alíneas do nº 2 do art. 130 do 
 CPP, 
 
  
 Porque não ocorria nenhuma situação de incindibitidade de factos e convicções 
 pessoais, 
 
  
 Entende-se que o Tribunal da Relação ao admitir a valoração, como meio de prova, 
 de convicções pessoais, extraídas a partir de factos que não os submetidos a 
 julgamento, conferiu ao art. 130/2 do CPP um sentido ou dimensão normativa 
 incompatível com as garantias de defesa em processo criminal. 
 
  
 E pela razão, óbvia, de que tal sentido ou dimensão significa, na prática, a 
 introdução nos mecanismos de decisão do feito submetido a julgamento de 
 conclusões extraídas por quem não tem o poder de julgar, nem o direito de emitir 
 meras convicções pessoais. 
 
  
 Tal mecanismo [anómalo] conduz à substituição da prova [testemunhal] da prática 
 do facto [única compaginável com as garantias de defesa em processo criminal], 
 pela prova [testemunhal] da convicção da prática do facto. 
 
  
 Mecanismo [probatório] indigno de um Estado de Direito, por deferir às 
 testemunhas o direito de julgar por convicção. 
 
  
 O que decorre dos fundamentos expressos do Acórdão do Tribunal da Relação do 
 Porto, recorrido, é uma redução dos limites da proibição de valoração das vozes 
 públicas e convicções pessoais, conferindo à norma, implicitamente aplicada, um 
 sentido e dimensão inconstitucional. 
 
  
 Com o que se desmistifica e se afirma que, naquele trecho do Acórdão, o Tribunal 
 da Relação do Porto, procede à aplicação [ainda que implícita] da disciplina do 
 artigo 
 
 130/2 do CPP. 
 
  
 E, diga-se, aplicação que constitui anomalia e surpresa não só dentro do 
 processo, como fora dele... 
 
  
 
 …uma vez que não são conhecidas decisões - [pelo menos] dos Tribunais judiciais 
 superiores — que, a exemplo da recorrida, tenham considerado admissível a 
 valoração das convicções pessoais das testemunhas quanto à autoria dos factos, 
 prescindindo da prova directa da matéria submetida a julgamento. 
 
  
 Razão pela qual se afirma que a decisão recorrida era não apenas inexpectável, 
 como se afigura constituir grave precedente para o ordenamento jurídico. 
 
  
 Com efeito, da aplicação da norma do art. 130/2 do CPP, com o sentido com que 
 foi [implicitamente] aplicada pela decisão recorrida decorre a possibilidade 
 prática de serem valoradas as meras conclusões extraídas por quem não tem o 
 poder de julgar. 
 
  
 Com eliminação das garantias de defesa e subversão do princípio in dúbio pro 
 reo. 
 
  
 Pois que da desconsideração das convicções, ou conclusões, pessoais decorreria a 
 necessária absolvição do recorrente, por falta de prova dos factos, enquanto que 
 da consideração de tais convicções pessoais resulta a condenação pelo juízo das 
 testemunhas que não pela prova dos factos. 
 
  
 O que constitui um procedente perigoso. 
 
  
 O único sentido constitucionalmente conforme com as garantias de defesa em 
 processo criminal da norma do art. 130/2 do CPP implica a necessária 
 desconsideração do valor probatório das meras conclusões extraídas pelas 
 próprias testemunhas quanto à autoria dos factos. 
 
  
 Solução inversa à acolhida no Acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto 
 que restringiu os limites da proibição contida no art. 130/2 do CPP com um 
 sentido de admissibilidade de valoração das conclusões das testemunhas que viola 
 as garantias de defesa consagradas no art. 32/1 da Constituição. 
 
  
 
 É assim manifesto que: 
 
  
 A aplicação da norma do artigo 130.º n.º 2 do CPP, valorando convicções 
 pessoais, fora das situações excepcionais previstas na Lei, foi levantada pela 
 primeira vez naquele Acórdão da Relação do Porto, 
 
  
 De forma absolutamente imprevista e inesperada, 
 
  
 Não dispondo o recorrente de oportunidade processual para suscitar a questão 
 antes da decisão do tribunal a quo, pois não podia antever a sua aplicação, 
 
  
 Pelo que, também no que à aplicação do artigo 130.º n.º 2 do CPP, se encontram 
 reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de não 
 constitucionalidade de aplicação da norma, pelo que a mesma tem de ser 
 apreciada. 
 
  
 VII  Pedido 
 Termos em que, na procedência da reclamação contra a decisão sumária proferida, 
 deve ser admitido o conhecimento efectivo do recurso para apreciação da 
 constitucionalidade das normas dos art. 374/2, 412/3/b, 412/4 e 130/2, todas do 
 CPP, com os sentidos ou dimensões normativas indicadas no requerimento de 
 interposição de recurso e melhor explicitadas na presente reclamação. 
 
  
 
  
 
 2.        A assistente respondeu da seguinte forma:
 
  
 A B., já identificada nos autos e neles assistente e recorrida, notificada para 
 se pronunciar sobre o requerimento de reclamação para a conferência apresentado 
 pelo arguido/recorrente A., vem dizer o seguinte: 
 
 “comprende-se” o desespero do reclamante, agora que após muitos anos de 
 impunidade, com o trânsito em julgado da decisão sumária do TC, terá 
 inelutavelmente de preparar‑se para que lhe seja feita a justiça de que é 
 credor: aguardar pela emissão e cumprimento dos mandados — há quem lhes chame, 
 mandatos... — de condução à cadeia, para cumprimento da pena na qual foi 
 condenado, após muito estrebuchar, permita-se a forma de dizer, sendo, afinal, 
 mais de admirar o pletórico esforço que o resultado do mesmo. 
 A justiça tarda, diz-se — o que, no caso, é rigorosamente verdade, como o 
 reclamante bem sabe e porquê...— mas não falta. 
 Ora, o reclamante precisa desesperadamente de retardá-la ainda mais, porque o 
 prazo de prescrição do procedimento criminal está à porta. 
 Dai que se “compreenda”, mas não possa aceitar-se. 
 Tanto mais que lido o arrazoado que, em desespero de causa, agora apresentou, 
 verifica‑se que o mesmo não corresponde minimamente ao teor da douta decisão 
 sumária proferida nos autos. Com efeito, o que dela pode colher-se é que o 
 recurso não foi conhecido por não se verificar a hipótese da alínea b) do nº1 do 
 art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional. 
 Como assim, o reclamante deduziu oposição embirrenta e meramente emulativa, com 
 vista ao mencionado ínvio desiderato, pelo que não podendo, no âmbito do 
 processo penal ser condenado na (má) “qualidade” em que litiga, deverá sê-lo, ao 
 menos, em condigna “sanção” tributária. 
 Não tendo razão, como não tem, nas espraiadas considerações que tece, a despeito 
 de o signatário já ter sido confrontado em caso semelhante por nova decisão do 
 Relator, ao abrigo de argumentação que, honestamente, não conseguiu entender, 
 parece ser inescapável que os autos vão à conferência. 
 
 É o que se oferece dizer à respondente. 
 
  
 
  
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu nos termos 
 seguintes: 
 
  
 
 1º
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
  
 
 2º
 Assim — e desde logo — confunde o reclamante os planos de falta de pressupostos 
 do recurso com as deficiências formais do respectivo requerimento de 
 interposição — sendo evidente e incontroverso que só neste segundo caso tem 
 sentido e cabimento a prolação de um “convite ao aperfeiçoamento”.
 
  
 
 3º
 Em segundo lugar, não tem na devida conta o reclamante que ao Tribunal 
 Constitucional apenas cabe sindicar da constitucionalidade do “critério 
 normativo” enunciado e aplicado como “ratio decidendi” pelo tribunal “a quo” — 
 não lhe competindo pronunciar-se sobre a casuística subsunção da situação dos 
 autos a tal critério, decidindo da adequação e suficiência da motivação ou 
 fundamentação apresentada, em concreto, pela decisão recorrida. 
 
  
 
 4º
 Finalmente — e quanto às restantes questões — a argumentação do reclamante em 
 nada abala os fundamentos da decisão reclamada, relativamente à obvia 
 inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto. 
 
  
 
  
 
  
 
 3.            Cumpre decidir. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
 
  
 A. foi condenado, por sentença proferida na 4ª Vara Criminal do Porto, pela 
 prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de 
 confiança agravado, na pena de cinco anos de prisão e, solidariamente, em 
 indemnização à demandante B..
 Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por 
 acórdão proferido em 5 de Julho de 2006, lhe negou provimento. Desta decisão 
 pediu o ora recorrente a sua aclaração, que veio a ser indeferida por acórdão de 
 
 11 de Outubro de 2006.
 De novo inconformado, vem interpor recurso para este Tribunal ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC), por meio 
 de requerimento em que invoca:
 
  “(…)
 Normas jurídicas recorridas: 
 i)
 Art. 374/2 do CPP, ao prever que, (i) na sentença se opere uma indicação 
 meramente descritiva dos fundamentos de facto da decisão (ii) e nomeadamente 
 que, por integração do conceito de concisão, se baste o tribunal com a mera 
 enumeração dos meios de prova, inquinando, com esta concepção, o dever de exame 
 crítico da prova produzida, por forma que possibilite a reconstituição do 
 processo de formação da convicção do julgador. 
 A primeira parte é a questão tal como foi prevenida pelo recorrente. 
 A segunda parte é expressamente o acrescento por concretização do caso, que lhe 
 conferiram as decisões recorridas de primeira e segunda instância. 
 Normas da Constituição violadas: art. 32/1 e 205/1 da Constituição da República. 
 
 
 Prevenção da questão: a questão foi suscitada na motivação de recurso interposto 
 para o Tribunal da Relação. 
 Demonstração da sua aplicação: a norma em causa foi aplicada na decisão de 1ª 
 instância e sindicada na decisão de 2ª instância. [fls 23 do acórdão recorrido] 
 ii) 
 Art. 130/2 do CPP, ao prever que (i) as testemunhas retirem conclusões sobre os 
 factos objecto do processo, a partir de outros factos não submetidos a 
 julgamento, (ii) e nomeadamente que o tribunal convalide o valor probatório de 
 mera convicções ou conclusões pessoais, em violação do princípio da legalidade, 
 das normas relativas à valoração da prova testemunhal e de todas as garantias de 
 defesa em processo criminal. 
 A primeira parte é a questão tal como foi prevenida pelo recorrente. 
 A segunda parte é expressamente o acrescento por concretização do caso, que lhe 
 conferiu a decisão recorrida de segunda instância. 
 Normas da Constituição violadas: art. 32/1 da Constituição da República. 
 Prevenção da questão: a questão foi suscitada no requerimento de esclarecimento 
 do acórdão recorrido do Tribunal da Relação. 
 Demonstração da sua aplicação: a norma em causa foi aplicada na decisão de 2ª 
 instância que validou o processo de formação da convicção com base nas 
 conclusões das testemunhas [fls. 25, parágrafo 3º do acórdão recorrido]. 
 iii) e iv) 
 Art. 412/3/b e 412/4 [que se identificam unitariamente por merecerem o mesmo 
 tratamento e reservas] ao preverem (i) a rejeição do recurso [art. 412/3/b], e 
 
 (ii) a especificação da parte concreta das partes dos depoimentos por referência 
 aos suportes técnicos, [art. 412/4], (iii) em termos de inviabilizar o 
 conhecimento sério do recurso sem que ao arguido recorrente seja facultada a 
 oportunidade de suprir tal, deficiência, e (iv) com eliminação de um grau de 
 recurso em matéria de facto. 
 As duas primeiras partes são as questões tal como foram prevenidas pelo 
 recorrente. 
 As duas últimas partes são expressamente o acrescento por concretização do caso, 
 que lhe conferiu a decisão recorrida de segunda instância. 
 Normas da Constituição violadas: art. 32/1 da Constituição da República. 
 Prevenção da questão: a questão foi suscitada no requerimento de esclarecimento 
 do acórdão recorrido do Tribunal da Relação. 
 Por lapso de escrita fez-se contar, do 5º parágrafo de fls 5 do pedido de 
 esclarecimento, a referência ao art. 414/4 do CPP, quando, como resulta quer do 
 contexto da alegação quer do paragrafo 7º da mesma folha se deveria ter escrito 
 
 412/4 do CPP. 
 Demonstração da sua aplicação: a norma em causa foi aplicada na decisão de 2ª 
 instância que validou o processo de formação da convicção com base nas 
 conclusões das testemunhas [fls. 26, parágrafo 3º do acórdão recorrido]. 
 Efeitos: art. 78/3/4 da Lei do Tribunal Constitucional.”
 
  
 O recurso foi admitido por despacho que, como é sabido, não vincula este 
 Tribunal (n.º 3 do artigo 76º da LTC).
 O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem carácter normativo, isto é, tem por objecto a 
 apreciação da constitucionalidade de normas (ou de uma sua interpretação 
 normativa) que tenham sido aplicadas na decisão recorrida, apesar de ter sido 
 suscitada a sua inconstitucionalidade durante o processo, de modo 
 processualmente adequado (cfr. n.º 2 do artigo 72º da LTC).
 No que se refere à questão reportada ao n.º 2 do artigo 374º do CPP pretende o 
 recorrente a apreciação da sua inconstitucionalidade “ao prever que, (i) na 
 sentença se opere uma indicação meramente descritiva dos fundamentos de facto da 
 decisão (ii) e nomeadamente que, por integração do conceito de concisão, se 
 baste o tribunal com a mera enumeração dos meios de prova, inquinando, com esta 
 concepção, o dever de exame crítico da prova produzida, por forma que 
 possibilite a reconstituição do processo de formação da convicção do julgador” e 
 afirma que suscitou a questão na motivação de recurso apresentada no Tribunal da 
 Relação do Porto; as respectivas conclusões são do seguinte teor:
 
  
 
                  […]
 
 2. Nulidade do acórdão por violação do dever legal de fundamentação 
 a) O acórdão recorrido procede à indicação formal dos meios de prova produzidos 
 e considerados em audiência de julgamento, o que opera por forma puramente 
 descritiva; 
 b) Mas reduz o exame crítico da prova produzida a três singelos parágrafos nos 
 quais não chega a ensaiar qualquer valoração criteriosa da prova, tornando 
 inalcançável para qualquer destinatário da decisão as razões do decidido; 
 c) Redundando o texto num escrito que torna impossível saber como formou o 
 Tribunal recorrido a sua convicção quanto aos factos essenciais da apropriação 
 dos dinheiros e do ingresso das quantias na esfera patrimonial do recorrente; 
 d) Reduzindo o esforço de fundamentação a puro exercício apriorístico que não 
 cumpre as funções jurisdicionais do esclarecimento e do convencimento; 
 e) A falta de exame crítico das provas produzidas gera a nulidade da sentença 
 por falta de fundamentação, o que expressamente se argúi; artº 379º, n.º 1,al. 
 a) e nº2do CPP; 
 f) E traduz interpretação e aplicação da norma do art. 374º, nº 2 com uma 
 dimensão normativa de dispensa do dever de exame crítico da prova produzida que 
 viola quer o dever geral de fundamentação das decisões judiciais, quer todos os 
 princípios e garantias de defesa em processo criminal, consagradas, 
 respectivamente, nos artºs 205º, nº 1 e 32º, nº 1 da Constituição da República;”
 
  
 
  
 Acontece, porém, que o critério normativo enunciado pelo recorrente não foi o 
 aplicado na decisão recorrida que considerou, no cumprimento do dever de 
 fundamentação, não se ter limitado a uma mera enumeração dos meios de provas, 
 indicando, antes, as razões por que foram os factos julgados provados ou não 
 provados, conforme se pode ler na seguinte passagem daquele acórdão:
 
  
 
                  “[…] 
 O recorrente A. conclui também que o acórdão impugnado «procede à indicação 
 formal dos meios de prova produzidos e considerados em audiência, o que opera 
 por forma puramente descritiva», «mas reduz o exame crítico a três singelos 
 parágrafos nos quais não chega a ensaiar qualquer valoração criteriosa da prova, 
 tornando inalcançável para qualquer destinatário da decisão as razões do 
 decidido» ou seja, não fez um exame crítico das provas que permitiram formar a 
 sua convicção, em violação ao disposto no artº 374º, 2, do CPP, o que conduz à 
 nulidade do acórdão (artº 379º, 1, a) e 2, do CPP) 
 Dispõe, a propósito, o artº 374º, 2, citado, que a fundamentação do acórdão 
 
 «consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma 
 exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de 
 facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das 
 provas que serviram para formar a convicção do tribunal», sob pena de nulidade 
 de tal peça (artº 379º, 1, a)).
 O dever de fundamentar as decisões judiciais tem por objectivo a salvaguarda do 
 exercício democrático do direito de defesa, consagrado no artº 32º da CRP (que, 
 por sua vez, é uma emanação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais 
 
 — artº 205º). Reflexamente, este dever prende-se com a necessidade de tornar as 
 sentenças em peças que, só por si, tornam explícita e compreensível a reacção da 
 sociedade perante um ‘pedaço ou retalho de vida’ que por violar gravemente os 
 princípios dirigentes da organização em sociedade é elevado à categoria de 
 crime, merecedor de uma pena. Ou seja, a sentença, (só por si,) há de 
 explicar-se por si mesma, o seu texto há de ser de tal modo claro que demonstre 
 qual a sequência lógica seguida, quais os raciocínios efectuados, quais as 
 regras da experiência ou do senso comum a que foi lançada mão. Não quer isto 
 dizer que essa obrigação seja exigente ao ponto de tornar inviável a sua 
 observância concreta; ou seja, o dever de fundamentar não obriga a explicar a 
 análise a que se procedeu, o raciocínio efectuado, o juízo feito, ponto por 
 ponto, bastando-se com a indicação das mesmas segundo uma visão global e 
 compreensiva, indicando-as de um modo tanto quanto possível completo, ainda que 
 sucinto, no dizer da lei. O que há-de resultar necessariamente da sentença é a 
 indicação das provas e a sindicância sobre o respectivo valor relativo. «Através 
 da indicação dos meios de prova e do seu exame crítico, efectuados na 
 fundamentação, como o impõe o artº 374º, 2, CPP, é possível ao tribunal de 
 recurso apreciar se a convicção do julgador está fundamentada num processo 
 racional e lógico de valoração da prova.» (ac. STJ de 27/5/2004, CJS—II—21l). 
 O tribunal recorrido foi cuidadoso nesse aspecto, já que respigou da acusação e 
 da contestação os factos que tinham relevância naqueles referidos termos, que 
 não eram meramente circunstanciais, conclusivos ou que eram meramente 
 justificativos de outros que, por terem real relevância, esses sim, foram 
 levados àquela especificação factual. Ora, e no que concerne aos factos de 
 relevância imediata, o acórdão foi explícito em indicar as razões por que foram 
 eles julgados provados ou não; basta ler atentamente o que consta de fls. 4170 a 
 
 4177 dos autos (sob o titulo 2.1.3). O processo dinâmico, lógico e sequencial de 
 formação da convicção do tribunal ‘a quo’ mostra-se suficientemente 
 fundamentado. Com efeito, a propósito do depoimento de cada uma das testemunhas 
 e bem assim dos esclarecimentos tomados aos peritos, é indicada a ‘ciência’ 
 concreta de cada um deles, fazendo o acórdão referência a que esses meios de 
 prova foram «analisados à luz das regras da experiência». Do mesmo modo se 
 afigura que a construção lógica do acórdão, na transposição dos factos para o 
 direito e deste para o dispositivo não se mostra viciada por qualquer vício que 
 inquine a sua validade, nesta actual perspectiva. 
 O modo como a indicação probatória se encontra elaborada torna perceptíveis, 
 para os destinatários do acórdão, as razões do decidido. 
 Por isso, não ocorre no caso a apontada nulidade do acórdão por falta de 
 fundamentação, cominada no artº 379º, 1, a) do CP ou violação da garantia 
 constitucional do artº 32º, 1, da CRP.”
 
  
 Assim, não tendo sido a norma em causa aplicada como razão de decidir no acórdão 
 recorrido, com o sentido considerado inconstitucional, não pode o Tribunal 
 Constitucional dela conhecer, pois ainda que se viesse a concluir pela sua 
 inconstitucionalidade, esse julgamento não teria qualquer repercussão na decisão 
 recorrida. 
 Quanto às questões a que se referem os pontos ii), iii) e iv) do requerimento de 
 interposição de recurso, o recorrente reconhece que só suscitou tais questões no 
 requerimento em que pediu a aclaração do acórdão de 5 de Julho de 2006.
 Ora, o requerimento a pedir, no tribunal recorrido, a aclaração da decisão final 
 não constitui o momento adequado para se considerar cumprido o ónus de suscitar 
 uma questão de constitucionalidade durante o processo, uma vez que o poder 
 jurisdicional do tribunal recorrido se encontra já esgotado, o que lhe não 
 permite, nesse momento, conhecer de questões novas. Como este Tribunal tem 
 reiteradamente afirmado, o recorrente deve colocar tal questão perante o 
 tribunal recorrido de forma a proporcionar‑lhe a oportunidade de a apreciar. Só 
 nos casos excepcionais e anómalos, em que o recorrente não dispôs 
 processualmente dessa possibilidade, é que será admissível a arguição em momento 
 subsequente (cfr., a título de exemplo, os Acórdãos deste Tribunal n.º 62/85, 
 n.º 90/85 e n.º 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 5.º vol., págs. 497 e 663, e no Diário da República, II Série, 
 de 28 de Maio de 1994). 
 
 É manifesto que aqui se não verifica nenhuma das hipóteses em que o Tribunal tem 
 excepcionalmente admitido conhecer das questões de inconstitucionalidade 
 normativa que o recorrente não teve oportunidade de suscitar no processo; quanto 
 
 à questão reportada à alínea b) do n.º 3 e nº 4 do artigo 412º do CPP cumpre 
 salientar que a interpretação dada a essas normas pelo acórdão recorrido nada 
 tem de anómalo ou de inesperado.   
 E, por outro lado, a norma do n.º 2 do artigo 130º do CPP nem sequer foi 
 aplicada na decisão recorrida como, aliás, se diz no seguinte trecho do acórdão 
 que decidiu a aclaração:
 
  
 
 “Não se mostra compreensível a pretensão em análise porquanto a norma do artº 
 
 130º, 2 se refere à manifestação de «meras convicções pessoais sobre factos ou a 
 sua interpretação» em sede de prova testemunhal, enquanto que o exercício 
 probatório a que se faz referência, diz respeito à fase da formação da convicção 
 do tribunal (artº 127º), alicerçada em provas pessoais e outras que se valoram 
 do modo que fica descrito no acórdão recorrido.”
 
  
 Não se mostram, por estes motivos, verificados os pressupostos de 
 admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70º da LTC.
 Nestes termos decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, não conhecer 
 do objecto do recurso.
 
  
 
 4.            Começa o reclamante por questionar a 'legalidade'da decisão 
 reclamada em virtude de, em seu entender, ter sido proferida 'fora dos casos e 
 circunstâncias previstas na lei'.
 Mas sem razão. O n.º 1 do artigo 78º-A da LTC permite que, por decisão sumária, 
 o relator rejeite liminarmente o recurso quando 'entender que não pode 
 conhecer-se do objecto do recurso'. E a verdade é que não pode conhecer-se do 
 objecto do recurso sempre que – independentemente das deficiências formais que o 
 respectivo requerimento possa conter – se não verificam os pressupostos que 
 condicionam a sua admissibilidade, como, no caso, se entendeu que acontecia. 
 Assim, nenhum obstáculo impedia que fosse proferida, e com base no aludido n.º 1 
 do artigo 78º-A da LTC, a decisão sumária reclamada. A questão é improcedente.
 
  
 
 5.            Contesta, depois, o reclamante os fundamentos da decisão sumária.
 Na alegação do recurso interposto para a Relação do Porto – peça em que o 
 recorrente declarou pretender ver apreciada a questão da insuficiência da 
 matéria de facto para fundamentar uma decisão condenatória, bem como a da sua 
 nulidade por violação do dever de fundamentação da decisão da matéria de facto, 
 e onde impugnou a matéria de facto dada por provada e contestou a fundamentação 
 
 'de direito' – o reclamante suscitou apenas uma questão de 
 inconstitucionalidade, relacionada com ao n.º 2 do artigo 374º do Código de 
 Processo Penal, aplicada, segundo diz, numa 'dimensão normativa de dispensa do 
 dever de exame crítico da prova produzida', que violaria os n.ºs 1 dos artigos 
 
 32º e 205º da Constituição.
 Ora, uma vez que o presente recurso, intentado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70º da LTC, tem carácter normativo, não permitindo uma crítica da 
 decisão recorrida quanto à aplicação do direito ao caso concreto, o Tribunal 
 Constitucional apenas pode sindicar a conformidade constitucional de norma 
 efectivamente aplicada pelo tribunal comum na dita decisão. Regra que, no caso, 
 determina que só possa ser conhecida a norma constante do dito n.º 2 do artigo 
 
 374º do Código de Processo Penal, se aplicada numa 'dimensão normativa de 
 dispensa do dever de exame crítico da prova produzida'. Acontece que – conforme 
 se diz na decisão sumária – o Tribunal recorrido não aplicou tal norma, como 
 revela o trecho da decisão recorrida reproduzido na transcrita decisão sumária.
 
 É certo que o reclamante acusa a Relação do Porto de não ter procedido a exame 
 crítico da prova produzida; mas, sendo assim, então o recorrente não pretende 
 verdadeiramente impugnar a norma aplicada na decisão, antes visa sindicar esta 
 decisão por não ter aplicado correctamente a norma. O que, no âmbito do presente 
 recurso, pelas apontadas razões, é inadmissível. 
 
  
 
 6.            Quanto ao resto, é igualmente de manter o decidido na decisão 
 reclamada; não foi, em suma, suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade 
 normativa – relacionada com as normas em causa – pelo reclamante. E era 
 manifesto, visto que o recurso interposto para a Relação do Porto abordava 
 questões que se ligavam às questionadas normas, que teve plena oportunidade de 
 provocar essa suscitação, abrindo assim caminho a um futuro recurso disciplinado 
 pela aludida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
 É certo que o reclamante pretende valer-se da jurisprudência do Tribunal quanto 
 aos casos em que não houve oportunidade de suscitar a questão por ter ocorrido 
 uma aplicação inesperada da norma. Todavia, no presente caso, era totalmente 
 previsível a aplicação das normas questionadas. 
 O que não significa que o reclamante esteja de acordo com o sentido com que 
 foram aplicadas essas normas, porque efectivamente não está. Mas, mais uma vez, 
 a discordância do reclamante liga-se à aplicação concreta do direito e não à 
 regra geral e abstracta que foi aplicada. Ou seja, o reclamante visa impugnar a 
 decisão, embora o faça através da menção a uma norma, como manifestamente 
 resulta da afirmação de que 'o Acórdão recorrido do Tribunal da Relação do Porto 
 deu a ambos estes preceitos — do art. 412/3/b e do art. 412/4 do CPP — o sentido 
 de a falta de especificação da localização concreta das partes dos depoimentos 
 que impõem decisão diversa por referência aos suportes técnicos que as contêm 
 inviabilizar qualquer séria tentativa de abordagem da questão e o consequente 
 recurso da decisão da matéria de facto', trecho de que sobressai a censura 
 directa à decisão.
 
  
 
 7.            O mesmo se passa quanto à alegação referente à norma do artigo 
 
 130º do mencionado Código de Processo Penal. O reclamante visa obter uma análise 
 crítica do acórdão recorrido que permita concluir que, diversamente do que 
 afirma o Tribunal recorrido, foram provados factos através de depoimentos 
 produzidos por 'convicção pessoal'.
 Também aqui – conforme já se afirmou na decisão sumária em reclamação – se 
 pretende criticar a decisão por não ter dado cumprimento às normas legais, em 
 vez de verdadeiramente questionar as normas por desconformidade constitucional, 
 o que é inadmissível.
 
  
 
 8.            Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, mantendo a 
 decisão de não conhecimento do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 11  de Abril de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão