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Proc. nº 404/94        
 
 1ª Secção
 Rel. Cons. Ribeiro Mendes
 
  
 
   
 
                                   Acordam na 1ª Secção do Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
                                   
 
                                   1. M..., primeiro-sargento da Guarda Nacional 
 Republicana na situação de reserva, veio apresentar reclamação, nos termos do 
 art. 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Senhor Juiz 
 Conselheiro relator do Supremo Tribunal Militar, proferido a fls. 729 e vº dos 
 autos principais, que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele 
 interposto do acórdão deste último Tribunal proferido em 30 de Junho de 1994. 
 Seguramente por lapso, dirigiu tal reclamação ao Presidente do Supremo Tribunal 
 Militar, embora invoque no requerimento a referida norma da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
  
 
                                   Para tanto alega o seguinte:
 
  
 
  
 
 - O recurso de constitucionalidade que não foi admitido baseou-se na violação 
 por aquele Tribunal dos nºs 2 e 5 do art. 32º e do nº 1, alínea b), do art. 280º 
 da Constituição;
 
  
 
  
 
 - O despacho que rejeitou o recurso considerou que tal acórdão não era passível 
 de recurso para o Tribunal Constitucional por se tratar 'de uma decisão, o que 
 portanto não se enquadra em qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, e ainda porque tais recursos são restritos à questão da 
 inconstitucionalidade, ou da ilegalidade, conforme o artigo 71º da citada Lei';
 
  
 
  
 
 - 'Ora, «a questão da inconstitucionalidade pode respeitar não apenas às normas, 
 ou a uma sua dimensão parcelar, considerada em si, mas também, e mais 
 restritamente, à interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso 
 concreto e aplicada na decisão recorrida, nem sempre se recortando nitidamente a 
 fronteira entre 'norma' e  'decisão' (cfr. J. M. Cardoso da Costa, Boletim do 
 Ministro da Justiça, nº 395, pp 611, 615)» - (Acórdão nº 238/94, P. 715/93, de 
 
 22 de Março de 1994, do Tribunal Constitucional)'.
 
  
 
  
 
                                2. Sobre esta reclamação recaiu acórdão do 
 Supremo Tribunal Militar, proferido em 13 de Outubro de 1994, que manteve o 
 despacho reclamado (a fls. 5 a 7).
 
  
 
                                3. Distribuídos os autos no Tribunal 
 Constitucional, deles teve vista o Exmo. Procurador-Geral Adjunto. Aí exarou 
 parecer no sentido de que a reclamação devia ser julgada improcedente, por não 
 competir ao Tribunal Constitucional' sindicar a forma como os tribunais que 
 exercem a jurisdição no foro militar aplicaram a medida concreta da pena, 
 valorando as diferentes circunstâncias que, para tal, são, segundo a lei penal, 
 relevantes, já que o recurso de constitucionalidade se não configura como mais 
 um recurso ordinário, destinado à reponderação de quaisquer questões de direito 
 co-envolvidas na decisão recorrida, mas tão-somente a apreciar que certas 
 normas, aplicadas à decisão do pleito, padecem ou não de inconstitucionalidade' 
 
 (a fls. 42 e vº).
 
  
 
                                4. Foram corridos os vistos legais.
 
  
 
                                Cumpre apreciar o objecto da reclamação.
 
  
 II
 
  
 
                                5. Do que acaba de referir-se atrás, logo se 
 alcança que o ora reclamante pretendeu interpor recurso de constitucionalidade 
 de um segundo acórdão do Supremo Tribunal Militar, proferido para dar 
 cumprimento a um acórdão do Tribunal Constitucional que ordenara a reforma do 
 primeiro acórdão daquele Supremo Tribunal Militar.
 
  
 
  
 
                                6. Na verdade, o ora reclamante interpôs 
 oportunamente para o Tribunal Constitucional recurso do acórdão do Supremo 
 Tribunal Militar de 30 de Janeiro de 1992, a fls. 616 e seguintes dos autos 
 principais, que o julgou 'incurso na prática dum crime de abuso de confiança 
 p.p. pelo art. 203º al. a) do Cód. Just. Mil.' e, consequentemente, o condenou 
 pela prática do referido crime na pena de seis anos de prisão, beneficiando do 
 perdão de um ano a que se referia o art. 14º, nº 1, al. b), e 2, da Lei nº 
 
 23/91, de 4 de Julho, embora revogasse a pena de demissão a ele aplicada. Nesse 
 recurso, o ora reclamante sustentou a inconstitucionalidade dos arts. 418º, nº 
 
 1, e 203º, alínea a), do Código de Justiça Militar, o primeiro por violar o nº 1 
 do art. 32º da Constituição e o segundo por violar o art. 13º, nº 1, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
  
 
                                Através do acórdão nº 370/94 e relativamente à 
 
 única questão de inconstitucionalidade normativa de que o Tribunal 
 Constitucional conheceu, foi julgada 'inconstitucional - por violação dos 
 princípios da igualdade e da proporcionalidade, lidos conjugadamente - a 
 disposição do artigo 203º, alínea a), do Código de Justiça Militar, na medida em 
 que estabelece pena superior à prevista no Código Penal'. Nessa medida, foi 
 concedido provimento parcial ao recurso, ordenando-se 'a reforma do acórdão 
 recorrido, em conformidade com o julgamento emitido sobre a questão de 
 constitucionalidade' (este acórdão acha-se publicado no Diário da República, II 
 Série, nº 207, de 7 de Setembro de 1994).
 
  
 
  
 
                                7. Devolvidos os autos ao Supremo Tribunal 
 Militar, proferiu este novo acórdão em 30 de Junho de 1994. Pode ler-se neste 
 aresto, especificamente quanto à matéria da reforma:
 
  
 
  
 
 'Preceitua o art. 80 nº 2 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que «se o Tribunal 
 Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos 
 baixam ao Tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, 
 reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a 
 questão de inconstitucionalidade, ou de ilegalidade».
 
  
 
  
 
               Impõe-se, portanto, reformar o acórdão de fls. 637 e seguintes em 
 conformidade com a decisão proferida pelo Tribunal Constitucional isto é, apenas 
 deverá ser alterada a parte daquele acórdão que tenha sido afectada pelo 
 julgamento sobre a questão de inconstitucionalidade, mantendo-se imutável tudo o 
 mais.
 
  
 
  
 
               Efectivamente, o Tribunal Constitucional, considerando que o 
 Código de Justiça Militar estabeleceu no seu art. 203 al. a) uma moldura penal 
 de doze a dezasseis anos de prisão para o crime de abuso de confiança, se o 
 prejuízo causado for superior a 1.500.000$00, enquanto que o Código Penal para o 
 mesmo tipo de ilícito criminal, tendo em conta a agravação prevista no art. 299 
 
 - pertencer a coisa ao sector público - prevê, no seu art. 300, uma pena que 
 pode ir de um ano e quatro meses a dez anos e oito meses de prisão, por haver um 
 tratamento desproporcionadamente diferente, sobretudo em relação ao mínimo das 
 penas cominadas, para uma ilicitude material substancialmente idêntica, julgou 
 inconstitucional - por violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade, 
 lidos conjuntamente - a disposição do art. 203 alínea a) do CJM, na medida em 
 que impõe uma pena superior à prevista no Código penal.
 
  
 
  
 
               Assim sendo, considera-se inalterável o decidido no acórdão a 
 reformar quanto ao indeferimento das nulidades invocadas, à matéria de facto 
 dado como provada, ao seu enquadramento jurídico e ainda à revogação da pena de 
 demissão, cabendo rever tão somente a medida da pena aplicada, já que, como se 
 diz no douto aresto do Tribunal Constitucional, aquela declaração de 
 inconstitucionalidade «há-de conduzir à impossibilidade de aplicação de pena 
 superior à prevista para o correspondente crime descrito no Código Penal (arts. 
 
 299 e 300) [»].
 
  
 
  
 
               Equivale isto a dizer que, sendo de manter a decisão constante do 
 acórdão reformado no sentido de que a conduta do recorrente integra o crime de 
 abuso de confiança previsto no art. 203 al. a) do CJM, há que aplicar-lhe, 
 agora, uma pena que esteja contida dentro dos limites estabelecidos pelo Código 
 Penal para o correspondente crime - arts. 300 nº 2 al. a) e 299 - e que são, 
 como atrás ficou referido, um ano e quatro meses e dez anos e oito meses de 
 prisão.
 
  
 
  
 
               Ora, acontece que a pena de seis anos de prisão que foi imposta ao 
 recorrente se situa dentro daqueles parâmetros já que coincide, precisamente, 
 com a média entre os limites mínimo e máximo previstos no Código Penal para o 
 correspondente crime e se, por força do princípio da proibição da «reformatio in 
 pejus», consagrado no art. 440 nº 1 do CJM, este Supremo Tribunal não pode 
 agravá-la,  também inexistem quaisquer razões para a mitigar, pelo que será de 
 manter inalterável. E isso, não porque se considere correcto e de seguir o 
 critério proposto pelo Prof. Eduardo Correia de os juízes utilizarem, como ponto 
 de partida, na determinação da medida concreta da pena, a média entre os seus 
 limites mínimo e máximo, orientação esta que, como escreve  Maia Gonçalves in 
 
 «Código Penal Português» - 6ª edição, pág. 119, nunca se justificou e está hoje 
 completamente abandonada, mas porque a tal conduz a ponderação das reais 
 determinantes da medida concreta da pena previstas no art. 72 do Código Penal e, 
 concretamente, do grau de ilicitude do facto, do modo de execução e da gravidade 
 das suas consequências, do grau de violação de deveres inerentes ao estatuto 
 pessoal e funções do recorrente e da intensidade do dolo. 
 
  
 
  
 
               Considera-se, portanto, adequada e justa a pena aplicada ao 
 recorrente, tendo em conta a moldura penal prevista no Cod. Penal para o crime 
 correspondente ao previsto no art. 203 al. a) do CJM'. (a fls. 32 vº a 34 vº dos 
 autos)
 
  
 
  
 
  
 
                                8. Notificado deste acórdão, o ora reclamante 
 dele veio interpor segundo recurso para o Tribunal Constitucional, invocando as 
 previsões do 'art. 70º, nº 1 e 3 (a contrario), do art. 75º nº 1 e do art. 
 
 75º-A, nº 1' e afirmando que o Supremo Tribunal Militar violara os arts. 32º, nº 
 
 5, 32º, nº 1, e art. 280º, 1, b) da Constituição 'na medida em que o Acórdão 
 recorrido não deu integral cumprimento à decisão do Tribunal Constitucional que 
 julgou inconstitucional a disposição do art. 203º, alínea a) do Código de 
 Justiça Militar' (a fls. 36).
 
  
 
  
 
                                O despacho de rejeição deste recurso tem a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
  
 
 'Porque o acórdão deste Supremo Tribunal se limitou a reformar o acórdão 
 anterior em conformidade com o julgamento do Tribunal Constitucional sobre a 
 questão da inconstitucionalidade, ou seja, a fixar a pena concreta dentro da 
 moldura penal preconizada por aquele julgamento de inconstitucionalidade, é 
 
 óbvio que tal decisão não admite recurso para o Tribunal Constitucional até 
 porque se não enquadra em qualquer das alíneas do nº 1 do art. 70 da lei nº 
 
 28/82 e, por outro lado, os recursos para o Tribunal Constitucional são 
 restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade - art. 71 da 
 citada Lei - e não é essa a questão dos autos' (a fls. 38 vº).
 
  
 
  
 
                                   E no acórdão que manteve o mesmo despacho, 
 depois de se referir que, 'certamente por lapso', havia a reclamante dirigido a 
 reclamação ao Presidente do Supremo Tribunal Militar, considerou-se que, do teor 
 literal da reclamação deduzida, se verificava:
 
  
 
 '... que não vem arguida a inconstitucionalidade de qualquer norma em concreto, 
 nem que este Supremo Tribunal tenha feito aplicação, no acórdão recorrido, do 
 art. 203 al. a) do CJM, na parte declarada inconstitucional ou duma 
 interpretação não conforme com o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo 
 Tribunal Constitucional' (a fls. 6 vº).
 
  
 
  
 
                                E, no mesmo acórdão, depois de se sublinhar que o 
 reclamante não explicou, 'minimamente, em que é que consistiu o não integral 
 cumprimento por parte do acórdão recorrido da decisão do Tribunal Constitucional 
 como pressuposto de admissibilidade do recurso' para este Tribunal, chama-se a 
 atenção para que a invocação da falta de cumprimento integral da decisão do 
 Tribunal Constitucional que ordena a reforma de uma decisão do tribunal 
 recorrido 'se revela absolutamente insuficiente para que se possa enquadrar tal 
 situação em qualquer das alíneas do nº 1 do art. 7º da Lei 28/82' (a fls. 6 vº).
 
  
 
  
 
                                9. Entende-se que a presente reclamação não pode 
 ser julgada procedente.
 
  
 
  
 
                                Como resulta da longa transcrição do segundo 
 acórdão do Supremo Tribunal Militar, este deu integral cumprimento ao acórdão do 
 Tribunal Constitucional, procedeu a uma segunda ponderação da medida da pena que 
 entendeu caber ao agente atendendo ao tipo de ilícito, ao grau de culpa e as 
 restantes circunstâncias do crime. Ao manter a pena já anteriormente aplicada - 
 tendo o cuidado de afirmar que estaria sempre afastada, na actividade de reforma 
 do anterior acórdão, a possibilidade de reformatio in pejus - o Supremo Tribunal 
 Militar exerceu uma competência legal que é exclusivamente sua, sendo certo que 
 explicitamente afastou a aplicação da norma anteriormente aplicada do Código de 
 Justiça Militar, em obediência à decisão do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 
                                O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu visto, 
 afirma que 'não poderá deixar de considerar-se, de algum modo, estranho que o 
 STM - partindo de medidas legais da pena substancialmente diversas quanto ao seu 
 máximo e mínimo aplicáveis - tenha acabado por chegar a uma medida concreta da 
 pena perfeitamente idêntica'. E, de seguida, acrescenta que tal actuação poderá 
 ter o significado de que 'aquele Tribunal, ou havia sido muito benevolente na 
 determinação da pena alcançada face à norma incriminadora do CJM, ou muito 
 severo na concretização da pena decorrente da norma incriminadora constante dos 
 artigos 299º e 300º do Cód. Penal...' (a fls. 42 dos autos).
 
  
 
  
 
                                10. Seja como for, não pode o Tribunal 
 Constitucional sindicar o acto judicial de determinação da pena criminal 
 aplicada pelo tribunal recorrido, na ocasião da reforma da sua decisão em 
 execução de um acórdão do próprio Tribunal Constitucional. Contrariamente ao que 
 parece afirmar o reclamante, não existem indícios suficientes de que o Supremo 
 Tribunal Militar haja continuado a aplicar implicitamente  a norma julgada 
 inconstitucional. A haver quaisquer indícios, bem pode suspeitar-se, ao 
 contrário, que a determinação da pena no primeiro acórdão levou implicitamente 
 em conta a desproporção da moldura penal do Código de Justiça Militar, sem ter 
 chegado ao ponto de julgar inconstitucional a alínea a) desse art. 203º.
 
  
 
  
 
                                Neste caso concreto, não pode, assim, conceder-se 
 provimento à reclamação, sob pena de o Tribunal Constitucional se arrogar um 
 poder ilimitado de controlo do modo como os outros tribunais executam as 
 decisões daquele quanto a julgamentos em matéria de constitucionalidade, nos 
 termos do art. 80º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, poder que a lei lhe 
 não confere (na jurisprudência mais recente, com formulações variáveis, 
 vejam-se, entre outros, os acórdãos nºs 94/90, 330/92, 318/93, e 462/94, de que 
 se acham publicados apenas o primeiro e o terceiro, in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 15º, pág. 332 e segs., e Diário da República, II Série, nº 
 
 232, de 2 de Outubro de 1993, respectivamente; sobre esta matéria, consulte-se  
 António Rocha Marques, O Tribunal Constitucional e os Outros Tribunais: a 
 Execução das Decisões do TC, in Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, ob. colectiva, Lisboa, 1993, págs. 453 e segs.)
 
  
 
  
 III
 
  
 
                                11. Nestes termos e pelas razões expostas, decide 
 o Tribunal Constitucional julgar improcedente a presente reclamação.
 
  
 
  
 
                                Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de 
 justiça em quatro (4) unidades de conta.
 
  
 
                                Lisboa,23 de Fevereiro de 1995
 
                                Ass) Armindo Ribeiro Mendes
 Antero Alves Monteiro Dinis
 Alberto Tavares da Costa
 José Manuel Cardoso da Costa