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Processo n.º 360/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 A – Relatório 
 
  
 
  
 
                         1 – A. e B., melhor identificados nos autos, recorrem 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, 
 alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção actual (LTC), do 
 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de Dezembro de 2006, pretendendo 
 ver sindicada a constitucionalidade da norma do artigo 174.º, n.º 5, do Código 
 de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que a comunicação da 
 realização de uma busca, realizada a coberto dos “artigos 174.º, n.º 4, alínea 
 a), e 177.º, n.º 2, do mesmo diploma, pode ser efectuada conjuntamente com a 
 apresentação dos arguidos detidos, no prazo de 48 horas”, e da norma resultante 
 dos artigos 174.º, n.º 4, alínea a), e 177.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal, interpretada “no sentido de que para efeitos de apreciação e validação de 
 busca domiciliária realizada, é suficiente que o juiz de instrução valide as 
 detenções dos arguidos e aprecie os indícios existentes nos autos em ordem à 
 fixação de uma medida de coacção, sem expressa e/ou inequivocamente declarar que 
 valida a busca realizada”, em ambos os casos por violação do disposto nos 
 artigos 32.º, n.º 8 e 34.º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
                         2 – Na parte ora relevante, a decisão recorrida tem o 
 seguinte teor:
 
  
 
 “(...)
 
 7.2. – 2ª questão (a nulidade da busca) 
 Suscitam os recorrentes a nulidade da busca invocando dois fundamentos: 
 
 - a ausência da comunicação imediata da realização da busca ao juiz; 
 
 - a não validação dessa busca. 
 
 7.2.1. As buscas domiciliárias podem ser efectuadas pelos órgãos de polícia 
 criminal, designadamente, nos casos “de terrorismo, criminalidade violenta ou 
 altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime 
 que ponha em grave risco a vida ou integridade física de qualquer pessoa” (art°s 
 
 177 nº 2 e 174 nº 4 al. a), ambos do CPP). 
 Nesse caso, “a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente 
 comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação” 
 
 (art. 174 nº 5 do CPP). 
 A lei não diz o que deve entender-se pela expressão “imediatamente 
 comunicada...”, mas não pode deixar de se entender, por um lado, ao sentido 
 atribuído a tal expressão na linguagem comum, pois “o intérprete presumirá que o 
 legislador... soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (art. 9 nº 3 
 do código Civil), por outro, aos fins visados com tal comunicação imediata da 
 realização da diligência ao juiz de instrução. 
 Imediatamente significa, em suma, “de modo imediato, sem demora”, 
 
 “urgentemente”, “o mais rapidamente possível”; por outro lado, com aquela 
 comunicação imediata visa o legislador assegurar um controlo efectivo da 
 legalidade da diligência (e da legalidade das provas assim obtidas), de modo a 
 garantir que a mesma – enquanto intromissão na vida privada de alguém – se 
 revelava necessária e proporcionada aos fins visados, sem deixar de ter em 
 conta, também, as circunstâncias concretas em que ela se realiza, muitas vezes 
 integrada numa complexidade de factos e diligências que não permitem a sua 
 imediata comunicação ao juiz de instrução, sob pena de se frustrarem os fins 
 visados com a investigação, que não se circunscrevem àquela diligência. 
 Pretende-se, em suma, procurar uma situação de equilíbrio entre os fins visados 
 com a busca e a investigação dos ilícitos que justificam a sua realização, por 
 um lado, e o respeito pelos direitos dos cidadãos, maxime, dos arguidos, que se 
 visam acautelar com um controlo efectivo da legalidade da busca pelo juiz de 
 instrução. 
 Ora, tendo em conta, por um lado, a complexidade (e gravidade) dos factos em 
 investigação, que resulta, quer dos crimes em causa (pelos quais os arguidos 
 vieram a ser pronunciados: um crime de sequestro, um crime de homicídio 
 qualificado, um crime de profanação/ocultação de cadáver e um crime de detenção 
 ilegal de arma de defesa) quer da quantidade dos arguidos envolvidos (cinco), 
 por outro, a complexa organização do processo/expediente – que se infere 
 daqueles factos, mas que resulta de outras diligências documentadas nos autos e 
 referenciadas no despacho de pronúncia – para ser presente com os arguidos 
 
 (detidos) ao juiz de instrução, temos de considerar: 
 
 -                que a apresentação do expediente (relativo à busca) ao juiz de 
 instrução, juntamente com os arguidos (detidos) para 1º interrogatório judicial 
 
 (no dia 17.09.2005), foi efectuada num prazo razoável, ou seja, o mais 
 rapidamente possível, atentas as circunstâncias do caso, apreciadas de acordo 
 com os critérios da razoabilidade e do bom senso (não faria sentido, 
 contrariamente ao alegado, que nesse complexo de diligências de investigação, em 
 que está a ser preparado/organizado todo o expediente para apresentar ao juiz de 
 instrução, juntamente com os arguidos, detidos, para 1º interrogatório judicial, 
 que a comunicação da busca merecesse tratamento privilegiado e isolado em 
 relação à apresentação dos arguidos, quando é certo que os elementos de prova 
 nela recolhidos eram essenciais para o interrogatório e seriam necessariamente 
 aí considerados); 
 
 -                que – como se argumentou no despacho recorrido – não seria 
 razoável (e não resulta que essa fosse a sua intenção) que o legislador 
 pretendesse impor um prazo mais curto para a comunicação da busca ao juiz de 
 instrução do que o imposto para a apresentação do arguido detido para 1º 
 interrogatório judicial, sendo certo que a privação da liberdade se apresenta 
 como uma restrição mais grave aos direitos dos cidadãos do que a restrição de 
 quaisquer outros direitos; 
 
 -                que a apresentação desse expediente ao juiz de instrução (que o 
 manuseia, com ele contacta materialmente e aprecia), juntamente com os arguidos 
 detidos para 1º interrogatório judicial, vale como comunicação da busca 
 
 (comunicar não é mais do que levar ao conhecimento de...), pois o juiz de 
 instrução – com tal formalidade e com o interrogatório dos arguidos – tomou 
 necessariamente conhecimento da busca, circunstâncias em que foi realizada e dos 
 elementos de prova recolhidos na mesma, como se demonstra pelo interrogatório 
 efectuado (que incidiu sobre os elementos de prova recolhidos na casa onde foi 
 efectuada a busca) e da necessária referência a tais elementos, designadamente, 
 ao cadáver da vítima encontrado na busca. 
 
 7.2.2. Relativamente à validação da busca dir-se-á apenas: 
 Por um lado, que a nulidade (da diligência) prevista no art. 174º nº 5 do CPP 
 não resulta da não validação da mesma pelo juiz, mas da sua não comunicação (o 
 que aí se escreve é que “a realização da diligência é, sob pena de nulidade, 
 comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada...”) – e esta, em face do 
 que se deixa dito, considera-se efectuada com a apresentação do expediente ao 
 juiz juntamente com os arguidos detidos para serem interrogados, designadamente, 
 sobre os indícios recolhidos na busca. 
 Por outro lado, e mesmo que assim não se entenda, a busca e os elementos de 
 prova nela recolhidos foram apreciados pelo juiz de instrução, como se vê do 
 despacho que validou e manteve a detenção dos arguidos, concretamente porque, em 
 face dos elementos de prova recolhidos e que lhe foram presentes (designadamente 
 os indícios de prova recolhidos na busca), se mostrava fortemente indiciada a 
 prática, por todos os arguidos, em co-autoria material, de um crime de homicídio 
 qualificado, de um crime de ocultação de cadáver e de posse e detenção de arma 
 proibida; tendo o cadáver da vítima e as armas apreendidas sido encontrados no 
 interior da casa onde foi efectuada a busca, não pode deixar de se concluir que 
 o juiz de instrução, fundamentando a sua decisão nessas provas, não só tomou 
 conhecimento da busca e dos elementos de prova nela recolhidos, como a 
 considerou, implicitamente, válida, aceitando e valorando as provas nela 
 recolhidas para validar a detenção dos arguidos e manter os mesmos em prisão 
 preventiva. 
 Neste sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos da RL de 2.10.94 e de 
 
 23.06.94, in www.dgsi.pt
 Em sentido idêntico pode ver-se também o acórdão do STJ de 15.12.1998, in 
 
 www.dgsi.pt, onde se escreveu, em sumário: “... Quanto à validação da busca... 
 ela resulta inequivocamente do despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal, 
 proferido no dia imediato ao da realização da busca e que validou a detenção do 
 arguido recorrente e lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva 
 expressamente com base nas quantidades de produtos estupefacientes apreendidos 
 quando o arguido lhe foi presente para interrogatório, acompanhado do auto de 
 notícia – no qual é relatada a detenção do arguido e subsequente busca 
 domiciliária... — e auto de apreensão da droga...”.
 
                         (...)”.
 
  
 
                         3 – Notificados para o efeito, os recorrentes 
 apresentaram as suas alegações, tendo concluído a sua argumentação dizendo que:
 
                         
 
 “(...)
 
 1.            O douto acórdão recorrido interpretou a expressão “imediatamente 
 comunicada…”, ínsita no artigo 174º nº 5 do CPP, com o sentido de que o OPC pode 
 comunicar a realização de uma busca, realizada a coberto dos artigos 177º nº 2 e 
 
 174º nº 4 al. a) do CPP, no tempo em que apresenta o expediente para audição de 
 arguido detido para 1º interrogatório, ou seja, 40 horas após a realização 
 daquela diligência, ainda que o tribunal se encontrasse aberto para expediente. 
 
 2.            Tal impõem os interesses constitucionais em causa, tendo em conta 
 que foi feita uma busca domiciliária sem qualquer despacho prévio de qualquer 
 autoridade judiciária. 
 
 3.            A Constituição Portuguesa considera o direito ao domicílio como um 
 direito inviolável.
 
 4.            Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira[1] V. O direito à 
 inviolabilidade de domicilio é ainda um direito à liberdade da pessoa pois está 
 relacionado, tal como o direito à inviolabilidade de correspondência, com o 
 direito à inviolabilidade pessoal (esfera privada espacial, previsto no art. 
 
 2óº), considerando-se o domicílio como projecção espacial da pessoa e a 
 correspondência como exteriorização da própria pessoa.
 
 5.            É assim, desde logo, por força de pertinentes e incontornáveis 
 imperativos constitucionais, nomeadamente do artigo 34º da CRP, que faz depender 
 a validade e admissibilidade destas medidas da observância das pertinentes 
 normas de autorização constantes da lei processual penal. 
 
 6.            Estão em causa direitos tão nucleares como a privacidade, o sigilo 
 da correspondência e das telecomunicações, a inviolabilidade do domicílio e dos 
 espaços vedados ao público. 
 
 7.            Na verdade, como já explanado, entendemos que tais normais deverão 
 ser interpretadas com o sentido de que é excessivo um prazo superior às 24 horas 
 seguintes à pratica do acto processual – uma busca –, em horário de 
 funcionamento normal dos serviços do Tribunal e dos OPC, atendendo à 
 simplicidade do acto em si, para a comunicação imediata exigida pela Lei. 
 
 8.            O douto acórdão também interpretou a norma constante dos artigos 
 
 177º nº 2 e 174º nº 4 al. a) e nº 5, do CPP com o sentido de que a nulidade aí 
 prevista não resulta da não validação da busca pelo juiz mas da sua não 
 comunicação. De todo o modo, entende o douto acórdão recorrido que a 
 circunstância de o juiz ter apreciado os elementos resultantes dessa busca, 
 implicitamente a validou. 
 
 9.            O nº 5 do art. 174º do CPP configura um pressuposto complementar e 
 irrenunciável do específico regime legal das buscas. 
 
 10.        Com tal clareza, contra o qual só à custa de frontal violação da lei 
 se pode invocar uma validação tácita, decorrente de decisão posterior a decretar 
 a prisão preventiva. 
 
 11.        Dúvidas não existem, que é imposto ao juiz de instrução (juiz das 
 liberdades), uma apreciação em concreto de uma busca domiciliária sem 
 autorização judicial. 
 
 12.        Até porque, só existindo um despacho judicial que aprecie em concreto 
 a validade da busca, é que é possível ao arguido exercer o seu direito de 
 recurso 
 
 13.        A busca realizada deverá ser expressamente apreciada e validada pelo 
 Juiz de Instrução, debruçando-se este concretamente, sobre a validade do meio de 
 obtenção de prova: ou de outra forma, tais normas devem ser interpretadas com o 
 sentido de que, por ser formal e substancialmente diferente, o Juiz de Instrução 
 deve apreciar a regularidade de realização de uma busca e assim validá-la, não o 
 fazendo com a mera actividade de validar a detenção ou de sopesar, para fins 
 completamente diferentes (para fixação de uma medida de coacção), o resultado 
 indiciário deste meio de obtenção de prova. 
 
 14.        Consideramos pois, que a interpretação dada pelo tribunal a quo aos 
 art°s 174º nº 4 al. a) e nº 5 e art. 177º nº 2 do CPP, com o sentido de que para 
 efeitos de apreciação e validação (nos termos do nº 5 já citado) de busca 
 domiciliária realizada (ao abrigo das citadas normas), basta e é suficiente 
 
 (encontrando-se o Meritíssimo JIC a realizar essa operação de apreciação e 
 validação da busca), que este valide as detenções dos arguidos e aprecie os 
 indícios existentes nos autos em ordem à fixação de uma medida de coacção, sem 
 expressa e/ou inequivocamente declarar que valida a busca realizada, inquina de 
 inconstitucionalidade aquelas normas, por violação do disposto nos arts 32º nºs 
 
 8 e 34º nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 
                         4 – Por sua vez, o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal 
 Constitucional, contra-alegou, concluindo que:
 
                    
 
 “1.º Não constitui restrição desproporcionada à tutela constitucional do 
 domicílio o entendimento segundo o qual é tempestiva a comunicação ao juiz da 
 realização de uma busca domiciliária dentro do prazo de 48 horas, procedendo-se 
 
 à apresentação conjunta do expediente que a corporiza e do próprio arguido 
 detido.
 
                    2.º Não viola qualquer princípio constitucional o 
 entendimento segundo o qual é passível de interpretação o despacho judicial 
 subsequente a tal comunicação, tendo-se a busca domiciliária por validada quando 
 o juízo de validação, embora não expresso, constitua antecedente lógico 
 indispensável, implícito no acto que considerou inquestionavelmente válida a 
 aquisição processual dos meios probatórios facultados por tal diligência.”
 
  
 
  
 B – Fundamentação 
 
  
 
                         5 – Como se referiu, as questões de constitucionalidade 
 colocadas no presente recurso surgem delimitadas por referência aos artigos 
 
 174.º, n.º 4, alínea a), e 177.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
 
                         Tais normas, sistematicamente inseridas no Capítulo II 
 
 (Das revistas e buscas) do Título III (Dos meios de obtenção da prova) do Livro 
 III (Da prova) do Código de Processo Penal, têm o seguinte teor literal:
 
  
 
 “Artigo 174.º 
 
 (Pressupostos)
 
  
 
                    1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa 
 quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é 
 ordenada revista.
 
                    2. Quando houver indícios de que os objectos referidos no 
 número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram 
 em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
 
                    3. As revistas e buscas são autorizadas ou ordenadas por 
 despacho pela entidade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, 
 presidir à diligência.
 
                    4. Ressalvam-se das exigências contidas no número anterior as 
 revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
 
                    a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente 
 organizada, quando haja fundados indícios da prática de iminente crime que ponha 
 em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
 
                    b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento 
 prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou
 
                    c) Aquando da detenção em flagrante por crime a que 
 corresponda pena de prisão.
 
                    5. Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a 
 realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao 
 juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação”.
 
  
 
 “Artigo 177.º 
 
 (Busca domiciliária)
 
                    
 
 1. A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada 
 ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as sete e as vinte e uma horas, sob 
 pena de nulidade.
 
                    2. Nos casos referidos no artigo 174.º, n.º 4, alíneas a) e 
 b), as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas por órgão de policia 
 criminal. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 174.º, n.º 5.
 
                    3. [...].
 
                    4. [...]”.
 
                         
 
                         Por sua vez, os preceitos constitucionais tidos por 
 violados – artigos 32.º, n.º 8, e 34.º, nºs 1 e 2 da CRP – têm a seguinte 
 redacção:
 
  
 
 “Artigo 32.º 
 
 (Garantias de processo criminal)
 
               
 
 1. [...].
 
               2. [...].
 
               3. [...].
 
               4. [...].
 
               5. [...].
 
               6. [...].
 
               7. [...].
 
               8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, 
 ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida 
 privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
 
               9. [...].
 
               10. [...]”.
 
  
 
 “Artigo 34.º 
 
 (Inviolabilidade do domicílio e da correspondência)
 
  
 
               1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de 
 comunicação privada são invioláveis.
 
               2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só 
 pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as 
 formas previstos na lei.
 
               3. [...].
 
               4. [...].
 
  
 
                         Passemos, então, a considerar as questões postas pelos 
 recorrentes.
 
  
 
  
 
 6 – Como é consabido, a axiologia fundamentante do processo penal surge, 
 hodiernamente, entretecida com o direito constitucional, em termos que permitem 
 desvelar uma “estrita ligação” entre estes dois âmbitos jurídicos dogmáticos – 
 cf. Acórdão n.º 7/87 (publicado no Diário da República I Série, de 9 de 
 Fevereiro de 1987 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol., p. 7 e 
 ss.) –, bem ilustrada no entendimento de que aquele direito adjectivo corporiza, 
 em substância, verdadeiro “direito constitucional aplicado”.
 
                         Essa relação de interferência normativa fundamentante 
 está na base da afirmação, no artigo 32.º da Constituição, “[d]os mais 
 importantes princípios materiais do processo criminal – [condensados n]a 
 constituição processual criminal” (v. Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, vol. I, Coimbra, 
 
 2007,pp. 515). 
 Nesse mesmo preceito constitucional – no seu n.º 8 – consta uma referência 
 ineliminável ao problema da obtenção da prova, claramente elucidativa de que o 
 nosso legislador constituinte ponderou e valorou os interesses subjacentes ao 
 processo penal, modelando esse horizonte jurídico em referência ao princípio 
 suprapositivo da tutela da dignidade humana, daí resultando, como se disse no 
 Acórdão n.º 7/87, “uma estrutura processual que permita, eficazmente, tanto 
 averiguar e condenar os culpados criminalmente, como defender e salvaguardar os 
 inocentes de perseguições injustas”, tendo em conta, por outro lado, a “válida 
 conciliação de dois princípios ético-jurídicos fundamentais: o princípio da 
 reafirmação, defesa e reintegração da comunidade ético-jurídica – i. é, do 
 sistema de valores ético-jurídicos que informam a ordem jurídica, e que encontra 
 a sua tutela normativa no direito material criminal –, e o princípio do respeito 
 e garantia da liberdade e dignidade dos cidadãos, i. é, os direitos irredutíveis 
 da pessoa humana” (A. Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 
 
 1967-1968, I, citado no Acórdão supra referido). 
 Na mesma linha, escreve-se no referido aresto, reproduzindo Figueiredo Dias (in 
 Direito Processual Penal, 1974), que:
 
  
 
  “O processo penal constitui um dos lugares por excelência em que tem de 
 encontrar-se a solução do conflito entre as exigências comunitárias e a 
 liberdade de realização da personalidade individual. Aquelas podem postular, em 
 verdade, uma «agressão» na esfera desta; agressão a que não falta a utilização 
 de meios coercivos (prisão preventiva, exames, buscas, apreensões) e que mais 
 difícil se torna de justificar e suportar por se dirigir a meros «suspeitos» – 
 tantas vezes inocentes – ou mesmo a «terceiros» (...).
 Daí que ao interesse comunitário na prevenção e repressão da criminalidade tenha 
 de pôr-se limites – inultrapassáveis quando aquele interesse ponha em jogo a 
 dignitas humana que pertence mesmo ao mais brutal delinquente; ultrapassáveis, 
 mas só depois de cuidadosa ponderação da situação, quando conflitue com o 
 legítimo interesse das pessoas em não serem afectadas na esfera das suas 
 liberdades pessoais para além do que seja absolutamente indispensável à 
 consecução do interesse comunitário. É através desta ponderação e justa decisão 
 do conflito que se exclui a possibilidade de abuso do poder (...) e se põe a 
 força da sociedade ao serviço e sob controlo do Direito; o que traduz só, 
 afinal, aquela limitação do poder do Estado pela possibilidade de livre 
 realização da personalidade ética do homem que constitui o mais autêntico 
 critério de um verdadeiro Estado de direito(...).
 Daqui resultam, entre outras, as exigências correntes: de uma estrita e 
 minuciosa regulamentação legal de qualquer indispensável intromissão, no decurso 
 do processo, na esfera dos direitos do cidadão constitucionalmente garantidos; 
 de que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial de tais direitos, mesmo 
 quando a Constituição concede àquela liberdade para os regulamentar; de estrito 
 controlo judicial da actividade de todos os órgãos do Estado (...); de proibição 
 de provas obtidas com violação da autonomia ética da pessoa, mesmo quando esta 
 consinta naquela (...)”.
 
  
 Assim, do mesmo passo que numa certa perspectiva se tem realçado, como o fez o 
 Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht – BVerfG; v. 
 Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts –BVerfGE–, 33, 383), que “na medida 
 em que o princípio do Estado de Direito contém uma ideia de justiça como 
 componente essencial [...], ele exige também a manutenção de uma administração 
 de justiça capaz de funcionar, sem o que não se pode ajudar a justiça a vingar 
 
 [...], [devendo reconhecer-se] as necessidades irrenunciáveis de uma acção penal 
 eficaz [...], acentuado o interesse público numa investigação da verdade, o mais 
 completa possível, no processo penal, indicando o esclarecimento dos crimes 
 graves como tarefa essencial de uma comunidade orientada pelo princípio do 
 Estado de Direito”, também a doutrina tem recordado a existência de “limites 
 intransponíveis à prossecução da verdade em processo penal” (Manuel da Costa 
 Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra, 1992, p. 117) 
 que decorrem do reconhecimento de que “quando em qualquer ponto do sistema ou da 
 regulamentação processual penal, esteja em causa a garantia da dignidade da 
 pessoa – em regra do arguido, mas também de outra pessoa, inclusive da vítima –, 
 nenhuma transacção é possível. A uma tal garantia deve ser conferida 
 predominância absoluta em qualquer conflito com o interesse – se bem que, também 
 ele legítimo e relevante do ponto de vista do Estado de direito – no eficaz 
 funcionamento do sistema de justiça penal” (Figueiredo Dias, Para uma reforma 
 global do processo penal português. Da sua necessidade e de algumas orientações 
 fundamentais, in Para uma nova justiça penal, Coimbra, 1983, p. 207).
 E também este Tribunal, abordando, no seu Acórdão n.º 578/98 (publicado no 
 Diário da República II Série, de 26 de Fevereiro de 1999), o tema da prova em 
 processo penal, não deixou igualmente de lembrar que:
 
  
 
      “(...) no processo penal, vigora o princípio da liberdade de prova, no 
 sentido de que, em regra, todos os meios de prova são igualmente aptos e 
 admissíveis para o apuramento da verdade material, pois nenhum facto tem a sua 
 prova ligada à utilização de um certo meio de prova pré-estabelecido pela lei. E 
 recorda-se que também a busca da verdade material é, no processo penal, um dever 
 
 ético e jurídico.
 
      É que o Estado, como titular que é do ius puniendi, está interessado em que 
 os culpados de actos criminosos sejam punidos; só tem, porém, interesse em punir 
 os verdadeiros culpados: satius esse nocetem absolvi innocentem damnari – 
 sentenciavam os latinos.
 
      O Estado está, por isso, igualmente interessado em garantir aos indivíduos 
 a sua liberdade contra o perigo de injustiças. Está interessado, desde logo, em 
 defendê-los «contra agressões excessivas da actividade encarregada de realizar a 
 justiça penal» (cf. Eduardo Correia, «Les preuves en droit pénal portugais», in 
 Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XIV, 1967, p. 8).
 
      Existe um dever ético e jurídico de procurar a verdade material. Mas também 
 existe um outro dever ético e jurídico que leva a excluir a possibilidade de 
 empregar certos meios na investigação criminal.
 
      A verdade material não pode conseguir-se a qualquer preço: há limites 
 decorrentes do respeito pela integridade moral e física das pessoas; há limites 
 impostos pela inviolabilidade da vida privada, do domicílio, da correspondência 
 e das telecomunicações, que só nas condições previstas na lei podem ser 
 transpostos. E existem também regras de lealdade que têm de ser observadas.
 
      (...)
 Numa síntese aproximativa, pode dizer-se, com Eduardo Correia, que determinada 
 prova é inadmissível «quando a violação das formas da sua obtenção ou da sua 
 produção entra em conflito com os princípios cuja importância ultrapassa o valor 
 da prova livre» (cf. ob. cit., p. 40); numa palavra: quando aqueles valores e 
 princípios são lesados «a um tal ponto que as razões éticas que impõem 
 precisamente a verdade material não podem deixar de a proibir) (ob. cit., p. 
 
 35).”
 
  
 
                         Ora, se nestas considerações se denota a tensão 
 particular que está subjacente ao nódulo problemático que as presentes questões 
 de constitucionalidade densificam, ilustrando o referente axiológico-normativo 
 aqui presente, importará agora, projectando tal pressuposto dogmático, reflectir 
 sobre os termos em que a tutela jusfundamental do domicílio surge 
 constitucionalmente configurada, em articulação com o regime processual das 
 buscas domiciliárias, principaliter na parte controvertida no presente recurso.
 
  
 
  
 
                         6.1 – O direito à inviolabilidade do domicílio, com 
 assento no artigo 34.º da CRP – bem como, para além de muitos outros 
 ordenamentos jurídicos, no artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos do 
 Homem, no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 
 
 17.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos –, pode 
 entender-se, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição..., cit., p. 
 
 541), como “um direito à liberdade da pessoa pois está relacionado (...) com o 
 direito à inviolabilidade pessoal (esfera privada espacial, previsto no art. 
 
 26.º), considerando-se o domicílio como projecção espacial da pessoa”.
 
                         Tal entendimento vem sendo também acolhido por este 
 Tribunal – cf., inter alia, os Acórdãos nºs 507/94 (publicado nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 28.º vol., 1994, p. 463) e 364/06 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) –, que vem tratando este direito fundamental 
 
 'dimensionado e moldado a partir da observância do respeito pela dignidade da 
 pessoa humana, na sua vertente de intimidade da vida privada' (Acórdão n.º 
 
 67/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., p. 247). 
 Concretizando o sentido emergente dessa jurisprudência, dir-se-á agora, apenas, 
 que a inviolabilidade do domicílio densifica um direito fundamental que garante 
 
 à pessoa, numa precipitação que traduz o reconhecimento da sua dignidade ética e 
 concretiza a tutela jusfundamental do seu livre desenvolvimento (cf. artigo 
 
 26.º), um elementar espaço de vida” – elementaren Lebensraum –, ou uma “esfera 
 privada espacial” – räumliche Privatsphäre – (cf. BverfGE 51, 97 e BverfGE 109, 
 
 279), colocada na livre disponibilidade do seu titular.
 Formulação esta que acompanha de perto as considerações vertidas no recente 
 Acórdão de 4 de Março de 2004 do Bundesverfassunsgericht (BverfGE 109, 279 e 
 igualmente disponível em:
 
 www.bundesvefassungsgericht.de/entscheidungen/rs20040303_1bvr237898.html), onde 
 se considerou que “a inviolabilidade do domicílio (Unverletzlichkeit der 
 
 Wohnung) está intimamente relacionada com a dignidade humana e, ao mesmo tempo, 
 com o mandamento constitucional de respeito incondicional por uma esfera do 
 cidadão para um exclusivamente privado – “personalíssimo” – desenvolvimento 
 
 (eine ausschließlich private - eine 'höchstpersönliche' – Entfaltung)”, daí 
 decorrendo a necessidade de garantir o “direito de ser deixado em paz”, maxime 
 no que concerne às “dependências domiciliares” onde a pessoa desenvolve, em 
 reserva, a sua vida privada.
 
  
 Em todo o caso, se não se duvida de que o respeito pela inviolabilidade do 
 domicílio constitui “uma condição de integridade da pessoa e a sua protecção 
 deve ser considerada actualmente como um aspecto da protecção da «dignidade 
 humana»” (mutatis mutandis, assumem-se aqui as reflexões tecidas a propósito da 
 protecção da vida privada por Paulo Mota Pinto, in A Protecção da vida privada e 
 a Constituição, Boletim da Faculdade de Direito – BFDUC –, Coimbra, 2000, p. 
 
 164), importará igualmente reconhecer que tal direito não pode configurar-se, em 
 absoluto, como um direito de conteúdo ou âmbito material ilimitado em face de 
 outros direitos ou interesses tutelados sub species constitutionis.
 Nessa linha e como refere Vieira de Andrade (in Os Direitos Fundamentais na 
 Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, Coimbra, 2001, p. 79), pode 
 afirmar-se que a “autonomia dos direitos fundamentais como instituto 
 jurídico-constitucional é, afinal, o reflexo da autonomia ética da pessoa, 
 enquanto ser simultaneamente livre e responsável. E, como esta, é ao mesmo tempo 
 irrecusável e limitada. [§] Irrecusável, porque a liberdade dos homens não pode 
 confundir-se com a justiça social ou com a democracia política, nem ser-lhes 
 sacrificada (...). [§] Limitada, porque o homem individual, destinado ou 
 condenado a viver em comunidade, tem também deveres fundamentais de 
 solidariedade para com os outros e para com a sociedade, obrigando-se a 
 respeitar as restrições e as compressões indispensáveis à acomodação dos 
 direitos dos outros e à realização dos valores comunitários, ordenados à 
 felicidade de todos (...)”.
 E um reflexo imediato dessa ponderação encontra-se logo nos termos com que a 
 própria Constituição define a tutela da “inviolabilidade do domicílio”, 
 autorizando, no n.º 2 do artigo 34.º, a “entrada no domicílio dos cidadãos 
 contra a sua vontade” quando ordenada pela “autoridade judicial competente, nos 
 casos e segundo as formas previstos na lei”, e, no n.º 3 do mesmo preceito, que 
 
 “em situação de flagrante delito ou mediante autorização judicial em casos de 
 criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o 
 terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes, nos termos 
 previstos na lei”, o acesso não consentido ao domicílio de uma pessoa possa ser 
 realizado mesmo durante a noite. 
 Do mesmo passo, ainda em idêntico plano, importará também acentuar que a própria 
 Constituição, no artigo 32.º, n.º 8, apenas sanciona com nulidade as provas 
 obtidas mediante intromissão na vida privada que deva ser considerada abusiva.
 Como este Tribunal já afirmou, ainda que noutro contexto problemático (cf. 
 Acórdão n.º 137/02 – publicado no Diário da República II Série, de 3 de Abril de 
 
 2002), «não há dúvida de que o princípio da investigação ou da verdade material, 
 sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal português, tem valor 
 constitucional. Quer os fins do direito penal, quer os do processo penal, que 
 são instrumentais daqueles, implicam que as sanções penais, as penas e as 
 medidas de segurança, apenas sejam aplicadas aos verdadeiros agentes de crimes, 
 pelo que a prossecução desses fins, isto é, a realização do direito penal e a 
 própria existência do processo penal só são constitucionalmente legítimas se 
 aquele princípio for respeitado), acaba por admitir uma intromissão na 
 intimidade da vida privada ao ressalvar da inviolabilidade do domicílio e da 
 correspondência a ingerência das autoridades públicas nos casos previstos na lei 
 em matéria de processo penal (cf. artigo 34º, n.º 2: “A entrada no domicílio dos 
 cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial 
 competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei” e n.º 4: “É proibida 
 toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas 
 telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na 
 lei em matéria de processo criminal”)».
 Por sua vez, e quanto ao carácter não ilimitado da inviolabilidade do domicílio, 
 e mesmo perante a redacção vigente do artigo 34.º da Constituição, refira-se que 
 o Acórdão n.º 7/87, considerou que, mesmo sem autorização judiciária, as buscas 
 domiciliárias efectuadas no âmbito da investigação de criminalidade violenta ou 
 organizada não atentariam contra a Constituição, desde que existisse perigo 
 iminente da prática de um crime com grave risco para a vida ou para a 
 integridade de uma pessoa, porquanto “o direito à inviolabilidade do domicílio 
 
 (...) deve[r] compatibilizar-se com o direito à vida e à integridade pessoal, 
 consignados respectivamente nos artigos 24º e 25º da lei fundamental (...), 
 direitos que hão-de entender-se como limites imanentes do direito em causa” 
 
 (cf., também, João Conde Correia, “Qual o significado de abusiva intromissão na 
 vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações (art. 
 
 32.º, n.º 8, 2.ª parte da CRP)?”, in Revista do Ministério Público, n.º 79, 
 
 1999, pp. 55 e ss.).
 
                         E tal contextualização permite compreender e enquadrar, 
 num plano axiológico-normativo, a admissibilidade das buscas domiciliárias, 
 enquanto meio de obtenção da prova em processo penal e, do mesmo passo, a 
 justificação material do seu regime, maxime no que concerne com a intervenção 
 garantística do juiz de instrução, exigida, como se deu conta no Acórdão n.º 
 
 114/95 (publicado no Diário da República II Série, de 22 de Abril de 1995) “pela 
 preocupação de controlar a legalidade e, bem assim, garantir os direitos 
 fundamentais dos cidadãos, no caso, a inviolabilidade do domicílio”.
 
                         Já no que concerne aos termos em que essa intervenção é 
 exigida e concretizada, importa notar que a nossa lei processual penal 
 estabelece, como regime-regra, a necessidade da realização de uma busca 
 domiciliária ser precedida, sob pena de nulidade, de autorização judicial 
 
 (artigo 177.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
 
                        Admite-se, porém, que, em certas circunstâncias 
 
 (tipificadas no artigo 174.º, n.º 4, ex vi artigo 177.º, n.º 2), essa busca 
 possa ser “ordenada pelo Ministério Público ou efectuada por órgãos de polícia 
 criminal”, sem depender dessa autorização prévia, sendo que, quando a busca for 
 justificada pela ocorrência de “terrorismo, criminalidade violenta ou altamente 
 organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha 
 em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoa”, a realização 
 da diligência deve ser imediatamente comunicada ao juiz de instrução para que 
 este a aprecie em ordem a uma validação a posteriori (artigos 177.º, n.º 2 e 
 
 174.º, n.º 5, do Código de Processo Penal).
 
                         Regime este que, em termos de direito “comparado”, não 
 se afasta dos caracteres fundamentais presentes noutras experiências jurídicas.
 De facto, mesmo existindo algum polimorfismo no modo como a matéria é 
 regulamentada noutros ordenamentos jurídicos, não será inapropriado referir que 
 o regime pátrio não diverge essencialmente da regulamentação processual penal 
 além fronteiras no que diz respeito à necessidade de ponderar algumas situações 
 de facto onde a urgência na realização da diligência, em confronto com a tutela 
 de bens jurídicos fundamentais, justifica um tratamento diferenciado ao nível 
 dos pressupostos definidos para a sua concretização (cf. Mario Chiavario e 
 outros, Procedure Penali d’Europa, 2.ª edição, Milão, 2001), seja mediante a 
 previsão de formas de autorização não escritas, seja prescindindo de autorização 
 prévia para a realização da diligência.
 Assim sucede, inter alia, na Bélgica (op. cit., p.76), na França (op. cit., p. 
 
 141), na Alemanha (op. cit., p. 205), na Inglaterra (op. cit., p. 259), na 
 Espanha (cf. Francisco Javier Matia Portilla, “Delito Flagrante e inviolabilidad 
 del domicilio”, in Revista Española de Derecho Constitucional, n.º 42, 1994, pp. 
 
 197 e ss. e Marcos Francisco Massó Garrote, “Nota jurisprudencial sobre los 
 aspectos constitucionales de la inviolabilidad del domicilio a la luz de la 
 nueva regulacion procesal y material”, in Revista de las Cortes Generales, nº 
 
 29, 1993, pp. 147 e ss.) e na Itália (op. Cit., p. 320), sendo que, neste último 
 ordenamento, admitindo-se, nas hipóteses tipificadas no artigo 352.º, n.º 1, do 
 Códice di Procedura Penale, a realização de uma busca pelo ufficiale di polizia 
 giudiziaria sem prévia autorização, estabelece-se um prazo de quarenta e oito 
 horas para que tenha lugar a comunicação da realização da diligência, devendo a 
 autoridade judiciária competente proceder à sua validação no prazo de quarenta e 
 oito horas após a referida comunicação.
 
  
 
  
 
 6.2 – No caso dos autos questiona-se, em face dos parâmetros constitucionais 
 considerados, uma dimensão normativa do artigo 174.º, n.º 5, por referência ao 
 disposto no artigo 177.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que contende, 
 precisamente, com a tramitação processual subsequente à realização de uma busca 
 domiciliária realizada sem prévia autorização judicial.
 Anote-se que os recorrentes não questionam a constitucionalidade dos referidos 
 preceitos enquanto deles se extrai a admissibilidade da busca domiciliária não 
 judicialmente autorizada, mas apenas numa dimensão normativa que admita que a 
 comunicação ao juiz da realização da diligência, nos termos do referido artigo 
 
 174.º, n.º 5, possa ter lugar no prazo de quarenta e oito horas após a sua 
 realização.
 Atentos os limites decorrentes do quadro constitucional supra balizado, a nossa 
 Constituição endossa ao legislador o estabelecimento de critérios susceptíveis 
 de autorizar a “entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade”, não 
 definindo, recta via, qualquer prazo para a comunicação ao órgão judicial 
 competente da realização de uma busca domiciliária.
 Compreende-se que, sendo a comunicação da busca um pressuposto material da 
 emissão de um juízo cometido à função jurisdicional (artigo 202.º, n.º 2, da 
 Constituição) e, nessa medida, uma conditio sine qua non do controlo 
 jurisdicional da legalidade da sua realização, aquela comunicação – e este 
 controlo – deva ser cumprida, tendo em conta a especificidade/complexidade de 
 cada problema concreto, sem delongas injustificadas, como resulta do sentido 
 emprestado pelo advérbio “imediatamente” à imposição posta no artigo 174.º, n.º 
 
 5, do Código de Processo Penal.
 Na ausência de uma delimitação temporal precisa, como sucede, por exemplo, com o 
 prazo de apresentação do arguido detido para primeiro interrogatório judicial 
 
 (v. artigo 28.º da Constituição e 141.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o 
 acórdão recorrido considerou tempestiva a comunicação ao juiz da realização da 
 busca domiciliária no prazo de quarenta e oito horas, tendo aquela ocorrido 
 conjuntamente com a apresentação dos arguidos detidos.
 Ora, este entendimento não merece qualquer censura, não densificando, 
 contrariamente ao alegado, qualquer restrição desproporcionada ao direito à 
 inviolabilidade do domicílio.
 Desde logo, não pode olvidar-se que, estando a comunicação da busca preordenada, 
 como se disse, à apreciação da sua legalidade, o expediente que é remetido ao 
 juiz para esse efeito não deve noticiar apenas a realização da diligência, mas 
 toda a contextualização que materialmente a justificou e os termos em que a 
 mesma se concretizou, o que, por sua vez, poderá acarretar a exposição de uma 
 complexidade de factos e anteriores diligências que impossibilite a sua adequada 
 comunicação num momento anterior ao que o tribunal a quo teve como razoável e 
 justificado.
 Aliás, perscrutando os fundamentos da decisão recorrida, denota-se, com 
 meridiana clareza, que o tribunal justificou o critério normativo aplicado com 
 base no facto da comunicação da busca ter sido realizada “o mais rapidamente 
 possível”, tendo em conta “por um lado, a complexidade (e gravidade) dos factos 
 em investigação, que resulta, quer dos crimes em causa (pelos quais os arguidos 
 vieram a ser pronunciados: um crime de sequestro, um crime de homicídio 
 qualificado, um crime de profanação/ocultação de cadáver e um crime de detenção 
 ilegal de arma de defesa) quer da quantidade dos arguidos envolvidos (cinco), 
 por outro, a complexa organização do processo/expediente – que se infere 
 daqueles factos, mas que resulta de outras diligências documentadas nos autos e 
 referenciadas no despacho de pronúncia – para ser presente com os arguidos 
 
 (detidos) ao juiz de instrução”.
 Por outro lado, cumpre igualmente notar, que o prazo de quarenta e oito horas 
 foi igualmente justificado com base no argumento de que “não seria razoável (e 
 não resulta que essa fosse a sua intenção) que o legislador pretendesse impor um 
 prazo mais curto para a comunicação da busca ao juiz de instrução do que o 
 imposto para a apresentação do arguido detido para 1º interrogatório judicial, 
 sendo certo que a privação da liberdade se apresenta como uma restrição mais 
 grave aos direitos dos cidadãos do que a restrição de quaisquer outros 
 direitos”.
 Ora, a interferência deste argumento sistemático, mas também valorativo, na 
 determinação do sentido jurídico-normativo do critério aplicado pelo tribunal é 
 claramente pertinente.
 De facto, o prazo constante do artigo 28.º, n.º 1, da Constituição da República 
 
 (onde se dispõe que “a detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e 
 oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de 
 medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a 
 determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de 
 defesa”), traduz, relativamente ao direito e garantia fundamental da liberdade, 
 precisamente um reflexo da ponderação de interesses supra referida (6.1.), pela 
 mão do legislador constituinte, norteada por um critério de necessidade, 
 adequação e estrita proporcionalidade e traduzida numa autorizada compressão do 
 direito à liberdade (artigo 27.º do diploma fundamental) em face do interesse 
 associado à prossecução da justiça penal.
 Ora, mutatis mutandis, igual ponderação, pelo menos, será de admitir também em 
 face de uma compressão da esfera de reserva delimitada pelo domicílio.
 E, in casu, essa ponderação não pode ser indiferente ao facto de o domicílio já 
 ter sido objecto de realização de uma busca, materialmente justificada por 
 outros valores ou bens jurídicos constitucionalmente tutelados, e não apenas os 
 decorrentes do ius puniendi estatal, susceptíveis de “prevalecer sobre a 
 garantia constitucional de reserva de juiz” (cf. Acórdão n.º 7/87 e Ana Luísa 
 Pinto, “Aspectos problemáticos do regime das buscas domiciliárias”, in Separata 
 da Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2005, p. 435), estando no momento em 
 causa a sua comunicação para efeito da sua validação a posteriori, sendo que no 
 referente à questão do momento oportuno para essa validação da diligência, este 
 Tribunal já considerou (cf. Acórdão n.º 192/01, publicado no Diário da República 
 II Série, de 17 de Julho de 2001, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º 
 vol., p. 295), que a própria “sanação a posteriori da nulidade consubstanciada 
 na omissão de validação imediata de buscas não domiciliárias” não atenta contra 
 as garantias de defesa dos arguidos tipificadas no artigo 32.º, nºs 1 e 8, da 
 Constituição. 
 Tal entendimento, aqui reiterado, estribou-se na consideração de que apesar de 
 ser “certo que, até à validação da busca e podendo, entretanto, prosseguir a 
 investigação com base nos resultados dessa diligência, existe um momento de 
 incerteza sobre a verificação dos pressupostos legais da mesma diligência, com o 
 aparente risco de vir a ser proferida uma decisão de não validação quando 
 aqueles resultados já proporcionaram a obtenção de outras provas”, a verdade é 
 que “mesmo neste caso – de hipotética não validação – o (...) regime 
 estabelecido no artigo 122º do CPP assegura que os actos subsequentes sejam 
 declarados inválidos se dependerem do acto que não obtém a necessária 
 validação”. 
 Com isto fica acautelado o direito dos arguidos de não verem valoradas 
 jurisdicionalmente as provas obtidas por uma busca domiciliária cuja legalidade 
 não foi jurisdicionalmente sindicada.
 Em conclusão: não se afigura desrazoável, arbitrária ou desproporcionada uma 
 interpretação dos artigos 174.º, n.º 5 e 177.º, n.º 2, no sentido de admitir a 
 tempestividade da comunicação de uma busca realizada a coberto do disposto no 
 artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal, dentro do prazo de 
 apresentação dos arguidos detidos para primeiro interrogatório judicial.
 
  
 
  
 
 6.3 – Os recorrentes controvertem também a constitucionalidade da norma 
 resultante dos artigos 174.º, n.º 4, alínea a), e 177.º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal, interpretada “no sentido de que para efeitos de apreciação e 
 validação de busca domiciliária realizada, é suficiente que o juiz de instrução 
 valide as detenções dos arguidos e aprecie os indícios existentes nos autos em 
 ordem à fixação de uma medida de coacção, sem expressa e/ou inequivocamente 
 declarar que valida a busca realizada”, em ambos os casos por violação do 
 disposto nos artigos 32.º, n.º 8 e 34.º, nºs 1 e 2 da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 Mas ao recorte da questão de constitucionalidade emergente da dimensão normativa 
 destes preceitos, tal qual foi definida pelos recorrentes mais em função dos 
 termos em que se mostra expressado o concreto juízo judicativo-decisório do que 
 em face da enunciação em abstracto do critério legal aplicando, importa precisar 
 que foi, também, entendimento do acórdão recorrido que, ocorrendo apresentação 
 dos arguidos para o 1.º interrogatório judicial acompanhada dos elementos em que 
 se traduzira e resultaram da busca, o interrogatório foi também sobre os 
 indícios nela recolhidos e que o juiz, efectivamente, fez uma apreciação desta e 
 desses elementos de prova “em face dos elementos de prova recolhidos e que lhe 
 foram presentes”, para, com base na sua implícita e necessariamente pressuposta 
 validade, concluir pela validação da detenção dos arguidos e manutenção dos 
 mesmos em prisão preventiva.
 
  
 A questão agora colocada passa por ponderar se os referidos parâmetros 
 constitucionais autorizam, no contexto normativo circunstancialmente em causa, 
 um juízo de validação implícita do acto que determinou a aquisição dos elementos 
 probatórios concretamente apreciados pelo juiz, como foi admitido, como ratio 
 decidendi, pelo Acórdão recorrido, onde se deixou consignado que “a busca e os 
 elementos de prova nela recolhidos foram apreciados pelo juiz de instrução, como 
 se vê do despacho que validou e manteve a detenção dos arguidos, concretamente 
 porque, em face dos elementos de prova recolhidos e que lhe foram presentes 
 
 (designadamente os indícios de prova recolhidos na busca), se mostrava 
 fortemente indiciada a prática, por todos os arguidos, em co-autoria material, 
 de um crime de homicídio qualificado, de um crime de ocultação de cadáver e de 
 posse e detenção de arma proibida; tendo o cadáver da vítima e as armas 
 apreendidas sido encontrados no interior da casa onde foi efectuada a busca, não 
 pode deixar de se concluir que o juiz de instrução, fundamentando a sua decisão 
 nessas provas, não só tomou conhecimento da busca e dos elementos de prova nela 
 recolhidos, como a considerou, implicitamente, válida, aceitando e valorando as 
 provas nela recolhidas para validar a detenção dos arguidos e manter os mesmos 
 em prisão preventiva”.
 Como já se disse, a intervenção judicial em sede de autorização e validação das 
 buscas domiciliárias configura uma dimensão essencialmente garantística 
 direccionada a legitimar uma intervenção estatal num domínio de reserva 
 constitucionalmente garantido como direito fundamental.
 Nessa medida, será essencial que a autoridade judicial, tomando conhecimento da 
 realização de uma busca domiciliária realizada com base no regime vertido no 
 artigo 174.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal, formule um juízo 
 sobre a legalidade da diligência, sendo essa decisão, como não se discutirá, uma 
 conditio sine qua non de valoração dos elementos probatórios adquiridos nessa 
 diligência.
 Ora, podendo reconhecer-se que estes dois momentos podem diferenciar-se de modo 
 cortante quando considerados em termos estáticos, deverá também aceitar-se que, 
 em termos dinâmicos, um juízo que tenha por válidos os elementos probatórios 
 decorrentes de uma busca que está a ser sujeita a apreciação judicial, traduz em 
 si, de forma inequívoca, uma decisão – necessariamente pressuposta – quanto à 
 validação da diligência e à possibilidade de valoração desses elementos, sendo 
 certo que, existindo esse juízo de validação, permanecerão intocáveis os 
 direitos do arguido no sentido de se haver por legitimada a intervenção dos 
 
 órgãos de polícia no seu domicílio.
 E, nesse quadro, é certo que, como bem nota o representante do Ministério 
 Público junto deste Tribunal, “mais do que os termos literais ou verbais do 
 despacho, o que releva é que, da interpretação da decisão em causa, se possa 
 deduzir, de forma incontroversa e inquestionável, que o juiz teve por válidos os 
 elementos probatórios obtidos através da busca submetida a apreciação 
 jurisdicional”, sendo indubitável, face ao teor da decisão recorrida, que o 
 Tribunal assentou num critério normativo concretizado na exigência de um juízo 
 relativo à legalidade da busca em causa.
 Por outro lado, e independentemente de saber-se se a validação tácita 
 corresponde à melhor interpretação do direito infraconstitucional, não poderá, 
 também, deixar de mencionar-se que, na óptica dos direitos invocados pelos 
 recorrentes – traduzidos na inviolabilidade do domicílio e na nulidade das 
 provas obtidas mediante abusiva intromissão naquele –, fundamental será apenas 
 que o tribunal tenha por válida a obtenção da prova materializada numa busca 
 domiciliária: existindo essa validação, expressa ou implícita, ficará sempre 
 sancionada, legitimada, a realização da diligência.
 E idêntica conclusão é imposta quando, para lá daqueles parâmetros 
 jusfundamentais, se invoquem as garantias de defesa e o direito ao recurso dos 
 arguidos.
 De facto, tendo os arguidos conhecimento da realização da busca e dos 
 pressupostos que a justificaram, e, para além disso, tendo sido concretamente 
 confrontados com os elementos probatórios recolhidos, encontram-se em plenas 
 condições para sindicar jurisdicionalmente – como, aliás, vieram a fazer – a 
 realização da diligência e a valoração dos elementos probatórios nela colhidos.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
 7 – Destarte, atento o exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
 
  
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
 
  
 Lisboa, 2 de Maio de 2007
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Pereira
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
 [1] Constituição da República Portuguesa Anotada; 4ª ed. 2007