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Processo n.º 478/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
 1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente Instituto de Estradas de 
 Portugal e como recorrido A., vindos do Supremo Tribunal de Justiça, o primeiro 
 interpôs recurso, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de 
 Fevereiro – doravante designada por LTC), do “douto acórdão de 22/02/2007”, para 
 que o Tribunal Constitucional aprecie “a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 
 
 44º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro e do artigo 13º, nº 1, dos 
 Estatutos do Recorrido, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho, 
 com a interpretação com que foram aplicados no Acórdão recorrido, ou seja, que 
 face ao que dispõem o contrato objecto dos autos deve considerar-se submetido ao 
 regime da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89” (fls. 792-verso).
 
  
 
 2. O presente recurso vem interposto pelo Instituto de Estradas de Portugal, nos 
 seguintes termos:
 
 “– pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 44º do 
 Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro e do artigo 13º, nº 1, dos Estatutos do 
 Recorrido, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho, com a 
 interpretação com que foram aplicados no Acórdão recorrido, ou seja, que face ao 
 que dispõem o contrato objecto dos autos deve considerar-se submetido ao regime 
 da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89.
 
 – tal interpretação do n.º 1 do artº. 44.º do Decreto‑Lei n.º 427/89, e do 
 artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, violam o n.º 2 do artº. 47.º da Constituição 
 da República Portuguesa;
 
 – a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, desde logo no 
 acórdão da Relação de Coimbra, de 8/3/2006, nas Contra‑Alegações apresentadas no 
 recurso de revista e na Resposta ao parecer do Ministério Público junto do 
 Supremo Tribunal de Justiça;
 
 – pretende‑se, igualmente, ver apreciada a inconstitucionalidade do 13º dos 
 Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, 
 aplicado pelo douto acórdão recorrido, tendo em conta que normas similares de 
 outros institutos públicos, com o mesmo âmbito do citado artº. 13º, foram já 
 julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, através dos seguintes 
 Acórdãos:
 
 – Acórdão nº 61/2004, de 27/01/04 – Proc. 47/01 – in DR, I Série‑A, de 27/02/04;
 
 – Acórdão n.º 406/2003, de 17/09/03– Proc. 470/01 – in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt” (fls. 792-verso e 793).
 
  
 
             3. O recorrido, em sede de contra-alegações, para além de pugnar – 
 subsidiariamente – pela não inconstitucionalidade das normas alvo de 
 fiscalização, suscitou duas questões que – a procederem – obstariam ao 
 conhecimento do objecto do recurso. Por um lado, não existiria identidade entre 
 a norma constante do artigo 13º dos Estatutos do ICERR e as normas julgadas 
 inconstitucionais pelos Acórdãos n.º 406/2003 e n.º 61/2004, ambos do Tribunal 
 Constitucional, e, por outro lado, o recorrente não teria suscitado de modo 
 processualmente adequado a inconstitucionalidade objecto de apreciação nos 
 presentes autos:
 
  
 
 “(…) só é admissível recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo desta 
 alínea se a norma que se pretende ver apreciada constitucionalmente já tiver 
 sido anteriormente julgada inconstitucional. 
 Contudo, a norma do artigo 13. ° dos Estatutos do ICERR nunca foi julgada 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. 
 Pelo que, não se pode interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo 
 da referida alínea só porque normas ditas similares foram anteriormente julgadas 
 inconstitucionais. 
 Pois, como refere Guilherme da Fonseca e Inês Domingos (in Breviário de Direito 
 Processual Constitucional, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2002, pág. 67): 
 
 “Constitui pressuposto deste recurso que a norma arguida de inconstitucional 
 tenha sido aplicada pelo tribunal a quo e que tenha sido julgada anteriormente 
 inconstitucional pelo TC, podendo até essa arguição constar de requerimento de 
 interposição do recurso de constitucionalidade, se só nesse momento o 
 interessado for confrontado com a jurisprudência do TC.”
 Contudo, o artigo 13.° dos Estatutos do ICERR não foi anteriormente julgado 
 inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, pelo que não é admissível o 
 presente recurso e, como tal, obsta a que o Tribunal Constitucional se 
 pronuncie.” (fls. 834-verso e 835)
 
  
 
 (….)
 
  
 
 “Como resulta do exposto, nada consta das suas alegações de recurso, quer quanto 
 
 à alegada inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 41° do Decreto — Lei n.º 
 
 184/89, de 2 de Junho e do n.º 1 do art. 44º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de 
 Dezembro, quer quanto à inconstitucionalidade do artigo 13° dos Estatutos do 
 ICERR, por violação do nº 2 do artº 47º da Constituição da República 
 Portuguesa.” (fls. 836 e 836-verso)
 
  
 
 (…)
 
  
 
 “Salvo melhor entendimento e da leitura cuidada das várias alegações do R., não 
 nos parece que a questão da inconstitucionalidade tenha sido correctamente 
 suscitada nos autos.
 Efectivamente, o recorrente não suscitou durante o processo essa 
 inconstitucionalidade, como tudo melhor resulta da leitura das suas alegações de 
 recurso.
 Alegou apenas que “admitindo-se, a conversão do contrato a termo em contrato sem 
 termo, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública 
 viola o princípio constitucional de acesso igualitário e não discricionário à 
 função pública e a regra do concurso (art.º 47°, n.º 2 da Constituição).”
 Ora, resulta de todo o exposto que o R., nas suas alegações de recurso de 
 revista, não suscitou correctamente a inconstitucionalidade normativa, pois 
 limitou-se a afirmar de modo muito vago e abstracto que uma dada interpretação é 
 inconstitucional.
 Nem a alegada inconstitucionalidade quanto à interpretação do citado artigo 13° 
 dos Estatutos do ICERR, coincide com a alegação agora produzida pelo R., como 
 vimos.
 Nestes termos, deverá ser entendido que o R. não invocou qualquer interpretação 
 objectivamente imprevisível, pelo que o Tribunal Constitucional deverá entender 
 que não foi suscitada de modo adequado a questão da inconstitucionalidade 
 normativa e, assim, decidir não tomar conhecimento do recurso, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78° A da LTC.” (fls. 839 e 839-verso)
 
  
 
 4. Perante a suscitação de questões que poderiam obstar ao conhecimento do 
 objecto do recurso, a Relatora proferiu despacho, ao abrigo dos artigos 702º, 
 n.º 2 e 704º, n.º 2, ambos do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, para 
 que o recorrente, querendo, viesse pronunciar-se sobre as questões levantadas 
 pelo recorrido.
 
  
 
             Na sequência de tal despacho, o recorrente veio considerar que:
 
  
 
 “Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº. 1 do art°. 70° da 
 LTC
 
 É verdade que nos autos de recurso nº. 306/07, que correram termos na 2ª Secção 
 do Tribunal Constitucional, e que originaram o Acórdão nº. 409/2007, de 11 de 
 Julho de 2007, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, o Recorrente, 
 igualmente, recorreu ao abrigo desta mesma alínea g), pedindo a 
 inconstitucionalidade do artigo 13º dos Estatutos do ICERR, pela identidade 
 entre este artigo 13° e as normas julgadas inconstitucionais pelos acórdãos nºs 
 
 61/2004 e 406/2003 — acórdãos estes que sustentam o presente recurso ao abrigo 
 da citada alínea g) -. 
 No citado acórdão 409/2007, foi decidido não se conhecer o recurso interposto ao 
 abrigo daquela alínea g) do nº. 1 do artigo 70° da LTC, por considerar que a 
 invocada identidade não existe.
 Contudo, existe agora um “elemento” novo, que é exactamente o citado acórdão 
 
 409/2007, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº. 2 da 
 Constituição, a norma extraída da conjugação dos artigos 41°, nº. 4, do 
 Decreto-Lei nº. 184/89, de 2/6, 44°, nº. 1 do Decreto-Lei nº. 427/89, de 7/12, e 
 
 13º dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto-Lei nº. 237/99, de 25/6. Se 
 este acórdão não foi indicado no requerimento de recurso (apresentado em 30 de 
 Março de 2007) e nas consequentes alegações (apresentadas em 5 de Junho de 
 
 2007), foi pelo evidente motivo de que ainda não tinha sido proferido, o que 
 apenas aconteceu em 11 de Julho de 2007.
 Mas, na presente data, e isso é relevante e não pode deixar de ser levado em 
 conta na decisão de se conhecer, ou não, do recurso interposto ao abrigo daquela 
 alínea g) do n.º. 1 do artigo 70° da LTC, a norma constante do artigo 13° dos 
 Estatutos do ICERR foi já julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal 
 Constitucional.
 Em conclusão, pelas razões expostas, deve conhecer-se do recurso interposto ao 
 abrigo da alínea g) do nº. 1 do art°. 70° da LTC. 
 
  
 Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do art°. 70° da LTC
 
  
 Como se constata pelas alegações produzidas pelo Recorrente no recurso de 
 apelação (até parcialmente citadas nas contra-alegações apresentadas pelo 
 Recorrido), foi alegado que lhe era aplicável o regime do Dec.-Lei 427/89, de 7 
 de Dezembro, e que este diploma prescreve apenas duas modalidades de contratação 
 
 — contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo -, 
 concluindo-se pela impossibilidade legal da conversão do contrato a termo, em 
 causa nos autos, em contrato sem termo.
 Mais ainda, apelou expressamente à aplicação do art°. 43°, nº. 1 do Dec.-Lei nº 
 
 427/89 que proíbe a constituição de relações de emprego com carácter subordinado 
 por forma diferente das previstas no art°. 14° do mesmo diploma.
 A entender-se diversamente, alegou o Recorrente, e tenha-se em conta que esse 
 entendimento diverso importaria necessariamente a interpretação do Dec.-Lei 
 
 427/89, no sentido do seu regime não ser aplicável ao Recorrente, através da 
 aplicação do seu nº. 1 do art° 44°, estaria a violar-se o nº. 2 do art°. 47º da 
 Constituição, que proíbe, no âmbito das entidades abrangidas pelo Dec.-Lei 
 
 427/89, a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, 
 Isto é, o Recorrente considerou antecipadamente a hipótese de interpretação do 
 citado diploma — salvaguarda do regime especial prevista no nº. 1 do artigo 44° 
 
 - e suscitou antecipadamente a inconstitucionalidade daí decorrente. 
 Tanto assim que o Acórdão da Relação de Coimbra, de 8/3/2006, que concedeu 
 provimento à apelação, veio realçar o “carácter imperativo das normas do DL nº. 
 
 427/89”, remetendo para a especialidade constante do art°. 43°/l deste diploma, 
 para além de considerar que “se fosse possível aceder a um vínculo definitivo 
 mediante a pretensa inobservância do regime legal previsto nos art 41º e 42º do 
 DL n °. 64-A/89 estar-se-ia a afrontar claramente (…) o princípio constitucional 
 constante do art°. 47º/2 da CRP, segundo o qual o acesso à Função Pública se 
 faz, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
 Vindo a concluir, este acórdão, que relação juslaboral em causa “está sujeita à 
 disciplina legal constante do DL nº. 427/89, de 7 de Dezembro, que definiu o 
 regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na 
 Administração Pública”.
 Nas suas contra-alegações, no recurso de revista interposto pelo Recorrido, o 
 ora Recorrente veio a concluir que: (…)
 O Recorrente, uma vez mais, alegou que qualquer interpretação do DL 427/89, 
 maxime, do seu nº.1 do art°. 44°, que permitisse a admissão, mesmo no contexto 
 de um instituto público, sem um procedimento de recrutamento e selecção prévio, 
 que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade, violaria o art°. 47º 
 nº 2 da CRP.
 Uma vez mais, o Recorrente considerou antecipadamente a hipótese de 
 interpretação do citado diploma — salvaguarda do regime especial prevista no nº. 
 
 1 do artigo 44° - e suscitou antecipadamente a inconstitucionalidade daí 
 decorrente.
 Em resposta ao parecer do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de 
 Justiça - que defendia que ao contrato de trabalho celebrado entre as partes se 
 aplicava o regime jurídico aprovado pelo DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro e não, 
 contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, o regime estabelecido no 
 DL 427/89 (pela salvaguarda dos regimes especiais, definida no seu art° 44°, que 
 mandava aplicar as disposições estatutárias dos institutos públicos)- veio o 
 Recorrente alegar, em síntese, que: 
 
  
 
 «É nosso entendimento que apenas assim se podem conjugar as normas do art°. 44°, 
 n°. 1 e do 43° n°. 1 do DL 427/89.
 Isto é, a partir da entrada em vigor do DL 427/89 é vedado aos institutos 
 públicos a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por 
 forma diferente das previstas no mesmo diploma (nomeadamente a conversão em 
 contratos sem termo de contratos a termo), mesmo que — o que até não líquido, 
 como se verá -, aos institutos públicos se aplique as respectivas disposições 
 estatutárias.
 Só que as disposições estatutárias não podem, sob pena de nulidade, prever 
 outras formas de constituição de relações de emprego com carácter subordinado 
 diferentes das previstas no DL 427/89. 
 Senão qual seria o sentido prático da norma do citado nº. 1 do art°. 43°daquele 
 diploma?
 A interpretação lógica-sistemática daquelas duas normas impõem esta 
 interpretação.
 
 (…)
 A interpretação do art°. 44° do DL 427/98, inserta no douto parecer do 
 Ministério Público, viola o nº. 2 do artigo 47° da Constituição da República 
 Portuguesa, que determina que o direito de acesso à função pública se deve 
 processar “em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
 E nem se diga que, face ao disposto no 1 do art°. 13º dos Estatutos do ICERR, 
 não está em causa uma relação jurídica de emprego público, não tendo, por isso, 
 qualquer cabimento a alegada violação daquele ditame constitucional.
 Pelas razões supra expostas, não há dúvidas que estamos perante uma relação de 
 emprego público. 
 
 (...)
 Tendo em conta as competências do IEP e do ICERR e a sua equiparação ao Estado, 
 há que observar o regime da constituição da relação jurídica de emprego na 
 Administração Pública prevista no DL 427/89.
 
 (…)
 Assim sendo, e integrando-se o pessoal do ICERR na função pública, para efeitos 
 do art°. 47º da Constituição, a possibilidade de conversão dos contratos com 
 termo em contratos sem termo, viria ofender de forma intolerável o direito de 
 acesso em condições de igualdade previsto no art°. 47º, n°2 da Constituição».
 
  
 Neste articulado, e face à posição defendida pelo Ministério Público — aplicação 
 do nº. 1 do art° 44° do DL 427/89 “Salvaguarda dos regimes especiais”, que 
 mandava aplicar as disposições estatutárias dos institutos públicos — o 
 Recorrente alegou a inconstitucionalidade desta norma, bem como, em 
 consequência, da inconstitucionalidade do nº. 1 do art°. 13° dos Estatutos do 
 ICERR, aprovados pelo DL 237/99, de 25/6.
 Ou seja, foi expressamente alegado que a interpretação do art°. 44° do DL 
 
 427/98, no sentido de mandar aplicar os estatutos do Recorrente (nº. 1 do artigo 
 
 13°) viola o nº. 2 do artigo 47° da Constituição da República Portuguesa, que 
 determina que o direito de acesso à função pública se deve processar em 
 condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso. 
 Alegando-se, ainda, que estando em causa uma relação de emprego público é 
 patente a violação daquela norma constitucional, apesar do disposto no nº. 1 do 
 art°. 13° dos Estatutos, que, impedindo a natureza pública da relação de 
 emprego, é inconstitucional. 
 Face às alegações do Recorrente no recurso de revista e na resposta ao 
 Ministério Público — o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 7/2/07, veio a 
 decidir que: 
 
 «Em suma, face ao disposto no artigo 44º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 427/89, de 7 
 de Dezembro, e no artigo 13°, nº. 1, dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei 
 nº. 237/99, de 25 de Junho, o contrato celebrado pelas partes deve considerar-se 
 submetido ao regime da LCCJ e não ao regime de constituição, modificação e 
 extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, constante do 
 citado Decreto-Lei nº. 427/89»”. (fls. 854 a 858)
 
 (…)
 
 “Dúvidas não restam que o recorrente suscitou nos presentes autos a questão de 
 inconstitucionalidade, exactamente nos mesmos moldes, forma e natureza em que o 
 fez no Processo nº. 306/07 da 2ª Secção do Tribunal Constitucional, o que se 
 comprova pelos respectivos articulados — são uma cópia fiel — em que a questão 
 foi suscitada. 
 Assim, e como aconteceu nos autos de recurso nº. 306/07 — vd. Acórdão nº. 
 
 409/2007 -, a suscitação da inconstitucionalidade é tempestiva e adequada, sendo 
 assim de conhecer o objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº. 
 
 1 do artigo 70º da LTC.” (fls. 860 e 860-verso)
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
  
 A)    Inadmissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do 
 artigo 70º da LTC
 
  
 
 5. Através do Acórdão n.º 409/07, de 11 de Julho de 2007 (disponível in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional já foi confrontado com 
 questão idêntica à dos presentes autos, aliás, colocada precisamente pelo mesmo 
 recorrente – o Instituto das Estradas de Portugal –, contra uma recorrida que 
 havia igualmente exercido funções junto daquele. É certo que, no âmbito desse 
 processo, o então recorrente pretendia ainda que fosse julgada não só a 
 inconstitucionalidade de interpretação normativa do n.º 1 do artigo 44º do 
 regime jurídico do emprego na administração pública (aprovado pelo Decreto-Lei 
 n.º 427/89, de 07 de Dezembro) e do n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR 
 
 (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Julho), mas também do n.º 4 do 
 artigo 41º do regime de princípios gerais de salários e gestão de pessoal da 
 função pública (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 184/89, de 02 de Junho). É 
 igualmente certo que, no âmbito desse processo, o então recorrente pretendia 
 ainda que todas as supra referidas normas contrariariam o sentido dos 
 julgamentos proferidos por este Tribunal através dos Acórdãos n.º 140/02, de 09 
 de Abril de 2002, n.º 147/02, de 16 de Abril de 2002, e n.º 310/02, de 03 de 
 Julho de 2002. Porém, tais especificidades dos autos que deram origem ao Acórdão 
 n.º 409/07 não são suficientes para afastar o sentido decisório nele contido.
 
  
 
             Nessa oportunidade, este Tribunal já esclareceu que:
 
  
 
 “(…) como é sabido, a admissibilidade do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC pressupõe identidade entre a norma aplicada na decisão 
 recorrida e a norma anteriormente julgada ou declarada inconstitucional pelo 
 Tribunal Constitucional, não bastando que possa ser sustentado que as mesmas 
 razões que levaram este Tribunal a julgar inconstitucional determinada norma 
 justificariam que juízo de igual sentido fosse formulado a propósito da norma 
 aplicada na decisão recorrida. Ora, é manifesto que essa identidade não existe, 
 desde logo pela diversidade dos universos pessoais atingidos, entre, por um 
 lado, a norma do artigo 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e 
 Exploração da Rede Rodoviária, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de 
 Junho (“1 – O pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato 
 individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos 
 e no diploma que o aprova. 2 – As condições de prestação e disciplina de 
 trabalho são definidas em regulamento próprio do ICERR, a aprovar pelo conselho 
 de administração”), aplicada na decisão recorrida, e, por outro lado, a norma do 
 artigo 21.º, n.º 1 (“O pessoal do INAC está sujeito ao regime jurídico do 
 contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes 
 Estatutos e seus regulamentos”), conjugada com a do artigo 13.º, n.º 2, alínea 
 l) (“2 – Compete ao conselho de administração: (…) l) Decidir sobre a admissão e 
 afectação dos trabalhadores do INAC e praticar os demais actos relativos à 
 gestão do pessoal e ao desenvolvimento da sua carreira”), dos Estatutos do 
 Instituto Nacional de Aviação Civil, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 133/98, de 
 
 15 de Maio, que foi declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 406/2003, ou a 
 norma do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 342/99, de 25 de Agosto, que criou o 
 Instituto Português de Conservação e Restauro (“1 – O pessoal técnico superior e 
 o pessoal destinado a desempenhar funções especializadas em investigação 
 laboratorial para a conservação e restauro poderá ser admitido em regime de 
 contrato individual de trabalho, mediante despacho do Ministro da Cultura. 2 – 
 O pessoal a que se refere o número anterior beneficia do regime geral da 
 previdência e não fica abrangido pelo estatuto da função pública”), que foi 
 declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 61/2004.” (cfr. Acórdão n.º 409/07, 
 de 11 de Julho de 2007, disponível in www.tribunalconstitucional.pt)
 
  
 
             Tal jurisprudência é integralmente acompanhada pelo presente 
 Acórdão, pelo que forçoso se torna concluir pela inexistência de identidade 
 normativa entre o n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR e as normas alvo de 
 julgamento de inconstitucionalidade por parte dos Acórdãos n.º 61/2004, de 27 de 
 Janeiro de 2004, e n.º 406/2003, de 17 de Setembro de 2003. Em consequência, por 
 não se encontrar preenchida a respectiva previsão normativa [“decisões dos 
 tribunais: (…) que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (…) 
 pelo próprio Tribunal Constitucional”], não se tomará conhecimento do objecto do 
 recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
  
 
             6. Nos presentes autos, o recorrente pretende ainda que o Acórdão 
 n.º 409/07, proferido em 11 de Julho de 2007 (e que julgou inconstitucional a 
 referida norma constante do n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR), 
 fundamente o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da 
 LTC, em 29 de Março de 2007. Poderá tal entendimento proceder? Entendemos que 
 não.
 
  
 
             Conforme decorre de uma adequada interpretação da alínea g) do n.º 1 
 do artigo 70º da LTC, o que o legislador pretendeu foi que as “decisões dos 
 tribunais” que “apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (…) 
 pelo próprio Tribunal Constitucional” sejam passíveis de recurso para este 
 
 último. Ora, o advérbio “anteriormente” encontra-se reportado ao momento de 
 proferimento da decisão recorrida e não da decisão por parte do Tribunal 
 Constitucional. O que a lei exige é que, quando o tribunal “a quo” aprecie o 
 incidente de inconstitucionalidade, já exista um prévio julgamento de 
 inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, de modo a que o 
 tribunal comum pudesse ter em conta o respectivo sentido decisório. O sentido 
 teleológico do recurso previsto na referida alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da 
 LTC visa apenas assegurar uma harmonia jurídico-constitucional, mediante a 
 possibilidade de revisão de sentenças e acórdãos de tribunais comuns que decidam 
 em desconformidade com anteriores julgamentos do Tribunal Constitucional.
 
  
 
             Ora, à data em que a decisão recorrida foi proferida (ou seja, em 22 
 de Março de 2007), o tribunal “a quo” não aplicou norma anteriormente julgada 
 inconstitucional, pela simples razão de que tal norma só viria a ser julgada 
 inconstitucional em 11 de Julho de 2007.
 
  
 
             Como tal, o sentido decisório do Acórdão n.º 409/07 não é 
 susceptível de fundamentar, supervenientemente, o recurso interposto ao abrigo 
 da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, sem prejuízo de ser tido em devida 
 conta para efeitos de julgamento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70º do mesmo diploma legal.
 
  
 B)    O objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70º da LTC
 
  
 
 7. Como questão prévia, cumpre verificar se o recorrente coloca efectivamente 
 uma questão de inconstitucionalidade normativa, quando fixa o objecto processual 
 do presente recurso nos seguintes termos:
 
  
 
 “Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 44º do 
 Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro e do artigo 13º, nº 1, dos Estatutos do 
 Recorrido, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho, com a 
 interpretação com que foram aplicados no Acórdão recorrido, ou seja, que face ao 
 que dispõem o contrato objecto dos autos deve considerar-se submetido ao regime 
 da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89” (fls. 792-verso)
 
  
 
       Numa primeira análise, poderá parecer que o recorrente apenas pretende 
 colocar em crise um juízo interpretativo da decisão recorrida que subsumiu as 
 cláusulas do contrato objecto dos autos recorridos ao regime jurídico do 
 contrato individual de trabalho. No fundo, caso não se tivesse presente o 
 próprio sentido decisório aplicado pelo tribunal “a quo”, dir-se-ia que o 
 recorrente apenas contesta que o “contrato objecto dos autos dev[a] ser 
 submetido ao regime da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89”.
 
  
 
       Ora, conforme recorrentemente afirmado através da sua jurisprudência 
 constante, o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes para reapreciar, em 
 sede de recurso, os juízos interpretativos de subsunção dos factos ao Direito 
 infra-constitucional aplicável, que hajam sido proferidos pelos tribunais “a 
 quo”.
 
  
 
       Sucede, porém, que – atentas as circunstâncias do caso concreto – a 
 precisa colocação da questão de constitucionalidade junto deste Tribunal, 
 evidencia uma actuação processual diligente e “ad cautelam”, por parte do 
 recorrente, que se faz rodear de cuidados para garantir que a interpretação 
 normativa com que pretende confrontar o Tribunal Constitucional seja 
 precisamente aquela que o tribunal “a quo” efectivamente aplicou.
 
  
 O recorrido veio, por meio das suas contra-alegações, atacar a possibilidade de 
 conhecimento do objecto do presente recurso, mediante o argumento de que o 
 recorrido não havia suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade durante 
 o processo, seja nas alegações perante o Tribunal da Relação de Coimbra, seja 
 nas contra-alegações para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 Já no âmbito dos autos de recurso que deram lugar ao Acórdão n.º 409/07, de 11 
 de Julho de 2007, a (então) recorrida colocou em causa a adequada suscitação da 
 questão da inconstitucionalidade por parte do ora recorrente, em termos 
 similares aos constantes dos presentes autos. Então, este Tribunal pôde concluir 
 que:
 
  
 
                         “Entende‑se não assistir razão à recorrida. A 
 eventualidade de o recorrente não ter suscitado a questão de 
 inconstitucionalidade perante a 1.ª instância ou perante o Tribunal da Relação é 
 de todo irrelevante, bastando que a tenha suscitado adequadamente perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Supremo Tribunal de Justiça) antes 
 da prolação desta decisão.
 
                         A norma aplicada nesta decisão e cuja conformidade 
 constitucional o recorrente pretende ver sindicada resulta da conjugação dos 
 artigos 41.º, n.º 4, do Decreto‑Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do 
 Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do ICERR, os dois 
 primeiros enquanto permitem a aplicação das disposições estatutárias ao pessoal 
 dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de 
 fundos públicos, concretamente enquanto permite a aplicação do artigo 13.º dos 
 Estatutos do ICERR, sujeitando o pessoal do ICERR ao regime jurídico do contrato 
 individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de 
 contratos de trabalho a termo em contratos sem termo.
 
                         A suscitação da inconstitucionalidade desse critério 
 normativo já se podia considerar feita nas contra‑alegações do então recorrido 
 
 (ora recorrente) no recurso de revista, em que sustentava que o único regime 
 constitucionalmente admissível era o plasmado nas normas do Decreto‑Lei n.º 
 
 427/89, designadamente a do seu artigo 43.º, n.º 1, que proíbe a constituição de 
 relações de emprego público com carácter subordinado por forma diferente das 
 previstas no seu artigo 14.º (nomeação, contrato de provimento e contrato de 
 trabalho a termo certo). Mas tal questão foi expressamente suscitada na resposta 
 do recorrente ao parecer da representante do Ministério Público no STJ, ao 
 referir que a interpretação do artigo 44.º do Decreto‑Lei n.º 427/89 inserta 
 nesse parecer «viola o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República 
 Portuguesa, que determina que o direito de acesso à função pública se deve 
 processar «em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de 
 concurso»”, rebatendo a seguir o argumento de que “face ao disposto no n.º 1 do 
 artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, não está em causa uma relação jurídica de 
 emprego público, não tendo, por isso, qualquer cabimento a alegada violação 
 daquele ditame constitucional”, e, após citação das anotações de J. J. Gomes 
 Canotilho / Vital Moreira e de Jorge Miranda / Rui Medeiros ao artigo 47.º da 
 CRP, conclui: “integrando‑se o pessoal do ICERR na função pública, para efeitos 
 do artigo 47.º da Constituição, a possibilidade de conversão dos contratos com 
 termo em contratos sem termo viria ofender de forma intolerável o direito de 
 acesso em condições de igualdade previsto no artigo 47.º, n.º 2, da 
 Constituição»”.
 
                         Tendo esta resposta ao parecer do Ministério Público 
 sido apresentada perante o tribunal recorrido, antes de ele ter proferido a 
 decisão impugnada, tal suscitação é tempestiva e adequada, sendo, assim, de 
 conhecer do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC”. (cfr. Acórdão n.º 409/07, de 11 de Julho de 2007)
 
  
 
       Também nos presentes autos, não restam dúvidas de que o recorrente 
 suscitou a questão de inconstitucionalidade normativa ora em apreço, de modo a 
 que o tribunal “a quo” dela pudesse conhecer. Ainda que indirectamente, e por 
 argumento “a contrario”, poder-se-ia extrair das suas alegações para o Tribunal 
 da Relação de Coimbra uma suscitação de um incidente de inconstitucionalidade 
 normativa, reportado às normas que permitiam a aplicação do regime do contrato 
 individual de trabalho:
 
  
 
             “Como quer que seja, as normas, nesta parte, do Dec. Lei n.º 427/89 
 são normas imperativas, normas de interesse e ordem pública, perante as quais 
 falecem normas de ordem e interesse particular.
 Ainda, e por fim, o nº 2 do art.º 47º da Constituição da República Portuguesa 
 proíbe a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado.
 
 (…)
 Faltando o concurso para admissão da A. (e tenha-se em conta que a excepção ao 
 princípio do concurso deve justificar-se com base em princípios materiais – p.e. 
 DL 323/89) a decisão que convertesse o contrato a termo em contrato sem termo 
 seria sempre inconstitucional, por violação do art.º 47º, n.º 2.” (fls. 131)
 
  
 Aliás, conhecendo de tal alegação de inconstitucionalidade normativa, o próprio 
 Tribunal da Relação de Coimbra viria a considerar expressamente que:
 
  
 
 “Sendo através da nomeação que a Administração, por acto unilateral, preenche um 
 lugar do quadro, visando assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de 
 funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência (“ut” 
 art. 4.º/1 do D.L. 427/89), se fosse possível aceder a um vínculo definitivo 
 mediante a pretensa inobservância do regime legal previsto nos arts. 41º e 42º 
 do DL n.º 64-A/89 estar-se-ia a afrontar claramente – além das normas daquele 
 Diploma que constituem especialidades relativamente ao Regime Geral dos 
 Contratos a termo – o princípio Constitucional constante do art. 47.º/2 da CRP, 
 segundo o qual o acesso à Função Pública se faz, em condições de liberdade e 
 igualdade, em regra por via de concurso.” (fls. 208)
 
  
 Por outro lado, nas próprias contra-alegações para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, reportando-se à possibilidade de aplicação das normas que remetiam o 
 contrato em apreço para o regime do contrato individual de trabalho, o 
 recorrente voltou a frisar, na 8ª conclusão, que: 
 
  
 
 “8ª. o n.º 2 do artº. 47º da Constituição da República Portuguesa proíbe a 
 conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, daí que 
 faltando o concurso para a admissão do A. qualquer decisão que convertesse o 
 contrato a termo em contrato sem termo seria sempre inconstitucional, por 
 violação do artº. 47º, nº 2 da CRP” (fls. 240).
 
  
 
 8. Mas, ainda que restassem dúvidas quanto à suscitação de uma questão de 
 inconstitucionalidade, por referência expressa a normas concretas, torna-se 
 incontestável considerar que o recorrente a colocou, de modo processualmente 
 adequado, quando teve oportunidade de responder ao visto do Ministério Público 
 junto do Supremo Tribunal de Justiça. Então, o recorrente alegou que
 
  
 
 “A interpretação do art.º 44º do DL 427/98, inserta no douto parecer do 
 Ministério Público, viola o nº 2 do artigo 47º da Constituição da República 
 Portuguesa, que determina que o direito de acesso à função pública se deve 
 processar «em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».
 E nem se diga que, face ao disposto no n.º 1 do art.º 13º dos Estatutos do 
 ICERR, não está em causa uma relação jurídica de emprego público, não tendo, por 
 isso, qualquer cabimento a alegada violação daquele ditame constitucional.
 
 (…)
 
 - Em anotação ao art.º 47º - Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª 
 ed. Revista, Coimbra Editora – Gomes Canotilho e Vital Moreira dizem que «A 
 definição constitucional do conceito de função pública suscita alguns problemas 
 
 (…). Todavia, não há razões para contestar que o conceito constitucional 
 corresponde aqui ao sentido amplo da expressão em direito administrativo, 
 designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva 
 pública (Estado, região autónoma, autarquia local, instituto público, associação 
 pública, etc.), qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde 
 que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho), e 
 independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou 
 transitório».
 Por sua vez, em anotação ao mesmo artigo – Constituição Portuguesa Anotada, Tomo 
 I, Coimbra Editora, pág. 477 – Jorge Miranda e Rui Medeiros dizem que: «(…) E 
 funcionários e agentes são os “trabalhadores da Administração pública” (artigo 
 
 269º, nº 1), seja qual for o ramo desta (…) e seja qual for a natureza jurídica 
 do vínculo (público ou privado)».
 Assim sendo, e integrando-se o pessoal do ICERR na função pública, para efeitos 
 do art.º 47º da Constituição, a possibilidade de conversão dos contratos com 
 termo em sem termo, viria ofender de forma intolerável o direito de acesso em 
 condições de igualdade previsto no art.º 47º, n.º 2 da Constituição.” (fls. 
 
 259-verso a 260-verso)
 
  
 
       Deste modo, ao contrário do pretendido pelo recorrido, o recorrente não se 
 limitou “a afirmar de modo muito vago e abstracto que uma dada interpretação é 
 inconstitucional” (fls. 839), antes tendo colocado uma precisa questão de 
 inconstitucionalidade que, aliás, conduziu o tribunal recorrido a pronunciar-se 
 sobre a mesma (fls. 276 e 277), ainda que considerando que “aquele preceito [ou 
 seja, o n.º 2 do artigo 47º da CRP] não tenha aplicação ao caso”.
 
       
 
       Assim sendo, o Instituto de Estradas de Portugal suscitou a questão de 
 inconstitucionalidade ora em apreço, pelo menos na resposta ao visto do 
 Ministério Público (fls. 259-verso a 260-verso), de modo e em tempo que o 
 tribunal “a quo” dela pôde conhecer. Como tal, não subsistem razões para que 
 este Tribunal pudesse recusar o conhecimento do objecto do recurso, com 
 fundamento na ilegitimidade processual do recorrente, nos termos dos artigos 
 
 72º, n.º 2, e 76º, n.º 2, da LTC.
 
  
 C)    Inconstitucionalidade da interpretação normativa do n.º 1 do artigo 44º do 
 Decreto-Lei n.º 427/89 e do n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR, 
 aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99
 
  
 
 9. As normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada têm o seguinte teor: 
 
  
 
  
 
  
 
  
 Artigo 44º do Decreto-Lei n.º 427/89
 
  
 
 «1. Ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços 
 personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às 
 empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho e, bem assim, ao 
 pessoal abrangido por regimes identificados em lei como regimes de direito 
 público privativo aplicam-se as respectivas disposições estatutárias».
 
  
 Artigo 13º do Decreto-Lei n.º 237/99
 
  
 
 «1. As referências feitas, na legislação ou regulamentação em vigor, à Junta 
 Autónoma de Estradas devem considerar-se feitas ao IEP ou ao ICERR, conforme o 
 
 âmbito das respectivas competências».
 
  
 Conforme já supra demonstrado, o Tribunal Constitucional teve, recentemente, 
 oportunidade de se pronunciar exacta e precisamente sobre a questão em apreço 
 nos presentes autos, através de decisão tomada, por unanimidade, pela 2ª Secção 
 
 (cfr. Acórdão n.º 409/07, de 11 de Julho de 2007, disponível in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). Tal jurisprudência é integralmente acompanhada 
 pelo presente Acórdão, optando-se por reproduzir o teor da mesma:
 
  
 
           “Como é sabido, a questão central objecto do presente recurso já foi 
 objecto de diversas pronúncias deste Tribunal, embora a propósito de outras 
 normas. No Acórdão n.º 61/2004, na sequência dos Acórdãos n.ºs 140/2002 e 
 
 406/2003, todos proferidos em sede de fiscalização abstracta sucessiva da 
 constitucionalidade e tendo por objecto a questão da admissibilidade da 
 aplicação do regime do contrato individual de trabalho, designadamente quanto à 
 conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, expendeu‑se:
 
                         
 
             «6.1. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a jurisprudência 
 constitucional
 
          
 
             O mencionado n.º 2 do artigo 47.º da CRP preceitua o seguinte:
 
  
 
  
 
                                    Artigo 47.º
 
                                    Liberdade de escolha de profissão e acesso à 
 função pública
 
                                    1. (...)
 
             2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em 
 condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
 
  
 
             A questão do direito de acesso à função pública e da regra do 
 concurso foi recentemente analisada pelo já citado Acórdão n.º 406/2003, 
 relativo ao Instituto Nacional da Aviação Civil, com argumentação que se reitera 
 e que conduz à emissão de declaração de inconstitucionalidade.
 
             Como se afirmou no Acórdão n.º 683/99 (Diário da República, II 
 Série, n.º 28, de 3 de Fevereiro de 2000, pág. 2351):
 
  
 
             «Entre nós, retira‑se do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, como 
 concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a 
 um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, 
 que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito subjectivo de 
 qualquer dos candidatos à contratação – assim, v. recentemente o Acórdão n.º 
 
 556/99).
 
             Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, 
 ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a 
 privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela 
 desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (cf., 
 recentemente, o Acórdão n.º 128/99, que fundou no artigo 47.º, n.º 2, da 
 Constituição, embora com votos de vencido quanto à sua aplicação ao caso, um 
 julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, alínea c), da Lei 
 n.º 86/89, de 8 de Setembro, na medida em que, para a candidatura a Juiz do 
 Tribunal de Contas, em concurso curricular, não considerava o exercício durante 
 três anos de funções de gestão em sociedades por quotas).
 
             É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47.º, n.º 2, não 
 proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente em valores 
 com relevância constitucional – como exemplos pode referir‑se a preferência no 
 recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto do outro (assim 
 G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). Poderá discutir‑se 
 se do princípio consagrado no artigo 47.º, n.º 2, resulta, como concretização 
 dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de acesso (em regra, 
 de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente meritocráticos, ou se 
 pode conceder‑se preferência a candidatos devido a características diversas das 
 suas capacidades ou mérito, desde que não importem qualquer preferência 
 arbitrária ou discriminatória – assim, por exemplo, o facto de serem oriundos de 
 uma determinada região, ou de terem outra característica (por exemplo, uma 
 deficiência) reputada relevante para os fins prosseguidos pelo Estado.
 
             Seja como for, pode dizer‑se que a previsão da regra do concurso, 
 associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função pública, 
 funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à capacidade dos 
 candidatos (de «princípio da prestação» fala a doutrina alemã – v., por exemplo, 
 
 Walter Leisner, «Das Leistungsprinzip», in idem, Beamtentum, Berlim, 1995, pág. 
 
 273 e seguintes –, sendo certo, contudo, que o respectivo texto constitucional 
 
 é, como vimos, explicitamente mais exigente).
 
             E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do 
 procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se 
 adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a 
 Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, 
 um direito de acesso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits., anotação 
 XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, 
 Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e seguintes).
 
             Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à função 
 pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na 
 simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada com a 
 imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – 
 fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função 
 pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser 
 inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em 
 princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes 
 Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.; Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153‑4).»
 
  
 
          No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 368/2000 (Diário da 
 República, I Série‑A, n.º 277, de 30 de Novembro de 2000, pág. 6886). E, 
 anteriormente, no Acórdão n.º 53/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º 
 vol., pág. 303 e seguintes) já se expressara o seguinte entendimento, 
 relativamente ao n.º 2 do artigo 47.º da CRP:
 
  
 
             «Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito compreende 
 três elementos: a) o direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser 
 excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma 
 determinada função em particular, por outro motivo que não seja a falta dos 
 requisitos adequados à função (v. g., idade, habilitações académicas e 
 profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver 
 discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores 
 irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da 
 liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, 
 desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de 
 provimento de lugares sem concurso.»
 
  
 
                         E, neste mesmo acórdão, ainda se acrescentou que «não 
 existe aqui nenhuma garantia de igualdade quando o provimento depende 
 decisivamente de uma escolha discricionária do serviço» e que «é precisamente 
 contra o poder de os serviços escolherem livremente o seu pessoal que se dirigem 
 os princípios constitucionais da igualdade e do concurso no acesso à função 
 pública».
 
                         Ainda quanto à questão do direito de acesso à função 
 pública e da regra do concurso, no já citado Acórdão n.º 683/99 afirmou‑se 
 igualmente que «visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio 
 direito de acesso em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar, 
 como se afirmou, de se basear em razões materiais – isto é, designadamente, em 
 razões relevantes para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim, 
 por exemplo, para a escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá 
 eventualmente revelar‑se adequada a selecção sem concurso). Considerando esta 
 necessidade de justificação material da postergação da regra do concurso não 
 pode, pois, tirar‑se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto 
 imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública».
 
                         Este Acórdão n.º 683/99 firmou, pois, o entendimento 
 segundo o qual a postergação da regra de concurso carece de uma justificação 
 material, entendimento esse que não foi questionado nos votos de vencido a ele 
 apostos.
 
                         Próxima da apreciação da justificação material da 
 postergação do concurso, situa‑se a argumentação desenvolvida pelo Acórdão n.º 
 
 556/99 (Diário da República, II Série, n.º 63, de 15 de Março de 2000, pág. 
 
 4987). Neste acórdão discutiu‑se a questão da conformidade constitucional do 
 disposto na alínea a) dos nºs 1 e 2 do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 46/88, de 
 
 11 de Fevereiro, através do qual o legislador permitiu o ingresso nos quadros do 
 Ministério da Defesa Nacional a pessoal que, à data de 31 de Dezembro de 1987, 
 não tendo a qualificação legal de funcionário, quisesse obtê‑la; e, a propósito 
 de tal questão, afirmou‑se no citado aresto:
 
  
 
             «No entanto, o direito de acesso à função pública não é um direito 
 de exercício incondicionado.
 
             O n.º 2 do artigo 47.º da Constituição estabelece a regra do 
 concurso público, que será realizado sempre que as necessidades de preenchimento 
 de lugares de quadro se verificarem. Este concurso é uma forma de selecção de 
 candidatos, em função das aptidões demonstradas, não se podendo afirmar, à 
 partida, o direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação.
 
             Da norma constitucional também não decorre uma exigência absoluta de 
 realização de concurso, em todos os casos, para o acesso à função pública.
 
             O artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro (diploma 
 que aprova instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração Pública), 
 proíbe, como regra, que, nos casos de criação ou alteração de quadros de 
 pessoal, se estabeleçam ‘promoções automáticas ou reclassificações de pessoal’ 
 
 (alínea a)) ou ‘integração directa em lugares de quadro a pessoal que não tenha 
 a qualidade de funcionário ou que, sendo agente, não desempenhe funções em 
 regime de tempo completo, não se encontre sujeito à disciplina, hierarquia e 
 horário do respectivo serviço e conte menos de três anos de serviço 
 ininterrupto’ (alínea b)).
 
             Esta norma é uma concretização do imperativo constitucional do 
 recurso ao concurso público para preenchimento de lugares nos quadros da função 
 pública, em atenção, precisamente, ao respeito pela igualdade de oportunidades 
 dos candidatos e à transparência nas relações jurídicas administrativas.
 
             O artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 46/88 surge como uma derrogação a 
 este regime. Derrogação, porém, que, como se demonstrou, obedece a imperativos 
 de interesse público e à qual subjaz um critério objectivo, não incompatível com 
 a Constituição. A desigualdade no tratamento legislativo das situações, ou seja, 
 na fixação dos critérios de acesso aos quadros de funcionários do Ministério da 
 Defesa Nacional, tem uma base constitucionalmente aceitável, que justifica a 
 excepção à regra da realização do concurso público.»
 
  
 
                         6.2. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a celebração de 
 contratos individuais de trabalho
 
                         A primeira linha de argumentação da resposta do 
 Primeiro‑Ministro assenta na ideia de que o n.º 2 do artigo 47.º se destina à 
 função pública, interpretando esta expressão no sentido de a limitar ao universo 
 dos elementos ao serviço da Administração Pública a que corresponda o 
 qualificativo de funcionário público, com exclusão dos agentes não funcionários 
 e dos demais trabalhadores da Administração Pública não funcionários nem 
 agentes.
 
                         Seguindo, uma vez mais, a argumentação desenvolvida no 
 Acórdão n.º 406/2003, recordar‑se‑á que uma solução intermédia parece ser 
 defendida por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 
 
 264, nota VIII ao artigo 47.º):
 
             
 
             «A definição constitucional do conceito de função pública suscita 
 alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis ordinárias 
 utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais) 
 defendidos para a sua caracterização material. Todavia, não há razões para 
 contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo da 
 expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao 
 serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, região autónoma, autarquia 
 local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime 
 jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato 
 individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou 
 definitivo, permanente ou transitório.»
 
                         
 
                         No entanto, Vital Moreira, mais tarde, viria a 
 pronunciar‑se em sentido mais amplo (Projecto de lei‑quadro dos institutos 
 públicos, Relatório Final e Proposta de Lei‑Quadro, Grupo de Trabalho para os 
 Institutos Públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, 
 Fevereiro de 2001, n.º 4, pág. 50, nota ao artigo 45.º), adoptando uma posição 
 que tem também sido defendida pelo Tribunal Constitucional, ao ponderar que:
 
  
 
             «No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de 
 trabalho, nem a Administração Pública pode considerar‑se uma entidade patronal 
 privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.
 
             No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais 
 válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de «gestão privada», ou 
 seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam‑se a necessária 
 prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da 
 proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266.º, n.º 
 
 2, da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do 
 recrutamento do pessoal.
 
             Além disso, estabelecendo a Constituição que ‘todos os cidadãos têm 
 o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em 
 regra por via de concurso’ (CRP, artigo 47.º, n.º 2), seria naturalmente uma 
 verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual 
 de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos 
 trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem 
 qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos 
 princípios da igualdade e da imparcialidade.»
 
  
 
                         Estas últimas considerações afiguram‑se inteiramente 
 procedentes, principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato 
 individual de trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um 
 serviço público personalizado.
 
                         Com efeito, a exigência constitucional de «acesso à 
 função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de 
 concurso» apresenta duas vertentes. Por um lado, numa vertente subjectiva, 
 traduz um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por 
 outro lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional 
 destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que 
 
 «os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras 
 entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público» (n.º 1 
 do artigo 269.º da CRP). Na verdade, procedimentos de selecção e recrutamento 
 que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a 
 virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo 
 critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos 
 exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o 
 risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a 
 necessidade de actuação «com respeito pelos princípios da igualdade, da 
 proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» (n.º 2 do artigo 
 
 266.º da CRP).
 
                         Esta perspectiva é particularmente importante quando se 
 trate de recrutamento e selecção de pessoal para entidades que exerçam 
 materialmente funções públicas, como acontece com o IPCR (cf., supra, 4.1).
 
                         A afirmação anterior não é desmentida pelo facto de o 
 pessoal técnico superior e o pessoal destinado a desempenhar funções 
 especializadas em investigação laboratorial para a conservação e restauro, ao 
 contrário do restante pessoal do Instituto, ser admitido em regime de contrato 
 individual de trabalho (artigo 22.º, n.º 1, do Decreto‑Lei em análise). De 
 facto, e se bem que se possa admitir que aquele regime se poderá adaptar melhor 
 
 à situação do pessoal técnico especializado (embora não de todo o pessoal 
 técnico superior), em virtude da sazonalidade e especificidade das tarefas que é 
 chamado a desempenhar, não podemos ignorar que, no decurso da sua actividade, 
 também poderá estar em causa o exercício de poderes de autoridade estadual, 
 nomeadamente, os poderes de superintendência e de certificação acima 
 mencionados.
 
                         Consequentemente, as atribuições e a natureza do IPCR, 
 bem como as funções cometidas aos seus órgãos e agentes justificam inteiramente 
 que ao recrutamento e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato 
 individual de trabalho, se apliquem as garantias de liberdade e igualdade de 
 acesso que se encontram fixadas no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
 
                         Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal 
 sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a 
 realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que 
 a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de 
 procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de 
 acesso.
 
                         A recente Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei quadro 
 dos institutos públicos), no seu artigo 34.º, sob a epígrafe Pessoal, veio 
 justamente dispor:
 
             
 
             «1 – Os institutos públicos podem adoptar o regime do contrato 
 individual de trabalho em relação à totalidade ou parte do respectivo pessoal, 
 sem prejuízo de, quando tal se justificar, adoptarem o regime jurídico da função 
 pública.
 
             2 – O pessoal dos institutos públicos estabelece uma relação 
 jurídica de emprego com o respectivo instituto.
 
             3 – O recrutamento do pessoal deve, em qualquer caso, observar os 
 seguintes princípios:
 a) Publicitação da oferta de emprego pelos meios mais adequados;
 b) Igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
 c) Fundamentação da decisão tomada.
 
             4 – Nos termos do artigo 269.º da Constituição, a adopção do regime 
 da relação individual de trabalho não dispensa os requisitos e limitações 
 decorrentes da prossecução do interesse público, nomeadamente respeitantes a 
 acumulações e incompatibilidades legalmente estabelecidas para os funcionários e 
 agentes administrativos.
 
 (...).»
 
  
 
                         Tratou‑se da generalização para todos os institutos 
 públicos de soluções que já vinham sendo adoptadas pelo legislador, como, por 
 exemplo, no Decreto‑Lei n.º 59/2002, de 15 de Março, que criou o Instituto 
 Geográfico Português (vide o n.º 6 do artigo 46.º dos Estatutos por ele 
 aprovados), e no Decreto‑Lei n.º 96/2003, de 7 de Maio, que criou o Instituto do 
 Desporto de Portugal (vide o artigo 33.º dos Estatutos por ele aprovados), o que 
 demonstra que não existe qualquer incompatibilidade entre o regime do contrato 
 individual de trabalho e a definição de garantias de liberdade e igualdade no 
 acesso ao exercício de funções nos institutos públicos.
 
                         Em suma: as normas em causa, na medida em que prevêem 
 uma plena liberdade de selecção e recrutamento do pessoal técnico superior e do 
 pessoal técnico especializado do instituto público em apreço, sem estabelecerem 
 qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos 
 princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função pública, colidem com o 
 preceituado no n.º 2 do artigo 47.º da CRP.
 
                         
 
                         6.3. A eventual existência de justificação material para 
 um regime de excepção
 
                         
 
                         Como vimos, sustentou o Primeiro‑Ministro que existem 
 aqui específicas razões materiais que se apresentam como bastantes para se 
 admitir a dispensa do concurso público. Tais razões consistiriam na especial 
 natureza, pontualidade, sazonalidade e especificidade das funções a desempenhar, 
 conjugadas com as exigências da preservação, defesa e valorização da herança 
 patrimonial.
 
                         Ainda que assim seja, estas razões não colhem no que 
 respeita ao pessoal técnico superior, uma vez que estão em causa tarefas de 
 gestão de recursos humanos, biblioteca e documentação, arquivo, consultadoria 
 jurídica e informática, para os quais não se vislumbram quaisquer 
 especificidades ou sazonalidade justificativas da dispensa de concurso público 
 
 (veja-se o mapa anexo à Portaria n.º 288/2003, de 3 de Abril, que aprova o 
 quadro de pessoal do IPCR – cf., supra, 4.2).
 
                         Já quanto ao pessoal técnico especializado em 
 conservação e restauro (superior ou não), se as razões alegadas pelo 
 Primeiro‑Ministro se podem apresentar como procedentes para a opção pelo regime 
 do contrato individual de trabalho, e eventualmente mesmo para se não prever que 
 o recrutamento e selecção devessem ser efectuados por concurso público, o que 
 elas não podem justificar é a ausência de quaisquer regras e procedimentos 
 tendentes a assegurar que o acesso tenha lugar com efectivas garantias de 
 liberdade e igualdade. Efectivamente, as qualidades técnicas que deverão 
 constituir critério essencial de selecção do pessoal técnico especializado são, 
 em grande medida, objectivamente avaliáveis, pelo que não se compreende a 
 postergação daquelas regras.
 
                         De facto, se é verdade que este Tribunal definiu o 
 entendimento segundo o qual a regra do concurso pode ser postergada, caso exista 
 uma justificação material, uma vez que o n.º 2 do artigo 47.º apenas determina 
 que o recurso ao concursos deve ter lugar em regra, já se não descortinam nem 
 credencial constitucional nem, no caso vertente, quaisquer interesses que 
 pudessem determinar a eventual existência de motivos conducentes ao afastamento 
 de um recrutamento baseado em critérios que assegurem a liberdade e igualdade de 
 acesso à função pública.»
 
  
 
                         Estas considerações são inteiramente transponíveis para 
 o caso do presente recurso, sendo inquestionável que o instituto em causa está 
 investido de poderes de autoridade (cf., designadamente, o n.º 3 do artigo 5.º 
 do Decreto‑Lei n.º 237/99), e não se vislumbra nenhuma razão válida, 
 nomeadamente face à especificidade das funções desempenhadas, para subtrair todo 
 o seu pessoal, e especificamente a categoria profissional da ora recorrida, à 
 regra do concurso.
 
                         Não se ignora que, entre a matéria de facto provada, 
 consta que “a autora foi contratada na sequência de um processo de avaliação de 
 currículos dos candidatos, com entrevista de selecção” (n.º 8). No entanto, para 
 além de o critério normativo seguido no acórdão recorrido (e é sobre esse que 
 há-de incidir o juízo de constitucionalidade deste Tribunal) ter considerado de 
 todo irrelevante a existência, ou não, de procedimentos objectivos de selecção 
 do pessoal a contratar, o certo é aquele facto provado é insuficiente (por nada 
 revelar, por exemplo, sobre a prévia publicitação da existência da vaga) para 
 dar por adquirido que o procedimento em concreto seguido tenha efectivamente 
 garantido a todos os potenciais candidatos o acesso ao cargo “em condições de 
 liberdade e igualdade”. Competirá, naturalmente, ao tribunal recorrido, ao 
 proceder à reformulação da sua decisão, e se tal lhe for processualmente 
 permitido, apurar se, em concreto, estas condições terão sido respeitadas, 
 hipótese em que, adoptando então – como lhe é lícito – critério normativo 
 distinto do ora julgado inconstitucional, não está à partida excluída a 
 possibilidade de vir a julgar não inconstitucional esse novo critério.”
 
             Posto isto, dúvidas não restam de que o juízo proferido, por 
 unanimidade, pelo Acórdão n.º 409/07, em plena consonância com as declarações de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral decorrentes dos Acórdãos n.º 
 
 61/04, de 27 de 01 de 2004 (disponível in «Diário da República», Iª Série-A, n.º 
 
 49, de 27 de Fevereiro de 2004, pp. 1038 e seguintes), n.º 406/03, de 17 de 
 Setembro de 2003 (disponível in «Diário da República», Iª Série-A, n.º 247, de 
 
 24 de Outubro de 2003, pp. 7094 e seguintes) e n.º 140/02, de 09 de Abril de 
 
 2002 (disponível in «Diário da República», Iª Série-A, n.º 146, de 27 de Junho 
 de 2002, pp. 5044 e seguintes), é transponível para os presentes autos.
 
  
 
             10. E nem sequer procede a fundamentação da decisão recorrida (ainda 
 que por remissão para a posição de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 
 “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 2007, Coimbra, pp. 659 
 e 660), de acordo com a qual “o conceito de função pública contido no artigo 
 
 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, não contempla actividades 
 exercidas ao abrigo do regime comum do contrato individual de trabalho, 
 legalmente autorizado, ao serviço de uma pessoa colectiva pública, daí que 
 aquele preceito não tenha aplicação ao caso” (fls. 277).
 
  
 O Tribunal Constitucional já teve ocasião de afirmar:
 
  
 
             “No entanto, é VITAL MOREIRA que, mais tarde, viria a assinalar 
 
 (Projecto de lei-quadro dos institutos públicos, Relatório Final e Proposta de 
 Lei-Quadro, Grupo de Trabalho para os Institutos Públicos, Ministério da Reforma 
 do Estado e da Administração Pública, Fevereiro de 2001, n.º 4, pág. 50, nota ao 
 artigo 45º):
 
  
 
             «No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de 
 trabalho, nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal 
 privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.
 
  
 
             No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais 
 válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de “gestão privada”, ou 
 seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária 
 prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da 
 proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (art. 266º- 2 da 
 Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do 
 pessoal.
 
  
 
             Além disso, estabelecendo a Constituição que “todos os cidadãos têm 
 o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em 
 regra por via de concurso” (CRP, art. 47º-2), seria naturalmente uma verdadeira 
 fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho 
 incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da 
 Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer 
 requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da 
 igualdade e da imparcialidade.»
 
             
 
             Estas últimas considerações afiguram-se inteiramente procedentes, 
 principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato individual de 
 trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um serviço público 
 personalizado.
 
  
 
             Com efeito, a exigência constitucional de “acesso à função pública, 
 em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” apresenta 
 duas vertentes. 
 
  
 
             Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um direito de acesso à 
 função pública garantido a todos os cidadãos; por outro lado, numa vertente 
 objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a 
 imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que “os trabalhadores da 
 Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas 
 estão exclusivamente ao serviço do interesse público” (n. 1 do artigo 269º da 
 CRP). Na verdade, procedimentos de selecção e recrutamento que garantam a 
 igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a virtualidade de 
 impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo critérios que 
 facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase 
 exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de colocarem a 
 mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a necessidade de actuação 
 
 “com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, 
 da imparcialidade e da boa fé” (n. 2 do artigo 266º da CRP).
 
  
 
             Esta perspectiva é mesmo particularmente importante para quem 
 defenda que se está perante um caso de recrutamento de pessoal para entidade que 
 exerce materialmente funções públicas.
 
  
 
             Ora, consoante resulta dos respectivos Estatutos, o INAC é um 
 instituto com vocação reguladora e inspectiva (n. 1 do artigo 1º e artigo 2º), 
 ao qual é atribuído o exercício de poderes de autoridade do Estado, 
 designadamente, nos seguintes aspectos: quanto ao licenciamento, certificação, 
 autorização e homologação de certas actividades e procedimentos (artigo 7º); 
 quanto à emissão de regulamentos (artigo 8º); quanto à realização de inquéritos, 
 requisição de informações e efectivação de actividades de inspecção (artigos 9º 
 e 10º); quanto à aplicação de medidas administrativas e sancionatórias (artigo 
 
 11ª); quanto à liquidação e cobrança coerciva de taxas, através do processo de 
 execução fiscal (artigo 26º); quanto à expressa atribuição de poderes de 
 autoridade ao pessoal que desempenhe funções de fiscalização, que incluem, 
 nomeadamente, “a suspensão ou cessação de actividades e encerramento de 
 instalações” a título preventivo (artigo 25º, designadamente, a alínea c) do n. 
 
 1).
 
  
 
             Nestas condições, e na esteira da doutrina estabelecida no Acórdão 
 n.º 140/02 (Diário da República, I Série-A, de 27 de Junho de 2002), também o 
 INAC se afigura ser um instituto público com clara prevalência do regime de 
 direito público, exercendo poderes de autoridade pública através dos seus órgãos 
 e agentes; os seus trabalhadores desempenham nestes termos, em suma, uma função 
 pública em sentido material.
 
  
 
             Consequentemente, as atribuições e a natureza do INAC, bem como as 
 funções cometidas aos seus órgãos e agentes justificam inteiramente que ao 
 recrutamento e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato individual 
 de trabalho, se apliquem as garantias de liberdade e igualdade de acesso que se 
 encontram fixadas no n. 2 do artigo 47º da Constituição.
 
  
 
             Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao 
 regime do contrato individual de trabalho se não justifica a realização de um 
 concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que a selecção e o 
 recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de procedimentos 
 administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de acesso. 
 
  
 
             Aliás, essa era a proposta contida no já mencionado Projecto de 
 lei-quadro dos institutos públicos, em cujo artigo 45º se previa que, mesmo nos 
 casos em que se tenha optado pelo regime do contrato individual de trabalho e se 
 não observe o regime de concurso próprio da função pública, o recrutamento do 
 pessoal deveria ter lugar através de um procedimento administrativo conforme aos 
 seguintes princípios:
 
             a) - publicitação da oferta de emprego pelos meios mais adequados;
 
             b) - igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
 
             c) - aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação e 
 selecção;
 
             d) - fundamentação da decisão tomada.
 
  
 
             E, no nosso ordenamento jurídico, existem já alguns exemplos 
 recentes de actos legislativos respeitantes a institutos públicos que contêm 
 normas relativas aos requisitos procedimentais acima referidos. É o caso do 
 Decreto-Lei 59/2002 de 15 de Março que criou o Instituto Geográfico Português 
 
 (vide o n. 6 do artigo 46º dos Estatutos por ele aprovados), e do Decreto-Lei 
 
 96/2003 de 7 de Maio, que criou o Instituto do Desporto de Portugal (vide o 
 artigo 33º dos Estatutos por ele aprovados), o que demonstra que não existe 
 qualquer incompatibilidade entre o regime do contrato individual de trabalho e a 
 definição de garantias de liberdade e igualdade no acesso ao exercício de 
 funções nos institutos públicos.
 
               
 Em suma: as normas em causa, na medida em que prevêem uma plena liberdade de 
 selecção e recrutamento dos trabalhadores do instituto público em apreço, sem 
 estabelecerem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância 
 dos princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função pública, colidem 
 com o preceituado no n.  2 do artigo 47º da Constituição.” (Acórdão n.º 406/03, 
 de 17 de Setembro de 2003, publicado in «Diário da República», Série I-A, n.º 
 
 247, 24 de Outubro de 2003, pp. 7094 e segs.)
 
  
 
          Esta jurisprudência encontra pleno acolhimento no caso em apreço nos 
 presentes autos, na medida em que o ICERR exerce poderes típicos de autoridade 
 pública, para prossecução de fins de interesse geral, conforme já anteriormente 
 demonstrado por este Tribunal:
 
  
 
 “Assim, e desde logo, importa lembrar que se está agora perante entes que vêm 
 suceder, por um lado, a um “instituto público” preexistente” (porventura um dos 
 mais antigos do direito público português, correspondendo à modalidade de 
 
 “serviço público personalizado”), a Junta autónoma das Estadas (cujo diploma 
 orgânico era, por último, o Decreto-Lei nº. 184/78, de 18 de Julho), e, por 
 outro lado, a uma “sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos”, a JAE 
 Construção, S.A. (criada pelo Decreto-Lei nº. 142/97, de 6 de Junho).  
 
  
 Ora, isto já denuncia que, por outra parte, a natureza do seu objecto e fim não 
 será, pois, coincidente (ou inteiramente coincidente) com o Instituto antes 
 considerado, nem coincidente entre os vários institutos agora em análise; e, de 
 facto, o que temos, agora, é, a par de uma entidade com funções essencialmente 
 de “planeamento” e “regulação” (o IEP), uma outra com uma função basicamente 
 
 “operativa” e de “exploração”, mas incluindo ainda competêmcias “reguladoras” (o 
 ICERR) e uma terceira concebida nitidamente co uma natureza empresarial (o ICOR) 
 
 (....). As duas primeiras sucederam à Junta Autónoma de Estradas, por 
 
 “desdobramento” das anteriores atribuições desta; a terceira, à JAE Construção, 
 S.A. (..).
 
  
 Pois bem, desta diferente origem, natureza e vocação de cada um dos Institutos 
 decorrem consideráveis divergências no modo como o legislador os concebe e no 
 seu regime jurídico – divergências essas que se reconduzem, em síntese, à mais 
 acentuada emergência, e mesmo prevalência, dos elementos “publicisticos” nos 
 dois primeiros institutos referidos (o IEP e o ICERR), e dos elementos 
 
 “privatísticos” no último (o ICOR).
 
  
 Com efeito:
 
  
 i) Só o IEP e o ICERR são concebidos como uma “autoridade nacional de estradas”, 
 em representação do Estado: o primeiro, relativamente às infra-estruturas 
 rodoviárias concessionadas, e, o segundo, relativamente às infra-estruturas 
 rodoviárias nacionais não concessionadas (artigo 5º, nº 2 do Decreto-Lei):
 
  
 ii) Só relativamente ao pessoal do ICERR se prevê a atribuição de “poderes de 
 autoridade”, no exercício de funções de “vigilância, manutenção ou fiscalização” 
 
 (nº. 4 do mesmo artigo).
 
  
 iii) Só relativamente ao IEP e ao ICERR se prevêem, expressamente, entre as suas 
 receitas, as provenientes de “coimas e outras sanções” ou de “multas e/ou 
 coimas” (cfr. alínea g) e alínea h), respectivamente, do nº. 1 do artº. 16º de 
 cada um dos Estatutos), e, implicitamente (dir-se-á), o exercício de um 
 correspondente poder sancionatório “público” (a postular, possivelmente, uma 
 correspondente “redução” interpretativa da previsão genérica da alínea i), e 
 porventura também da alínea g) do nº. 3 do artigo 5º do Decreto-Lei).
 
  
 iv) Também só relativamente aos mesmos institutos se prevêem, expressamente, 
 entre as suas receitas, “taxas”, “emolumentos” e outras cobradas por 
 
 “licenciamentos, aprovações e actos similares e por serviços prestados no âmbito 
 das suas atribuições” (cfr. a alínea c) do nº. 1 do artigo 16º de ambos os 
 Estatutos) – o que legitimará, também quanto a esta matéria, uma inferência e 
 uma observação paralelas às acabadas de fazer quanto às receitas sancionatórias 
 
 (a observação, com referência, agora, à primeira parte da alínea c) do nº. 3 do 
 artigo 5º do Decreto-Lei).
 
  
 Acrescente-se que, para a cobrança coerciva de tais receitas, se estabelece a 
 utilização do processo de “execução fiscal” (cfr. nº. 2 do dito artigo 16º de 
 ambos os Estatutos) (.....).
 
  
 v) Finalmente – e o ponto não pode, no presente contexto, deixar de ser 
 particularmente significativo – se a “gestão financeira e patrimonial (...) 
 incluindo a organização da sua contabilidade”, tanto do IEP como do ICERR, se 
 rege “exclusivamente pelo regime aplicável aos fundos e serviços autónomos do 
 Estado”, em tudo o que não esteja especialmente regulado (cfr. nº. 1 do artigo 
 
 15º de ambos os Estatutos) (.....).” (cfr. Acórdão n.º 140/02, de 09 de Abril de 
 
 2002, publicado in «Diário da República, Iª Série-A, n.º 146, de 27 de Junho de 
 
 2002, pp. 5044 e segs.)
 
  
 Para além disso, acresce ainda que o contrato individual de trabalho previsto no 
 n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR não é configurável como um contrato 
 exclusivamente regido por normas de Direito Privado, na medida em que competia 
 ao Conselho de Administração definir as condições de prestação e disciplina de 
 trabalho, mediante regulamento, de modo a assegurar a referida prossecução de 
 fins de interesse geral (cfr. n.º 2 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR).
 
  
 Em suma, resta concluir que uma interpretação normativa, extraída da conjugação 
 entre o artigo 44º, n.º 1 do Decreto‑Lei n.º 427/89 e o artigo 13º dos Estatutos 
 do ICERR, que determine o reconhecimento de um regime especial e diferenciado 
 para o pessoal do actual Instituto das Estradas de Portugal e que impeça a 
 aplicação de regras decorrentes do regime geral da relação jurídica de emprego 
 na administração pública, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 427/89, permitindo 
 assim, mediante a conversão de contratos a termo em contrato por tempo 
 indeterminado, uma liberdade de selecção e recrutamento de trabalhadores, sem 
 requisitos procedimentais necessários a assegurar o respeito pelos princípios da 
 liberdade e da igualdade de acesso à função pública constitucionalmente 
 consagrados no artigo 47º, nº 2, da CRP.
 
  
 
  
 III. DECISÃO
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
 
  
 a)               Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47º, n.º 2, da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 
 
 44.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos 
 do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR,), 
 aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretada no sentido 
 de permitir a aplicação de um regime especial e diferenciado para o pessoal do 
 actual Instituto das Estradas de Portugal, mediante a conversão de contratos a 
 termo em contratos por tempo indeterminado de pessoal sujeito ao regime jurídico 
 do contrato individual de trabalho, sem imposição de um procedimento de 
 recrutamento e de selecção que assegure o respeito pelos princípios da liberdade 
 e da igualdade de acesso à função pública.
 
  
 b)               Conceder parcialmente provimento ao recurso, determinando‑se a 
 remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça para reformulação da decisão 
 recorrida, em conformidade com a decisão ora proferida, conforme determina o n.º 
 
 2 do artigo 80º da LTC.
 
  
 
  
 Custas devidas pelo recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos 
 termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
 
  
 Lisboa, 30 de Abril de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão (Vencido, no essencial, pela razão de fundo constante da declaração 
 de voto aposta ao Acórdão N.º 406/2003).