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Processo n.º 446/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
  
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são 
 recorrentes A. e Outros e recorridos, B. (Massa Falida), Banco C., S.A. (D., 
 S.A., na qualidade de cessionária), E. PLC e Outros foi interposto recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo das alíneas a) e b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele 
 Tribunal, de 01.03.2007, para apreciação:
 
 − Ao abrigo da alínea a), da recusa de aplicação, por inconstitucionalidade, da 
 norma do artigo 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho (e não Decreto-Lei n.º 
 
 17/86, como, por lapso, se refere nos autos), na interpretação segundo a qual “o 
 privilégio imobiliário geral que nele era concedido preferiria à hipoteca”;
 
 − Ao abrigo da alínea b), da inconstitucionalidade das normas do artigo 12.º da 
 Lei n.º 17/86, do artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, e do artigo 
 
 751.º do Código Civil (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de 
 Março) na interpretação segundo a qual “os privilégios imobiliários gerais 
 conferidos por aquelas normas aos créditos dos trabalhadores emergentes do 
 contrato individual de trabalho não prevalecem, nos termos do disposto no artigo 
 
 751.º do Código Civil, sobre a hipoteca”.
 
  
 
 2. Resulta dos autos que, na sequência de declaração de falência de B., 
 S.A.R.L., o 2º Juízo Cível dos Juízos Cíveis de Coimbra procedeu à graduação de 
 créditos, em relação aos imóveis integrados na massa falida, graduando em 
 primeiro lugar os créditos emergentes de contrato individual de trabalho, com 
 base em privilégio imobiliário geral, e só depois os créditos hipotecários.
 Interposto recurso desta decisão, o Tribunal da Relação de Coimbra alterou a 
 decisão recorrida e passou a graduar primeiro os créditos dos recorrentes 
 garantidos por hipoteca e só depois os créditos dos trabalhadores e do Fundo de 
 Garantia Salarial.
 Do acórdão do Tribunal da Relação foi interposto recurso de revista para o 
 Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 01.03.2007, confirmou o acórdão 
 recorrido.
 
  
 
 3. Neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrido, lê-se o 
 seguinte, na parte que agora releva:
 
 «Em causa está saber se deve ser dada preferência, na graduação dos créditos 
 reconhecidos, em relação aos imóveis integrados na massa falida, aos dos 
 trabalhadores recorrentes, com base em privilégio imobiliário geral, ou aos dos 
 Bancos recorridos, com base em hipoteca. 
 Os créditos dos trabalhadores e o crédito do Fundo de Garantia Salarial foram 
 graduados, na sentença da 1ª instância, primeiro do que os créditos daqueles 
 Bancos, não obstante estes estarem garantidos por hipoteca constituída e 
 registada sobre alguns imóveis. 
 O acórdão recorrido, pelo contrário, graduou em primeiro lugar, em relação a 
 tais imóveis, os créditos desses Bancos. 
 A hipoteca, nos termos do art.° 686°, n°1, do Cód. Civil, confere ao credor o 
 direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, 
 pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores 
 que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. 
 Por sua vez, o privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa 
 do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem 
 pagos com preferência a outros (art.° 733° do mesmo Código). Trata-se de uma 
 garantia que visa assegurar dívidas que, pela sua natureza, se encontram 
 especialmente relacionadas com determinados bens do devedor, justificando-se por 
 isso que sejam pagas de preferência a quaisquer outras, até ao valor dos mesmos 
 bens. 
 Os privilégios creditórios podem ser, como se vê do disposto no art.° 735°, n.° 
 
 1, do Cód. Civil, de duas espécies: mobiliários ou imobiliários. Os mobiliários 
 são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património 
 do devedor à data da penhora ou acto equivalente, ou especiais, quando 
 compreendem só o valor de determinados bens móveis (n.° 2 do citado art.° 735°). 
 Já os privilégios imobiliários, segundo o n.° 3 do mesmo artigo, eram sempre 
 especiais. 
 Apesar do disposto neste n.° 3, alguns diplomas avulsos posteriores à publicação 
 do Cód. Civil vieram criar privilégios que designaram por imobiliários gerais. 
 
 É o caso do Dec.-Lei n.° 512/76, de 3/7, que é de considerar revogado pelo 
 Dec.-Lei n.° 103/80, de 9/5, mas cujo art.° 2° (substituído pelo art.° 11° 
 deste) dispunha que os créditos pelas contribuições do regime geral de 
 Previdência e respectivos juros de mora gozavam de privilégio imobiliário sobre 
 os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da 
 instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos 
 no art.° 748° do Cód. Civil. 
 
 É também o caso da Lei n.° 17/86, de 14/6, que no seu art.° 12° dispõe que os 
 créditos emergentes de contrato individual de trabalho, regulados por essa Lei, 
 gozam de privilégio imobiliário geral (n.° 1, al. b), graduando-se antes dos 
 créditos referidos no art.° 748° do Cód. Civil e ainda antes dos créditos por 
 contribuições devidas à Segurança Social (n.° 3, al. b). 
 Também a Lei n.° 96/2001, de 20/8, estabeleceu no seu art.° 4° que os créditos 
 emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei 
 n.° 17/86 gozam de privilégio imobiliário geral (n.° 1, al. b), graduando-se 
 antes dos créditos referidos naquele art.° 748° e ainda dos créditos da 
 Segurança Social (n.° 4, al. b). 
 Ora, quanto à eficácia dos privilégios creditórios em relação a terceiros, ou 
 seja, ao conflito entre direitos dos credores e direitos de terceiro 
 estabelecidos sobre os bens que constituem objecto do privilégio, há que 
 distinguir entre privilégios mobiliários e imobiliários. 
 
 […]
 Entende-se, assim, que o referido art.° 751° do Cód. Civil, mesmo antes da 
 redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.° 38/03, de 8/3, continha e contém um 
 princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por 
 este não incidir sobre bens certos e determinados e pelo facto de os privilégios 
 imobiliários gerais não serem conhecidos aquando do início da vigência do actual 
 Código Civil, o que implicava que, dizendo o n.° 3 do art.° 735° que os 
 privilégios imobiliários eram sempre especiais, só a privilégios imobiliários 
 especiais o dito art.° 751° se podia referir, só estes, portanto, preferindo, 
 quer à consignação de rendimentos, quer à hipoteca, quer ao direito de retenção. 
 
 
 Não se compreenderia sequer que o legislador, perante a delicadeza da questão e 
 as dúvidas suscitadas, se pretendesse integrar os privilégios imobiliários 
 gerais no regime do art.° 751°, não procedesse de forma expressa à alteração 
 radical de regime que tal determinaria no que respeita àquele n.° 3 do art.° 
 
 735° e, designadamente, ao n.° 1 do art.° 686° do mesmo Código, que determina 
 que a preferência resultante da hipoteca apenas cede perante privilégio especial 
 
 (fora casos de prioridade de registo), deixando subsistir enormes dúvidas 
 susceptíveis de provocar grave insegurança no comércio jurídico e concorrendo 
 para defraudar legítimas expectativas dos credores hipotecários ou titulares de 
 direito de retenção, por ele próprio criadas. Logo, se não produziu tal 
 alteração, só pode ser porque não quis integrar os privilégios imobiliários 
 gerais no regime do citado art.° 751°. 
 Acresce que, entretanto, embora com fundamentação distinta, o Tribunal 
 Constitucional, por razões idênticas às invocadas no seu Acórdão n.° 362/02, de 
 
 17/9/02, publicado no D.R., I Série-A, de 16/10/02, que declarou a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da 
 confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no 
 art.° 2° da Constituição da República, da norma constante, na versão primitiva, 
 do art.° 104° do Cód. do I.R.S., e hoje do seu art.° 111°. na interpretação 
 segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública 
 prefere à hipoteca, nos termos do art.° 751° do Cód. Civil, emitiu o seu Acórdão 
 n.° 363/02, com a mesma data e publicado no mesmo D.R., declarando a 
 inconstitucionalidade, também com força obrigatória geral, das normas constantes 
 do art.° 11° do mencionado Dec-Lei n.° 103/80, de 9/5, - que é aquele onde 
 presentemente se reconhece aos créditos pelas contribuições à Segurança Social e 
 respectivos juros de mora privilégio imobiliário sobre os bens imóveis 
 existentes no património das entidades patronais à data da instauração do 
 processo executivo -, e, para evitar a sua eventual repristinação, do citado 
 art.° 2° do Dec. Lei n.° 512/76, de 3/7, na interpretação segundo a qual o 
 privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à 
 hipoteca, nos termos do art.° 751° do Cód. Civil. 
 
 É certo que é aos créditos da Fazenda Pública e aos da Segurança Social que 
 estes acórdãos expressamente se referem, negando prevalência ao privilégio 
 imobiliário geral de que gozam sobre a hipoteca, mas, por identidade de razões, 
 na medida em que se trata de casos paralelos de confronto entre aquele 
 privilégio e a hipoteca, em que o mencionado princípio da confiança impõe 
 solução idêntica, entende-se que a sua doutrina é extensiva aos créditos 
 laborais, implicando a inconstitucionalidade também do art.° 12° do citado 
 Dec.-Lei n.° 17/86 na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário 
 geral que nele era concedido preferiria à hipoteca. 
 Invocam os ora recorrentes que a interpretação contrária é que é 
 inconstitucional por violação do disposto nos art.°s 59°, n.°s 1, al. a), e 3, e 
 
 53°, da Constituição da República Portuguesa. 
 Não se verifica, porém, uma tal inconstitucionalidade. 
 
 É que os direitos constitucionalmente consagrados, ─ inclusive os da segurança 
 no emprego e da retribuição do trabalho, reconhecidos naqueles dispositivos -, 
 têm de ser objecto de regulamentação pelo legislador ordinário, a que o julgador 
 não se pode substituir, e que antes da aprovação do actual Código do Trabalho 
 entendeu por bem, com o objectivo de conceder protecção àqueles direitos, 
 conferir aos créditos laborais, no tocante aos imóveis da entidade patronal, 
 apenas a protecção resultante de privilégios imobiliários gerais, a qual não 
 consiste senão na atribuição da preferência acima indicada. 
 E tanto é de entender que o legislador não quis integrar os privilégios 
 imobiliários gerais no regime daquele artigo 751°, que, entretanto, o já citado 
 Dec.−Lei n.° 38/03 lhe veio dar nova redacção, passando ele a referir apenas, de 
 forma expressa, os privilégios imobiliários especiais: ou seja, apenas estes, e 
 não os gerais, é que preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca, e ao 
 direito de retenção. 
 
 É certo que o n.° 3 do dito art.° 735° passou então a dispor que “os privilégios 
 imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais”, o que implica que 
 reconhece a existência de privilégios imobiliários gerais, não previstos no Cód. 
 Civil. Mas certo é também que, apesar disso, o legislador limitou a eficácia do 
 disposto na nova redacção do dito art.° 751° aos privilégios imobiliários 
 especiais, do que se conclui pretender a aplicação do respectivo regime apenas a 
 esses privilégios, portanto com exclusão dos privilégios imobiliários gerais 
 apesar de não previstos nesse Código. 
 Tal diploma veio, pois, decidir a questão já então controvertida de saber quais 
 dos créditos assim garantidos ou protegidos deviam ser pagos em primeiro lugar, 
 questão essa forçosamente conhecida do legislador e que este quis resolver 
 excluindo de forma explícita do art.° 751° os privilégios imobiliários gerais. 
 Assim, constitui esta nova formulação desse dispositivo uma norma de natureza 
 interpretativa, que, nos termos do art° 13°, n.° 1, do Cód. Civil, se integra no 
 mesmo dispositivo e, consequentemente, nos diplomas legais que atribuíram aos 
 créditos laborais e da Segurança Social privilégio imobiliário geral, pelo que a 
 sua aplicação aos créditos anteriores não constitui aplicação retroactiva. 
 Só com a aprovação do Código do Trabalho pela Lei n.° 99/2003, de 27/8, entrado 
 em vigor, nos termos do art.° 3°, n.° 1, da mesma Lei, em 1 de Dezembro de 2003, 
 
 é que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou 
 cessação, pertencentes ao trabalhador, passaram a gozar de privilégio 
 imobiliário especial, sobre os bens imóveis do empregador nos quais o 
 trabalhador preste a sua actividade, segundo se dispõe no seu art.° 377º, n.° 1. 
 Ou seja, só então o legislador se decidiu a conceder aos créditos laborais tal 
 privilégio, reconhecendo implicitamente que o privilégio imobiliário geral antes 
 concedido não dispunha de tal eficácia. 
 Desse dispositivo, porém, não podem beneficiar os recorrentes. 
 Isto porque, entrado o Código do Trabalho em vigor apenas em 1 de Dezembro de 
 
 2003, a falência da entidade empregadora dos ora recorrentes fôra já decretada 
 por sentença de 25/7/02, logo produzindo os seus efeitos, como resulta do 
 disposto nos art.°s 147º e segs. do C.P.E.R.E.F., então em vigor, pelo que os 
 créditos laborais em causa não ficaram a beneficiar desse privilégio, então 
 inexistente, dele também não podendo ficar posteriormente a beneficiar por 
 aquele Código só dispor para o futuro, e portanto para os créditos laborais 
 formados só posteriormente à sua entrada em vigor, face ao disposto nos art.°s 
 
 12° do Cód. Civil e 8°, n.° 1, parte final, daquela Lei n.° 99/2003. Ao que 
 acresce que, não podendo aquele art.° 377° ser considerado como uma norma de 
 natureza interpretativa por ser inovador ao criar um privilégio imobiliário 
 especial antes inexistente, - o que, à luz do art.° 13º, n.° 1, do Cód. Civil, 
 impede a sua integração no art.° 12° da citada Lei n.° 1 7/86, que o art.° 21°, 
 n.° 2, al. e), da mesma Lei n.° 99/2003, até visa revogar, se ignora qual o 
 imóvel em que cada um dos ora recorrentes exercia a sua actividade. 
 Conclui-se, pois, que os créditos laborais dos ora recorrentes apenas beneficiam 
 de privilégios imobiliários gerais, que se traduzem em meras preferências de 
 pagamento, só susceptíveis de prevalecer em relação a titulares de créditos 
 comuns, pois, não incidindo esses privilégios sobre bens determinados — pelo que 
 não estão envolvidos de sequela -, o regime aplicável tem de ser o dos 
 privilégios mobiliários gerais a que se reporta o art.° 749° do Cód. Civil, 
 cedendo os direitos de crédito por eles protegidos perante os direitos de 
 crédito garantidos por consignação de rendimentos, hipoteca, ou direito de 
 retenção. 
 Daí que os créditos dos ora recorridos, encontrando-se garantidos por hipoteca, 
 hão-de gozar de prioridade, na sua graduação, sobre os créditos laborais, que 
 beneficiam de privilégio imobiliário apenas geral nos termos acima indicados. 
 Entende-se, por isso, não assistir razão aos recorrentes, devendo, em 
 consequência do exposto, na graduação dos créditos em concurso, e relativamente 
 aos imóveis apreendidos sob as verbas n.°s 1, 2 e 3 do auto de arrolamento, ser 
 graduados primeiro os créditos dos F., em primeiro lugar, só em relação ao 
 imóvel da verba n.° 1) e só depois os créditos dos trabalhadores e do Fundo de 
 Garantia Salarial, mantendo-se, em tudo o mais, a graduação efectuada na 
 sentença recorrida, como decidido no acórdão em crise.». 
 
  
 
 4. Por despacho de fls. 805/806, foi suscitada, pelo anterior Relator, a questão 
 prévia da inutilidade da apreciação do objecto do recurso interposto ao abrigo 
 da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, face à apreciação do objecto do 
 recurso interposto ao abrigo da alínea a) dos mesmos número e artigo, e foram os 
 recorrentes notificados para produzirem alegações no recurso interposto ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 Os recorrentes sustentaram a improcedência da questão prévia suscitada e 
 requereram a sua notificação para alegar ao abrigo do recurso interposto pela 
 alínea b), invocando o seguinte:
 
 «[…] importa ter presente que “o juízo a formular pelo Tribunal Constitucional 
 sobre a norma desaplicada, seja, pelo contrário, de não inconstitucionalidade” 
 
 (2° parágrafo, página 2 do douto despacho de 7 de Maio de 2007) apenas tornaria 
 inútil a apreciação do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) se — 
 como é afirmado no douto despacho —, dessa forma, fosse “revogado o único 
 fundamento da não aplicação da norma, no contexto da decisão recorrida, pelo que 
 o tribunal recorrido, aplicando a norma em questão, concederá provimento à 
 pretensão dos recorrentes.” 
 Só que, tal como resulta do requerimento de interposição de recurso, o argumento 
 da inconstitucionalidade não parece ser “único fundamento da não aplicação da 
 norma no contexto da decisão recorrida”. 
 Até porque pode o tribunal a quo, embora procedendo o recurso interposto ao 
 abrigo da aliena a), limitar-se a alterar os fundamentos da sua decisão deixando 
 a decisão inalterada... 
 E, por isso, se entende deverem os ora recorrentes ser notificados, também, para 
 produzirem alegações no recurso interposto ao abrigo da alínea b), ainda que o 
 conhecimento destas fique subsidiariamente dependente da não confirmação do 
 juízo de inconstitucionalidade subjacente ao recurso interposto ao abrigo da 
 alínea a).»
 
  
 
 5. No recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º, os 
 recorrentes concluíram da seguinte forma as suas alegações:
 
 «1. O direito à retribuição do trabalho — onde se incluem os “créditos 
 indemnizatórios emergentes do despedimento” — está intimamente relacionado com o 
 direito a uma vida digna e como tal — mais que uma natureza patrimonial — tem 
 uma natureza alimentar (essencial à vida e subsistência pessoal do trabalhador). 
 
 
 
 2. É um direito constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos 
 trabalhadores, que visa “garantir uma existência condigna”, conforme preceitua o 
 artigo 59°, n.° 1, alínea a), da Constituição, e que o Tribunal Constitucional 
 já expressamente considerou como direito de natureza análoga aos direitos, 
 liberdades e garantias. 
 
 3. É a própria dignidade da vida humana (base sobre a qual se funda a nossa 
 República, vide artigo 1° da CRP) que está em causa, pois também esta pressupõe 
 a autonomia vital de que emanam os direitos constitucionais à retribuição do 
 trabalho de forma a garantir uma existência digna (art. 59° n° 1, a)) e o 
 direito à segurança no emprego (art. 53°).
 
 4. O privilégio imobiliário geral reconhecido aos créditos laborais pela norma 
 constante da alínea b) do n.° 1 do artigo 12° da Lei n.° 17/86, de 14 de Junho, 
 na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido 
 aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, 
 nos termos do artigo 751° do Código Civil, visa atribuir uma protecção 
 necessária aos créditos laborais com fundamento nesta sua intrínseca natureza 
 alimentar. 
 
 5. “Nesta conformidade, deve entender-se que a restrição do princípio da 
 confiança operada pela norma impugnada não encontra obstáculo constitucional.” 
 
 (cfr. Ac. TC n° 498/2003) 
 
 6. Pelo que a norma constante do artigo 12°, n.° 1 da Lei n.° 17/86, de 14 de 
 Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela 
 conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à 
 hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil não é inconstitucional. 
 
 (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional de 498/2003 de 22 de Outubro de 2003 e 
 no 672/04 de 23 de Novembro de 2004).»
 
  
 
 6. O recorrido Banco C., S.A. (D., S.A., na qualidade de cessionária) apresentou 
 contra-alegações, nas quais, para além de suscitar a questão prévia da não 
 verificação dos pressupostos do recurso previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC, concluiu o seguinte:
 
 «1) O Acórdão proferido pelo STJ optou por aplicar o regime previsto no art° 
 
 749° do Código Civil, em vez do regime previsto no art° 751° do CC. Esta opção 
 decorreu de uma operação de interpretação jurídica em que não teve lugar 
 qualquer juízo de inconstitucionalidade da norma contida no art° 751° CC. Não 
 estão pois verificados os pressupostos deste tipo de recurso pelo que não deverá 
 ser conhecido o objecto do recurso.
 
 2) O Código Civil apenas prevê a constituição de privilégios imobiliários 
 especiais, conforme se refere expressamente no n° 3 do art.° 735º desse Código. 
 
 3) Assim, o privilégio imobiliário geral para garantia dos créditos dos 
 trabalhadores, criado posteriormente pela Lei n° 17/86, de 14/06 (art.° 12°) e 
 pela Lei n° 96/2001, de 20/08 (art.° 4°), constitui uma derrogação ao princípio 
 geral consagrado no n° 3 do art.° 735º do Código Civil de que os privilégios 
 imobiliários são sempre especiais. 
 
 4) Como a citada Lei n° 17/86, de 14/06, não regula o concurso do privilégio 
 imobiliário geral que criou com outras garantias reais, no nosso caso, a 
 hipoteca, nem esclarece a sua relação com os direitos de terceiros, nem o Código 
 Civil prevê a regra relativa à graduação em caso de concurso entre privilégios 
 imobiliários gerais e garantias reais, há que enquadrar essa figura do 
 privilégio imobiliário geral face ao Código Civil.
 
 5) Há que encarar os privilégios imobiliários gerais como meros direitos de 
 prioridade que prevalecem apenas sobre os créditos comuns e não como verdadeiras 
 garantias reais das obrigações. 
 
 6) No sentido acima exposto e também pelo facto de esses privilégios serem 
 gerais, dever-lhes-á ser aplicado o regime previsto no art.° 749° do Código 
 Civil, com o consequente afastamento do regime fixado no art.° 751° do mesmo 
 Código. 
 
 7) Ora, uma vez que os créditos dos trabalhadores da Falida, emergentes de 
 contratos individuais de trabalho não estão sujeitos a registo, o Recorrido que 
 registou o seu privilégio hipotecário, ver-se-ia (não fosse, designadamente, o 
 princípio geral estabelecido no já referido artigo 749° do Código Civil), 
 confrontado com o reconhecimento de créditos que frustraria a fiabilidade que o 
 registo predial merece, sendo certo, também, que aqueles credores têm também 
 outros meios, constitucionalmente garantidos em sede de segurança social e 
 solidariedade (artigo 63°, n°s. 1 e 3 da Constituição da República). 
 
 8) Acrescenta-se que, quando o legislador interveio nesta matéria, concretamente 
 quando foi alterada a redacção dos art.°s 735º n° 3 e 751° do Código Civil, pelo 
 DL n° 38/03, de 08/03, não fixou a respectiva eficácia dos privilégios 
 imobiliários gerais face a terceiros, tendo clarificado que “são sempre 
 especiais os privilégios imobiliários previstos no Código e que os privilégios 
 imobiliários oponíveis a terceiros nos termos do art.° 751° são os imobiliários 
 especiais”. 
 
 9) E, só com a posterior aprovação do Código do Trabalho é que os créditos 
 emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes 
 ao trabalhador passaram a gozar de privilégio imobiliário especial, sobre os 
 bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. Só 
 então o legislador decidiu conceder aos créditos laborais tal privilégio, 
 reconhecendo implicitamente que o privilégio imobiliário geral antes concedido 
 não dispunha de tal eficácia. 
 
 10) E o disposto no art.° 377° do Código do Trabalho não se aplica aos presentes 
 autos, nos termos do art.° 12° n° 1 Código Civil. 
 
 11) Além do mais, se o art.° 12° da Lei no 17/86, de 14.06 fosse interpretado no 
 sentido de consagrar um privilégio creditório imobiliário oponível a terceiros 
 que adquiram um prédio ou direito real sobre ele, seria de declarar essa norma 
 inconstitucional por violação do princípio da confiança, ínsito no Estado de 
 Direito democrático, consagrado no art.° 2° da Constituição, conforme decidiu já 
 o Tribunal Constitucional no Acórdão n° 363/2002 para o caso paralelo do 
 privilégio imobiliário geral previsto no art.° 2° do DL n°512/76, de 03/07 e no 
 art.° 11 do DL n° 103/89 de 09/05. 
 
 12) O entendimento dos Recorrentes não pode ser admitido pois violaria o 
 disposto: 
 
 − no art.° 12° da Lei 17/86 e art.° 4° da Lei 96/2001, e nomeadamente os art°s 
 
 686, n° 1, 735°, n° 3, 748°, 749° e 751°, todos do Código Civil, na medida em 
 que a tais créditos, garantidos por privilégio imobiliário geral, se aplica no 
 disposto do art.° 749 do C. P. Civil e não o disposto no art.° 751 também do C. 
 Civil, pois, esta última norma é, apenas, aplicável aos privilégios imobiliários 
 especiais e não também aos privilégios imobiliários gerais. Não estando 
 abrangidos pelo art.° 751 do C. Civil, os créditos dos trabalhadores deverão 
 ficar graduados posteriormente ao crédito do Recorrido (que goza de garantia 
 hipotecária), nos termos do art.° 749 do C. Civil. 
 
 − no art.° 2° da Constituição da República Portuguesa, por violação dos 
 princípios constitucionais de confiança e de segurança jurídicas, verificando-se 
 inconstitucionalidade, quando interpretadas aquelas mesmas normas no sentido de 
 que os créditos dos trabalhadores que gozam do privilégio imobiliário geral 
 prevalecem sobre os créditos hipotecários e cuja hipoteca se encontra registada 
 desde 7.3.1997. 
 
 13) A decisão constante no Acórdão proferido pelo STJ não merece pois qualquer 
 censura, tendo aplicado correctamente as normas de Direito que se impunham e 
 observado os princípios constitucionais da segurança jurídica e da confiança do 
 cidadão emanados do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no 
 artigo 2° da Constituição da República Portuguesa. 
 
 14) A interpretação da lei, nos presentes termos não põe em causa o direito dos 
 trabalhadores à remuneração do trabalho prestado. Mas, para a salvaguarda de tal 
 direito, foi criado o Fundo de Garantia Salarial e outros institutos pelo que 
 não deverão ser terceiras entidades privadas a assegurar o cumprimento dos 
 deveres públicos. 
 
 15) Aqueles credores têm também outros meios, constitucionalmente garantidos em 
 sede de solidariedade e segurança social (artigo 63°, n°s. 1 e 3 da Constituição 
 da República).»
 
  
 
 7. O recorrido E. PLC contra-alegou, concluindo da forma seguinte:
 
 «I. Vem o presente recurso da douta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que 
 considerou inconstitucional a aplicação da norma do artigo 12.° do Decreto-Lei 
 n.° 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio 
 imobiliário geral que nele era concedido aos trabalhadores preferiria à 
 hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil. 
 II. O crédito da ora Recorrida encontra-se garantido por hipoteca, devidamente 
 registada, relativamente ao imóvel descrito sob a verba 1 do auto de 
 arrolamento; por seu turno, o crédito dos Recorrentes encontra-se garantido por 
 um privilégio imobiliário geral, o qual lhes foi concedido através do artigo 
 
 12.° do Decreto-Lei n.° 17/86, de 14 de Junho. 
 III. Discute-se, assim, nos presentes autos qual dos dois créditos prevalece em 
 caso de concurso, se a hipoteca devidamente registada, se o privilégio 
 imobiliário geral que era concedido aos trabalhadores nos termos supra 
 referidos. 
 IV. Com efeito, anteriormente à alteração introduzida no Código Civil pelo 
 Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, aquele diploma apenas reconhecia e 
 regulava o regime legal aplicável aos privilégios mobiliários gerais e 
 especiais, assim como aos privilégios imobiliários especiais, desconhecendo por 
 completo os privilégios imobiliários gerais. 
 V. Esta última espécie de privilégios foi criada por diplomas avulsos 
 posteriores à publicação do Código Civil. 
 Assim, conclui o Tribunal que «não é constitucionalmente proibido que a lei 
 ordinária confira prevalência ao crédito garantido por uma hipoteca 
 anteriormente registada sobre os créditos laborais. Nesta conformidade, deve 
 entender-se que o princípio da confiança, assim defendido pela norma impugnada, 
 não encontra obstáculo constitucional.». 
 Refira-se, ainda, que se fosse intenção do legislador ordinário dar preferência 
 aos créditos laborais quando em conflito com outros direitos de terceiro, 
 aquando da alteração ao Código Civil (Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março), 
 não teria alterado o artigo 751.° do Código Civil de modo a que este passasse a 
 referir expressa e especificamente que só os privi1égios imobiliários especiais 
 
 é que preferem à hipoteca. 
 Resta ainda dizer que o credor hipotecário é frequentemente um impulsionador do 
 emprego. Na verdade, é graças a este credor que o empregador consegue ter fundos 
 para investir na actividade e criar postos de trabalho. Se o seu crédito ficar 
 totalmente esvaziado em favor dos créditos salariais, o risco inerente ao 
 crédito será maior, o que tornará o próprio crédito mais oneroso. Sendo o 
 crédito mais caro, fica prejudicado o principal mecanismo de incentivo de 
 criação de emprego. Logo, em última análise, o que está em causa é um conflito 
 entre o direito ao salário ou o direito ao emprego. Numa lógica de justiça 
 social mais ampla, e tendo em conta que existem outros mecanismos eficazes de 
 assegurar o direito ao salário, devem prevalecer os princípios da confiança, da 
 iniciativa privada e, bem vistas as coisas, do emprego. 
 VI. No entanto, os diplomas que vieram criar os privilégios imobiliários gerais 
 não estabeleceram, desde logo, um regime aplicável aos mesmos quando em concurso 
 com outros direitos de terceiros, gerando uma lacuna na lei. 
 VII. Assim, a questão que se colocava na data de criação destes diplomas e até à 
 alteração do Código Civil pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, era a de 
 saber qual o regime aplicável aos privilégios imobiliários gerais quando em 
 concurso com outros direitos de terceiros, se o regime dos privilégios 
 mobiliários gerais previsto no artigo 749.° do Código Civil, se o regime dos 
 privilégios imobiliários especiais previsto no artigo 751.º do Código Civil. 
 VIII. Entretanto, e com a redacção do artigo 751.º do Código Civil que lhe foi 
 dada pelo Decreto-Lei n.º38/2003, de 8 de Março, o legislador terá querido pôr 
 termo a esta controvérsia passando a referir expressamente que só os privilégios 
 imobiliários especiais é que preferem à hipoteca. 
 IX. De salientar que a norma do artigo 751.º do Código Civil tem uma natureza 
 interpretativa que, nos termos do artigo 13.º, nº 1 do Código Civil, se integra 
 no próprio dispositivo (e, necessariamente, nos próprios diplomas legais que 
 atribuíram aos créditos laborais privilégio imobiliário geral), pelo que a sua 
 aplicação aos créditos sub judice não constitui aplicação retroactiva. 
 X. Do exposto, resulta já que os privilégios imobiliários gerais concedidos aos 
 trabalhadores não preferem à hipoteca e, portanto, ao crédito da ora Recorrida.  
 
 
 XI. Por outro lado, discute-se, ainda, nos presentes autos, a conciliação entre 
 vários valores com dignidade constitucional - direito da retribuição ao trabalho 
 e o princípio da confiança, da certeza e da segurança jurídica - devendo esta 
 conciliação ser efectuada de modo a assegurar a menor compressão possível de 
 cada um desses bens jurídicos. 
 XII. A este respeito, a doutrina vertida nos Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 n.° 362/2002 e 363/2002, ambos de 17 de Setembro, é perfeitamente extensível e 
 aplicável aos créditos laborais. 
 XIII. Com efeito, tal como nos casos apreciados pelos referidos Acórdãos, também 
 os créditos laborais dos ora Recorrentes não têm uma estreita conexão com o 
 imóvel arrolado sobre a verba 1 do auto de arrolamento, nem com qualquer outro 
 bem da respectiva entidade patronal, até porque tal ligação nem sequer é alegada 
 por aqueles. 
 XIV. Por seu turno, também os Recorrentes gozam de outros meios alternativos 
 para cobrança dos seus créditos, nomeadamente, de um privilégio mobiliário geral 
 relativamente aos bens móveis da entidade patronal, bem como do Fundo de 
 Garantia Salarial, através do qual podem ver satisfeitos os seus créditos por 
 dívidas emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação. 
 XV. Assim, ao se dar preferência a um crédito garantido por hipoteca não se 
 viola de modo algum os créditos laborais, nem qualquer direito dos trabalhadores 
 
 à retribuição do trabalho, já que estes sempre se poderão socorrer do referido 
 Fundo de Garantia Salarial ou mesmo do Fundo de Desemprego. 
 XVI. Refira-se, ainda, o facto de os créditos hipotecários serem frequentemente 
 os impulsionadores do emprego. 
 XVII. Assim, e caso o entendimento sufragado pelos Tribunais fosse o contrário 
 do que aqui se defende, ou seja, fosse a preferência do crédito laboral 
 relativamente ao crédito hipotecário, faria com que, em última análise, 
 estivesse em causa um conflito entre o direito ao salário e o direito ao 
 emprego, já que os bancos passariam a recusar empréstimos por falta de garantia 
 dos mesmos, e consequentemente, seriam criados menos postos de trabalho por 
 falta de financiamento das entidades patronais.»
 
  
 
 8. Os recorrentes responderam à questão prévia suscitada nas contra-alegações do 
 recorrido Banco C., pugnando pela sua improcedência.
 
  
 
 9. Por despacho de fls. 907, foram notificados para alegar no recurso interposto 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 Os recorrentes apresentaram alegações, rematadas pelas conclusões seguintes:
 
 «1. As normas do artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 17/86, de 14-06, do artigo 4.º 
 da Lei 96/2001, de 20-08, e do artigo 751.º do Código Civil, na interpretação e 
 aplicação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão 
 recorrido, segundo a qual os privilégios imobiliários gerais conferidos por 
 aquelas normas aos créditos dos trabalhadores emergentes do contrato individual 
 de trabalho não prevalecem sobre a hipoteca, são inconstitucionais. 
 
 2. Inconstitucionalidade resultante da violação dos artigos 1.º, 53.º, 59.º n.° 
 
 1 alínea a) e n.° 3 e 204.° da Constituição da República Portuguesa; 
 
 3. Os referidos normativos — art. 12.° da Lei n.° 17/86 e 4.° da Lei 4/2001 
 conjugados com o artigo 751.º — assim interpretados e aplicados são 
 inconstitucionais, na medida em que não garantem a efectividade da protecção à 
 retribuição do trabalho — direito fundamental dos trabalhadores que visa a 
 respectiva “sobrevivência condigna” — imposta pela CRP, nomeadamente, nos 
 artigos l.º e 59.º (especialmente os n.° 1 alinea a), n.° 2 e n.º 3); 
 
 4. É a própria Dignidade da vida humana (base sobre a qual se funda a nossa 
 República, vide artigo 1° da CRP) que está em causa, pois também esta pressupõe 
 a autonomia vital de que emanam os direitos constitucionais à retribuição do 
 trabalho de forma a garantir uma existência digna (art. 59.º n.° 1, a)) e o 
 direito à segurança no emprego (art. 53.°); 
 
 5. Sendo que a ratio legis subjacente aos referidos artigos 12.° e 4.° é a 
 intencionalidade jurídico-constitucionalmente imposta de protecção efectiva e 
 eficaz dos créditos laborais. 
 
 6. A protecção do direito à retribuição do trabalho enquanto direito 
 constitucional incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores, que o 
 Tribunal Constitucional já considerou como direito de natureza análoga aos 
 direitos, liberdades e garantias, - sob pena de se verificar uma flagrante 
 violação dessa especial garantia constitucional - não pode deixar de ser 
 acrescida em relação (e no confronto) com qualquer outro tipo de crédito de 
 natureza meramente patrimonial. 
 
 7. Daí que a protecção conferida aos créditos meramente patrimoniais, garantidos 
 por hipoteca, não possa prevalecer sobre a protecção conferida aos créditos dos 
 trabalhadores que têm uma natureza alimentar ao permitir a subsistência pessoal 
 do trabalhador. 
 
 8. Argumentação que não sai prejudicada pelo facto de se puder sustentar que, 
 
 “do lado” do credor hipotecário, se apresenta a tutela da confiança prosseguida 
 através do registo predial e constitucionalmente protegida pelo artigo 2.° da 
 Constituição. 
 
 9. Pois o direito à retribuição do trabalho, também ele ínsito num estado de 
 direito democrático subordinado ao princípio da democracia social, por contender 
 com o “indeclinável direito a uma vida digna”, tem um valor mais relevante e. 
 como tal, “deve prevalecer, numa hierarquia de normas constitucionais”. 
 
 10. E, se assim se poderia afirmar em geral, por maioria de razão se deve 
 afirmar na presente situação, já que o princípio da confiança surge, aqui, 
 enquanto “protector” de um crédito de natureza meramente patrimonial. 
 
 11. Princípio da confiança — aqui subjacente à tutela regista! — que não é neste 
 caso atingido de forma a justificar uma interpretação normativa que sustente uma 
 compressão da protecção (necessária e) imposta pela Constituição aos créditos 
 salariais. 
 
 12. No caso sub iudice está-se perante uma situação em que a quase totalidade 
 dos trabalhadores dedicaram toda uma vida de trabalho às B. e que, apesar de 
 toda essa dedicação, correm o risco de não receber aquilo a que por lei têm 
 direito. 
 
 13. Sendo pois a limitação à confiança, resultante do registo, um meio adequado 
 e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição. 
 
 14. No Acórdão recorrido, aquando da interpretação e aplicação das referidas 
 normas não se considerou a especifica natureza dos créditos laborais, 
 afirmando-se - pelo contrário - a identidade entre os privilégios imobiliários 
 de que gozam os créditos laborais e os conferidos aos créditos da Fazenda 
 Pública e da Segurança Social. 
 
 15. Da solução sufragada no Acórdão do STJ resultaria, no fundo, a subversão das 
 referidas normas constitucionais e da hierarquia de valores e princípios que 
 lhes está subjacente. 
 
 16. O respeito da Constituição e da ponderação/relevância/hierarquia dos 
 direitos e princípios no seu seio impõe-se ao legislador aguando da elaboração 
 das leis e ao Juiz ao aplicar essas mesmas leis (204.° CRP). 
 
 17. Aquela regulamentação dos direitos constitucionalmente consagrados não pode 
 subverter a relevância relativa (preponderância) que aos mesmos é atribuída na 
 Constituição. 
 
 18. Diferentemente do que se sustenta no Acórdão recorrido, o legislador 
 ordinário nunca pretendeu que os créditos laborais não preferissem à hipoteca 
 nos termos do artigo 751.º do Código Civil — o legislador, ao alterar o artigo 
 
 751.° CC., visou adequa-lo à jurisprudência do T.C vertida nos Acórdãos n.ºs 
 
 362/02 e 363/2002, mantendo no artigo 377.° CT a protecção conferida aos 
 créditos laborais. 
 
 19. Atendendo à especifica natureza do direito a retribuição e à protecção da 
 dignidade da pessoa humana que lhe está subjacente, é pois, constitucionalmente 
 proibido que uma lei ordinária confira prevalência/preferência a um crédito de 
 natureza meramente patrimonial sobre créditos laborais, unicamente por esse 
 crédito estar garantido por uma hipoteca anteriormente registada. 
 
 20. Por maioria de razão, não pode o julgador (art. 204.° CRP) socorrer-se da 
 margem de manobra que a Constituição concede ao legislador para — interpretando 
 as normas por este elaboradas — subverter a intencionalidade 
 normativo-constitucional que subjaz às mesmas. In casu, a protecção efectiva e 
 acrescida dos créditos laborais em relação a créditos com uma natureza meramente 
 patrimonial.»
 
  
 O recorrido Banco C., S.A. (D., S.A., na qualidade de cessionária) deu por 
 reproduzidas as contra-alegações apresentadas.
 
  
 O recorrido E. PLC contra-alegou, concluindo da forma seguinte:
 
 «I. Vem o presente recurso da douta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que 
 recusou aplicar a norma do artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 17/86, de 14 de Junho, 
 na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral que nele era 
 concedido aos trabalhadores preferiria à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do 
 Código Civil, por a considerar inconstitucional. 
 II. Ora, tendo sido o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 
 
 1 do artigo 70.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, deverá o mesmo ser rejeitado, na medida em que pressupõe a 
 aplicação de uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo. 
 III. No caso sub judice, o que existiu foi uma recusa de aplicação do artigo 
 
 751.° do Código Civil e, consequentemente, a aplicação do artigo 749.° daquele 
 mesmo Código. 
 IV. Assim, e uma vez que o recurso é limitado ao objecto do pedido, não deverá o 
 Tribunal conhecer o mesmo, já que aquele pressupõe a aplicação do artigo 751.º 
 do Código Civil, que não aconteceu. 
 V. No entanto, e sem prescindir, sempre se dirá que o crédito da ora Recorrida 
 encontra-se garantido por hipoteca, devidamente registada, relativamente ao 
 imóvel descrito sob a verba 1 do auto de arrolamento; por seu turno, o crédito 
 dos Recorrentes encontra-se garantido por um privilégio imobiliário geral, o 
 qual lhes foi concedido através do artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 17/86, de 14 
 de Junho. 
 VI. Discute-se, assim, nos presentes autos qual dos dois créditos prevalece em 
 caso de concurso, se a hipoteca devidamente registada, se o privilégio 
 imobiliário geral que era concedido aos trabalhadores nos termos supra 
 referidos. 
 VII. Com efeito, anteriormente à alteração introduzida no Código Civil pelo 
 Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, aquele diploma apenas reconhecia e 
 regulava o regime legal aplicável aos privilégios mobiliários gerais e 
 especiais, assim como aos privilégios imobiliários especiais, desconhecendo por 
 completo os privilégios imobiliários gerais. 
 VIII. Esta última espécie de privilégios foi criada por diplomas avulsos 
 posteriores à publicação do Código Civil. 
 IX. No entanto, os diplomas que vieram criar os privilégios imobiliários gerais 
 não estabeleceram, desde logo, um regime aplicável aos mesmos quando em concurso 
 com outros direitos de terceiros, gerando uma lacuna na lei. 
 X. Assim, a questão que se colocava na data de criação destes diplomas e até à 
 alteração do Código Civil pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, era a de 
 saber qual o regime aplicável aos privilégios imobiliários gerais quando em 
 concurso com outros direitos de terceiros: se o regime dos privilégios 
 mobiliários gerais previsto no artigo 749.° do Código Civil, se o regime dos 
 privilégios imobiliários especiais previsto no artigo 751.º do Código Civil. 
 XI. Entretanto, e com a redacção do artigo 751.º do Código Civil que lhe foi 
 dada pelo Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, o legislador terá querido pôr 
 termo a esta controvérsia passando a referir expressamente que só os privilégios 
 imobiliários especiais é que preferem à hipoteca. 
 XII. De salientar que a norma do artigo 751.° do Código Civil tem uma natureza 
 interpretativa que, nos termos do artigo 13.°, n.º 1 do Código Civil, se integra 
 no próprio dispositivo (e, necessariamente, nos próprios diplomas legais que 
 atribuíram aos créditos laborais privilégio imobiliário geral), pelo que a sua 
 aplicação aos créditos sub judice não comporta qualquer aplicação retroactiva. 
 XIII. Do exposto, resulta já que os privilégios imobiliários gerais concedidos 
 aos trabalhadores não preferem à hipoteca e, portanto, ao crédito da ora 
 Recorrida. 
 XIV. Por outro lado, discute-se, ainda, nos presentes autos, a conciliação entre 
 vários valores com dignidade constitucional - direito da retribuição ao trabalho 
 e o princípio da confiança, da certeza e da segurança jurídica - devendo esta 
 conciliação ser efectuada de modo a assegurar a menor compressão possível de 
 cada um desses bens jurídicos. 
 XV. A este respeito, a doutrina vertida nos Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 n.° 362/2002 e 363/2002, ambos de 17 de Setembro, é perfeitamente extensível e 
 aplicável aos créditos laborais. 
 XVI. Com efeito, tal como nos casos apreciados pelos referidos Acórdãos, também 
 os créditos laborais dos ora Recorrentes não têm uma estreita conexão com o 
 imóvel arrolado sobre a verba 1 do auto de arrolamento, nem com qualquer outro 
 bem da respectiva entidade patronal, até porque tal ligação nem sequer é alegada 
 por aqueles. 
 XVII. Por seu turno, também os Recorrentes gozam de outros meios alternativos 
 para cobrança dos seus créditos, nomeadamente, de um privilégio mobiliário geral 
 relativamente aos bens móveis da entidade patronal, bem como do Fundo de 
 Garantia Salarial, através do qual podem ver satisfeitos os seus créditos por 
 dívidas emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação. 
 XVIII. Assim, ao se dar preferência a um crédito garantido por hipoteca não se 
 viola de modo algum os créditos laborais, nem qualquer direito dos trabalhadores 
 
 à retribuição do trabalho, já que estes sempre se poderão socorrer do referido 
 Fundo de Garantia Salarial ou mesmo do Fundo de Desemprego. 
 XIX. Refira-se, ainda, o facto de os créditos hipotecários serem frequentemente 
 os impulsionadores do emprego. 
 XX. Assim, e caso o entendimento sufragado pelos Tribunais fosse o contrário do 
 que aqui se defende, ou seja, fosse a preferência do crédito laboral 
 relativamente ao crédito hipotecário, faria com que, em última análise, 
 estivesse em causa um conflito entre o direito ao salário e o direito ao 
 emprego, já que os bancos passariam a recusar empréstimos por falta de garantia 
 dos mesmos, e consequentemente, seriam criados menos postos de trabalho por 
 falta de financiamento das entidades patronais. 
 XXI. Termos em que deverá ser o negado provimento ao presente recurso e, 
 consequentemente, ser mantida a douta decisão recorrida.»
 
  
 Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II − Fundamentação
 
 10. Importa, antes de mais, ter presente o teor das normas que são objecto dos 
 recursos em apreciação. O artigo 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, tem o 
 seguinte teor:
 
 «Artigo 12.º 
 
 (Privilégios creditórios)
 
 1 – Os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela 
 presente lei gozam dos seguintes privilégios:
 a) Privilégio mobiliário geral;
 b) Privilégio imobiliário geral.
 
 2 – Os privilégios dos créditos referidos no nº 1, ainda que resultantes de 
 retribuições em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de 
 preferência nos termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a 
 despesas de justiça, sem prejuízo, contudo, dos privilégios anteriormente 
 constituídos, com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente 
 lei.
 
 3 – A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte:
 a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 
 do artigo 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 
 
 737º do mesmo Código;
 b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no 
 artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à 
 Segurança Social.
 
 4 – Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no número 
 anterior».
 A Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, deu nova redacção ao n.º 2 do artigo 12.º, 
 que passou a ter a seguinte formulação:
 
 «Os privilégios dos créditos referidos no n.º 1, ainda que resultantes de 
 retribuições em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de 
 preferência nos termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a 
 despesas de justiça».
 A mais disso, a referida Lei dispôs, no seu artigo 4.º, e para o que agora 
 releva:
 
 «1 – Os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não 
 abrangidos pela Lei n.º 17/1986, de 14 de Junho, gozam dos seguintes 
 privilégios:
 a) Privilégio mobiliário geral;
 b) Privilégio imobiliário geral.
 
 2 – Exceptuam-se do disposto no número anterior os créditos de carácter 
 excepcional, nomeadamente as gratificações extraordinárias e a participação nos 
 lucros das empresas».
 
  
 Por força desta lei foi, assim, alargado o âmbito da garantia: para além dos 
 créditos retributivos (os “salários em atraso”), já cobertos pelo artigo 12.º da 
 Lei n.º 17/86, passaram a estar abrangidos os créditos indemnizatórios dos 
 trabalhadores, por força da cessação dos respectivos contratos.
 O artigo 751.º do Código Civil, por último, na formulação anterior ao 
 Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, rezava assim:
 
  «Os privilégios imobiliários são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou 
 um direito real sobre ele, e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca 
 ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores».
 
  
 A)    Questões prévias
 
  
 A1) Pressupostos do recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC
 
  
 
 11. O recorrido C. sustentou a não verificação dos pressupostos do recurso 
 previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Em seu entender, a decisão 
 do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que o privilégio imobiliário geral 
 reconhecido no artigo 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, não beneficiava do 
 regime de oponibilidade a terceiros previsto no artigo 751.º do Código Civil 
 assentou numa “operação de interpretação jurídica”, em que não teve lugar 
 qualquer juízo de inconstitucionalidade.
 E, na verdade, é bem certo que aquele Tribunal desenvolveu um extenso arrazoado 
 argumentativo, no puro plano da hermenêutica do direito ordinário, tendente a 
 demonstrar que o referido artigo 751.º é insusceptível de aplicação ao 
 privilégio imobiliário geral.
 Nessa linha argumentativa, duas razões foram decisivas para considerar o 
 princípio geral contido no artigo 751.º do Código Civil insusceptível de 
 aplicação ao privilégio imobiliário geral: o facto de este «não incidir sobre 
 bens certos e determinados» e o facto de «os privilégios imobiliários gerais não 
 serem conhecidos aquando do início da vigência do actual Código Civil, o que 
 implicava que, dizendo o n.º 3 do art. 735.º que os privilégios imobiliários 
 eram sempre especiais, só a privilégios imobiliários especiais o dito 751.º se 
 podia referir (…)».
 Como se vê, foi recorrendo exclusivamente, neste segmento da decisão, a cânones 
 hermenêuticos comuns, e, em especial, ao elemento sistemático da interpretação, 
 que o Supremo Tribunal de Justiça pôde concluir pela não integração dos 
 privilégios imobiliários gerais, e, em particular, do concedido pelo artigo 12.º 
 da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, no regime do artigo 751.º do Código Civil. 
 Mas, menos certo não é que o citado Tribunal não deixou de invocar, como uma 
 outra razão para fundamentar a decisão nesse sentido, a inconstitucionalidade da 
 interpretação oposta. De facto, abonando-se nos Acórdãos n.º 362/02, de 17.09.02 
 
 (DR, I Série-A, de 16.10.02), e n.º 363/02, da mesma data e com publicação no 
 mesmo número do DR, ambos do Tribunal Constitucional, cuja doutrina considerou 
 
 “extensiva aos créditos laborais”, a decisão recorrida pronunciou-se pela 
 
 «inconstitucionalidade também do art. 12.º do citado Dec.-Lei n.º 17/86 na 
 interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral que nele era 
 concedido preferiria à hipoteca». Por este trecho da decisão recorrida, é 
 patente que nela se recusou a aplicação dessa interpretação normativa também com 
 fundamento em inconstitucionalidade.
 Estamos, pois, perante dois fundamentos distintos e autónomos, qualquer deles 
 bastante para sustentar, como ratio decidendi, a graduação prioritária do 
 crédito hipotecário. Aliás, os próprios recorrentes, para justificar, em 
 resposta ao despacho de fls. 805/806, a utilidade da apreciação do objecto do 
 recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não 
 deixaram de reconhecer que «o argumento da inconstitucionalidade não parece ser 
 
 único fundamento da não aplicação da norma no contexto da decisão recorrida».
 Se assim é, temos que concluir pela inutilidade do conhecimento do recurso 
 interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. De facto, 
 qualquer que seja a decisão quanto à constitucionalidade da norma do artigo 12.º 
 da Lei n.º 17/86, interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário geral 
 nela concedido prefere à hipoteca, a decisão recorrida manter-se-á inalterada, 
 pois o outro fundamento em que ela se apoia não será minimamente afectado por 
 essa pronúncia do Tribunal Constitucional.
 
  Uma eventual decisão de constitucionalidade daquela norma, contrariando a 
 decisão recorrida, significaria apenas que este Tribunal considera 
 constitucionalmente admissível a interpretação rejeitada, de prevalência dos 
 créditos referidos no citado artigo 12.º sobre os créditos garantidos por 
 hipoteca. 
 Mas não implicaria que o Tribunal entenda que a Constituição impõe essa 
 interpretação, como a única a ela conforme. Para isso, seria necessária uma 
 decisão no sentido da inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual o 
 privilégio imobiliário geral conferido por aquela norma não prevalece sobre a 
 hipoteca. Mas a aplicação da norma com esse alcance já é uma questão de 
 constitucionalidade que não cabe no âmbito do recurso pela alínea a), caindo no 
 
 âmbito do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.  
 Atendendo à natureza instrumental da fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, como é jurisprudência uniforme deste Tribunal, a 
 insusceptibilidade de a decisão do recurso se repercutir utilmente na decisão 
 recorrida leva ao não conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. 
 Termos em que procede a questão prévia suscitada pelo recorrido C..
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 A2) Utilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC
 
  
 
 12. No que respeita ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, entende-se o presente Relator, como já se infere do 
 anteriormente exposto, que a questão de constitucionalidade nele suscitada tem 
 autonomia em relação ao interposto ao abrigo da alínea a) da mesma norma, não 
 sendo inútil o seu conhecimento.
 Na verdade, não proferindo este Tribunal uma decisão de fundo, quanto à 
 constitucionalidade da interpretação da norma do artigo 12.º da Lei n.º 17/86, 
 segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela referido prefere à hipoteca, 
 fica em aberto a hipótese da inexistência de obstáculo constitucional a essa 
 eficácia preferencial.
 Mas, um juízo de não inconstitucionalidade é apenas isso mesmo, a negação de uma 
 desconformidade da norma ou interpretação normativa com o disposto na 
 Constituição, não a afirmação de que essa norma ou interpretação corresponde a 
 um imperativo constitucional, sendo o único meio de lhe dar satisfação. Ora, com 
 o recurso interposto ao abrigo da citada alínea b), o que os recorrentes 
 pretendem, ao arguirem a inconstitucionalidade de uma interpretação que não 
 confira aos crédito laboral referido no artigo 12.º da Lei n.º 17/86 prevalência 
 sobre a hipoteca, é justamente uma decisão da qual se infira que uma tal 
 prevalência é constitucionalmente imposta, em termos de obstar à 
 constitucionalidade de qualquer outra que dela divirja. 
 Não pode, assim, contestar-se a utilidade, para o recorrente, de uma decisão de 
 provimento do pedido, formulado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC. Na verdade, em caso de êxito, ficará obstaculizada, no presente 
 processo, qualquer outra interpretação normativa do artigo 12.º da Lei n.º 
 
 17/86, do artigo 4.º da Lei n.º 96/2001 e do artigo 751.º do Código Civil que 
 não seja a da atribuição de preferência àquele privilégio sobre a hipoteca.
 Nestes termos, tomar-se-á conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
 
  
 
  
 B) Apreciação do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da LTC
 
  
 
 13. A questão subjacente ao presente recurso é a de saber se, em concurso de 
 credores, deve ser dada preferência, na graduação dos créditos reconhecidos em 
 relação aos imóveis integrados na massa falida, aos dos trabalhadores 
 recorrentes, com base no privilégio imobiliário geral previsto naquela norma, ou 
 aos dos bancos recorridos, com base em hipoteca. 
 O artigo 12.º da Lei n.º 17/86 nada diz sobre esta questão, de forma que a 
 solução para ela tem que ser obtida conjugando-a com o regime dos privilégios 
 creditórios consagrado no Código Civil.
 A preferência dos privilégios imobiliários sobre a hipoteca, ainda que 
 anteriormente registada, está consagrada, em excepção ao princípio prior in 
 tempore, potior in iure, no artigo 751.º do Código Civil. Sendo assim, perguntar 
 se o privilégio imobiliário geral concedido pelo artigo 12.º da Lei n.º 17/86 e 
 pelo artigo 4.º da Lei n.º 96/2001 prevalece sobre a hipoteca é o mesmo que 
 perguntar se este privilégio cai ou não dentro do âmbito de previsão do artigo 
 
 751.º
 A questão, anteriormente à alteração do artigo 751.º do Código Civil operada 
 pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, e à aprovação do Código do 
 Trabalho, pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (que veio conceder um privilégio 
 imobiliário especial aos créditos laborais), suscitava dúvidas fundas. Essas 
 dúvidas nasciam, além do mais, do facto de o artigo 751.º, na sua formulação 
 originária, referir os privilégios imobiliários, sem mais especificações, sendo 
 certo, todavia, que, dentro do sistema do Código Civil, os privilégios 
 imobiliários eram sempre especiais, como expressamente se estabelecia no artigo 
 
 735.º, n.º 3. Só a partir da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, 
 o artigo 751.º passou a referir os privilégios imobiliários especiais como o seu 
 
 âmbito de incidência.
 Seja qual for a melhor solução, no plano infraconstitucional, para a presente 
 questão de constitucionalidade importa apenas averiguar se está ferida de 
 inconstitucionalidade uma interpretação das normas objecto do presente recurso 
 que não atribua aos créditos garantidos pelo privilégio imobiliário geral nele 
 previsto graduação prioritária perante créditos hipotecários. 
 Pronunciando-se sobre normas que consagram outros privilégios imobiliários 
 gerais − os atribuídos à Segurança Social e aos créditos do Estado por imposto 
 sobre o rendimento das pessoas singulares − o Tribunal Constitucional declarou a 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de tais normas, quando 
 interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas conferido 
 prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil (Acórdãos n.ºs 
 
 362/2002 e 363/2002, publicados no DR, I Série A, de 16.10.2002, que foram 
 antecedidos por vários acórdãos no mesmo sentido, proferidos em sede de 
 fiscalização concreta da constitucionalidade).
 Nestes arestos considerou-se, em síntese, que aquela interpretação normativa 
 viola o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito 
 democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.
 A fundamentação desses acórdãos remete para considerações expendidas no Acórdão 
 n.º 160/2000, do seguinte teor:
 
 «[…] a interpretação que o acórdão recorrido fez destas normas, mediante a 
 aplicação do regime do artigo 751º do Código Civil, confere a este privilégio a 
 natureza de verdadeiro direito real de garantia, munido de sequela sobre todos 
 os imóveis existentes no património da entidade devedora das contribuições para 
 a previdência, à data da instauração da execução, e, atribui-lhe preferência 
 sobre direitos reais de garantia - a consignação de rendimentos, a hipoteca e o 
 direito de retenção - ainda que anteriormente constituídos.
 Este privilégio, com esta amplitude, funciona à margem do registo (já que a ele 
 não está sujeito) e sacrifica os demais direitos de garantia consignados no 
 artigo 751º, designadamente a hipoteca - que é o caso dos autos.
 
 […] o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito 
 democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas 
 expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações 
 inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se 
 poderia moral e razoavelmente contar (cfr. inter alia, os acórdãos nºs. 303/90 e 
 
 625/98, publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Dezembro de 1990 e 
 
 18 de Março de 1999, respectivamente).
 A esta luz, pergunta-se – e os recorrentes fazem-no – que segurança jurídica, 
 constitucionalmente relevante, terá o cidadão, perante uma interpretação 
 normativa que lhe neutraliza a garantia real (hipoteca) por si registada, 
 independentemente de o ter sido em data posterior ao início da vigência das 
 normas em causa.
 
 É que, por um lado, o registo predial tem uma finalidade prioritária que radica 
 essencialmente na ideia de segurança e protecção dos particulares, evitando ónus 
 ocultos que possam dificultar a constituição e circulação de direitos com 
 eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas relações jurídicas – que, 
 em certa perspectiva, possam afectar a segurança do comércio jurídico 
 imobiliário (cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil. Reais, Coimbra, 1993, pág. 
 
 333; Isabel Pereira Mendes, “Repercussão no Registo das Acções dos Princípios do 
 Direito Registral e da Função Qualificadora dos Conservadores do Registo 
 Predial” in – O Direito, ano 123, 1991, págs. 599 e segs., maxime, pág. 604; 
 Paula Costa e Silva, “Efeitos do Registo e Valores Mobiliários. A Protecção 
 Conferida ao Terceiro Adquirente”, in – Revista da Ordem dos Advogados, ano 58, 
 
 1998, II, págs. 859 e ss., maxime pág. 862).»
 
  
 Todavia, nem a garantia decorrente do registo de uma hipoteca é                  
 
       absoluta – comprova-o, além do mais, a preferência do direito de retenção 
 
 (também ele um direito não sujeito a registo), ainda que a hipoteca tenha sido 
 registada anteriormente (artigo 759.º, n.º 2, do Código Civil) – nem os créditos 
 laborais são inteiramente equiparáveis aos créditos em causa nestes acórdãos. Na 
 verdade, eles apresentam especificidades significativas, que, do ponto de vista 
 valorativo, os diferenciam destes.
 Essas diferenças foram percucientemente apontadas no Acórdão n.º 498/2003 
 
 (seguido pelo Acórdão n.º 672/04), onde se salienta, em primeiro lugar, que «não 
 se pode dizer com a mesma intensidade que não exista, no caso dos créditos 
 abrangidos pelo n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 17/86 ‘qualquer conexão’ com os 
 imóveis onerados. É certo que não ocorre a conexão presente nos casos dos 
 privilégios imobiliários especiais constantes dos artigos 743.º e 744.º do 
 Código Civil; mas é igualmente certo que estão em causa privilégios incidentes 
 sobre os bens imóveis da empresa ao serviço da qual se encontram os 
 trabalhadores beneficiários, e que esta ligação necessária, no mínimo, atenua o 
 carácter oculto e imprevisível para o credor com garantia real registada da 
 possibilidade de virem a existir os referidos créditos.» Daí «parece poder 
 concluir-se que, no caso, não é tão intensamente atingido o princípio da 
 confiança, especialmente prosseguido pelo registo predial.»
 Destaca o referido Acórdão, em segundo lugar, que os credores da remuneração 
 laboral «não têm à sua disposição os meios alternativos que, quer a Fazenda 
 Pública, quer a Segurança Social detêm, para cobrar os seus créditos».
 Por último, o Acórdão n.º 498/2003 chama a atenção para a particular “natureza 
 do direito” aqui confrontado com o princípio da confiança.
 E esta é, do nosso ponto de vista, uma diferença particularmente relevante. Na 
 verdade, a retribuição da prestação laboral, quer na sua causa, que na sua 
 destinação típica, está intimamente ligada à pessoa do trabalhador. Ela é a 
 contrapartida da disponibilização da sua energia laborativa, posta ao serviço da 
 entidade patronal. Ela é também, por outro lado, o único ou principal meio de 
 subsistência do trabalhador, que se encontra numa situação de dependência da 
 retribuição auferida na execução do contrato para satisfazer as suas 
 necessidades vivenciais.
 
 É esta dimensão pessoal e existencial que qualifica diferenciadamente os 
 créditos laborais, justificando a tutela constitucional reforçada de que gozam, 
 para além da conferida, em geral, às posições patrimoniais activas. 
 
 É, na verdade, esta perspectiva valorativa que levou à consagração do direito à 
 retribuição do trabalho entre os direitos dos trabalhadores enumerados no n.º 1, 
 alínea a), do artigo 59.º da CRP, por forma a “garantir uma existência condigna” 
 
 – direito este já expressamente considerado pelo Tribunal Constitucional como um 
 direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (Acórdão n.º 
 
 379/91). Por outro lado, no n.º 3 do mesmo preceito estabelece-se que “os 
 salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei”. 
 Esta previsão constitucional de garantias especiais para créditos salariais 
 seguramente que, não só justifica, como impõe, regimes consagradores da sua 
 discriminação positiva, em relação aos demais créditos sobre os empregadores 
 
 (cfr., neste sentido, GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República 
 Portuguesa anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 777).
 Afigura-se-nos, pois, por este conjunto de razões, que a situação de conflito 
 concursal que se nos depara nos presentes autos não estrutura um campo de 
 ponderação relativa valorativamente idêntico ao que se nos apresenta quando os 
 créditos contrapostos aos dos credores hipotecários não são de fonte laboral. 
 Assim sendo, há fundamento para que a sua solução obedeça a uma linha de 
 tratamento não coincidente com a seguida nesses casos. Há fundamento, 
 designadamente para «não julgar inconstitucional a norma constante da alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, na interpretação 
 segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos 
 emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do 
 artigo 751.º do Código Civil», tal como decidiu o citado Acórdão n.º 498/2003.
 Mas, afirmar a não contrariedade à Constituição desta interpretação normativa do 
 artigo 12.º não é, evidentemente, o mesmo que sustentar a inconstitucionalidade 
 da solução oposta, da solução que negue ao privilégio referido nesta norma 
 preferência em relação à hipoteca. Isso equivaleria a conferir automaticamente a 
 uma interpretação constitucionalmente admissível o alcance de uma solução 
 constitucionalmente imposta. Como se exprime o Acórdão n.º 284/2007:
 
 «Só que destas considerações – suficientes para aceitar a conformidade 
 constitucional de uma solução legislativa que admita que os créditos laborais 
 preferem ao crédito que é garantido por hipoteca anteriormente registada —, não 
 decorre a obrigação constitucional de a lei ordinária conferir obrigatoriamente 
 aos créditos laborais uma prevalência sobre crédito garantido por uma hipoteca 
 anteriormente registada».  
 A questão de constitucionalidade que nos ocupa terá, pois, que ser apreciada em 
 si mesma, implicando um juízo autónomo quanto à necessidade ou não de um regime 
 de prevalência dos créditos laborais sobre os hipotecários para se efectivar um 
 nível de protecção constitucionalmente adequado daqueles créditos. 
 Nessa apreciação, não serve de parâmetro o disposto no artigo 53.º da CRP, cujo 
 
 âmbito de protecção, como bem se valorou no Acórdão n.º 284/2007, não cobre a 
 questão objecto do recurso. O ponto de partida e o quadro normativo de 
 referência primordial é-nos dado antes pelo direito à retribuição do trabalho, 
 consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP. Como a norma 
 expressamente acentua – nos seus próprios termos, tem-se em vista “garantir uma 
 existência condigna”—, o reconhecimento de tal direito exprime o valor básico da 
 dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), constituindo, no seu específico 
 
 âmbito de protecção, um instrumento do preenchimento das condições materiais da 
 realização deste valor. E o relevo nuclear do direito à (justa) remuneração do 
 trabalho é atestado pela vinculação do legislador ao estabelecimento de 
 garantias especiais para os salários (n.º 3 do artigo 59.º).
 
 É na correcta aplicação desta norma que reside a chave para a resposta à questão 
 da constitucionalidade da preferência dos créditos hipotecários sobre os 
 créditos retributivos dos trabalhadores. E o ponto decisivo está em saber se 
 esse regime desprotege intoleravelmente estes créditos, despojando-os de uma 
 tutela que seria constitucionalmente devida, ou, dito de forma inversa, se a 
 preferência absoluta dos créditos laborais é uma solução exigida para dar 
 satisfação ao mandato constitucional de garantias especiais para os créditos 
 salariais. 
 
 É sabido que a ordem jurídica dispõe de um conjunto muito diversificado de 
 mecanismos e instrumentos de tutela dos bens constitucionalmente protegidos. 
 Quer quanto à natureza do meio empregue, quer quanto ao grau de tutela, o 
 legislador ordinário é colocado perante um espectro extenso de medidas, a 
 utilizar de forma cumulativa ou optativa, para cumprir o encargo de uma 
 regulação especialmente protectora que o n.º 3 do artigo 59.º lhe fixou. 
 E o legislador tem lançado mão dessas possibilidades variadas de conformação, 
 configurando um sistema protector dos créditos laborais em que se inclui, 
 designadamente, entre outras soluções, e para além dos privilégios creditórios, 
 o Fundo de Garantia Salarial, criado pelo Decreto-Lei n.º 50/85, de 27 de 
 Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15 de Junho (e hoje previsto 
 no artigo 380.º do Código do Trabalho e nos artigos 316.º e seguintes da Lei n.º 
 
 35/2004, de 29 de Julho, que o regulamenta), a impenhorabilidade parcial dos 
 salários (artigo 824.º do Código de Processo Civil), a insusceptibilidade de 
 cessão em medida idêntica à da impenhorabilidade, limites à possibilidade de 
 compensação com créditos da entidade patronal, um regime favorável de 
 prescrição.
 
 É tendo em conta o efectivo alcance tutelador deste conjunto de medidas que tem 
 que ser ponderado se a denegação do grau máximo de eficácia a uma delas – os 
 privilégios creditórios –, que levaria à atribuição de preferência aos créditos 
 garantidos mesmo perante créditos hipotecários, pode fundar o juízo de que o 
 legislador ficou aquém do que lhe era constitucionalmente exigido.
 
 É nossa convicção de que uma tal conclusão se não justifica. Na verdade, estamos 
 perante uma expressa remissão para o legislador, sem predeterminação, a nível 
 constitucional, de um concreto grau de garantia. Uma solução que, concedendo aos 
 créditos laborais a garantia de um privilégio imobiliário geral, não lhes 
 reconheça, todavia, preferência em face de créditos garantidos por hipoteca, 
 flanqueada que está por outras medidas de protecção, acima enunciadas, cabe 
 ainda dentro do poder de conformação legislativa, representando uma legítima 
 opção concretizadora de uma manifestação parcial da tutela constitucionalmente 
 exigida.
 
  E a não desrazoabilidade desta solução é ainda evidenciada pelo facto de ela 
 preservar a confiança institucional num mecanismo garantístico – a hipoteca ─ 
 que desempenha um relevante papel no tráfico jurídico-económico, como 
 instrumento qualificado de tutela de interesses de segurança e certeza 
 jurídicas. 
 Acompanhando o decidido pelos acórdãos n.º 284/2007 e 287/2007, pode 
 concluir-se, em suma, que não é constitucionalmente proibido que a lei ordinária 
 confira prevalência ao crédito garantido por hipoteca sobre os créditos laborais 
 garantidos por um privilégio imobiliário geral. 
 
  
 III − Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a)                           Não tomar conhecimento do recurso interposto ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, por inutilidade;
 b)                          Não julgar inconstitucionais as normas do artigo 
 
 12.º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, do artigo 4.º da Lei n.º 96/2001, de 20 
 de Agosto, e do artigo 751.º do Código Civil (na redacção anterior ao 
 Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março), na interpretação segundo a qual aos 
 privilégios imobiliários gerais conferidos por aquelas normas aos créditos dos 
 trabalhadores emergentes do contrato individual de trabalho não é aplicável o 
 regime do artigo 751.º do Código Civil, pelo que estes créditos não prevalecem 
 sobre os garantidos por hipoteca.
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 30 de Abril de 2008
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos