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Processo n.º 18/09
 
 1.ª Secção
 Relator:  Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A., inconformado com a decisão sumária proferida a 28 de Janeiro de 2009, vem 
 dela reclamar dizendo, no que ora importa, o seguinte: “(…) Contrariamente ao 
 referido na douta decisão recorrida o arguido questionou a desconformidade da 
 interpretação do n.º 5 do artigo 400.º do CPC, junto do T.R.L e do S.T.J, na 
 reclamação aí apresentada, designadamente por violação do direito de defesa 
 
 (artigo 32.º da CRP).” Invoca ainda o artigo 18.º da Constituição.
 
 2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
 
 “2. É de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pelo facto de não se encontrarem preenchidos os pressupostos 
 essenciais ao conhecimento do recurso.
 Como resulta do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e do artigo 
 
 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para que se possa 
 lançar mão do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade ali 
 previsto é necessária a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa não cabendo a este Tribunal apreciar a conformidade da decisão 
 recorrida nem, de qualquer outro modo, sindicar as decisões proferidas por 
 outros tribunais. Por outro lado, tal suscitação deve ocorrer durante o 
 processo, isto é, como consta de jurisprudência constitucional firme e 
 reiterada, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.
 Assim, o objecto do recurso de constitucionalidade apenas poderá incidir sobre a 
 apreciação, à luz das regras jurídico-constitucionais, de um juízo normativo 
 efectuado pelo tribunal recorrido. Este pressuposto constitui o traço distintivo 
 do sistema português de fiscalização da constitucionalidade face a outros 
 modelos como o da queixa constitucional ou recurso de amparo. O Tribunal 
 Constitucional aprecia normas ou interpretações de normas – a sua actuação não 
 versa, directamente, as decisões dos outros tribunais.
 
 3. A suscitação de questão de constitucionalidade dita normativa, apta a 
 adequadamente convocar a pronúncia do Tribunal Constitucional, implica que “a 
 parte identifique expressamente [ess]a interpretação ou dimensão normativa, em 
 termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder 
 enunciar na decisão, de modo a que os respectivos destinatários e os operadores 
 do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal 
 sentido.” (Lopes do Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta 
 da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004, 
 p. 8).
 Como se escreveu no Acórdão n.º 584/2005, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, o recurso “visa[r] a determinação contida em 
 regra jurídica geral e abstracta aplicada na decisão recorrida como ratio 
 decidendi, ficando de fora o juízo concretizador da norma, ou seja, a valoração 
 que no caso concreto e mercê das particulares circunstâncias da situação, o 
 tribunal comum aplicou.”  
 
 4. No caso dos autos, a questão de constitucionalidade só foi afrontada pelo 
 Recorrente na reclamação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de não 
 admissão do recurso (e, ainda assim, é muito questionável que o tenha sido em 
 moldes processualmente adequados). No entanto, durante o processo, o Recorrente 
 teve oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade. Com 
 efeito, a eventualidade de o recurso não vir a ser admitido com base na sua 
 inadmissibilidade foi logo aflorada no parecer que o Exmo. 
 Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação, 
 emitiu nos autos (fls. 406 e seguintes). Aí se disse que a jurisprudência do STJ 
 tem entendido que a lei reguladora da recorribilidade de determinada decisão 
 proferida, em recurso, pela Relação, é a que vigorava no momento em que foi 
 proferida a decisão de 1.ª instância, salvo se entretanto vier a entrar em vigor 
 lei posterior mais favorável ao arguido. O conteúdo de tal parecer, que não se 
 limitou a simples aposição de visto, foi, como impõe a lei, notificado ao 
 Recorrente (fls. 427), tendo-lhe sido aberta a possibilidade de contraditório. 
 Assim, o Recorrente poderia ter suscitado, em requerimento posterior ao parecer 
 mencionado, a questão de constitucionalidade normativa, para efeitos de 
 preenchimento dos pressupostos do recurso de fiscalização concreta que agora 
 pretende ver apreciado. O certo é que não o fez.
 Sustenta o Recorrente que a questão de constitucionalidade foi suscitada na 
 reclamação dirigida ao Presidente daquele Tribunal. Ora, ao ter sido invocada 
 apenas após a decisão sumária de inadmissibilidade, já não se insere, como 
 exigido, durante o processo na medida em que tal decisão não era já recorrível, 
 tendo-se por esgotado, por conseguinte, o poder jurisdicional das instâncias.
 
 5. E tal decisão nem sequer poderia, em si mesma considerada, ser qualificada 
 como decisão-surpresa. Como se afirmou no Acórdão n.º 479/89, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, “ (…) desde logo terá de 
 ponderar-se que não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de 
 considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se 
 pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas 
 processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma 
 estratégia processual adequada). E isso – acrescentar-se-á também logo mostra 
 como a simples ‘surpresa’ com a interpretação dada judicialmente a certa norma 
 não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas 
 situações excepcionais (voltando agora à nossa questão) em que seria justificado 
 dispensar os interessados da exigência de invocação ‘prévia’ da 
 inconstitucionalidade perante o tribunal a quo.” (sublinhado nosso) 
 Ora, se a interpretação das normas se afigura como expectável, ou, pelo menos, 
 previsível, como sucede no caso dos autos, em que é patente a orientação 
 jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça em relação à questão 
 controvertida, nunca poderia o Recorrente alegar a impossibilidade de 
 cumprimento, em tempo, do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade, 
 pelo que o deveria ter feito durante o processo, de modo a permitir àquele 
 Tribunal apreciar a questão e sobre a mesma tomar a sua posição. Reiterando o 
 que ficou dito, é de relembrar que, no âmbito dos recursos interpostos ao abrigo 
 da alínea b), o Tribunal Constitucional não decide ex novo e sim em sede de 
 recurso também no que à questão de constitucionalidade diz respeito.”
 
 3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se 
 no sentido da improcedência da reclamação.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentação
 
 4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a 
 argumentação do Reclamante em nada abala a fundamentação da decisão sumária 
 reclamada. O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende 
 da prévia verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo 
 recorrente, de inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, 
 constituindo essa norma fundamento (ratio decidendi) da decisão recorrida, bem 
 como o prévio esgotamento dos recursos ordinários. Os mesmos requisitos são 
 aplicáveis relativamente aos recursos interpostos ao abrigo da alínea f), da 
 mesma norma, respeitando a ilegalidades normativas com fundamento em violação de 
 lei com valor reforçado ou em estatuto de região autónoma.
 Como foi referido na decisão sumária, a questão de constitucionalidade não foi 
 devidamente invocada. Não houve suscitação de qualquer constitucionalidade 
 normativa, em modos processualmente adequados, e, como referiu o Exmo. 
 Procurador-Geral-Adjunto, limitou-se “o arguido reclamante, sem identificar 
 claramente a interpretação normativa, estatuída dos preceitos legais em causa, 
 que considera inconstitucional, a pugnar pela tese de que seria o acto de 
 rejeição do recurso que violaria o artigo 32.º da Constituição da República 
 Portuguesa.”
 III – Decisão
 
 5. Assim, e, sem necessidade de maiores considerações, acordam, em conferência, 
 indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão 
 reclamada no sentido de não tomar conhecimento do recurso.
 Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 11 de Março de 2009
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos