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Processo n.º 255/03
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. Relatório
 
                                  A., L.da, intentou, no Tribunal Administrativo 
 do Círculo de Lisboa, acção ordinária, nos termos do artigo 254.º, ex vi artigo 
 
 278.º, ambos do Decreto‑Lei n.º 59/99, de 2 de Março, contra a Direcção‑Geral 
 dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pedindo a condenação da ré no pagamento de 
 
 € 235 930,38 (sendo € 119 587,65 a título de sobrecustos suportados pela autora 
 pelo período de dilação do prazo de contrato de empreitada, de 1 de Julho de 
 
 1999 a 31 de Dezembro de 1999, e € 116 342,73 a título de indemnização pelos 
 prejuízos sofridos pela autora pela suspensão da obra objecto do contrato de 
 empreitada de 1 de Abril de 2000 a 28 de Setembro de 2000), acrescidos dos 
 juros, à taxa legal em vigor, vencidos desde a data da citação até integral 
 pagamento.
 
                                  Citada para contestar, a referida 
 Direcção‑Geral veio, em ofício subscrito pelo Director do Gabinete Jurídico 
 
 (fls. 204), aduzir que: “Tratando‑se de um serviço público, integrado na 
 Administração estadual, atento o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 201.º do 
 Código de Processo Civil, deverá a mesma citação ser efectuada na pessoa do 
 agente do Ministério Público junto ao Tribunal onde a acção é proposta, sob pena 
 de, nos termos do artigo 194.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código, ser 
 considerado nulo tudo o que se processe depois da petição inicial”.
 
                                  Aberta vista ao representante do Ministério 
 Público junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, promoveu o mesmo 
 a absolvição da ré da instância, nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea 
 c), 493.º, n.º 2, e 494.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), 
 por não ter personalidade jurídica nem judiciária, fazendo parte da pessoa 
 colectiva Estado (fls. 205).
 
                                  Conclusos os autos ao respectivo juiz, este 
 designou dia para tentativa de conciliação (fls. 205 verso), na qual 
 participaram a mandatária da autora e um representante legal da ré, mas que se 
 frustrou (fls. 207).
 
                                  Determinada, por despacho de fls. 208, a 
 notificação à autora da junção do ofício de fls. 204, veio a mesma apresentar o 
 requerimento de fls. 212 a 214, do seguinte teor: 
 
  
 
                  “1 – A autora entende que tem razão a Direcção‑Geral dos 
 Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), ao requerer a aplicação da primeira 
 parte do n.º 1 do artigo 20.° do CPC, procedendo o Tribunal à sua citação 
 através do Ministério Público.
 
                  2 – Não se encontra, quer na lei orgânica da DGEMN – 
 Decreto‑Lei n.º 284/93, de 18 de Agosto – quer na sua regulamentação – Decreto 
 Regulamentar n.º 29/93, de 16 de Setembro, disposição que permita o patrocínio 
 por mandatário judicial.
 
                  3 – Ao Gabinete Jurídico, como unidade orgânica, são atribuídas 
 competências apenas para «Acompanhar o andamento em tribunal de processos em 
 que seja parte a DGEMN» (artigo 11.°, n.º 1, alínea d), do Decreto Regulamentar 
 citado).
 
                  4 – Por outro lado, a Direcção‑Geral dos Edifícios e Monumentos 
 Nacionais é um serviço do Estado, com competências exclusivas em matéria de 
 obras de construção ou alteração de imóveis não classificados do Estado (artigo 
 
 3.º, n.º 2, alínea b), do Decreto‑Lei n.º 284/93, de 18 de Agosto).
 
                  5 – Accionar em acção decorrente de contrato de empreitada a 
 DGEMN, como o fez a autora, é o mesmo que accionar o Estado.
 
                  6 – Isto porque, na perspectiva organicista da concepção das 
 pessoas colectivas em direito público, é inegável que, não tendo o Estado 
 competências administrativas, mas sim atribuições, como poder político, é nos 
 respectivos órgãos e serviços, enquanto detentores de competências para a 
 prática de actos que há‑de radicar‑se como que uma extensão da personalidade e 
 capacidade judiciárias da pessoa colectiva pública.
 
                  7 – Já no contrato de empreitada causa de pedir da presente 
 acção o Estado – pese embora tenha personalidade jurídica – teve necessidade de 
 ir buscar a DGEMN, única com competência para o acto ao abrigo da sua lei 
 orgânica, fisicamente representada pelo seu Director‑Geral.
 
                  8 – Bem como em toda a fase de execução do contrato outorgado 
 foi a DGEMN que actuou e exerceu os direitos do dono da obra (Estado).
 
                  9 – E reconhecer que a personalidade e capacidade judiciárias 
 podem existir sem existir personalidade jurídica não pode repugnar no direito 
 público que para as acções chama o direito processual civil e este permite‑o – 
 artigos 5.º e 9.º do CPC.
 
                  10 – Aliás, como acima se reproduziu no ponto 3, a própria lei 
 admite que a DGEMN seja parte em processos em tribunal.
 
                  11 – Ou seja, parece à autora que o Estado e os seus órgãos ou 
 serviços com competências exclusivas se completam para produzir actos, contratar 
 e estar na execução desses contratos e, em juízo, responder por esses actos ou 
 contratos.
 
                  12 – Mas nem por isso deixa de neles estar, e sempre, o Estado 
 Português.
 
                  13 – A autora sabe que a matéria, com o entendimento da teoria 
 organicista das pessoas colectivas em direito público tal como exposta, vem 
 sendo matéria discutida e discutível, quer na doutrina quer na jurisprudência.
 
                  14 – Pelo que, se o Tribunal não procedeu à citação do Digno 
 Magistrado do Ministério Público, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do CPC, por 
 a autora não ter expressamente referenciado como sujeito processual contra quem 
 propõe a sua acção o Estado representado pela Direcção‑Geral dos Edifícios e 
 Monumentos Nacionais, requere‑se que seja o mesmo entendido como erro técnico 
 desculpável e a assim ser entendida a identificação do sujeito processual réu, 
 ordenando o Meritíssimo Juiz a sua citação através do Ministério Público, 
 conforme se expõe no requerimento em resposta.”
 
  
 
                                  Por despacho saneador de 15 de Julho de 2002 
 
 (fls. 216 a 218), proferido ao abrigo do artigo 510.º, n.º 1, alínea a), do CPC, 
 foi julgada procedente a excepção dilatória da falta de personalidade 
 judiciária da ré e esta absolvida da instância, porquanto:
 
  
 
                  “A presente acção ordinária foi interposta contra a 
 Direcção‑Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
 
                  Ora, como é sabido, a ré integra‑se na pessoa colectiva 
 Estado, mais propriamente, insere‑se na administração directa do Estado.
 
                  Ora, parafraseando os ensinamentos do Prof. Freitas do Amaral, 
 um dos principais caracteres específicos do Estado e da administração directa 
 consiste na personalidade jurídica una. Com efeito, apesar da multiplicidade 
 das atribuições, do pluralismo dos órgãos e dos serviços, e da divisão em 
 Ministérios e Direcções‑Gerais, o Estado mantém sempre uma personalidade 
 jurídica una. Todos os Ministérios e Direcções‑Gerais pertencem ao mesmo sujeito 
 de direito; não são sujeitos de direito distintos. Logo, são destituídos de 
 personalidade jurídica. Cada órgão do Estado, nomeadamente cada Direcção‑Geral, 
 vincula o Estado no seu todo, e não apenas a respectiva Direcção, não sendo 
 indiferente propor a acção contra o Estado ou seus Serviços conforme alega a 
 ora autora (cf. Curso de Direito Administrativo, vol. I, pág. 221).
 
                  Nessa medida, ex vi artigo 5.º, n.º 2, a contrario, do CPC, ao 
 dirigir a presente acção contra a Direcção‑Geral dos Edifícios e Monumentos 
 Nacionais, a ré mostra‑se desprovida de personalidade judiciária.
 
                  Por outro lado, estando em causa a verificação de pressupostos 
 processuais numa acção ordinária, não é aplicável o regime jurídico plasmado na 
 LPTA, designadamente, a previsão do artigo 40.º, n.º 1, alínea a), conforme 
 sugere a autora a fls. 212.
 
                  Ao invés, rege‑se pelas disposições do CPC. Ora, nos termos do 
 artigo 265.º, n.º 2, cabe apenas ao juiz, neste contexto, providenciar pelo 
 suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, sendo 
 certo que não é o caso da falta de personalidade judiciária.
 
                  Consequentemente, constituindo a falta de personalidade 
 judiciária uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, a mesma determina a 
 absolvição da instância, tudo nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea c), e 
 
 494.º, ambos do CPC.”
 
  
 
                                  Inconformada com esta decisão, interpôs a ré 
 recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitando, nas respectivas 
 alegações (fls. 223 a 245), além do mais, a questão da inconstitucionalidade, 
 por violação dos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP), da interpretação, imputada ao tribunal recorrido, dos artigos 265.º, 
 
 467.º e 508.º do CPC e 40.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, 
 aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (LPTA), “no sentido de que 
 não permitem, nas acções sobre contratos, a correcção do mero erro técnico de 
 identificação das partes”.
 
                                  Ao recurso foi negado provimento por acórdão do 
 Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Janeiro de 2003, que, para tanto, 
 desenvolveu a seguinte argumentação:
 
  
 
                  “2.2.1. A sentença recorrida julgou a ré, Direcção‑Geral dos 
 Edifícios e Monumentos Nacionais carecida de personalidade judiciária na acção 
 ordinária contra ela proposta pela ora recorrente, com vista à efectivação de 
 responsabilidade civil emergente de contrato e, considerando ainda que o 
 referido pressuposto processual não era susceptível de sanação, absolveu a ré 
 da instância, nos termos dos artigos 288.º, n.º 1, alínea c), e 494.º do Código 
 de Processo Civil.
 
                  A autora, ora recorrente, discorda desta decisão, sustentando, 
 em síntese:
 
                  - A Direcção‑Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, na 
 medida em que é um órgão do Estado, tem personalidade judiciária, ao invés do 
 decidido;
 
                  - Mesmo que assim não se entendesse, o legislador permite a 
 sanação da falta de personalidade judiciária, sendo tal sanação permitida quando 
 for inteligível para o Tribunal - e para a outra parte - qual é a entidade com 
 personalidade judiciária que deve estar em juízo, atendendo aos diversos 
 elementos documentais e de alegação;
 
                  - No caso dos autos seria evidente que, em última instância, a 
 acção era dirigida à pessoa colectiva pública Estado, pelo que, «à luz dos 
 princípios da economia processual, da cooperação e do inquisitório, incumbia ao 
 Tribunal a quo regularizar a instância, chamando à acção a entidade com 
 personalidade judiciária, ou convidando a autora/recorrente para o fazer»;
 
                  - Ao omitir o comportamento devido, o Tribunal a quo violou os 
 artigos 8.º, 24.º e 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por 
 força do artigo 72.º da LPTA.
 
                  Assim não se entendendo, defende ainda:
 
                  - A autora recorrente instruiu a acção com todos os elementos 
 necessários à boa definição dos sujeitos da relação controvertida, pelo que se 
 revelaria desproporcional a decisão de pôr termo à acção «em face da 
 insignificância do erro técnico cometido», o qual deveria ter sido corrigido 
 oficiosamente ou por convite (despacho de aperfeiçoamento) formulado pelo 
 Tribunal a quo;
 
                  - Não o tendo feito, o Tribunal a quo teria violado os artigos 
 
 265.º, 467.º e 508.º do Código de Processo Civil ou então o artigo 40.º da LPTA.
 
                  Defende, ainda, por último, que, os artigos 265.º, 467.º e 
 
 508.º do Código de Processo Civil, bem como o artigo 40.º da LPTA, 
 interpretados – como o fez o Tribunal a quo – no sentido de não permitirem, nas 
 acções sobre contratos, a correcção de mero erro técnico de identificação das 
 partes, seriam inconstitucionais, por violação dos artigos 20.º e 268.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
                  Não tem, todavia, razão.
 
  
 
                  2.2.2. A Direcção‑Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais é 
 um serviço central (serviço operacional) compreendido na estrutura geral do 
 Ministério do Equipamento Social (cf. Lei Orgânica do Ministério do 
 Equipamento Social, aprovada pelo Decreto‑Lei n.º 129/2000, de 13 de Julho, em 
 vigor à data da propositura da acção). Como tal, não tem personalidade 
 jurídica, antes se integra na orgânica da Administração directa do Estado, este 
 sim dotado de personalidade jurídica. Freitas do Amaral (Curso de Direito 
 Administrativo, vol. I, pág. 206), também citado na sentença recorrida, aponta 
 como um dos principais caracteres específicos do Estado e da sua administração 
 directa a personalidade jurídica una, por parte deste.
 
                  Escreve, com efeito, o referido autor (obra e local citados): 
 
 «apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, 
 e da divisão em Ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica 
 una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são 
 sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções‑gerais não têm 
 personalidade jurídica (sublinhado nosso). Cada órgão do Estado - cada Ministro, 
 cada director‑geral, cada governador civil, cada chefe de repartição - 
 vinculará o Estado no seu todo, e não apenas o seu Ministério e o seu serviço».
 
                  Adere‑se inteiramente a este ponto de vista, que, de resto, não 
 tem sido posto em causa pela jurisprudência nem pela restante doutrina.
 
                  Não tem, assim, razão a autora/recorrente quando defende a 
 existência de personalidade judiciária por parte da ré, baseando, em grande 
 medida, tal errada conclusão, um pouco incompreensivelmente, no apontado 
 carácter uno do Estado, o qual, como vimos na transcrição efectuada da obra do 
 Professor Freitas do Amaral, conduz precisamente à conclusão oposta: a de que só 
 o Estado e não os seus órgãos ou serviços, como é o caso da ré, detém 
 personalidade jurídica.
 
                  Conforme se extrai dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do Código de 
 Processo Civil, fora dos casos em que existe personalidade jurídica (havendo 
 personalidade jurídica há também personalidade judiciária), só existe 
 personalidade judiciária, isto é, a susceptibilidade de ser parte, nos casos 
 previstos expressamente nos artigos 6.º e 7.º do Código de Processo Civil, onde 
 não se enquadra a situação dos autos.
 
                  Nem se argumente, como o faz a recorrente, com o previsto na 
 Lei de Processo nos Tribunais Administrativos em relação à propositura dos 
 recursos contenciosos e outros meios processuais aí regulados, designadamente 
 acções para reconhecimento de direito e processos de intimação, nos quais o 
 sujeito passivo em juízo é um órgão da Administração Pública e não o Estado.
 
                  Trata‑se, de facto, de situações processuais com 
 características inteiramente diversas das acções de responsabilidade civil 
 contratual ou extracontratual - que não interessa aqui desenvolver –, apenas 
 cabendo salientar que, em atenção aos interesses específicos desses meios 
 processuais, entendeu o legislador prescrever, em relação aos mesmos, normas 
 próprias reguladoras de legitimidade passiva (e, consequentemente, também de 
 personalidade judiciária ou susceptibilidade de ser parte).
 
                  Nas acções de responsabilidade civil da Administração Pública, 
 contratual ou extracontratual, aplicam‑se as regras e princípios do Código de 
 Processo Civil (artigo 72.º, n.º 1, da LPTA), sendo que, nos termos das 
 disposições conjugadas dos artigos 494.º, alínea c), 495.º e 288.º, n.º 1, 
 alínea c), do citado Código, a falta de personalidade judiciária é uma excepção 
 dilatória, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição do réu da 
 instância, como bem considerou a sentença recorrida.
 
  
 
                  2.2.3. E também não assiste razão à recorrente quando sustenta 
 que a lei permite a sanação da falta de personalidade judiciária, designadamente 
 em casos como o dos autos, pelo que, «à luz dos princípios da economia 
 processual, da cooperação e do inquisitório», incumbiria «ao Tribunal a quo 
 regularizar a instância, chamando à acção a entidade com personalidade 
 judiciária ou convidando a autora/recorrente para o fazer» (fls. 244).
 
                  De facto:
 
                  Dispõe o artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que 
 a recorrente aponta como violado a este propósito: «O juiz providenciará, mesmo 
 oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais 
 susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à 
 regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação 
 subjectiva da instância, convidando as partes a praticá‑los».
 
                  Ora, a falta de personalidade judiciária - com ressalva da 
 excepção expressamente prevista na lei (artigo 8.º do Código de Processo 
 Civil), quanto à falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, 
 filiais, delegações ou representações, nas circunstâncias contempladas no 
 aludido artigo 8.º do Código de Processo Civil - é um pressuposto processual 
 insusceptível de sanação.
 
                  De facto, é unânime o ensinamento dos processualistas a este 
 respeito, por razões, de resto, que, respeitando à natureza própria do 
 pressuposto processual em análise, impedem que os princípios da economia 
 processual, da cooperação e do inquisitório, a que a recorrente faz apelo, 
 possam, no caso, permitir aquela sanação.
 
                  Assim, escreve, por exemplo, o Prof. Castro Mendes (Direito 
 Processual Civil, vol. II, págs. 13 e 14): «A personalidade judiciária ocupa um 
 lugar muito especial entre os pressupostos processuais (como a personalidade 
 jurídica entre os status): é o pressuposto dos restantes pressupostos 
 processuais subjectivos relativos às partes» (sublinhado nosso).
 
                  Com efeito, a legitimidade, por exemplo, ou a capacidade 
 judiciária são atributos das partes. As partes é que são legítimas ou 
 ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos, por seu 
 turno, pressupõem uma parte, de que são atributos e de que a susceptibilidade de 
 o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto ainda.
 
                  Se falta a legitimidade, por exemplo, a instância trava‑se 
 entre o tribunal e duas partes, sendo uma (pelo menos) ilegítima. Se falta a 
 personalidade judiciária, não há parte: falta em rigor o ramo da instância em 
 que essa devia funcionar como sujeito.
 
                  Falta a instância, embora haja uma aparência de instância, que 
 chega para fundamentar os actos de processo que se pratiquem.
 
                  E, mais adiante (fls. 28), salienta o referido autor que, mesmo 
 a absolvição da instância levanta algumas dificuldades, num processo em que, 
 faltando a personalidade judiciária, não há verdadeiramente uma instância, mas 
 apenas uma aparência de instância. Só por virtude da tutela provisória da 
 aparência poderá, por exemplo, a entidade carecida de personalidade judiciária 
 ré defender-se ou ter representante que o faça.
 
                  «A falta de personalidade judiciária é insanável» escreve, 
 subsequentemente, o mesmo autor, conforme se deduz, a contrario sensu, do 
 artigo 23.º (de notar que não houve alterações relevantes, quanto ao aspecto em 
 causa, na nova redacção do artigo 23.º do Código de Processo Civil).
 
                  Também o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de 
 Processo Civil Anotado, vol. 3.º, pág. 394) ensina: «Desde que o juiz apure que 
 o autor ou réu é destituído de personalidade judiciária, tem necessariamente de 
 absolver o réu da instância. A falta não pode sanar‑se.» (sublinhado nosso).
 
                  O mesmo entendimento revelam ter Manuel de Andrade (Noções 
 Elementares de Processo Civil, pág. 86), Anselmo de Castro (Direito Processual 
 Civil Declaratório, pág. 110), e, mais recentemente, Miguel Teixeira de Sousa 
 
 (Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, pág. 140), que refere o dever 
 de intervenção do juiz no sentido da sanação da falta deste pressuposto, apenas 
 no já aludido caso do artigo 8.º do Código de Processo Civil, em que, 
 excepcionalmente, a mesma é sanável.
 
                  Convém, a propósito, distinguir os casos de sanação do vício de 
 cessação da causa do mesmo vício, ocorrida antes de o juiz declarar extinta a 
 instância, o que sucederá, por exemplo, quando a parte com personalidade 
 judiciária intervém espontaneamente no processo, contestando a acção, ou quando 
 a sociedade anónima irregular passa a regular, por, designadamente, serem 
 publicados os respectivos estatutos até então não publicados.
 
                  Só a sanação é proibida, já não a relevância de cessação da 
 causa do vício (cf. Anselmo de Castro, obra citada, pág. 110; Castro Mendes, 
 obra citada, págs. 29 e 30).
 
                  Na situação ora em análise, está em causa a possibilidade de 
 sanação que, como resulta do exposto, não é viável.
 
                  Cabe ainda dizer que não procede a argumentação em contrário da 
 recorrente, extraída das decisões deste Supremo Tribunal que admitiram a 
 regularização da instância, em casos em que foi demandada a Câmara Municipal 
 
 (órgão do Município) e não o Município (pessoa colectiva).
 
                  De facto, as situações não têm a identidade necessária para daí 
 se retirarem argumentos suficientemente sólidos a favor da tese defendida pela 
 recorrente.
 
                  Na verdade, concorrem aí circunstâncias - que não se verificam 
 no caso dos autos - susceptíveis de tornar compreensível essa orientação da 
 jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, sintetizadas, de resto, 
 no trecho do acórdão de 21 de Junho de 2001, recurso n.º 47 402, que, por 
 elucidativo, se transcreve: «Todavia, embora seja formalmente incorrecto propor 
 a acção de responsabilidade contra a câmara, essa irregularidade, que emana do 
 concurso de uma antiga personalização dos “corpos administrativos” com uma 
 confusão, amplamente disseminada na linguagem corrente, do ente com o seu órgão 
 de maior visibilidade social, política e administrativa, e que se materializa 
 num erro muito difundido e quase pacificamente tolerado na prática judiciária, 
 não afecta a compreensão de que é sobre o município, enquanto centro autónomo de 
 direitos e obrigações e titular de património, que se quer fazer recair a 
 condenação, não altera a citação na pessoa do representante legal do município 
 para este efeito (em qualquer caso, o presidente da câmara, na dupla qualidade 
 de presidente do órgão colegial executivo e representante do município: artigo 
 
 53.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 100/84) e a consequente formação da 
 vontade relativa à defesa dos interesses municipais, nem o regular 
 desenvolvimento do contraditório.»
 
                  Em caso similar ao dos autos, este Supremo Tribunal decidiu 
 pela confirmação da decisão recorrida, que havia absolvido a ré - entidade não 
 personalizada integrada na Administração directa do Estado - da instância, por 
 falta de personalidade judiciária (ver acórdão de 7 de Março de 2001, recurso 
 n.º 47 096).
 
                  Em face do exposto, impõe-se concluir pela insusceptibilidade 
 de sanação, no caso dos autos, da falta de personalidade judiciária da ré, 
 nomeadamente através das formas sugeridas pela recorrente nas suas alegações, 
 pelo que, ao não admitir aquela sanação, a sentença recorrida não incorreu em 
 qualquer violação de normas ou preceitos legais, designadamente, das apontadas 
 pela recorrente nas respectivas alegações.
 
                  
 
                  2.2.4. Do que atrás se deixou referido já resulta, com 
 evidência, que também não procede a alegação da recorrente, segundo a qual se 
 revelaria «desproporcional a decisão de pôr termo à demanda em face da 
 insignificância do erro técnico descrito» (sic; fls. 244), o qual «deveria ter 
 sido corrigido oficiosamente ou por convite (despacho de aperfeiçoamento) 
 formulado pelo Tribunal a quo».
 
                  Com efeito, como se afigura claro, tendo a sentença impugnada 
 concluído, com acerto, que a acção foi proposta contra entidade desprovida de 
 personalidade judiciária e que a falta desse pressuposto processual era 
 insanável (cf. artigos 5.º a 8.º, 23.º e 265.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Civil), determinando a absolvição da ré da instância, nos termos do preceituado 
 no artigo 288.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, não se vê como 
 conciliar esse entendimento com a consideração proposta pela recorrente de que 
 se trataria de «erro técnico insignificante», «passível de ser corrigido 
 oficiosamente ou a convite do Tribunal», por alegada aplicação do preceituado 
 nos artigos 265.º, 467.º e 508.º do Código de Processo Civil ou, então, do 
 artigo 40.º da LPTA (este último preceito, da LPTA, não diz respeito às acções 
 de responsabilidade civil, como já se viu).
 
                  Pelos mesmos motivos e atento nomeadamente o que se deixou 
 analisado quanto à importância do pressuposto processual da personalidade 
 judiciária, pressuposto de outros pressupostos processuais relativos às partes, 
 como ensina o Prof. Castro Mendes, não se mostra que o entendimento subjacente à 
 sentença recorrida «quanto à interpretação dos artigos 265.º, 467.º e 508.º do 
 CPC ou do artigo 40.º da LPTA» enferme de inconstitucionalidade, por violação 
 dos artigos 20.º e 268.º da CRP.
 
                  Na verdade, não se vê de que forma a aludida interpretação 
 possa violar o direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos 
 artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP - este último na versão citada pela 
 recorrente, que não é a vigente -, pois, independentemente do mais, tal tutela 
 supõe que as partes se conformem com as limitações decorrentes da lei ordinária, 
 designadamente das disposições imperativas do Código de Processo Civil, o que, 
 como se viu, não foi o caso.”
 
  
 
                                  É contra este acórdão que vem interposto, pela 
 autora, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), o presente recurso, referindo‑se no respectivo 
 requerimento de interposição (fls. 277 e 278):
 
  
 
                  “2. A recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade 
 dos artigos 265.º, n.º 2, e 508.º do CPC, interpretados no sentido de não ser 
 permitido ao juiz corrigir, por convite ou oficiosamente, a petição inicial do 
 autor nos casos de mero erro técnico na identificação do réu, que foi 
 identificado pelo órgão e deveria ter sido pela pessoa colectiva pública.
 
                  3. No caso foi identificado como «Direcção‑Geral dos Edifícios 
 e Monumentos Nacionais» e deveria ter sido «o Estado Português representado 
 pela Direcção‑Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais».
 
                  4. Igualmente, a recorrente pretende a apreciação da 
 inconstitucionalidade do artigo 40.º da LPTA, interpretado no sentido de não 
 ser permitido ao juiz corrigir, por convite ou oficiosamente, a petição inicial 
 do autor nos casos de mero erro técnico na identificação do réu, que foi 
 identificado pelo órgão e deveria ter sido pela pessoa colectiva pública.
 
                  5. A recorrente entende que foram violados os artigos 20.º e 
 
 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
 
                  6. Na verdade, direito à efectivação jurídica dos direitos e 
 interesses jurídicos é específica e constitucionalmente concretizado no que 
 toca ao cidadão na veste de administrado: a IV Revisão Constitucional garante 
 aos «administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou 
 interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento 
 desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos 
 que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de 
 actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares 
 adequadas» (artigo 268.º, n.º 4).
 
                  7. A recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade nas 
 suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.”
 
  
 
                                  Neste Tribunal Constitucional, a recorrente 
 apresentou alegações, que culminam com a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
                  “– A autora, ora recorrente, interpôs, à luz dos artigos 71.° e 
 seguintes da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, acção sobre 
 contratos contra a Direcção‑Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais.
 
                  – A DGEMN integra a pessoa colectiva Estado Português.
 
                  – A autora, ora recorrente, descreveu de modo completo a causa 
 de pedir que fundamenta os pedidos.
 
                  – Porém, ao proceder à identificação da ré, mencionou a DGEMN 
 ao invés da pessoa colectiva pública onde aquela Direcção‑Geral se integra (o 
 Estado Português).
 
                  – Quer isto dizer que identificou a parte, em vez do todo.
 
                  – Por esse facto foi a ré, Direcção‑Geral dos Edifícios e 
 Monumentos Nacionais, absolvida da instância com fundamento na sua falta de 
 personalidade judiciária por falta de personalidade jurídica.
 
                  – O julgador (quer de 1.ª Instância, quer de 2.ª Instância) não 
 procurou regularizar a instância ou convidar a autora a fazê‑lo.
 
                  – Entendeu o Tribunal de 1.ª Instância que não era aplicável ao 
 caso dos autos o disposto no artigo 40.º da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos.
 
                  – Tal entendimento viola o direito ao acesso à justiça e o seu 
 corolário, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, que determinam a 
 criação de condições para que as questões que são submetidas à apreciação da 
 jurisdição administrativa sejam objecto de um julgamento de mérito.
 
                  – Ao interpretar o artigo 40.º da LPTA no sentido de que não 
 permite, nas acções sobre contratos, a correcção do mero erro técnico de 
 identificação das partes violou‑se os dispositivos constitucionais, a saber, os 
 artigos 20.° e 268.° da CRP, que consagram os referidos direitos fundamentais.
 
                  – Chamados à colação os artigos 265.º, n.º 2, e 508.º do Código 
 de Processo Civil, o Supremo Tribunal Administrativo recusou também a 
 aplicação destes dispositivos por entender que não permitem a correcção do mero 
 erro técnico de identificação constante de petição inicial, que identificou a 
 parte pelo órgão quando o deveria ter sido pela pessoa colectiva pública.
 
                  – Os normativos referidos do CPC, interpretados no sentido 
 descrito, violam também a tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente 
 garantida nos artigos 20.º e 268.º da CRP.
 
                  – Quer num caso, quer noutro, afigura‑se por demais 
 desproporcionada a sanção da «rejeição» da petição inicial com a consequência 
 implicada da «preclusão» dos direitos substantivos num caso de erro na 
 identificação da parte.
 
                  – A aplicação directa do artigo 268.º, n.º 4, da Constituição 
 implica a interpretação do direito ordinário em conformidade com a Constituição, 
 através, nomeadamente, da aplicação analógica de normas consagradoras de 
 princípios constitucionais e que consubstanciam uma protecção adequada de 
 direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
 
                  – Os artigos 265.°, n.° 2, e 508.° do CPC e o artigo 40.° da 
 LPTA, interpretados no sentido de que não permitem, nas acções sobre 
 contratos, a correcção do mero erro técnico de identificação das partes, são 
 inconstitucionais, por violação dos artigos 20.° e 268.º, n.º 4, da CRP.
 
                  Pelo exposto, pretende‑se que:
 
                  – sejam declarados inconstitucionais os artigos 265.°, n.º 2, e 
 
 508.° do CPC, quando interpretados no sentido de não ser permitido ao juiz 
 corrigir, por convite ou oficiosamente, a petição inicial do autor nos casos de 
 mero erro técnico na identificação do réu, que foi identificado pelo órgão e 
 deveria ter sido pela pessoa colectiva pública;
 
                  – seja declarado inconstitucional o artigo 40.º da LPTA quando 
 interpretado no sentido de não ser permitido ao juiz corrigir, por convite ou 
 oficiosamente, a petição inicial do autor nos casos de mero erro técnico na 
 identificação do réu, que foi identificado pelo órgão e deveria ter sido pela 
 pessoa colectiva pública.”
 
  
 
                                  A recorrida Direcção‑Geral dos Edifícios e 
 Monumentos Nacionais não contra‑alegou.
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
                                  2. Fundamentação
 
                                  2.1. Importa começar por definir, com precisão, 
 a questão de constitucionalidade colocada no presente recurso.
 
                                  Nas alegações produzidas perante o Supremo 
 Tribunal Administrativo, a recorrente apresentou, escalonadamente, três linhas 
 de argumentação: em primeiro lugar, sustentou que a ré DGEMN detinha 
 personalidade judiciária, tendo a decisão então recorrida violado os artigos 
 
 71.º e 72.º da LPTA e 5.º a 8.º, 493.º e 494.º do CPC; depois, para a hipótese 
 de não vingar essa tese, defendeu que a falta de personalidade judiciária era, 
 no caso, sanável, tendo a decisão da 1.ª instância violado os artigos 8.º, 24.º 
 e 265.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis por força do artigo 72.º da LPTA; por fim, 
 para a hipótese de não acolhimento de tal tese, que o tribunal devia ter 
 corrigido, oficiosamente ou por convite à autora, o “erro técnico” consistente 
 em ter identificado, como ré, a DGEMN, quando deveria ter identificado como réu 
 o Estado, e que, ao não o fazer, violou “os artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC 
 ou, então, o artigo 40.º da LPTA”, e, neste contexto, suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade dos “artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC e do artigo 40.º 
 da LPTA, interpretados – como o fez o Tribunal a quo – no sentido de que não 
 permitem, nas acções sobre contratos, a correcção do mero erro técnico de 
 identificação das partes”, “por violação dos artigos 20.º e 268.º da CRP”.
 
                                  O acórdão ora recorrido – após desestimar as 
 primeiras duas linhas argumentativas da recorrente, considerando que a ré DGEFM 
 carecia de personalidade judiciária e que esta falta era insanável – concluiu 
 que tal insanabilidade determinava a absolvição da instância da ré, nos termos 
 do artigo 288.º, n.º 1, alínea c), do CPC, consequência insusceptível de ser 
 corrigida por aplicação do preceituado nos artigos 265.º, 467.º e 508.º do CPC 
 ou no artigo 40.º da LPTA (preceito este que nem sequer diz respeito às acções 
 de responsabilidade civil), sem que, com este entendimento, se violassem os 
 artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, atendendo, por um lado, “à importância do 
 pressuposto processual da personalidade judiciária, «pressuposto de outros 
 pressupostos processuais relativos às partes»”, e, por outro lado, a que “o 
 direito de acesso à tutela jurisdicional efectiva (…) supõe que as partes se 
 conformem com as limitações decorrentes da lei ordinária, designadamente das 
 disposições imperativas do Código de Processo Civil, o que, como se viu, não 
 foi o caso”.
 
                                  Quer no requerimento de interposição de recurso 
 para o Tribunal Constitucional, quer nas alegações aqui apresentadas, a 
 recorrente deixou de mencionar, como um dos preceitos que suportava a 
 interpretação normativa questionada, o artigo 467.º do CPC e precisou que, do 
 artigo 265.º, relevaria apenas o seu n.º 2 (do seguinte teor: “2. O juiz 
 providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos 
 processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos 
 necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma 
 modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá‑los”). 
 Apesar de a recorrente continuar a aludir globalmente ao artigo 508.º, 
 entende‑se que, no contexto em que a questão vem colocada, só releva a alínea a) 
 do n.º 1 (do seguinte teor: “1. Findos os articulados, o juiz profere, sendo 
 caso disso, despacho destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de excepções 
 dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º”). Quanto ao artigo 40.º da 
 LPTA, apenas interessará a alínea a) do seu n.º 1 (do seguinte teor: “1. Sem 
 prejuízo dos demais casos de regularização da petição de recurso, esta pode ser 
 corrigida a convite do tribunal, até ser proferida decisão final, sempre que se 
 verifique: a) A errada identificação do autor do acto recorrido, salvo se o 
 erro for manifestamente indesculpável”), não constituindo impedimento à sua 
 inclusão no âmbito do recurso a afirmação, constante do acórdão recorrido, de 
 que este preceito, específico do recurso contencioso de anulação, é inaplicável 
 
 às acções de responsabilidade civil, pois o que, no fundo, a recorrente 
 contesta é a constitucionalidade dessa não extensão. Finalmente, a circunstância 
 de o acórdão recorrido não ter coonestado a qualificação como “erro meramente 
 técnico” da falta cometida pela recorrente não acarreta falta de coincidência 
 entre a dimensão normativa arguida de inconstitucional e a dimensão aplicada 
 nesse acórdão, pois essa adjectivação não integra, em rigor, a delimitação da 
 questão de constitucionalidade que se pretende ver apreciada.
 
                                  Constitui, assim, objecto do presente recurso a 
 questão da constitucionalidade da interpretação normativa, extraída dos artigos 
 
 265.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, alínea a), do CPC e 40.º, n.º 1, alínea a), da 
 LPTA, segundo a qual não há lugar a correcção pelo tribunal, oficiosamente ou 
 mediante convite à parte, de petição inicial de acção de responsabilidade civil 
 intentada contra um órgão administrativo, quando o devia ter sido contra a 
 respectiva pessoa colectiva.
 
  
 
                                  2.2. Como assinala Carlos Lopes do Rego (“Os 
 princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos 
 
 ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em 
 Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra, 
 
 2003, págs. 835‑859), “a garantia da via judiciária – ínsita no artigo 20.º da 
 Constituição e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos – envolve, não apenas a atribuição aos interessados 
 legítimos do direito de acção judicial (...), mas também a garantia de que o 
 processo, uma vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e 
 garantias fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a 
 revisão constitucional de 1997) a regra do «processo equitativo», expressamente 
 consagrada no n.º 4 daquele preceito constitucional”. O referido autor destaca 
 ainda o “princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e 
 preclusões impostas pela lei de processo às partes”, o qual, no seu entender, 
 
 “pode fundar‑se cumulativamente no princípio da proporcionalidade das 
 restrições (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição) ao direito de acesso à 
 justiça, quer na própria regra do processo equitativo”. Da análise da 
 jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta garantia da via judiciária, 
 o autor citado extrai a proposição de que:
 
  
 
                  “(...) os regimes adjectivos que prescrevem requisitos de 
 natureza estritamente procedimental ou «formal» dos actos das partes – isto é, 
 conexionados, não propriamente com a formulação essencial das pretensões ou 
 impugnações dos litigantes, mas tão‑somente com o modo de apresentação ou 
 exposição dos respectivos conteúdos – devem:
 
                  a) Revelar‑se funcionalmente adequados aos fins do processo, 
 não traduzindo exigência puramente formal, arbitrariamente imposta, por 
 destituída de qualquer sentido útil e razoável quanto à disciplina processual;
 
                  b) Conformar‑se – no que respeita às consequências 
 desfavoráveis para a parte que as não acatou inteiramente – com o princípio da 
 proporcionalidade: desde logo, as exigências formais não podem impossibilitar 
 ou dificultar, de modo excessivo ou intolerável, a actuação procedimental 
 facultada ou imposta às partes; e as cominações ou preclusões que decorram de 
 uma falta da parte não podem revelar‑se totalmente desproporcionadas – 
 nomeadamente pelo seu carácter irremediável ou definitivo, impossibilitador de 
 qualquer ulterior suprimento – à gravidade e relevância, para os fins do 
 processo, da falta imputada à parte;
 
                  (...).”
 
  
 
                                  O juízo de proporcionalidade a emitir neste 
 domínio tem, assim, de tomar em conta três vectores essenciais: (i) a 
 justificação da exigência processual em causa; (ii) a maior ou menor onerosidade 
 na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a gravidade das 
 consequências ligadas ao incumprimento do ónus.
 
                                  No presente caso, é patente a necessidade de 
 ser chamada ao processo – e, por isso, de ser indicada como ré na acção – quem 
 detenha personalidade judiciária que a habilite a defender os direitos e 
 interesses legítimos que poderão ser afectados pela eventual procedência da 
 acção.
 
                                  Depois, não se mostra de especial dificuldade o 
 cumprimento da exigência legal de correcta indicação da contra‑parte. É certo 
 que, com alguma frequência, no âmbito da justiça administrativa, se verificam 
 confusões entre a pessoa colectiva pública em causa e os seus órgãos, que a 
 jurisprudência administrativa sempre demonstrou compreensão por esses erros 
 quando estava em causa a menção da câmara municipal em vez do município ou 
 vice‑versa (cf., por todos, o acórdão do STA de 3 de Novembro de 2005, proc. n.º 
 
 710/05, em www.dgsi.pt/jsta) e que o novo Código de Processo nos Tribunais 
 Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, que 
 veio estabelecer que todas as acções (incluindo a “acção administrativa 
 especial”, correspondente ao anterior “recurso contencioso de anulação”) que 
 tenham por objecto a acção ou a omissão de uma entidade pública devem ser 
 intentadas contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o 
 Ministério a cujos órgãos seja imputado o acto jurídico impugnado ou sobre cujos 
 
 órgãos recaia o poder de praticar os actos jurídicos ou observar os 
 comportamentos pretendidos (artigo 10.º, n.º 2), prevê, no n.º 4 desse artigo 
 
 10.º, que se considera “regularmente proposta a acção quando na petição inicial 
 tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado 
 ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, 
 considerando‑se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva de 
 direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão 
 pertence”. Porém, independentemente de esta solução legal poder ser considerada 
 
 “melhor direito”, daí não decorre necessariamente que outras soluções sejam de 
 reputar inconstitucionais.
 
                                  Tudo dependerá, ao fim e ao cabo, da ponderação 
 sobre a razoabilidade da exigência do ónus de correcta identificação do réu na 
 acção e da consequência associada ao seu incumprimento. Ora, no presente caso, 
 em que se tratava de uma acção e não de um recurso contencioso (quanto a este, a 
 jurisprudência administrativa sempre entendeu que à rejeição do recurso 
 contencioso por erro indesculpável na identificação do autor do acto era 
 inaplicável o regime do artigo 289.º do CPC, que, nos casos de absolvição da 
 instância, consente a proposição de outra acção com o mesmo objecto, 
 mantendo‑se os efeitos derivados da proposição da primeira causa se a nova acção 
 for intentada dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de 
 absolvição da instância – cf., entre outros, os acórdãos do STA de 26 de Janeiro 
 de 1989, proc. n.º 23 663, de 18 de Junho de 2003, proc. n.º 1246/02, de 8 de 
 Março de 2000, proc. n.º 41 670, e de 21 de Junho de 2000, proc. n.º 44 398, em 
 
 www.dgsi.pt/jsta), os efeitos da absolvição da instância não precludem 
 irremediavelmente a possibilidade de a autora ver reconhecido o direito que 
 reclama, uma vez que lhe assiste a possibilidade de intentar nova acção (cf. 
 acórdão do STA, de 17 de Janeiro de 2002, proc. n.º 47 480, no mesmo sítio).
 
                                  Neste contexto – sendo certo que não está 
 constitucionalmente assegurado um pretenso direito ao convite para correcção de 
 quaisquer erros ou deficiências das peças processuais apresentadas pelas partes 
 
 –, não se pode considerar que a solução jurídica adoptada no acórdão recorrido 
 seja de tal modo desrazoável ou desproporcionada que se deva reputar violadora 
 da garantia da tutela jurisdicional efectiva ou do direito a um processo 
 equitativo.
 
                                  Recorde‑se, por fim, que, no Acórdão n.º 499/98 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40.º vol., p. 527, e 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional não julgou 
 inconstitucionais as normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 796.º do CPC, interpretados 
 no sentido de, faltando autor e réu à audiência de discussão e julgamento em 
 acção declarativa com processo sumaríssimo, não sendo a falta do autor 
 justificada pelo menos até à realização da diligência, deve absolver‑se o réu da 
 instância, atribuindo justamente especial relevância, para esse juízo de não 
 inconstitucionalidade, ao facto de “a absolvição da instância, não impedindo a 
 propositura de nova acção com o mesmo objecto, não afecta[r] definitivamente o 
 direito invocado pelo autor – ao contrário do que aconteceria para o réu se 
 houvesse que dar prevalência aos efeitos da sua falta (condenação no pedido) –, 
 razão por que não se [viu] também que a «norma» [ferisse], em termos 
 desproporcionados ou arbitrários, os interesses do memo autor”, concluindo‑se 
 pela não violação dos princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao 
 direito.
 
  
 
                                  3. Decisão
 
                                  Em face do exposto, acorda‑se em:
 
                                  a) Não julgar inconstitucional a norma, 
 extraída dos artigos 265.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, alínea a), do Código de 
 Processo Civil e 40.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Processo nos Tribunais 
 Administrativos, segundo a qual não há lugar a correcção pelo tribunal, 
 oficiosamente ou mediante convite à parte, de petição inicial de acção de 
 responsabilidade civil intentada contra um órgão administrativo, quando o devia 
 ter sido contra a respectiva pessoa colectiva; e, consequentemente,
 
                                  b) Negar provimento ao recurso.
 
                                  Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
 Lisboa, 8 de Março de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos