 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 1095/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
   
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1.Na 4. ª Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, o Ministério 
 Público acusou A. pela prática, em co-autoria material com outrem, de um crime 
 de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 
 
 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às 
 Tabelas I-A e II-A, anexas ao referido diploma.
 No decorrer da audiência de julgamento com data do dia 4 de Abril de 2006, foi 
 proferido o seguinte despacho, conforme consta da acta de fls. 1220 e segs. dos 
 autos:
 
  
 
 «DESPACHO
 Suspendo a presente audiência para uma curta interrupção. 
 Retomada a audiência, foi pedida a palavra pelo ilustre Mandatário do arguido 
 A., que no seu uso disse: O Ministério Público indicou como prova da acusação, 
 para além do mais, nos seguintes autos transcrição correspondentes às 
 intercepções telefónicas das sessões 228, 412, 425, 427, 453, 465 e 636 do 
 apenso 1; das sessões 208, 923 e 1341 do apenso 2; e 24, 59, 84, 85 e 105 do 
 apenso 3. 
 Ora, resulta dos autos que tais transcrições, para além de outras não indicadas 
 pelo M.ºP.°, provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos 
 interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde. Com efeito, feita esta 
 constatação, e para tradução das conversas em questão logo o Sr. Inspector B. 
 que foi instrutor do processo a fls. 40 e 41 dos autos sugeriu a nomeação do Sr. 
 C., que no seu dizer é Subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde 
 destacado na sua congénere portuguesa. 
 Em consequência, por despacho de fls. 84, viria o referido senhor a ser nomeado 
 e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC por forma a que se procedesse 
 
 à audição das sessões em causa com tradução simultânea. De facto, como melhor se 
 alcança de fls. 85 e 86 dos autos, assim sucedeu logo nesse mesmo dia. A verdade 
 
 é que a partir de então ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir e 
 traduzir conversações telefónicas interceptadas e a assinar os autos de 
 transcrição juntos ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso a 
 que aludem os números 2 e 3 do art.º 91.º do CPP. 
 No entanto, ignora-se, e não está documentado de qualquer forma nos autos ,qual 
 o vínculo funcional ou jurídico e o respectivo quadro legal que insere o Sr. 
 Subinspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde no funcionalismo público 
 português, se é que assim acontece de facto. Inquirido em audiência sobre o 
 facto, o Sr. Inspector B. nada soube acrescentar ou esclarecer sobre esta 
 questão. 
 Assim sendo, e porque tal questão pode influir definitivamente na validade 
 daquele meio de prova, uma vez que estão em causa direitos, liberdades e 
 garantias dos cidadãos constitucionalmente protegidos, requer que se oficie ao 
 Director-Geral da Polícia Judiciária no sentido de o mesmo fornecer nos autos 
 informação sobre se o Sr. C., alegadamente Subinspector da Polícia Judiciária de 
 Cabo Verde destacado na Polícia Judiciária portuguesa, é também funcionário 
 público português por força de qualquer vínculo que através daquela polícia ou 
 outro organismo o ligue ao Estado Português e, não o sendo, informe qual é o 
 quadro jurídico que o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa. 
 Em consequência, caso se venha a apurar que o referido senhor não é, como 
 cremos, funcionário público do Estado Português e que ele ao desempenhar as 
 funções de intérprete para que foi nomeado nos autos interveio fora do exercício 
 das suas funções, devem, nos termos do n.º 8 do art.º 32º e n.º 4 do art.º 34°, 
 que são preceitos de aplicação imediata por força do art.º 18º, n.º 1, todos da 
 Constituição da República Portuguesa, serem declarados nulas as transcrições 
 juntas aos autos e cujas conversas foram originariamente mantidas em criolo. 
 Após o que o Mm.º Juiz proferiu o seguinte: 
 DESPACHO
 Suspendo a presente audiência para a efectivação de diligências. 
 Por ordem do Mm.º Juiz Presidente, durante esta curta interrupção, foram feitas 
 diligências junto da Direcção Nacional da Polícia Judiciária, no sentido de 
 apurar se o Sr. C. faz parte dos quadros da Polícia Judiciária portuguesa ou se 
 
 é funcionário público português e a qual título, se está cá sob o abrigo de 
 algum acordo de cooperação e qual. Através do n.º 218644800 contactei com o 
 Departamento de Recursos Humanos da P. J., tendo sido atendida pela Sra. F., fui 
 informada de que esse nome não consta dos ficheiros dos funcionários portugueses 
 da Polícia Judiciária; de seguida, contactei com o Departamento de Cooperação 
 Internacional, onde me foi dito que não têm noção que tenha cá estado alguém de 
 Cabo Verde nos últimos anos.
 
 * 
 Retomada a audiência, foi dada a palavra à digna Magistrada do Ministério 
 Público, a qual no seu uso disse: Parece-nos não existir necessidade de 
 verificar sobre a existência do vínculo que o intérprete C. tem com o Estado 
 Português, nomeadamente se é funcionário público. Parece-nos que, tal como foi 
 alegado pelo Mandatário do arguido A., no caso de se verificar a falta de 
 juramento na sua qualidade de intérprete, o Sr. C., tal falta não afectará a 
 validade das funções por ele levadas a cabo nos termos do art.º 91.º do CPP. 
 Pelo que se mantêm válidas as traduções efectuadas pelo mesmo. 
 Seguidamente, pelo Mm. Juiz foi proferido o seguinte: 
 DESPACHO
 Dos apensos 1, 2 e 3 do presente processo, encontram-se transcritas várias 
 conversações telefónicas, que foram objecto de intercepção e gravação durante o 
 inquérito e foram indicadas pelo M.º P.º como prova dos factos alegados na 
 acusação. Algumas dessas conversas estão assinaladas como tendo sido efectuadas 
 em crioulo, tendo sido nomeado, por despacho do M.º P.º a fls. 84 dos autos, 
 tradutor, para o efeito da transposição dessas conversas para a língua 
 portuguesa a pessoa referida no requerimento do arguido A.. Tanto quanto se 
 consegue vislumbrar, o referido tradutor não prestou o compromisso de honra a 
 que se refere o art.º 91.º do CPP e dos contactos telefónicos tidos com a P. J. 
 não foi possível averiguar que tal pessoa seja membro desse organismo ou a 
 qualquer título funcionário português. 
 O cerne da questão suscitada pelo ilustre Mandatário do arguido A. resume-se a 
 saber se a omissão do referido compromisso de honra é ou não de molde, por si 
 só, e não se verificando os pressupostos de dispensa do compromisso, a afectar a 
 validade das traduções realizadas pelo tradutor não ajuramentado e a determinar 
 a inutilização das conversas traduzidas como meio de prova. 
 Salvo melhor opinião, tal questão deverá ser respondida negativamente. Na 
 verdade, a exigência do compromisso de honra não representa uma garantia de 
 defesa do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função 
 responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste. Nesta ordem de ideias, não 
 estando expressamente cominada em qualquer disposição da lei processual a 
 nulidade da intervenção do tradutor que não tenha prestado compromisso, quando 
 devesse tê-lo prestado, a referida omissão deve ser remetida para o domínio das 
 meras irregularidades processuais. A arguição das irregularidades está regulada 
 pelo n.º 1 do art.º 123.º do CPP e, de acordo com esta disposição, terá de ter 
 lugar no próprio acto ou, se o sujeito interessado a ele não tiver assistido, 
 nos três dias seguintes a contar daquele em que tenha sido notificado em acto 
 nele praticado. Tendo em conta que o processo, na fase de inquérito, se encontra 
 em segredo de justiça e os arguidos não têm acesso ao seu conteúdo, a arguição 
 em causa deveria ter sido efectuada nos três dias subsequentes à notificação da 
 acusação ao arguido. 
 Em nosso entendimento, a intervenção do tradutor só seria de molde a pôr em 
 causa as garantias de defesa do arguido se houvesse razões para crer na 
 existência de alguma desconformidade entre o texto transcrito nos apensos, em 
 língua portuguesa, e a conversa original tida em crioulo. A falta do compromisso 
 de honra não determina por si só a existência de qualquer desconformidade, nem a 
 defesa do arguido invocou a verificação de alguma. 
 Pelo exposto, decide-se, não obstante a falta do compromisso de honra, não 
 declarar nulas as traduções efectuadas pelo tradutor não ajuramentado, 
 referenciado no requerimento da defesa do arguido.»
 Inconformado, A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo 
 concluído como segue:
 
 «a) Emerge o presente recurso do despacho vertido na acta da sessão de 
 julgamento do dia 4 de Abril de 2006, que indeferiu o pedido de declaração de 
 nulidade das transcrições de escutas telefónicas juntas aos autos cujas 
 conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde; 
 b) Aquele despacho, douto aliás, peca por errada interpretação e aplicação dos 
 art.°s 91.º, 92.°, 120.º, n.° 2, al. e), e 126.°, n.° 3, todos do C.P.P. e, bem 
 assim, dos art.°s 2.°, 32.°, n.°s 1 e 8, e 34.º n.°s 1 e 4, da C.R.P., que, de 
 resto, são preceitos de aplicação imediata, visto o art.º 18.º do mesmo diploma 
 fundamental; 
 c) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na 
 acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções 
 telefónicas juntas aos autos nos Apensos I, II e III que provêm de conversas que 
 foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde; 
 d) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos, 
 mais concretamente o Senhor C., que a fls. 40/4 1 é apresentado como sendo 
 Subinpector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia Judiciária 
 Portuguesa; 
 e) Em consequência, por despacho da Mª. J.I.C. de fls. 84 viria o mesmo a ser 
 nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de 
 se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como 
 melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia; 
 f) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir 
 e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos 
 ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem 
 os n.°s 2 e 3 do art.º 91.º do C.P.P. e apesar de no caso se não verificar 
 qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n° 6 do mesmo 
 artigo; 
 g) Com efeito, nem o senhor Subinspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde 
 
 é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer 
 forma, qual o vinculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que 
 o insere na orgânica da Policia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro 
 organismo do funcionalismo público português; 
 h) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu o Tribunal a quo que a 
 omissão da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras 
 irregularidades; 
 i) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de 
 um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição 
 levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou 
 não de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita 
 poder ser facilmente colocada em causa, 
 j) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdade e 
 garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da 
 intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações 
 e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado 
 regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles 
 princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à 
 salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto 
 crime e punição do seu agente; 
 k) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos 
 autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não 
 dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de 
 tais traduções; 
 l) Note-se, desde logo, que nos termos do art.º 120.º, n.° 2, al. c), do C.P.P. 
 constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a 
 considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do art.° 32.° da CRP 
 e o n.° 3 do art.º 126.° do C.P.P. consignam serem nulas as provas obtidas 
 mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas 
 telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja 
 despicienda a tese que defendemos; 
 m) No entanto o despacho recorrido perfilhou a tese de que o compromisso de 
 honra do art.º 91.º, nºs. 2 e 3, do C.P.P. não representa uma garantia de defesa 
 do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função 
 responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste; 
 n) Sendo certo que, não podendo deixar de concordar com a parte final desta 
 afirmação, não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita 
 também, e acima de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido; 
 o) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos 
 outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições 
 juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho 
 que as ordenou, como o impõem os art.°s 188.°, n.° 4, in fine e 101.º, n.°s 2 e 
 
 3, do C.P.P..; 
 p) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar 
 que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de 
 defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida 
 que em si encerra para o intérprete que o presta; 
 q) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o 
 compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces 
 da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra. 
 r) Aliás, o n.º 1 do art.º 32.º da Lei Fundamental estipula justamente que o 
 processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas, está incluída a 
 acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que 
 lhe deve ser tomado quando não dispensado. 
 s) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como 
 prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua 
 estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja 
 sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.°s 2 e 3 do art.º 91.º do 
 C.P.P. e que dele não esteja dispensada nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, 
 como é o caso das dos autos, que originariamente se encontram em dialecto 
 crioulo de Cabo Verde. 
 t) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.°s 2, 3 e 6 do art.º 
 
 91.°, do n.º 1 do art.º 92.°, al. c), do n.º 2 do 120.º e do n.° 3 do art.º 
 
 126.°, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da 
 segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de 
 defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, 
 consagrados nos artigos 2.°, 32.°, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.°s 1 e 4, da 
 Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força 
 do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do mesmo diploma fundamental.»
 
 2.Por acórdão de 19 de Julho de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou 
 manifestamente improcedente o recurso (interlocutório) interposto, afirmando 
 para tal que
 
 «É patente que nos encontramos perante uma mera irregularidade, entretanto 
 sanada, por não ter sido arguida no tempo estipulado no art. 123º, nº 1, CPP.»
 A. interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentado, nas 
 conclusões da respectiva alegação, no que ora interessa, o seguinte:
 
 «Emerge o presente recurso da discordância em relação ao acórdão, douto aliás, 
 com que o Tribunal a quo, decidiu manter a condenação do arguido pela prática de 
 crime p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, na 
 pena de 8 anos de prisão. 
 Com efeito, 
 
 1 – Na formação da convicção íntima o tribunal de primeira instância socorreu-se 
 das transcrições das escutas telefónicas cujas conversas foram originariamente 
 mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde sem que ao respectivo intérprete 
 tenha sido tomado o legal compromisso, o que as torna nulas e de nenhum efeito, 
 com a consequente proibição de valoração como prova; 
 a) Na acta da sessão de julgamento do dia 4 de Abril de 2006, o recorrente 
 pugnou pela nulidade das transcrições de escutas telefónicas juntas aos autos 
 cujas conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo 
 Verde: 
 b) Então, o tribunal de 1.ª instância indeferiu tal pedido por, no seu entender, 
 para além do mais, se estar perante uma mera irregularidade e como tal já 
 sanada. Neste entendimento foi entretanto secundado pela Veneranda Relação de 
 Lisboa. 
 c) Assim decidindo quer aquele despacho, quer o acórdão recorrido, doutos aliás, 
 pecaram por errada interpretação e aplicação dos art.ºs 91.º, 92.º, 120.º, n.º 
 
 2, al. c), e 126.º, n.º 3, todos do C.P.P. e, bem assim, dos art.ºs 2.º, 32.º, 
 n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da C.R.P., que, de resto, são preceitos de 
 aplicação imediata, visto o art.º 18.º do mesmo diploma fundamental; 
 d) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na 
 acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções 
 telefónicas juntas aos autos nos Apensos I, II e III que provêm de conversas que 
 foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde; 
 e) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos, 
 mais concretamente o Senhor C, que a fls. 40/41 é apresentado como sendo 
 Sub-inspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia 
 Judiciária Portuguesa; 
 f) Em consequência, por despacho da M. J.I.C., de fls. 84, viria o mesmo a ser 
 nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de 
 se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como 
 melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia; 
 g) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir 
 e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos 
 ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem 
 os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do C.P.P. e apesar de no caso se não verificar 
 qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n.º 6 do mesmo 
 artigo; 
 h) Com efeito, nem o senhor Sub-inspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde 
 
 é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer 
 forma, qual o vínculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que 
 o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro 
 organismo do funcionalismo público português; 
 i) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu também o T.R.L. que a 
 omissão da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras 
 irregularidades. E tout court;
 j) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de 
 um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição 
 levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou 
 não, de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita 
 poder ser facilmente colocada em causa; 
 k) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdades e 
 garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da 
 intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações 
 e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado 
 regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles 
 princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à 
 salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto 
 crime e punição do seu agente; 
 l) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos 
 autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não 
 dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de 
 tais traduções; 
 m) Note-se, desde logo, que nos termos do art.º 120.º, n.º 2, al. c), do C.P.P. 
 constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a 
 considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do art.º 32.º da CRP 
 e o n.º 3 do art.º 126.º do C.P.P. consignam serem nulas as provas obtidas 
 mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas 
 telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja de 
 despicienda a tese que defendemos; 
 n) No entanto, o despacho recorrido perfilhou a tese de que o compromisso de 
 honra do art.º 91.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P. não representa uma garantia de defesa 
 do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função 
 responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste; 
 o) Sendo certo que, não podendo deixar de concordar com a parte final desta 
 afirmação, não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita 
 também, e acima de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido; 
 p) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos 
 outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições 
 juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho 
 que as ordenou, como o impõem os art.ºs 188.º, n.º 4, in fine, e 101.º, n.ºs 2 e 
 
 3, do C.P.P.; 
 q) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar 
 que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de 
 defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida 
 que em si encerra para o intérprete que o presta; 
 r) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o 
 compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces 
 da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra. 
 s) Aliás, o n.º 1 do art.º 32.º da Lei Fundamental estipula justamente que o 
 processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas está incluída a 
 acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que 
 lhe deve ser tomado quando não dispensado. 
 t) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como 
 prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua 
 estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja 
 sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do 
 C.P.P. e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, 
 como é o caso das dos autos que originariamente se encontram em dialecto crioulo 
 de Cabo Verde. 
 u) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 
 
 91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do 120.º e do n.º 3 do art.º 
 
 126.º, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da 
 segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de 
 defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, 
 consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da 
 Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força 
 do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do mesmo diploma fundamental.
 
 (…)»
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de Novembro de 2006, negou 
 provimento ao recurso, dizendo, entre o mais, que:
 
 «(…)
 No acórdão agora sob recurso foi julgado totalmente improcedente o recurso 
 intercalar interposto pelo arguido A. do despacho de 4.4.06, proferido no 
 decurso da audiência e que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade das 
 transcrições das conversas telefónicas interceptadas e gravadas nos autos, por 
 falta de prestação do compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 
 
 91.º do CPP por parte do elemento da P. J. de Cabo Verde, destacado na sua 
 congénere portuguesa e que procedeu à sua tradução de crioulo. 
 A lei, consagrando embora o direito ao recurso como regra sagrada (art.º 399.º) 
 e constitucionalmente garantida (art.º 32.º, n.º 1, da CRP), faz depender esse 
 direito de determinados pressupostos, o que significa que nem todas as decisões 
 judiciais são passíveis de impugnação. 
 Desde logo, é incontornável que, com a revisão operada pela Lei n.º 59/98, de 25 
 de Agosto, em matéria de recursos, como, aliás, se alcança da Exposição dos 
 Motivos, se pretendeu restituir ao Supremo Tribunal de Justiça “a sua função de 
 tribunal que conhece apenas de direito, com excepções em que se inclui a do 
 recurso interposto do tribunal de júri”, a verdade é que se retomou a ideia de 
 
 “diferenciação orgânica mas apenas fundada no princípio de que os casos de 
 pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de 
 Justiça” (V. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª ed., 
 pág., 145). 
 
 É a situação que se nos depara no caso ajuizado, não compaginável de todo em 
 todo com qualquer das decisões elencadas no art.º 432.º do CPP como passíveis de 
 recurso para o STJ, mas enquadrando claramente aquelas outras que não admitem 
 recurso, previstas no art.º 400.º do mesmo diploma legal, como seguramente a 
 simples leitura do normativo e o consequente cotejo com as situações aí 
 previstas não deixam de explicar e de justificar. 
 A decisão impugnada não põe, manifestamente, termo à causa (art.º 400.º, n.º 1, 
 al. c)), tanto que se mostra pendente recurso interposto da decisão final e, por 
 isso mesmo, nunca seria recorrível. 
 Pelo exposto, e sem necessidade de outras considerações, não se toma 
 conhecimento desta questão.»
 
 3.Veio então o arguido interpor o presente recurso de constitucionalidade, nos 
 seguintes termos:
 
 «1.º O recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro. 
 
 2.º Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos n.ºs 2, 3 e 
 
 6 do art.º 91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do 120.º e do n.º 3 do 
 art.º 126.º, todos do C.P.P., todos do Código de Processo Penal, quando 
 interpretados no sentido de que 
 a) a ausência de tomada de compromisso de honra por parte de intérprete, sem que 
 se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 
 do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade; e 
 b) a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de intérprete, sem que 
 se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 
 do art.º 91.º do C.P.P., constitui urna mera irregularidade, ainda que tal 
 ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas 
 telefónicas interceptadas nos autos. 
 
 3.º Tais normas assim interpretadas violam os princípios da segurança jurídica, 
 da confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não 
 intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, 
 constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, 
 n.ºs 1 e 4, da Lei Fundamental; 
 
 4.º As questões de inconstitucionalidade supra referidas foram expressamente 
 suscitadas nos artigos 2.º, 17.º e 25.º do corpo, e nas alíneas b), l) e t) das 
 conclusões, da motivação de recurso interlocutório interposto para o T.R.L. e 
 admitido a fls. 1258, sobre o qual recaiu a decisão ora recorrida. 
 
 5.º O presente recurso subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito 
 suspensivo.»
 Admitidos os autos no Tribunal Constitucional foi determinada a produção de 
 alegações, tendo o recorrente concluído assim as suas:
 
 «a) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nos autos pelo 
 Tribunal da Relação de Lisboa em 19.02.2006, douto aliás, por se reputarem de 
 inconstitucionais, por violação dos princípios da segurança jurídica, da 
 confiança e do processo equitativo, das garantias de defesa e da não intromissão 
 das autoridades na vida privada e nas comunicações, constitucionalmente 
 consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da Lei 
 Fundamental, as normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, 
 da al. c) do n.º 2 do art. 120.º e do n.º 3 do art.º 126.º, todos do Código de 
 Processo Penal, quando aplicados com as interpretações e o alcance que lhe foram 
 dados quer pela primeira instância, quer por aquele Venerando Tribunal quando 
 decidiram que a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de 
 intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo 
 previstos no n.º 6 do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade, 
 ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição 
 de conversas telefónicas interceptadas nos autos; 
 b) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na 
 acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções 
 telefónicas juntas aos autos nos Apensos I, II e III que provêm de conversas que 
 foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde; 
 c) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos, 
 mais concretamente o Senhor C., que a fls. 40/41 é apresentado como sendo 
 Sub-inspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia 
 Judiciária Portuguesa; 
 d) Em consequência, por despacho da M. J.I.C. de fls. 84 viria o mesmo a ser 
 nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de 
 se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como 
 melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia; 
 e) Sendo que a partir daí ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir 
 e traduzir intercepções telefónicas e a assinar os autos de transcrição juntos 
 ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso de honra a que aludem 
 os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do C.P.P. e apesar de no caso se não verificar 
 qualquer dos pressupostos da dispensa do compromisso previstos no n.º 6 do mesmo 
 artigo; 
 f) Com efeito, nem o senhor Sub-inspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde 
 
 é funcionário público do Estado Português e nem os autos reflectem, por qualquer 
 forma, qual o vínculo funcional ou jurídico e qual o respectivo quadro legal que 
 o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa ou em qualquer outro 
 organismo do funcionalismo público português; 
 g) Colocado perante a questão, mal a nosso ver, entendeu o Tribunal de primeira 
 instância, no que foi secundado pela Veneranda Relação de Lisboa, que a omissão 
 da tomada do compromisso no caso concreto cai na alçada das meras 
 irregularidades; 
 h) Não obstante, no caso o intérprete não foi nomeado nos autos para tradução de 
 um qualquer documento ou para tradução de um qualquer depoimento ou inquirição 
 levados a cabo em audiência pública ou privada, na incerteza da existência, ou 
 não, de alguém que conheça a língua ou o dialecto usados e da tradução feita 
 poder ser facilmente colocada em causa; 
 i) Com efeito, no caso que nos ocupa estão em causa direitos, liberdade e 
 garantias constitucionalmente consagradas, como é o dos princípios da reserva da 
 intimidade da vida privada e da não ingerência das autoridades nas comunicações 
 e as traduções a que nos reportamos ocorrem no âmbito do excepcional e apertado 
 regime das escutas telefónicas, que já de si constitui uma restrição daqueles 
 princípios constitucionais que se deve limitar ao estritamente necessário à 
 salvaguarda do interesse, também constitucional, da descoberta de um concreto 
 crime e punição do seu agente; 
 j) É pois devido a esta especificidade do quadro em que ocorrem as traduções dos 
 autos que defendemos que à omissão da tomada do compromisso ao intérprete não 
 dispensado do mesmo corresponde a proibição de valoração da prova que resulte de 
 tais traduções; 
 k) Note-se, desde logo, que nos termos do art.º 120.º, n.º 2, al. c), do C.P.P. 
 constitui nulidade a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a 
 considere obrigatória, sendo certo que por sua vez o n.º 8 do art.º 32.º da CRP 
 e o n.º 3 do art.º 126.º do C.P.P. consignam serem nulas as provas obtidas 
 mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas 
 telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, daí que não seja 
 despicienda a tese que defendemos; 
 l) No entanto, mal a nosso ver, logo no despacho de primeira instância se 
 perfilhou a tese de que o compromisso de honra do art.º 91.º, n.ºs 2 e 3, do 
 C.P.P. não representa uma garantia de defesa do arguido, ou de qualquer sujeito 
 processual, mas antes tem por função responsabilizar acrescidamente a pessoa que 
 o preste; 
 m) Embora não possamos deixar de concordar com a parte final desta afirmação, 
 não é menos verdade que essa responsabilização acrescida é feita também, e acima 
 de tudo, no interesse e para garantia de defesa do arguido; 
 n) E doutra forma não faria sentido já que no caso dos autos, como em tantos 
 outros, nem sequer foi feita a certificação da conformidade das transcrições 
 juntas aos mesmos com os suportes magnéticos que serviram de base ao despacho 
 que as ordenou, como o impõem os art.ºs 188.º, n.º 4, in fine, e 101.º, n.ºs 2 e 
 
 3, do C.P.P.; 
 o) Daí que esta frequente omissão na prática processual venha também confirmar 
 que o compromisso que é tomado ao intérprete é também uma verdadeira garantia de 
 defesa no interesse do próprio arguido, para além da responsabilidade acrescida 
 que em si encerra para o intérprete que o presta; 
 p) Verdadeiramente a garantia de responsabilização acrescida de quem presta o 
 compromisso de honra e a garantia da defesa do arguido são, afinal, duas faces 
 da mesma moeda, e uma não anda arredada da outra. 
 q) Aliás, o n.º 1 do art.º 32.º da Lei Fundamental estipula justamente que o 
 processo criminal assegura todas as garantias de defesa e nelas está incluída a 
 acrescida responsabilização do intérprete por meio do compromisso de honra que 
 lhe deve ser tomado quando não dispensado. 
 r) Razão pela qual devem ser consideradas nulas, e não devem ser usadas como 
 prova, as transcrições de traduções de conversas telefónicas interceptadas em 
 língua estrangeira quando a tradução tenha sido efectuada por intérprete a quem 
 não haja sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 
 
 91.º do C.P.P. e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo 
 artigo, como é o caso das dos autos que originariamente se encontram em dialecto 
 crioulo de Cabo Verde; 
 s) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 
 
 91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. e) do n.º 2 do 120.º, e do n.º 3 do art.º 
 
 126.º, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da 
 segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de 
 defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, 
 consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 
 ***
 Assim, devem tais normas ser julgadas inconstitucionais quando interpretadas e 
 aplicadas: 
 a) no sentido de que a ausência de tomada de compromisso de honra por parte de 
 intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo 
 previstos no n.º 6 do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade; e 
 
 
 b) no sentido de que a ausência de tomada do compromisso de honra por parte de 
 intérprete, sem que se verifique qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo 
 previstos no n.º 6 do art.º 91.º do C.P.P., constitui uma mera irregularidade, 
 ainda que tal ausência ocorra no âmbito de nomeação para audição e transcrição 
 de conversas telefónicas interceptadas nos autos.»
 O Ministério Público contra-alegou, concluindo:
 
 «1 – Na ausência da invocação de uma questão de inconstitucionalidade normativa 
 no momento e pela forma processualmente adequada, falta um dos requisitos de 
 admissibilidade do recurso interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea 
 b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pelo que não deverá conhecer-se do 
 respectivo objecto. 
 
 2 – A não ser assim entendido, e porque a qualificação como irregularidade da 
 não prestação do compromisso de honra por parte de intérprete nomeado não viola 
 qualquer norma ou princípio constitucional, não deverá proceder o presente 
 recurso.»
 Notificado o recorrente para, querendo, responder à questão prévia de não 
 conhecimento do recurso suscitada pelo Ministério Público, nada disse.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 A) Questão prévia
 
 4.O Ministério Público suscitou a questão prévia consistente na não suscitação 
 durante o processo de uma questão de constitucionalidade normativa.
 Ora, é verdade que o recorrente, nas alegações de recurso perante o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, não é absolutamente claro na definição da questão de 
 constitucionalidade que pretende submeter à apreciação do Tribunal 
 Constitucional. E como o Tribunal Constitucional tem afirmado em jurisprudência 
 constante (v., por exemplo, o Acórdão n.º 178/95, publicado no Diário da 
 República, II série, de 21 de Junho de 1995), impõe-se que o recorrente tenha
 
 “(...) indicado (…) o segmento  de cada norma, a dimensão normativa de cada 
 preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que [tem] por violador da 
 Constituição. 
 De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara 
 e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República, 
 
 2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma 
 certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa 
 interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme 
 com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o 
 tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários 
 daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em 
 causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.”
 Apesar disso, o certo é que o recorrente afirmou o seguinte, nas (transcritas) 
 da alegação produzida perante o Tribunal da Relação:
 
 “(…)
 s) Razão pela qual devem ser consideradas nulas e não devem ser usadas como 
 prova as transcrições das traduções de intercepções telefónicas em língua 
 estrangeira cuja tradução haja sido efectuada por intérprete a quem não haja 
 sido tomado o compromisso de honra a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.º 91.º do 
 CP.P. e que dele não esteja dispensado nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, como 
 
 é o caso das dos autos, que originariamente se encontram em dialecto crioulo de 
 Cabo Verde. 
 t) Sendo certo que diferente interpretação das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 
 
 91.º, do n.º 1 do art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do art. 120.º e do n.º 3 do art.º 
 
 126.º, todos do C.P.P. é inconstitucional por violação dos princípios da 
 segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das garantias de 
 defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas comunicações, 
 consagrados nos artigos 2.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da 
 Constituição, os quais, de resto, são preceitos de aplicação imediata por força 
 do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do mesmo diploma fundamental.”
 Na perspectiva do recorrente, devem, pois, ser consideradas nulas e não podem 
 ser usadas como prova, transcrições das traduções de comunicações telefónicas 
 interceptadas, em língua estrangeira, cuja tradução haja sido efectuada por 
 intérprete a quem não haja sido tomado o compromisso de honra. Interpretar os 
 n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal no sentido de que a 
 omissão de prestação do referido compromisso constitui apenas irregularidade, 
 que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo 
 fixado no artigo 123.º do Código de Processo Penal, é, de acordo com o que o 
 recorrente sustenta, inconstitucional.
 Foi, portanto, definida, de modo suficientemente explícito, uma questão de 
 constitucionalidade normativa, reportada à qualificação do vício, resultante da 
 omissão da prestação do compromisso estatuído nos n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do 
 Código de Processo Penal, por parte de intérprete de comunicações telefónicas em 
 língua estrangeira, como irregularidade que se encontra sanada se não for 
 arguida nos termos e dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de 
 Processo Penal. Pelo que improcede a questão prévia suscitada e se verificam os 
 requisitos específicos do presente recurso.
 B) Questão de constitucionalidade
 
 5.Nos termos do requerimento de recurso, vem posta em causa a 
 constitucionalidade “das normas dos n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 91.º, do n.º 1 do 
 art.º 92.º, al. c) do n.º 2 do art. 120.º e do n.º 3 do art.º 126.º, todos do 
 Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que a ausência de 
 tomada de compromisso de honra por parte de intérprete, sem que se verifique 
 qualquer dos pressupostos da dispensa do mesmo previstos no n.º 6 do art.º 91.º 
 do C.P.P., constitui urna mera irregularidade”, “ainda que tal ausência ocorra 
 no âmbito de nomeação para audição e transcrição de conversas telefónicas 
 interceptadas nos autos”.
 O recorrente sustenta que tais normas, aplicadas na dimensão dos autos, violam 
 
 “os princípios da segurança jurídica, da confiança e do processo equitativo, das 
 garantias de defesa e da não intromissão das autoridades na vida privada e nas 
 comunicações, constitucionalmente consagrados nos artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs 
 
 1 e 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da Lei Fundamental”.
 Como salientou o magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal, no 
 presente processo não está em questão o artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do 
 Código de Processo Penal, porquanto se verificou efectivamente a nomeação de um 
 intérprete (como o próprio recorrente reconhece a fls. 1566 dos autos na 
 conclusão f) das suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça), 
 nem o n.º 6 do artigo 91.º do mesmo Código, por (a fl. 1222 dos autos) ter sido 
 proferido despacho a considerar que “não foi possível averiguar que tal pessoa 
 seja membro desse organismo [a Polícia Judiciária] ou a qualquer título 
 funcionário português”.
 Importa ainda precisar que a decisão recorrida não fez tão-pouco aplicação do 
 disposto no artigo 126.º do Código de Processo Penal (“Métodos proibidos de 
 prova”), nem, portanto, do seu n.º 6, tendo as instâncias considerado válidas as 
 traduções realizadas pelo intérprete “não ajuramentado”, como, de igual modo, 
 reconhece o recorrente (quando aduz a fls. 1565 dos autos que “na formação da 
 convicção íntima o tribunal de primeira instância socorreu-se das transcrições 
 das escutas telefónicas cujas conversas foram originariamente mantidas em 
 dialecto crioulo de Cabo Verde sem que ao respectivo intérprete tenha sido 
 tomado o legal compromisso”).
 Dispõem os n.ºs 2, 3 e 6 do art.º 91.º e o n.º 1 do art.º 92.º do Código de 
 Processo Penal:
 
 «Artigo 91.º (Juramento e compromisso)
 
 (…)
 
 2 – Os peritos e os intérpretes prestam, em qualquer fase do processo, o 
 seguinte compromisso:
 
 «Comprometo-me, por minha honra, a desempenhar fielmente as funções que me são 
 confiadas».
 
 3 – O juramento e o compromisso referidos nos números anteriores são prestados 
 perante a autoridade judiciária competente, a qual adverte previamente quem os 
 dever prestar das sanções em que incorre se os recusar ou a eles faltar.
 
  (…)
 
 6 – Não prestam o juramento e o compromisso referidos nos números anteriores:
 a) Os menores de 16 anos;
 b) Os peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no 
 exercício das suas funções.
 
  
 
 (…)
 
  
 Artigo 92.º (Língua dos actos e nomeação de intérprete) 
 
 1 – Nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua 
 portuguesa, sob pena de nulidade.
 
 (…)»
 A interpretação destas normas que está em causa é, porém, apenas aquela segundo 
 a qual a omissão da prestação de compromisso por parte de intérprete de 
 comunicações telefónicas interceptadas em língua estrangeira constitui mera 
 irregularidade, que se considera sanada se não tiver sido arguida nos termos e 
 dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal.
 Apesar de o recorrente invocar igualmente o n.º 6 do artigo 91.º e o n.º 1 do 
 artigo 92.º do Código de Processo Penal, esta interpretação pode, porém, ser 
 reconduzida simplesmente aos n.ºs 2 e 3 daquele artigo 91.º (não existindo 
 dúvida de que o intérprete em causa estava sujeito à prestação do compromisso de 
 honra e de que no processo foi utilizada a língua portuguesa).
 
 6.O Tribunal Constitucional não apreciou ainda a questão de constitucionalidade 
 que se acabou de identificar. Mas este Tribunal teve já ocasião de se pronunciar 
 sobre questões próximas relativas à qualificação de vícios de actos praticados 
 na presença do arguido. Assim, no Acórdão n.º 350/2006 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) num caso em que estava em causa uma invalidade 
 processual praticada na presença do arguido, assistido por defensor, tendo-se 
 dito nesse aresto:
 
 “(…) 
 A questão de constitucionalidade em apreço há-de, pois, ser apreciada tendo 
 fundamentalmente em causa o princípio das garantias de defesa, consagrado no 
 artigo 32.º, n.º 1, da CRP, conjugado com o princípio do contraditório, tendo, a 
 este propósito, este Tribunal reiteradamente expendido o entendimento que o 
 citado Acórdão n.º 429/95 formulou do seguinte modo:
 
 “9 – Nos termos do artigo 32.º da Constituição, «o processo criminal assegurará 
 todas as garantias de defesa» (n.º 1), estabelecendo o n.º 5 do preceito que «o 
 processo penal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os 
 actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do 
 contraditório».
 Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, 1993, Coimbra, p. 202), «a fórmula do 
 n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste 
 artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, 
 este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas 
 as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de 
 decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do 
 arguido em processo criminal».
 Porém, ao invocar‑se no preceito em questão o próprio princípio da defesa, 
 está‑se a chamar à colação o «núcleo essencial» de tal princípio, podendo assim 
 atribuir‑se a tal norma «um eminente conteúdo normativo imediato a que se pode 
 recorrer directamente, em caso limite, para inconstitucionalizar certos 
 preceitos da lei ordinária» (cf. Figueiredo Dias, A Revisão Constitucional, o 
 Processo Penal e os Tribunais, p. 51, e o Acórdão n.º 164, da Comissão 
 Constitucional, Apêndice ao Diário da República, I Série, de 30 de Dezembro de 
 
 1986).
 A norma do n.º 1 do artigo 32.º, enquanto «cláusula geral» que permita 
 identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não 
 referenciadas no preceito, não pode deixar de configurar o processo criminal 
 como um due process of law que considere ilegítimas quer normas processuais quer 
 procedimentos decorrentes das mesmas que impliquem um encurtamento inadmissível 
 das possibilidades de defesa do arguido (neste sentido, Acórdãos n.ºs 337/86 e 
 
 61/88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 8.º e 11.º vols., pp. 277 e 611, 
 respectivamente).
 Por outro lado, o princípio do contraditório, expressamente referido no n.º 5 do 
 artigo 32.º da Constituição, deve subordinar não só a audiência de julgamento 
 como também todos os actos instrutórios que a lei determinar.
 O processo penal de um Estado de direito deve realizar primordialmente dois 
 objectivos essenciais: por um lado, permitir que o Estado realize o direito de 
 punir e, por outro lado, permitir que, na realização de tal finalidade, sejam 
 concedidas aos cidadãos as garantias indispensáveis para os proteger contra 
 eventuais abusos de tal poder de punir. Para concretizar tais fins, as garantias 
 de defesa impõem a observância de princípios processuais criminais 
 constitucionalizados, como é o caso do princípio do acusatório (um dos 
 princípios estruturantes da constituição processual penal), do princípio do 
 contraditório, do princípio da igualdade de armas, dos princípios da oralidade 
 e da imediação.
 No que respeita ao princípio do contraditório aqui em questão, escrevem Gomes 
 Canotilho e Vital Moreira (ibidem, p. 206): «Relativamente aos destinatários ele 
 significa: a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação 
 e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; 
 b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser 
 afectados pela decisão, de forma a garantir‑lhes uma influência executiva no 
 desenvolvimento do processo; c) em particular, o direito de o arguido intervir 
 no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos 
 ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o 
 que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo (cfr. 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 54/87 e 154/87)».
 Os mesmos autores referem que «quanto à sua extensão processual, o princípio 
 abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial a 
 audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei 
 determinar, devendo estes ser seleccionados sobretudo de acordo com o princípio 
 da máxima garantia de defesa do arguido» (ibidem).
 O princípio traduz‑se, assim, na estruturação da audiência e dos outros actos 
 instrutórios que a lei determinará, como uma discussão entre a acusação e a 
 defesa, em que se procura também realizar a igualdade de armas entre os sujeitos 
 do processo, cada um apresentando os seus argumentos e as suas provas, 
 submetendo uns e outros ao controlo das razões e das provas apresentadas pelos 
 outros sujeitos, assim participando activamente na formação da decisão que vier 
 a ser tomada pelo juiz.”
 
 2.4. Este mesmo Acórdão n.º 429/95, a propósito do regime das invalidades 
 processuais penais, apresentou a seguinte síntese:
 
 “7 – O artigo 118.º do CPP estabelece que «a violação ou a inobservância das 
 disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta 
 for expressamente cominada na lei» (n.º 1); quando assim não suceder, o acto 
 ilegal é irregular (n.º 2). A norma enuncia o princípio da tipicidade ou da 
 legalidade, pelo qual só algumas das violações das normas processuais é que têm 
 como consequência a nulidade do respectivo acto, sendo razões de economia 
 processual as que baseiam tal diferenciação.
 Dentro das nulidades, o Código de Processo Penal distingue as nulidades 
 insanáveis (ou absolutas), a que se refere o artigo 119.º, e as nulidades 
 dependentes de arguição (ou nulidades relativas), a que se referem os artigos 
 
 120.º e 121.º. O artigo 122.º regula os efeitos de declaração de nulidade e o 
 artigo 123.º estabelece o regime das irregularidades.
 As nulidades insanáveis são as que constam do artigo 119.º do CPP e ainda as que 
 forem, como tal, identificadas em outras disposições do código. Os 
 comportamentos elencados nas seis alíneas do artigo 119.º respeitam à 
 constituição do tribunal colectivo ou às regras que regulam a sua composição 
 
 (alínea a)), à falta de promoção do processo pelo Ministério Público e à 
 ausência deste em actos a que devia estar presente (alínea b)), à ausência do 
 arguido e seu defensor quando devam estar presentes (alínea c)), à falta de 
 inquérito ou de instrução quando sejam obrigatórios (alínea d)), à violação das 
 regras de competência do tribunal, com ressalva do n.º 2 do artigo 32.º (alínea 
 e)), e, por fim (alínea f)), refere a norma, como fundamento de nulidade 
 insanável, o emprego de forma de processo especial em casos não previstos 
 legalmente.
 De acordo com o n.º 1 do artigo 120.º, «qualquer nulidade diversa das referidas 
 no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à 
 disciplina prevista neste artigo e no artigo seguinte».
 Ao contrário das nulidades ditas insanáveis, as restantes nulidades ficam 
 sanadas se os interessados renunciarem expressamente à sua arguição, tiverem 
 aceite expressamente os efeitos do acto ou se tiverem prevalecido de faculdade a 
 cujo exercício o acto anulável se dirigia. Também não é possível conhecer 
 oficiosamente das nulidades ditas relativas, que funcionam apenas ope 
 exceptionis, mostrando que elas tutelam predominantemente interesses privados, 
 decorrendo também de tal estrutura funcional que o acto processual é 
 originalmente válido, assim se mantendo se e enquanto a pessoa interessada o não 
 invalidar, exercitando o direito de arguição. Com efeito, só podendo ser 
 conhecidas mediante suscitação de quem tem interesse na observância da 
 disposição processual violada ou omitida, se o interessado não proceder à sua 
 arguição dentro do prazo legalmente fixado, a lei considera o acto como válido, 
 pese embora o vício que o afecta.
 De acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 120.º do CPP, são as seguintes as 
 regras quanto à oportunidade de arguição das nulidades relativas: se a nulidade 
 respeitar a acto a que o interessado assiste, deve argui‑la antes que a 
 realização do acto seja dada por finda; se o não fizer, fica precludida a 
 possibilidade de o fazer mais tarde (alínea a)); se a nulidade consistir em erro 
 na forma do processo, o prazo de arguição é de cinco dias a contar da 
 notificação do despacho que designou dia para a audiência (alínea b)); se a 
 nulidade disser respeito ao acto de inquérito ou de instrução a que o 
 interessado não tenha estado presente, o prazo de arguição é o proferimento da 
 decisão instrutória; não tendo havido instrução, o prazo é de cinco dias após a 
 notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (alínea c)), se a 
 nulidade disser respeito a acto relativo a uma forma de processo especial 
 
 (sumário e sumaríssimo), o prazo da sua arguição é o início da audiência 
 
 (alínea d)).
 De acordo com o preceituado no artigo 122.º do CPP, «as nulidades tornam 
 inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e 
 aquelas puderem afectar» (n.º 1), devendo a declaração de nulidade determinar 
 quais os actos inválidos e ordenar – se necessário e possível – a sua repetição 
 com custas por quem, culposamente, deu causa à nulidade (n.º 2), aproveitando 
 todos os actos que puderem ser salvos (n.º 3).”
 
 2.5. Foi no contexto assim delineado que, como se referiu, o Tribunal já foi 
 chamado a apreciar distintas situações de invalidades processuais praticadas na 
 presença do arguido, assistido por defensor.
 No caso do Acórdão n.º 429/95, o juízo de não inconstitucionalidade então 
 emitido foi assim alicerçado:
 
 “8 – Voltando ao caso dos autos, constata-se que da acta de julgamento não 
 decorre que, tendo os co‑arguidos sido ouvidos separadamente, o presidente do 
 tribunal os tenha informado, uma vez regressados todos à audiência, do que na 
 sua ausência se tinha passado. Esta omissão – a ter de facto ocorrido, como os 
 recorrentes referem – consubstancia uma nulidade que, na falta de referência 
 expressa da lei, se tem de ter por uma nulidade dependente de arguição e, por 
 isso mesmo, sanável até ao termo da audiência, à face do Código de Processo 
 Penal — artigos 119.º, 120.º e 121.º.
 Os recorrentes, porém, questionam esta interpretação feita na decisão, 
 propugnando a sua inconstitucionalidade, por entenderem que ela viola o 
 princípio das garantias de defesa do arguido e o princípio do contraditório, 
 constantes do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição, na medida em que tal 
 nulidade depende de arguição dentro de um prazo.
 Vejamos se assim é, de facto.
 
 9 – [transcrito supra, 2.3]
 A consideração da omissão de informação por parte do presidente do tribunal do 
 que se passou na audiência durante a ausência dos arguidos, no caso de prestação 
 de declarações separadas, como nulidade dependente de arguição e sanável se não 
 for arguida até ao final da audiência, implicará a violação destes princípios da 
 defesa do arguido e do contraditório?
 
 10 – O que os recorrentes verdadeiramente questionam é a conformidade 
 constitucional das normas que estabelecem nulidades relativas, dependentes de 
 arguição e sanáveis, designadamente quando tais nulidades resultem de violação 
 do princípio do contraditório e possam afectar as garantias de defesa do 
 arguido.
 As nulidades a que se referem os artigos 118.º a 123.º do CPP reportam‑se apenas 
 aos vícios formais, isto é, à inobservância das prescrições legais estabelecidas 
 para a prática dos actos processuais. Uma vez que estes actos se inserem e 
 constituem a complexa unidade que é o processo, em que cada acto é condicionado 
 pelo precedente e condiciona o [subsequente], um acto viciado contamina os 
 subsequentes e pode afectar o termo do próprio processo – a decisão. Porém, não 
 pode ignorar‑se que, face à comunicação de um vício formal aos actos 
 subsequentes, os danos resultantes da declaração de nulidade podem ser muito 
 graves, levando inclusivamente à perda do direito que se pretende obter, desde 
 logo, por exemplo, por se não poderem já repetir certas provas.
 Assim, exigências deste tipo levam a que o legislador não coloque todos os 
 vícios formais no mesmo plano e venha a graduar os seus efeitos de acordo com a 
 respectiva gravidade, função que tem o princípio da tipicidade dos vícios.
 Ora, a omissão do dever de informação, que parece ter ocorrido nos presentes 
 autos, envolve claramente um vício processual que a lei qualifica de nulidade e 
 que, tendo ocorrido no decurso de um acto – a audiência – a que os recorrentes 
 estiveram presentes (salvo durante a audiência dos co‑arguidos), tinha de ser 
 arguida pelos interessados até ao termo da respectiva audiência – o que não foi 
 feito.
 
 É manifesto que não tendo o presidente informado os arguidos do que se tinha 
 passado na audiência durante a sua ausência logo que todos a ela regressaram, 
 tal omissão podia afectar o direito de defesa de cada um dos co‑arguidos, 
 impedindo o exercício do direito destes de contraditarem o que fora dito, visto 
 tratar‑se de matéria de que lhes não fora dado conhecimento.
 Mas o direito de defesa, e o direito ao contraditório que neste se tem de 
 considerar incluído, está, no caso, garantido pela cominação legal de uma 
 nulidade, cujo prazo de exercício dura tanto tempo quanto tempo durar a própria 
 audiência. Assim, cada um dos co‑arguidos, devidamente representado pelo 
 defensor, pôde, enquanto durou a audiência de discussão e julgamento da causa e 
 até ao seu termo, arguir tal nulidade, que, a ter‑se de facto praticado, levaria 
 a que o presidente reparasse a omissão praticada e assim repusesse, em pleno, o 
 direito de contraditar o que fora dito pelos co‑arguidos na ausência do 
 arguente.
 Com efeito, como bem faz ressaltar o Procurador‑Geral Adjunto neste Tribunal 
 nas suas alegações, no processo penal existem outros valores relevantes para 
 além do direito da defesa à obtenção de uma sentença absolutória:
 
 – o dever de diligência do arguido – e, muito em particular, do defensor que 
 obrigatoriamente o deve assistir ao longo do processo (e da audiência) – que 
 obviamente deverão de imediato reagir contra as nulidades ou irregularidades 
 que considerem cometidas e entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não 
 podendo naturalmente escudar‑se na sua própria negligência no acompanhamento 
 das diligências ou audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento 
 da lei relativamente a que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência 
 normal, não puderam deixar de se aperceber;
 
 – dever de boa fé processual, que naturalmente impedirá que possam – arguido e 
 defensor – ser tentados a aproveitar‑se de alguma omissão ou irregularidade 
 porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, 
 guardando‑a como um «trunfo» para, em fase ulterior do processo, se e quando tal 
 lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado.
 Mas, para além destas considerações, o que importa ponderar é que, em casos como 
 o dos autos, em que o defensor esteve sempre presente em todos os actos da 
 audiência, o facto de a lei de processo cominar com a sanção da nulidade a 
 omissão do dever de informação por parte do presidente do tribunal do teor das 
 declarações dos co‑arguidos a que cada um deles não assistiu, logo que todos 
 tenham regressado à audiência, é forma suficiente de dar cumprimento ao direito 
 do contraditório.
 Com efeito, praticada nulidade na audiência, estando presentes todos os 
 co‑arguidos interessados na sua eventual arguição, fica esta apenas dependente 
 de um acto do interessado, concedendo a lei um prazo suficientemente dilatado 
 para o fazer: até ao termo da audiência.
 Torna‑se, assim, manifesto que o procedimento em causa, ao impor ao interessado 
 a arguição da nulidade dentro de um prazo razoável para poder dar‑se plena 
 exequibilidade ao direito de defesa do arguido não informado do teor das 
 declarações dos outros co‑arguidos, não implica um encurtamento inadmissível das 
 possibilidades de defesa do mesmo arguido. Verdadeiramente, nem sequer se 
 poderá falar de qualquer «encurtamento», pois o direito de contraditório apenas 
 necessita para se desenvolver de pleno, como se referiu, da dedução pelo 
 interessado da nulidade praticada.
 
 É que a garantia do direito de defesa está ressalvada pela norma em causa; 
 apenas exige que seja o arguido a desencadear atempadamente tal direito, 
 arguindo o acto de nulo, ou logo após o cometimento da omissão da exigência 
 legal ou até ao termo de respectiva audiência.
 Os recorrentes não deixaram, por isso, de ver garantido o seu direito de 
 conhecerem e de se pronunciarem sobre todos os factos, meios de prova, razões ou 
 argumentos carreados para a audiência de julgamento, tendo tido a possibilidade 
 de participarem na formação da decisão, quer pela forma positiva quer pelo seu 
 comportamento de, podendo arguir a nulidade em causa, não o terem feito dentro 
 do respectivo prazo.
 Entende‑se, nestas circunstâncias, que deve improceder a arguição de 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 343.º, n.º 4, conjugada com a do artigo 
 
 120.º, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que 
 a nulidade expressamente prevista no referido n.º 4 é sanável se arguida até ao 
 termo da audiência, pois tal entendimento não viola nem o princípio do 
 contraditório nem o das garantias de defesa, constantes dos n.ºs 1 e 5 do artigo 
 
 32.º da Constituição da República.”
 No Acórdão n.º 208/2003, confrontado com a questão de saber “se é materialmente 
 inconstitucional, designadamente por violação do princípio das garantias de 
 defesa, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação 
 normativa dos artigos 123.º e 363.º do Código de Processo Penal, que se traduz 
 em considerar que a omissão de documentação das declarações orais prestadas em 
 audiência perante o tribunal colectivo constitui mera irregularidade, que deve 
 ser arguida até ao final da audiência”, o Tribunal Constitucional, após 
 recordar a sua jurisprudência sobre o sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 1, 
 da CRP, consignou:
 
 “Do que antecede decorre que a resposta à questão de constitucionalidade que 
 agora vem colocada depende da questão de saber se a imposição ao arguido de que 
 suscitasse, durante a audiência perante o tribunal colectivo, o vício 
 procedimental nela verificado e traduzido na omissão de documentação das 
 declarações orais nela prestadas, traduz ou não uma «diminuição inadmissível, 
 um prejuízo insuportável e injustificável» (para usar as palavras do citado 
 Acórdão n.º 61/88), das suas garantias de defesa.
 Julgamos, efectivamente, que não.
 Desde logo haverá que referir que a solução se justifica, manifestamente, por 
 evidentes razões de celeridade e economia processuais. Na realidade, não se 
 perceberia que, agindo o arguido ou o seu defensor com a devida diligência e boa 
 fé e tendo detectado o vício procedimental, ou tendo obrigação de o detectar, 
 nessa fase processual, pudessem deixar que a audiência continuasse a decorrer 
 como se nada de irregular se passasse, para só mais tarde, já em fase de 
 recurso, o virem então invocar.
 Acresce – como, bem, evidencia o Ex.mo Procurador‑Geral Adjunto na sua alegação 
 
 – que a imposição ao arguido, necessariamente assistido no processo por um 
 defensor, do ónus de invocar no decurso da audiência – que, no caso dos 
 presentes autos, até se prolongou por vários meses – um vício procedimental que 
 nela está precisamente a acontecer – e, que, portanto, não deveria passar 
 despercebido a um acompanhamento diligente dessa fase processual – 
 manifestamente não implica um cerceamento inadmissível ou insuportável das suas 
 possibilidades de defesa que se tenha de considerar desproporcionado ou 
 intolerável, em termos de consubstanciar solução constitucionalmente 
 censurável, na perspectiva do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.
 Não poderá, por isso, sequer afirmar‑se que aqueles objectivos de celeridade e 
 economia processuais sejam, neste caso, alcançados à custa de uma intolerável 
 diminuição das garantias de defesa do arguido.”
 Finalmente, no Acórdão n.º 203/2004, o Tribunal Constitucional julgou 
 inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma constante 
 do artigo 123.º, n.º 1, do CPP, interpretada no sentido de ela impor a arguição, 
 no próprio acto, de irregularidade cometida em audiência de julgamento (no 
 caso, a falta de documentação da prova produzida em julgamento por deficiência 
 técnica de videoconferência), perante tribunal singular, independentemente de 
 se apurar da cognoscibilidade do vício pelo arguido, agindo com a diligência 
 devida. Começando por recordar a anterior jurisprudência do Tribunal, terminando 
 com a citação do Acórdão n.º 208/2003, ponderou‑se:
 
 “Atendendo, em particular, a este último acórdão [o Acórdão n.º 208/2003], 
 importa salientar que decisivo para o juízo de não inconstitucionalidade ali 
 formulado foi o entendimento de que impende sobre o arguido ou seu defensor, 
 agindo com a devida diligência e boa fé, a obrigação de detectar o vício 
 procedimental que ocorre no decurso da audiência de julgamento perante tribunal 
 colectivo e consistente na omissão de documentação das declarações orais nela 
 prestadas.
 
 É diversa a situação no caso em que a omissão se traduz, como se disse, na não 
 gravação de depoimento oral prestado em videoconferência durante uma audiência 
 de julgamento que decorre perante juiz singular e onde não ocorreu renúncia ao 
 recurso em matéria de facto.
 E vale para iluminar essa mesma situação que dos autos resulta ter o defensor do 
 recorrente solicitado – e com insistência – à Juíza que presidia ao julgamento a 
 verificação do efectivo registo da gravação em perfeitas condições técnicas, o 
 que sempre foi recusado.
 Ora, se a qualificação como «irregularidade», para efeitos do disposto no artigo 
 
 123.º, n.º 1, do CPP, pressupõe, como se diz no acórdão do STJ de fixação de 
 jurisprudência n.º 5/2002, in Diário da República, I Série‑A, de 17 de Julho de 
 
 2002, uma «violação de lei processual» que se reporta «a uma norma que tutela 
 interesses de menor gravidade», tal não significa que seja sempre assim, podendo 
 até a «irregularidade» pôr em causa a validade do acto processual, caso em que o 
 n.º 2 do preceito permite a sua reparação oficiosa.
 Não se quer com isto dizer que, no caso, a «irregularidade» afectasse a validade 
 do julgamento. De todo o modo, ela pode afectar interesses ou direitos 
 constitucionalmente protegidos dos arguidos.
 O caso é, aliás, disso exemplo, pois, segundo o recorrente – que não tinha 
 renunciado ao recurso em matéria de facto – era importante para a sua defesa, 
 por via de recurso, o depoimento que não foi registado na gravação da 
 videoconferência.
 Mas, sendo assim, não pode deixar de se reconhecer que prescindir da indagação 
 sobre a diligência e zelo do interessado no conhecimento da omissão verificada, 
 tida como irregularidade, para decretar a intempestividade da arguição por não 
 ter sido feita no acto, é modelar o processo penal com um unfair process, não 
 equitativo, e, como tal, lesivo dos direitos de defesa do arguido garantidos 
 pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
 Mesmo que a exigência de arguição de irregularidade no próprio acto seja 
 eventualmente justificada por estarem em jogo «interesses de menor gravidade», 
 sempre será desproporcionada a restrição daqueles direitos quando se considera 
 irrelevante a cognoscibilidade do vício em causa.”
 
 2.6. No presente caso, diferentemente da situação sobre que recaiu o Acórdão n.º 
 
 203/2004, é patente e não vem sequer questionada a cognoscibilidade da 
 irregularidade cometida e, por outro lado, está assente que o arguido, assistido 
 pelo mandatário constituído, esteve presente no acto em que foi proferido o 
 decretamento da prisão preventiva, sem que previamente, sobre a promoção do 
 Ministério Público nesse sentido, tivesse sido ouvida a defesa nem invocada 
 qualquer razão para considerar impossível ou inconveniente essa audição.
 Saliente‑se que defensor do arguido era um advogado por ele constituído, o que 
 indicia uma relação de confiança pessoal e de reconhecimento de competência 
 técnica por parte do arguido, e não um defensor oficioso, designadamente 
 defensor nomeado ad hoc para o acto.
 Tratando‑se de um vício de fácil detecção, directa e imediata, e encontrando‑se 
 o arguido pessoalmente assistido no acto por profissional forense por ele 
 constituído, não se afigura que constitua um ónus excessivo, intolerável ou 
 desproporcionado a imposição da arguição, no próprio acto, da irregularidade 
 efectivamente cometida, em termos de fulminar a interpretação normativa seguida 
 no acórdão recorrido com um juízo de inconstitucionalidade, por violação das 
 garantias de defesa e dos princípios do contraditório e da proporcionalidade.”
 
 7.As considerações que se acaba de transcrever, desde logo sobre o regime das 
 invalidades processuais penais, merecem ser reiteradas no presente caso. Não 
 sendo expressamente cominada a nulidade da inobservância do disposto nos n.ºs 2 
 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, a violação desta norma 
 processual tem como consequência a irregularidade da omissão da prestação de 
 compromisso, sendo, como se afirmou, razões de economia processual as que 
 baseiam tal diferenciação.
 Reconhece-se ainda no aresto transcrito que a qualificação como irregularidade 
 pode afectar interesses ou direitos constitucionalmente protegidos dos arguidos. 
 Isto é, à luz das normas e princípios constitucionais, a circunstância de 
 estarem em causa elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, só por si, não impede a qualificação da invalidade verificada 
 como irregularidade. Há, em particular, que atentar na questão de saber se, de 
 acordo com o referido ónus de diligência, o vício em causa podia ser logo 
 detectado, recaindo sobre o arguido, e seu defensor, o ónus de “de imediato 
 reagir contra as nulidades ou irregularidades que considerem cometidas e 
 entendam relevantes, na perspectiva de defesa, não podendo naturalmente 
 escudar‑se na sua própria negligência no acompanhamento das diligências ou 
 audiências para intempestivamente vir reclamar o cumprimento da lei 
 relativamente a que estiveram presentes e de que, agindo com a prudência normal, 
 não puderam deixar de se aperceber”. E há ainda que ter em conta o dever de boa 
 fé processual, que “naturalmente impedirá que possam – arguido e defensor – ser 
 tentados a aproveitar‑se de alguma omissão ou irregularidade porventura 
 cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando‑a 
 como um «trunfo» para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça 
 conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado”.
 Sem que existam elementos no processo para se poder afirmar positivamente que 
 este dever de boa fé não foi cumprido, o certo é, porém, que o vício em questão 
 podia, e devia, ter sido verificado anteriormente, pelo acompanhamento diligente 
 do processo, sem que tal constituísse qualquer ónus particularmente oneroso.
 Reiterando o que este Tribunal afirmou no transcrito acórdão n.º 350/2006, 
 também no presente caso, a imposição ao arguido de que suscitasse, nos termos e 
 dentro do prazo previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal, o vício 
 procedimental traduzido na omissão de prestação do compromisso estatuído nos 
 n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do Código de Processo Penal, não traduz uma diminuição 
 desproporcionada das suas garantias de defesa.
 Deve notar-se, desde logo, que a prestação do compromisso de honra previsto no 
 artigo 91.º, n.º 2, do Código de Processo Penal visa possibilitar que o 
 intérprete exerça funções atribuindo-se fé pública ao resultado da sua 
 actividade (atente-se em que estão dispensados da prestação do compromisso os 
 
 “peritos e os intérpretes que forem funcionários públicos e intervierem no 
 exercício das suas funções”, nos termos do artigo 91.º, n.º 6, alínea b), do 
 Código de Processo Penal). O intérprete deve ser advertido na prestação do 
 compromisso das sanções em que incorre se faltar a ele, incorrendo, por esse 
 facto, em mais grave responsabilidade criminal, nos termos do artigo 360.º, n.º 
 
 3, do Código Penal (crime de “falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou 
 tradução). Deve notar-se, porém, que mesmo na falta de prestação de compromisso 
 de honra, o tradutor ou intérprete que, perante tribunal ou funcionário 
 competente para receber como meio de prova ou tradução, fizer tradução falsa, “é 
 punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior 
 a 60 dias”, nos termos do artigo 360.º, n.º 1, do mesmo Código.
 No presente caso, porém, não foi posta em causa a conformidade da tradução, 
 invocando-se a sua falsidade, nem na primeira instância (sendo esse um dos 
 motivos do despacho proferido na audiência), nem no presente recurso. Antes está 
 apenas em causa a inexistência (com registo nos autos) da prestação do 
 compromisso de honra previsto no artigo 91.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Penal. Considerou-se que tal falta, constituíra uma irregularidade, contra a 
 qual o arguido tinha podido reagir – pelo que não está em causa prescindir sem 
 mais de um acto legalmente previsto, destinado em primeira linha a possibilitar 
 o exercício de funções pelo intérprete, alertando-o para a sua responsabilidade 
 e obtendo o correspondente compromisso. As garantias de defesa do arguido 
 constitucionalmente consagradas não impõem, porém, que, na falta de tal 
 compromisso, e na falta de invocação, pelo próprio arguido, da correspondente 
 irregularidade, o processo tenha de ficar ferido de nulidade.
 Na verdade, qualquer ofensa aos direitos e garantias fundamentais devido à 
 omissão da prestação de compromisso por parte de intérprete de intercepções 
 telefónicas em língua estrangeira podia ter sido sanada se o arguido, agindo com 
 a prudência e diligência normal, se tivesse apercebido – como podia ter – desse 
 vício e se tivesse logo reagido, como lhe incumbia (para o Ministério Público, 
 indagando sobre a diligência e zelo do interessado no conhecimento da omissão 
 verificada, tida como irregularidade, caberia mesmo “ao recorrente arguir a 
 irregularidade, se não antes, pelo menos nos três dias seguintes a ser 
 notificado da acusação, altura em que teve pleno acesso ao processo”, pois então 
 tomou, ou podia ter tomado, conhecimento efectivo de todas as decisões 
 proferidas nos autos). Esses ónus de diligência e boa fé processual não se 
 afiguram excessivamente pesados, nem constituem obstáculos significativos ao 
 exercício da defesa pelo arguido. E, correspondentemente, a qualificação do 
 vício resultante da falta do compromisso de honra do intérprete como mera 
 irregularidade não põe em causa as garantias de defesa do arguido (mormente 
 quando este não é impedido de invocar a falsidade da tradução) nem compromete a 
 equidade do processo criminal (sobre o desrespeito dos direitos do arguido que 
 compromete globalmente a equidade do processo, v. as referências de 
 jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em Ireneu Cabral 
 Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, 3.ª ed., Coimbra, 
 Coimbra Ed., 2005, art. 6.º, p. 165).
 
 8.Nestes termos, não é de considerar incompatível com as normas constitucionais 
 invocadas pelo recorrente (os artigos 2.º, 18.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, e 34.º, n.ºs 
 
 1 e 4, da Constituição), a qualificação do vício resultante da omissão da 
 prestação do compromisso estatuído nos n.ºs 2 e 3 do artigo 91.º do Código de 
 Processo Penal, por parte de intérprete de intercepções telefónicas em língua 
 estrangeira, como mera irregularidade.
 E há, assim, que negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)    Julgar improcedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público;
 b)    Não julgar inconstitucional o artigo 91.º, n.ºs 2 e 3, do Código de 
 Processo Penal, na interpretação segundo a qual a omissão da prestação de 
 compromisso de honra por parte de intérprete de comunicações telefónicas em 
 língua estrangeira constitui mera irregularidade, que se considera sanada se não 
 tiver sido arguida nos termos e dentro do prazo fixado no artigo 123.º do Código 
 de Processo Penal;
 c)     Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão 
 recorrido, no que à questão de constitucionalidade respeita;
 d)    Condenar o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 
 
 20 ( vinte ) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 14 de Março de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos