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Processo n.º 938/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I
 
  
 
 1.            Nos presentes autos, em que figuram como recorrente o A., S.A. e 
 como recorrido B., o ora recorrente instaurou no Tribunal de Pequena Instância 
 Cível de Lisboa acção com processo especial para cumprimento de obrigações 
 pecuniárias e, “em complemento do já referido na petição inicial”, veio juntar 
 aos autos um requerimento com o seguinte teor:
 
  
 
 “[...] vem ainda deixar expresso que a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, na parte 
 e na medida em que altera a redacção do artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código 
 de Processo Civil, é inconstitucional, e consequentemente, a referida alínea a) 
 do n.º 1 do dito artigo 110º, com a mencionada redacção, é inconstitucional – 
 logo inaplicável pelos Tribunais «ex-vi» o disposto no artigo 204º da 
 Constituição da República Portuguesa – na interpretação que permita a aplicação 
 do disposto no referido artigo 110º, n.º 1, alínea a), a contratos celebrados 
 anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos 
 termos do artigo 100º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, por um foro 
 convencional no que respeita à competência dos Tribunais em razão do território, 
 por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da 
 proporcionalidade, e da não retroactividade consignado nos artigos 18º, n.ºs 2 e 
 
 3, da Constituição da República Portuguesa e, também ainda, por violação dos 
 princípios da segurança jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de 
 Direito Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da República 
 Portuguesa, donde o Tribunal de Lisboa ser o competente para conhecer da 
 presente acção.”.
 
  
 
 2.            Por decisão do Juiz do Tribunal de Pequena Instância Cível de 
 Lisboa de 20 de Julho de 2006 (fls. 22 e seguintes), foi julgada “verificada a 
 excepção dilatória de incompetência relativa do Tribunal e, consequentemente, 
 determina[da] a remessa dos presentes autos para o Tribunal territorialmente 
 competente”.
 
  
 
                  O Tribunal fundamentou assim a decisão:
 
  
 
 “[...]
 Atenta a entrada em vigor da Lei n.º 14/2006, de 26-04 [que, além do mais, 
 procedeu à alteração do Código de Processo Civil, introduzindo a regra da 
 competência do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao 
 cumprimento de obrigações], já vigente à data da apresentação da presente acção 
 
 (sendo por isso aplicável in casu, por força do disposto no artigo 6º do 
 referido diploma legal), importa ter em consideração o disposto no artigo 74º, 
 n.º 1, do Código de Processo Civil [na redacção dada pelo mencionado diploma], 
 nos termos do qual «A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a 
 indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução 
 do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu 
 
 [...]».
 Nestes termos, subsumindo-se a presente acção à primeira parte do citado 
 preceito (dado que está em causa o cumprimento de obrigações, sendo o réu uma 
 pessoa singular), necessário se torna concluir que o tribunal competente para a 
 apreciação da mesma é o tribunal do domicílio do réu, sendo certo por outro lado 
 que por força do disposto no artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código de 
 Processo Civil [na citada redacção], tal incompetência é de conhecimento 
 oficioso.
 Sustenta o A. que o supra mencionado preceito não é aplicável ao caso em apreço, 
 alegando por um lado que as partes estipularam validamente como foro 
 convencional o da Comarca de Lisboa (cfr. artigo 24º da PI) e, por outro, que a 
 citada Lei n.º 14/2006 é inconstitucional na medida em que permita a aplicação 
 do disposto no artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil a 
 contratos celebrados antes da sua entrada em vigor (cfr. requerimento que faz 
 fls. 20 dos autos). 
 Afigura-se-nos, porém, salvo o devido respeito e melhor apreciação, que os 
 argumentos aduzidos pelo A. se mostra[m] improcedentes.
 No que respeita à invocada estipulação convencional do foro [da Comarca de 
 Lisboa] para dirimir o presente litígio, importa ter em atenção desde logo que a 
 lei apenas permite às partes afastarem – mediante convenção expressa nesse 
 sentido – as regras da competência em razão do território em determinados casos, 
 estando expressamente excluídos desse âmbito os casos em que a incompetência é 
 do conhecimento oficioso do tribunal – cfr. artigos 100º, n.º 1, in fine, e 110º 
 do Código de Processo Civil. Assim sendo, e considerando ainda que […] a 
 incompetência em apreço é [agora] de conhecimento oficioso, imperioso se torna 
 concluir que tal estipulação de foro convencional, ainda que porventura fosse 
 válida à data da celebração do contrato, já não é, presentemente, válida, sendo 
 por isso insusceptível de afastar a regra – que assume agora natureza imperativa 
 
 – prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 74º do Código de Processo Civil, 
 sendo certo ainda que o legislador não fez qualquer ressalva relativamente à 
 aplicação de tal preceito aos casos em que as partes tivesse[m] previamente 
 estipulado um foro convencional, adoptando como único critério para a aplicação 
 da lei o momento da instauração da acção. 
 Por outro lado, ao contrário do que sustenta o A., afigura-se-nos que a 
 aplicação da actual redacção dos artigos 74º, n.º 1 e 110º, n.º 1, alínea a), do 
 Código de Processo Civil, à presente acção [subjacente à qual está um contrato 
 celebrado antes da sua entrada em vigor, no qual havia sido incluída a 
 estipulação de um foro convencional] não consubstancia qualquer violação dos 
 invocados princípios constitucionais, uma vez que sendo tal redacção apenas 
 aplicável aos processos instaurados após a entrada em vigor da mencionada lei, 
 não poderá em bom rigor falar-se em aplicação retroactiva da lei, na medida em 
 que à data da instauração da acção o A. estava já ciente do carácter imperativo 
 da [nova] regra e, consequentemente, da ineficácia da estipulação contratual em 
 contrário. A este respeito, acrescente-se ainda que – ao contrário do que parece 
 resultar da posição expressa pelo A. no requerimento por si apresentado a fls. 
 
 20 – da eventual validade (pelo menos em abstracto) da estipulação do foro 
 aquando da celebração do contrato não resulta para as partes um qualquer direito 
 ou uma qualquer legítima expectativa de que tal cláusula permaneça válida 
 indefinidamente no tempo, uma vez que os interesses particulares (inerentes à 
 celebração do contrato em apreço) estarão sempre subordinados aos interesses 
 públicos inerentes às regras da administração da justiça e – no caso concreto – 
 
 à protecção dos consumidores.
 De resto, mesmo antes da entrada em vigor da citada Lei n.º 14/2006, de 26/04, a 
 invocada cláusula de estipulação de foro convencional estava já sujeita – atenta 
 a sua natureza de cláusula contratual geral – ao regime previsto no Decreto-Lei 
 n.º 446/85, de 25/10, maxime ao disposto nos seus artigos 5º, 8º e 19º, alínea 
 g), do citado regime, de cuja aplicação sempre poderia resultar – em concreto – 
 a invalidade de tal estipulação. 
 Nestes termos, e por ser aplicável ao caso em apreço, como supra se referiu, o 
 disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 74º, na sua actual redacção, 
 necessário se torna concluir que o tribunal competente para a apreciação da 
 presente acção é o tribunal do domicílio do réu – in casu, o Tribunal Judicial 
 da comarca de Matosinhos –, sendo certo ainda que por força do disposto no 
 artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil [na citada redacção], 
 tal incompetência é de conhecimento oficioso.
 Destarte, e nos termos dos artigos 74º, n.º 1, primeira parte, 108º, 10.º, 110º, 
 n.º 1, alínea a), 111º, n.º 3, 493º, n.º 2, e 494º, alínea a), e 495º, todos do 
 Código de Processo Civil [na redacção resultante da Lei n.º 14/2006, de 26/04], 
 por este Tribunal ser territorialmente incompetente – o que expressamente se 
 declara –, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência relativa do 
 Tribunal e, consequentemente, determina-se a remessa dos presentes autos para o 
 Tribunal territorialmente competente.
 
 [...].”.
 
  
 
 3.            Desta decisão veio o A., S.A. interpor o presente recurso, através 
 do seguinte requerimento (fls. 27 e seguintes):
 
  
 
 “[...]
 a) O recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 
 
 85/89, de 7 de Setembro; 
 b) Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela 
 Lei 14/2006, de [2]6 de Abril, na parte e na medida em que permite a 
 interpretação do dito preceito no sentido de o considerar aplicável a contratos 
 celebrados anteriormente à publicação da referida Lei 14/2006;
 c) Efectivamente tal norma, aplicada no sentido referido, viola os princípios da 
 adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e também da não 
 retroactividade, consignados no artigo 18º, n.ºs 2 e 3 da Constituição da 
 República Portuguesa e, também, por violação dos princípios da segurança 
 jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de Direito Democrático 
 consignado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa;
 d) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos no requerimento 
 neles apresentado a fls. ..., aos 22 de Maio de 2006;
 
 […].”. 
 
                  
 
  
 O recurso foi admitido por despacho de fls. 30.
 
  
 
 4.            Notificado para alegar, o recorrente afirmou, nomeadamente, o 
 seguinte:
 
  
 
 “[...] 
 Dispunha e dispõe o artigo 100º do Código de Processo Civil, que as regras da 
 competência em razão do território podem ser afastadas por convenção expressa, 
 salvo nos casos a que se refere o artigo 110º do referido normativo legal.
 
 À data em que foi celebrado o contrato a que referência é feita nos autos, o 
 artigo 110º do Código de Processo Civil não permitia ao Tribunal conhecer 
 oficiosamente da incompetência territorial quando as partes tivessem acordado um 
 foro convencional em caso de obrigações emergentes de contrato como aquele a que 
 os autos se reportam.
 
 [...]
 A escolha de foro convencional entre as partes [...] é válida mau grado a 
 publicação da citada Lei e a alteração nela introduzida na alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 110º do Código de Processo Civil, donde os Tribunais não poderem conhecer 
 oficiosamente da pretensa não validade de tal cláusula face ao que passou a 
 dispor, após a respectiva entrada em vigor, o artigo 74º, n.º 1, do Código de 
 Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela citada Lei 14/2006, de 26 
 de Abril.
 
 [...]
 
 [...] era direito das partes contratantes no contrato dos autos, maxime do ora 
 recorrente, o poderem escolher, poderem acordar, um foro convencional, em razão 
 do território, para dirimir os conflitos emergentes do dito contrato, isto é do 
 contrato dos autos.
 Logo tal direito só pode ser restringido de harmonia com o quadro que ressalta 
 do disposto no citado artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 [...]
 As partes elegeram validamente um foro convencional no contrato dos autos, nos 
 termos do enquadramento jurídico vigente à data da celebração do mesmo.
 Logo a violação desse direito – que às partes assistia e assistiu até à data da 
 publicação da lei 14/2006, de 26 de Abril – de escolher um foro convencional em 
 razão do território para dirimir as questões emergentes de tal contrato, e o não 
 reconhecimento da eficácia e validade desse direito pela alteração da redacção 
 dada, a partir de 1 de Maio de 2006, à alínea a) do n.º 1 do artigo 110º do 
 Código de Processo Civil, ou seja a aplicação, portanto, deste preceito, com a 
 referida nova redacção, a situações, factos, actos ou contratos verificados, 
 ocorridos ou celebrados anteriormente viola os princípios da não 
 retroactividade, da segurança jurídica e de confiança, corolários também do 
 princípio de um Estado de Direito Democrático.
 
 [...]
 
 (i) A interpretação e aplicação, como feita no despacho recorrido, da alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi 
 dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, 
 consequentemente, a não consideração, como válida e eficaz da escolha do foro 
 convencional constante do contrato dos autos, atento a data da celebração do 
 mesmo e o disposto no artigo 100º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo 
 Civil, do que então se dispunha no artigo 110º do mesmo normativo legal, maxime 
 na alínea a) do respectivo n.º 1, é inconstitucional por violação dos princípios 
 da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade 
 consignados no artigo 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, 
 e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da 
 confiança, corolários ambos do princípio de um Estado de Direito Democrático 
 consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
 
 (ii) Deve, assim, como se requer, ser julgada inconstitucional a interpretação e 
 aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 110º do Código de Processo 
 Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, a 
 contrato validamente celebrado antes da entrada em vigor da referida Lei 
 
 14/2006, desta forma se fazendo justiça.”.
 
  
 
  
 
                  Decorrido o prazo, a recorrida não alegou (cota de fls. 64)
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 II
 
  
 
  
 
 5.            O presente recurso tem por objecto a norma constante da alínea a) 
 do n.º 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi 
 dada pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, quando interpretada no sentido de ser 
 aplicável a contratos, celebrados antes da entrada em vigor desta Lei, dos quais 
 conste cláusula estipulando qual o tribunal territorialmente competente para a 
 resolução de eventuais litígios dele emergentes, por alegada “violação dos 
 princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não 
 retroactividade consignados no artigo 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da 
 República Portuguesa, e, também ainda, por violação dos princípios da segurança 
 jurídica e da confiança, corolários ambos do princípio de um Estado de Direito 
 Democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa”.
 
  
 
                  A alínea a) do n.º 1 do artigo 110º do Código de Processo 
 Civil, na referida redacção, estatui, no segmento que agora importa considerar:
 
  
 
 “Artigo 110º
 Conhecimento oficioso da incompetência relativa
 
 1. A incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo 
 tribunal, sempre que os autos fornecerem os elementos necessários, nos casos 
 seguintes:
 a) Nas causas a que se referem [...], a primeira parte do n.º 1 [...] do artigo 
 
 74º;
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
                  Por seu turno, a primeira parte do n.º 1 do artigo 74º do 
 Código de Processo Civil passou a ter, também por força da alteração introduzida 
 pela Lei n.º 14/2006, a seguinte redacção:
 
 “Artigo 74º
 Competência para o cumprimento da obrigação
 
 1. A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo 
 não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por 
 falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o 
 credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, 
 quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor 
 na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área 
 metropolitana.
 
 [...].”.
 
  
 
  
 
                  Tendo em conta o disposto no artigo 100º, n.º 1, do mesmo 
 Código, às partes é permitido “afastar, por convenção expressa, a aplicação das 
 regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o 
 artigo 110º”.
 
  
 
  
 
 6.            A questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente no 
 presente recurso foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 
 
 691/06, de19 de Dezembro (proferido no processo n.º 937/06 e disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), onde pode ler-se o seguinte:
 
  
 
 “[…]
 
 6. Começa o recorrente, na sua alegação, por dar conta de uma orientação que vem 
 sendo seguida por alguma jurisprudência no sentido de considerar que, tal como o 
 próprio defendeu nos presentes autos e diferentemente do que se decidiu no 
 despacho ora recorrido, as alterações introduzidas, em sede de processo civil, 
 pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, não se aplicam às questões emergentes de 
 contratos celebrados antes da sua entrada em vigor em que as partes tenham 
 escolhido foro convencional. Acontece, porém, como o próprio recorrente 
 reconhece, que está fora do âmbito do presente recurso a questão de saber se 
 essa é ou não a melhor (de acordo com os cânones hermenêuticos) interpretação 
 dos preceitos em causa. Com efeito, não cabe ao Tribunal Constitucional dirimir 
 conflitos de interpretação de normas infraconstitucionais, nem determinar qual a 
 melhor interpretação de tais normas, mas, apenas, como é sabido, decidir se a 
 interpretação por que optou a decisão recorrida é ou não compatível com a 
 Constituição e, designadamente, com os preceitos e princípios indicados pelo 
 recorrente. Com esta advertência, vejamos então.
 
 6.1. Da alegada violação dos princípios da adequação, da exigibilidade, da 
 proporcionalidade e da não retroactividade consignados no artigo 18º, n.ºs 2 e 
 
 3, da Constituição da República Portuguesa.
 Alega o recorrente, em primeiro lugar, que a norma que vem questionada viola o 
 disposto nos artigos 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição. É, contudo, manifesto 
 que, nesta parte, não lhe assiste qualquer razão. E, desde logo, pela razão 
 evidente de que aquele preceito constitucional se refere às leis restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias, o que, manifestamente, não é o caso da norma 
 que vem questionada. Com efeito, não se vislumbra qual o direito, liberdade e 
 garantia que possa estar a ser restringido pela norma cuja constitucionalidade 
 vem questionada, sendo certo que não pode ser, ao contrário do que o recorrente 
 refere na sua alegação, o «direito das partes contraentes […] a poderem 
 escolher, poderem acordar, um foro convencional, em razão do território, para 
 dirimir conflitos emergentes do dito contrato, isto é do contrato dos autos». 
 Como é óbvio, o direito de as partes convencionarem o foro territorialmente 
 competente para a resolução dos litígios eventualmente resultantes dos contratos 
 que celebrem não é um direito constitucionalmente garantido, não constituindo 
 direito, liberdade e garantia, no sentido do artigo 18º da Constituição, pelo 
 que, no caso, este preceito não é, pura e simplesmente, aplicável.
 Aliás, ainda que se pretendesse fundar a alegada inconstitucionalidade numa 
 eventual violação da exigência de proporcionalidade, como limitação geral ao 
 exercício do poder público, decorrente do princípio do Estado de Direito 
 Democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição – o que o recorrente, 
 todavia, não faz –, sempre se dirá que tal pretensão também não procederia, 
 pois, além de não estar em causa nenhum direito constitucionalmente garantido, 
 também se não vislumbra que a medida legislativa seja manifestamente inadequada, 
 corresponda a opção manifestamente errada do legislador ou tenha carácter 
 manifestamente excessivo ou inconvenientes manifestamente desproporcionados em 
 relação às vantagens que apresenta.
 
 6.2. Da alegada violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, 
 decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 
 
 2º da Constituição.
 Alega ainda o recorrente que a norma que vem questionada, na parte em que seja 
 aplicável a contratos celebrados antes da entrada em vigor da referida Lei n.º 
 
 14/2006, é inconstitucional, por se traduzir numa situação de retroactividade 
 violadora dos princípios da segurança jurídica e da confiança, decorrentes do 
 princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da 
 Constituição. Vejamos.
 
 6.2.1. Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o princípio 
 da não retroactividade da lei encontra-se consagrado na Constituição, de modo 
 expresso, unicamente para a matéria penal (desde que a lei nova não seja mais 
 favorável ao arguido) – n.ºs 1 e 4 do artigo 29º –, para as leis restritivas de 
 direitos, liberdades e garantias – n.º 3 do artigo 18º –, e para o pagamento de 
 impostos – artigo 103º, n.º 3 –, podendo, consequentemente, dizer-se que a 
 Constituição não consagra um princípio geral de proibição de emissão de leis 
 retroactivas. 
 O Tribunal vem, porém, igualmente afirmando, na sequência de entendimento que 
 vem já da Comissão Constitucional, que o princípio do Estado de direito 
 democrático (consagrado no artigo 2º da Constituição) postula «uma ideia de 
 protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na 
 actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito 
 das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», razão pela 
 qual «a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária 
 ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a 
 comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de 
 direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» 
 
 (cf., entre vários outros nesse sentido, o Acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 17º v., pág. 65). Mas, sendo assim, o Tribunal tem, 
 contudo, tido sempre o cuidado de esclarecer que o que se acaba de dizer não 
 conduz a que seja absolutamente vedada ao legislador a emissão de normas com 
 eficácia retroactiva. Como se ponderou, por exemplo, no acórdão n.º 304/2001 
 
 (disponível na página Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt), 
 citando Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição da República 
 Portuguesa, p. 309), «entender o contrário representaria, ao fim e ao resto, 
 coarctar a ‘liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade’ do legislador, 
 características que são ‘típicas’, ‘ainda que limitadas’, da função 
 legislativa».
 Tem, pois, o Tribunal sempre dito (cfr. Acórdão n.º 304/2001, já citado) que, em 
 cada caso, haverá que «proceder a um justo balanceamento entre a protecção das 
 expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito 
 democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele 
 democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que 
 reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções 
 jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e 
 razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou situações 
 que, até então, eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o Tribunal 
 tem assinalado, será postergado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação 
 pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas já 
 antecedentemente constituídas uma alteração inadmissível, intolerável, 
 arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos 
 e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e 
 fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição 
 daquelas relações e situações. Em tais casos, a lei viola aquele mínimo de 
 certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um 
 Estado de direito, impondo-se, então, a intervenção do princípio da protecção da 
 confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de 
 direito democrático, por forma que a nova lei não vá, de forma acentuadamente 
 arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança, que 
 todos têm de respeitar» [Negrito aditado]. No caso em apreço, porém, tal não se 
 verifica.
 
 6.2.2. Em primeiro lugar, porque qualquer expectativa que as partes possam ter 
 no momento da celebração de um contrato relativamente à intangibilidade de uma 
 cláusula de escolha do foro territorialmente competente para julgar eventuais 
 litígios emergentes do mesmo é sempre, no mínimo e por natureza, limitada. E 
 isto porque uma tal cláusula sempre estará condicionada pela eventualidade de 
 uma reorganização judiciária, a que o legislador decida proceder, e que, no 
 limite, pode mesmo fazer desaparecer o tribunal que as partes convencionaram 
 como territorialmente competente.
 Por outro lado, há que ter em conta que a cláusula de convenção de foro é uma 
 cláusula que não respeita ao sinalagma do contrato, tendo antes a ver com a 
 patologia deste e com a fixação de um pressuposto processual da competência 
 territorial dos tribunais. Competência esta que também possui normas que estão 
 subtraídas, de todo, à possibilidade de convenção. Ora, o facto é que, sempre se 
 entendeu que, em matéria processual, as expectativas das partes ou não merecem, 
 de todo, a tutela da confiança ou só em termos mitigados dela podem beneficiar. 
 Além disso, no caso concreto, a acção foi proposta já após a entrada em vigor da 
 nova lei, sendo certo que a competência dos tribunais se fixa de acordo com a 
 lei em vigor à data da respectiva propositura.
 Não pode, assim, designadamente pelas razões que se acabam de expor, afirmar-se 
 que no momento da celebração do contrato o ora recorrente gozasse de uma forte 
 expectativa jurídica, legitimamente fundada, de que, mesmo no domínio do regime 
 jurídico vigente antes da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, qualquer litígio 
 resultante do mesmo viria a ser julgado pelo tribunal convencionado. Com efeito, 
 embora pudesse existir a expectativa de que um eventual litígio decorrente do 
 contrato celebrado viesse a ser julgado pelo foro convencionado, essa 
 expectativa sempre seria «enfraquecida» ou «menos consistente» (para 
 utilizarmos, uma vez mais, as palavras do Acórdão n.º 304/01, já citado), pela 
 possibilidade, razoável, de uma interpretação do quadro normativo anterior à 
 entrada em vigor da citada Lei n.º 14/2006, que conduzisse já, por outra via, à 
 invalidade da referida cláusula. 
 Acresce, finalmente, que, no caso concreto, no que se refere às acções 
 destinadas à cobrança de dívidas resultantes da celebração de contratos de 
 crédito ao consumo, a solução normativa editada pelo legislador, mesmo na 
 interpretação que agora vem questionada – no sentido da aplicação, a contratos 
 já existentes, da regra da impossibilidade de alteração, por convenção das 
 partes, das normas sobre a competência territorial, por força do disposto na 
 nova alínea a) do n.º 1 do artigo 110º, que, passando a determinar o 
 conhecimento oficioso da incompetência em razão do território nas causas a que 
 se refere a primeira parte do n.º 1 do artigo 74º, inviabiliza o funcionamento 
 da estipulação efectuada ao abrigo do artigo 100º, n.º 1, todos do Código de 
 Processo Civil –, também não é arbitrária, podendo justificar-se à luz do 
 objectivo constitucional de protecção dos interesses dos consumidores, enunciado 
 no artigo 60º da Constituição.
 
 6.2.3. Assim sendo, pode, então, concluir-se que a aplicação da alínea a) do n.º 
 
 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada 
 pela Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, aos contratos celebrados antes da entrada 
 em vigor desta última Lei, ainda que se entenda que se trata de uma aplicação 
 retroactiva da mesma, não consubstancia violação de forma inadmissível, 
 intolerável ou arbitrária dos direitos ou expectativas fundadas do recorrente, 
 não se verificando, por isso, o desrespeito dos mínimos de certeza e segurança 
 salvaguardados pelo artigo 2º da Constituição.
 
 […].”.
 
  
 
                  Esta conclusão, no sentido da não inconstitucionalidade da 
 norma questionada, foi também perfilhada no Acórdão n.º 41/07, de 23 de Janeiro 
 
 (proferido no processo n.º 923/06 e disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
                  Subscrevendo-se o essencial dos fundamentos utilizados nos 
 acórdãos referidos, conclui-se também aqui pela improcedência da tese do 
 recorrente.
 
  
 III
 
  
 
  
 
 7.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide negar provimento ao recurso.
 
  
 
                  Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em vinte e 
 cinco  unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Artur Maurício