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Processo n.º 180/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
 
 
     Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
                         1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao 
 abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 28 de Janeiro de 2008, que 
 decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, negar 
 provimento ao recurso, por julgar manifestamente infundada a questão da 
 inconstitucionalidade, face ao artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), da norma do artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo Civil 
 
 (CPC), na redacção resultante da reforma de 1995/1996, que estabelece a regra da 
 inadmissibilidade de recurso de agravo na 2.ª instância, para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos pela Relação que confirmem, ainda 
 que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na 
 primeira instância.
 
  
 
                         1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
             “1. Por despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de 
 Justiça (STJ), de 6 de Novembro de 2007, proferido após audição das partes, nos 
 termos do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), foi decidido 
 alterar a espécie do recurso – interposto pelo réu A. contra o acórdão do 
 Tribunal da Relação do Porto, de 5 de Fevereiro de 2007 – de revista para 
 agravo, e não conhecer do recurso, por inadmissibilidade do mesmo, face ao 
 disposto no artigo 754.º, n.º 2, do CPC, na redacção dada pela reforma de 
 
 1995/1996 («Não é admitido recurso [de agravo na 2.ª instância] do acórdão da 
 Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a 
 decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição 
 com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos 
 termos dos artigos 732.º‑A e 732.º‑B, jurisprudência com ele conforme»). De 
 facto, o acórdão da Relação negara provimento, sem votos de vencido, aos agravos 
 interpostos pelo réu contra despachos da 1.ª instância, designadamente o 
 despacho que determinou o desentranhamento da contestação, por 
 extemporaneidade, e não se verificava a excepção prevista na parte final do n.º 
 
 2 do citado artigo 754.º
 
             O recorrente deduziu reclamação para a conferência contra o referido 
 despacho, sustentando, além do mais, que «é inconstitucional o sistema travão 
 do agravo de 2.ª instância em caso de dupla sentença conforme, por infringir o 
 due processo of law, isto é, o princípio constitucional da garantia de um 
 julgamento leal e justo pelos tribunais, que vem aflorado no artigo 20.º da 
 CRP».
 
             Por acórdão de 22 de Janeiro de 2008, o STJ indeferiu a reclamação, 
 reiterando que «estamos perante uma confirmação [pela Relação] dos despachos 
 agravados, pelo que se trata de duas decisões conformes, não sendo legalmente 
 permitida uma reapreciação do objecto do agravo por este STJ (cf. artigo 754.º, 
 n.ºs 2 e 3, do CPC)» e julgando improcedente a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada, pelas razões desenvolvidas no despacho reclamado, que considerara, 
 em suma, caber ao legislador ordinário, por se tratar de matéria de política 
 legislativa, definir o regime dos recursos, «tendo em conta a natureza ou o 
 valor da acção, bem como a chamada sucumbência, em conjugação com as alçadas 
 atribuídas aos diversos tribunais», e, designadamente, definir «as situações em 
 que se justifica a possibilidade de reapreciação de uma decisão judicial por um 
 ou mais tribunais superiores».
 
             É contra este acórdão que pelo réu recorrente vem interposto o 
 presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP) e do «princípio constitucional da orientação normativa 
 anti‑discriminatória, quando impõe soluções concretas de discriminação positiva 
 em favor dos incapacitados mentais», da norma do artigo 754.º, n.º 2, do CPC, 
 
 «na interpretação de que não previne a subida ao Supremo Tribunal de Justiça do 
 agravo em que se impugna a nulidade da citação por anomalia psíquica do réu».
 
             O objecto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC cinge‑se à específica dimensão 
 normativa aplicada, como ratio decidendi, na decisão recorrida, apesar de 
 previamente ter sido suscitada a questão da sua inconstitucionalidade pela parte 
 recorrente, o que significa que, no presente caso, integra tal objecto do 
 recurso a questão da inconstitucionalidade, face ao artigo 20.º, n.º 1, da CRP, 
 da norma do artigo 754.º, n.º 2, do CPC, na redacção resultante da reforma de 
 
 1995/1996, que estabelece a regra da inadmissibilidade de recurso de agravo na 
 
 2.ª instância, para o STJ, de acórdãos proferidos pela Relação que confirmem, 
 ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na 
 primeira instância.
 
  
 
             2. Assim definido o objecto do recurso, a questão de 
 inconstitucionalidade que o integra surge como manifestamente infundada, o que 
 possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, da 
 LTC.
 
             Com efeito, como reiterada e uniformemente tem sido decidido por 
 este Tribunal, a Constituição não consagra um direito geral ao recurso de 
 decisões judiciais (com excepção das decisões condenatórias e das que afectem 
 direitos fundamentais do arguido em processo penal e ainda, como 
 inovatoriamente se reconheceu no recente Acórdão n.º 40/2008, naqueles casos em 
 que a lesão de direitos fundamentais é directamente imputável, em primeira 
 linha, a uma actuação ou decisão dos tribunais) e, muito menos, como pretende o 
 recorrente, o direito a um terceiro grau de jurisdição ou um duplo direito de 
 recurso.
 
             Já no Acórdão n.º 447/93 se referiu:
 
  
 
             «O Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme, que 
 remonta a 1985, e que fora antecedida já por uma orientação idêntica da 
 Comissão Constitucional. Assim, no domínio do processo criminal, essa 
 jurisprudência reconhece que, por força dos artigos 27.º, 28.º e 32.º, n.º 1, 
 da Constituição, se acha constitucionalmente assegurado o duplo grau de 
 recurso quanto às decisões condenatórias e às decisões respeitantes à situação 
 do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou a qualquer outros 
 direitos fundamentais (v., por todos, os Acórdãos n.ºs 31/87, 178/88, 340/90 e 
 
 401/91, o primeiro publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9.º vol., 
 pp. 463 e seguintes, e os outros no Diário da República, II Série, n.º 277, de 
 
 30 de Novembro de 1988, n.º 65, de 19 de Março de 1991, e I Série‑A, n.º 6, de 8 
 de Janeiro de 1992, respectivamente). Mas tal garantia de duplo grau de recurso 
 não abrange outras decisões proferidas em processo penal (o Tribunal tem 
 sustentado em sucessivas decisões que não sofre de inconstitucionalidade o 
 artigo 390.º, n.º 2, do Código de Processo Penal de 1929).
 
             No domínio dos outros ramos de direito processual, o Tribunal 
 Constitucional tem entendido que o duplo grau de recurso não se acha 
 constitucionalmente garantido, reconhecendo‑se ampla liberdade de conformação 
 ao legislador para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos, 
 nomeadamente em função do valor da causa. Assim, no Acórdão n.º 859/86 
 considerou‑se que a Constituição não garantia em todos os casos o acesso ao 
 Supremo Tribunal de Justiça (triplo grau de jurisdição), muito embora o 
 princípio da igualdade vedasse qualquer discriminação no acesso ao Supremo 
 Tribunal de Justiça em função da natureza sindical de uma associação, face ao 
 regime aplicável às outras associações (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 8.º vol., pp. 605 e seguintes). E em numerosos arestos 
 posteriores reconheceu‑se que o n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo 
 Civil não está afectado de inconstitucionalidade (v. os Acórdãos n.ºs 163/90 e 
 
 210/92, in Diário da República, II Série, n.º 240, de 18 de Outubro de 1991, e 
 n.º 211, de 12 de Setembro de 1992).»
 
  
 
                        Como se sintetizou no Acórdão n.º 489/95:
 
  
 
             «2 – Tem este Tribunal dito e redito, apoiando‑se na doutrina e na 
 sua já vasta jurisprudência a propósito tirada, que o direito de acesso aos 
 tribunais postulado pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei Fundamental não garante, 
 necessariamente, em todos os casos e por si só, o direito a um duplo ou a um 
 triplo grau de jurisdição, sendo que a garantia de um duplo grau de jurisdição 
 referentemente a réus condenados em processo criminal não é imposta por aquele 
 normativo constitucional, antes decorrendo do que se preceitua no n.º 1 do 
 artigo 32.º da Constituição.
 
             E, igualmente, tem defendido que o Diploma Básico não consagra um 
 direito geral de recurso das decisões judiciais (afora aquelas de natureza 
 criminal e condenatória, recurso esse, porém, que deflui da necessidade de 
 previsão de um segundo grau de jurisdição, necessidade essa, repete‑se, imposta 
 pelo n.º 1 do artigo 32.º), mormente para o Supremo Tribunal de Justiça. 
 Acrescenta, todavia, com suporte na própria doutrina, que, uma vez que a 
 Constituição prevê ‘a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais 
 judiciais’ e que lei infraconstitucional, designadamente os diplomas adjectivos 
 fundamentais e os que regem a organização judiciária, também prevêem esses 
 
 órgãos de administração de justiça funcionando como tribunais vocacionados para 
 decidir em sede de impugnação das decisões emanadas de tribunais de hierarquia 
 inferior, então não será lícito ao legislador ordinário ‘suprimir em bloco os 
 tribunais de recurso e os próprios recursos’ ou ‘ir até ao ponto de limitar de 
 tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os 
 recursos tinham sido suprimidos’ (as expressões em itálico são extraídas da obra 
 Recursos em Processo Civil, de Armindo Ribeiro Mendes, Lisboa, 1992, pp. 100, 
 
 101 e 102; cf., como exemplo da jurisprudência do Tribunal, e com mais recente 
 publicação, quanto ao tema em análise, o Acórdão n.º 447/93, no Diário da 
 República, II Série, de 23 de Abril de 1994).»
 
  
 
                        Orientação que foi reafirmada no Acórdão n.º 1124/96, 
 onde se lê:
 
  
 
             «De um modo geral, pode afirmar‑se que, fora do domínio penal, o 
 princípio da efectividade do direito ao recurso, a implicar duplo grau de 
 recurso, não constitui garantia constitucional, tendo apenas, como se observou 
 noutro Acórdão deste Tribunal – o n.º 310/94, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 29 de Agosto de 1994 – ‘o alcance de uma proibição ao 
 legislador de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e 
 qualquer caso ou de a inviabilizar na prática’.»
 
  
 
                        E, mais recentemente, no referido Acórdão n.º 40/2008, 
 consignou‑se:
 
  
 
             «(…) relativamente ao direito de acesso aos tribunais, constitui 
 reiterado entendimento deste Tribunal o de que do artigo 20.º, n.º 1, da CRP 
 não decorre um direito geral a um duplo grau de jurisdição, como já se 
 explicitou nos atrás parcialmente transcritos Acórdãos n.ºs 489/95 e 1124/96. 
 Como se referiu no Acórdão n.º 638/98 (na senda do já exposto, entre outros, nos 
 Acórdãos n.ºs 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 715/96, 
 
 328/97, 234/98 e 276/98, e explicitando orientação posteriormente reiterada em 
 numerosos arestos, designadamente nos Acórdãos n.ºs 202/99, 373/99, 415/2001, 
 
 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007):
 
  
 
             ‘7. O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição assegura a todos “o acesso 
 ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses 
 legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de 
 meios económicos”.
 
             Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, 
 segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e 
 independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena 
 igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista 
 
 (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar 
 tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia 
 geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.
 
             Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, 
 incluindo‑se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de 
 jurisdição?
 
             A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito 
 ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em 
 processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional 
 
 (constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro), passou a 
 incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de 
 defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a 
 esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de 
 jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao 
 recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele 
 artigo 32.º
 
             Para além disso, algumas vozes têm considerado como 
 constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o 
 direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este 
 respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António 
 Vitorino, respectivamente no Acórdão n.º 65/88, Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 11.º, p. 653, e no Acórdão n.º 202/90, id., vol. 16.º, p. 
 
 505).
 
             Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não 
 poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
 
             Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com 
 A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 
 
 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais 
 judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da 
 competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210.º), terá de 
 admitir‑se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais 
 de recurso e os próprios recursos” (cf., a este propósito, Acórdãos n.º 31/87, 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.  9.º, p. 463, e n.º 340/90, id., 
 vol. 17.º, p. 349).
 
             Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, 
 pode concluir‑se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente 
 a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na 
 prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de 
 liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cf. os 
 citados Acórdãos n.ºs 31/87 e 65/88, e ainda n.º 178/88 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 12.º, p. 569); sobre o direito à tutela jurisdicional, 
 ainda Acórdãos n.º 359/86 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8.º, p. 
 
 605), n.º 24/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, p. 525) e n.º 
 
 450/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, p. 1307)).
 
             O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das 
 decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de 
 quaisquer decisões que tenham como efeito afectar direitos, liberdades e 
 garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza 
 de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde 
 que não suprima em globo a faculdade de recorrer.’»
 
  
 
                                    No citado Acórdão n.º 40/2008 adiantou‑se, 
 porém, que:
 
  
 
             «(…) afigura‑se que – para além dos casos em que este Tribunal tem 
 tradicionalmente afirmado a imposição constitucional de um direito ao recurso 
 jurisdicional (ou direito a um duplo grau de jurisdição), a saber: as decisões 
 condenatórias em processo penal ou que impliquem a adopção de medidas 
 restritivas da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (…) – é 
 sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais 
 contra quaisquer actos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, 
 liberdades e garantias), sejam esses actos provenientes de particulares ou de 
 
 órgãos do Estado, forçoso é que se garanta o direito à impugnação judicial de 
 actos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou actuações materiais) que 
 constituam a causa primeira e directa da afectação de tais direitos. 
 Considera‑se, pois, que quando uma actuação de um tribunal, por si mesma, 
 afecta, de forma directa, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da 
 
 área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa 
 situação.»
 
  
 
             Mas mesmo este alargamento do reconhecimento do direito ao recurso 
 se cinge à admissibilidade de um duplo grau de jurisdição, sendo, de todo em 
 todo, insustentável que da Constituição, designadamente do seu artigo 20.º, n.º 
 
 1, possa retirar‑se a consagração do direito a um triplo grau de jurisdição ou 
 do direito a um duplo recurso, como pretende o recorrente.
 
             Surge, assim, como manifestamente infundada, porque insusceptível de 
 encontrar no texto constitucional o mínimo suporte, a questão de 
 inconstitucionalidade que constitui o objecto do presente recurso.
 
  
 
             3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do artigo 78.º‑A, n.º 1, 
 da LTC:
 
             a) negar provimento ao recurso, por ser manifestamente infundada a 
 questão da inconstitucionalidade, face ao artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, da norma do artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo 
 Civil, na redacção resultante da reforma de 1995/1996, que estabelece a regra da 
 inadmissibilidade de recurso de agravo na 2.ª instância, para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, de acórdãos proferidos pela Relação que confirmem, ainda 
 que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na 
 primeira instância; e, consequentemente,
 
             b) confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.”
 
  
 
                         1.2. A reclamação para a conferência apresentada pelo 
 recorrente desenvolve a seguinte argumentação:
 
  
 
             “1. O despacho reclamado reafirma a doutrina canónica do Tribunal 
 Constitucional: o legislador está impedido de eliminar, pura e simplesmente, a 
 faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática; 
 já não está, porém, impedido de regular com larga margem de liberdade a 
 existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
 
             2. Larga margem que, todavia, se restringe quando uma actuação de um 
 tribunal, por si mesma, afecta de forma directa um direito fundamental de um 
 cidadão, mesmo fora da área penal, devendo nestes casos ser reconhecido um 
 direito à apreciação judicial dessa situação.
 
             3. É justamente neste derradeiro intervalo do tema da 
 recorribilidade que o recurso do reclamante foi intentado, questão que o 
 despacho imediato não considerou.
 
             4. Com efeito, trata‑se, no caso do recurso não recebido, de recurso 
 de agravo, inicialmente qualificado como recurso de revista, interposto de 
 despacho da 1.ª instância que indeferiu a nulidade arguida de ausência de 
 citação.
 
             5. É que o recorrente, quando pretensamente foi citado por carta, 
 estava pura e simplesmente internado por afecção psíquica grave.
 
             6. Depois, seguiu‑se a confissão ficta, por não ter apresentado a 
 contestação: ... pois se não teve consciência de ter sido citado!
 
             7. Logo: a perda da causa, isto é, de um interesse patrimonial, mas 
 sobretudo familiar e afectivo, muito relevante.
 
             8. Acontece que tudo isto seriam argumentos de todo improcedentes se 
 o quadro do problema recursivo se pudesse manter no campo teórico convocado 
 pelo despacho, este que o reclamante não aceita.
 
             9. Na verdade, a ausência de citação é a mais grave nulidade de 
 processo, porque põe em causa o Direito em si mesmo: sem contraditório 
 efectivamente respeitado não há, sem dúvida, Estado de Direito, sequer.
 
             10. E o problema então é este: a compressão dos recursos pode ir até 
 ao ponto de aceitar decisões a despeito do contraditório e do Direito, enquanto 
 há ainda uma possibilidade institucional de serem reformadas?
 
             11. Ou dito de outro modo: a limitação dos recursos perante as duas 
 decisões conformes, de 1.ª e 2.ª Instância, não atinge e inutiliza o direito 
 fundamental ao contraditório, quando torna insindicável em última instância a 
 ausência de citação, isto é, quando se admite um não direito a meio caminho das 
 possibilidades de remédio recursivo?
 
             12. A resposta a estas perguntas parece ser, para o reclamante, de 
 clareza cristalina: sim, no sentido do alargamento do cânon do Tribunal 
 Constitucional acima referido.
 
             13. Em suma: não pode haver num Estado de Direito decisões por de 
 cima do contraditório sem que o vértice do sistema judicial as reexamine.
 
             14. É neste sentido que o reclamante pede a inflexão do Tribunal 
 Constitucional, não obstante o brilho do despacho reclamado.”
 
  
 
                         1.3. Os recorridos, notificados da apresentação da 
 reclamação, nada disseram.
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Os argumentos aduzidos pelo reclamante em nada abalam 
 os fundamentos da decisão sumária impugnada.
 
                         A questão da extemporaneidade da apresentação da 
 contestação por parte do ora recorrente, a que estava associada a questão da 
 nulidade da sua citação, foi primeiramente decidida pelo Tribunal Cível do 
 Porto, que não admitiu a contestação por extemporânea e, consequentemente, 
 considerou provados os factos alegados pelos autores, e, depois, em sede de 
 recurso, pelo acórdão de 5 de Fevereiro de 2007 do Tribunal da Relação do Porto, 
 que, sem votos de vencido, confirmou a decisão então impugnada, consignando 
 expressamente que, não resultando dos autos a incapacidade do réu, não se 
 verificava a excepção prevista no artigo 485.º, alínea b), do CPC. Isso é: sobre 
 a aludida questão já foram proferidas duas decisões judiciais, e segunda em via 
 de recurso e com integral respeito pelo princípio do contraditório.
 
                         Neste quadro e face à reiterada jurisprudência deste 
 Tribunal (largamente referenciada na decisão sumária reclamada) sobre a 
 inexistência da consagração constitucional de um direito geral de recurso de 
 decisões judiciais e, muito menos, do direito a um duplo recurso (ou um triplo 
 grau de jurisdição), é manifestamente infundada a questão da 
 inconstitucionalidade da não admissão de recurso para o STJ do acórdão da 
 Relação, proferido em sede de recurso de agravo, que confirmou a decisão da 1.ª 
 instância.
 
  
 
                         3. Termos em que, sem necessidade de mais desenvolvidas 
 considerações, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando a 
 decisão sumária reclamada.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 22 de Abril de 2008.
 Mário José de Araújo Torres
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos