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Processo n.º 159/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
             1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 
 art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da 
 decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer do recurso de 
 constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 
             2 – Fundamentando a reclamação, a reclamante argumenta do seguinte 
 jeito:
 
  
 
 «I – INTRODUÇÃO 
 
  
 
 1.         A Requerida, ora Reclamantes, interpôs recurso para este Tribunal da 
 decisão final proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos autos de 
 recurso nº 4850/07, que correu os seus termos na 3ª Secção.
 
  
 
 2.         No dia 4 de Março de 2008 foi proferida decisão sumária de rejeição 
 do recurso interposto pelos recorrentes, nos termos e para os efeitos constantes 
 do no art. 78º-A, nº 1 da L.T.C.. 
 
  
 
 3.                  Essa decisão sumária entendeu, em suma, o seguinte: 
 
 “(...) a recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa, tendo apenas controvertido a decisão judicial qua 
 tale, enquanto momento de aplicação do direito a uma dada factualidade, razão 
 pela qual não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto do 
 recurso. 
 
 (...) 
 Por isso conclui-se que, contrariamente ao alegado, a recorrente não suscitou 
 junto do tribunal recorrido qualquer questão de (in)constitucionalidade 
 normativa, nem podia a recorrente considerar-se dispensada de o fazer à luz das 
 incidências constantes dos autos que afastam, quanto à matéria em causa, a 
 possibilidade de se poder configurar o Acórdão recorrido como uma “decisão 
 surpresa” 
 Além do exposto, diga-se ainda que os preceitos do direito positivo à luz dos 
 quais se definiu a questão de “constitucionalidade” acabam inclusivamente por 
 não tocar na ratio decidendi que esteve subjacente ao juízo posto em crise e que 
 se colhe da norma que permitiu ao tribunal indeferir um requerimento de produção 
 de prova na consideração de que a mesma não se afigura útil ou necessária “à 
 descoberta da e à boa decisão da causa” – cf. Despacho de fls. 253 v. e artigo 
 
 340º do Código de Processo Penal.” 
 
  
 
 4.         Atenta a fundamentação da decisão sumária, a qual contra todas as 
 legítimas expectativas da ora Reclamante, decidiu não conhecer do objecto do 
 recurso, e por não se conformarem manifestamente com o teor de tal decisão, 
 apresentam os recorrentes a seguinte reclamação: 
 
  
 II – DA RECLAMAÇÃO 
 
  
 
 5.         A decisão sumária proferida nos presentes autos e ora em apreço, na 
 parte relevante para a apreciação da presente reclamação, cuja parte decisória 
 se cinge aos consagrado de fls. 24 a 27, avança, em 1º lugar, que a Recorrente 
 não suscitaram a questão “durante o processo”. 
 
  
 
 6.         Com todo o respeito, não é correcta tal asserção, porquanto a 
 Recorrente logo que confrontada com a interpretação que reputa de 
 inconstitucional arguiu tal vício. 
 
  
 
 7.         Concretamente, fizeram-no logo no recurso interposto para o Supremo 
 Tribunal de Justiça uma vez que a Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, – Lei do 
 Mandado de Detenção Europeu – apenas admite recurso da decisão final. 
 
  
 
 8.         E fizeram-no de modo a que o tribunal se pudesse pronunciar sobre a 
 inconstitucionalidade de tal interpretação, embora a decisão recorrida se tenha 
 limitado a acolher na íntegra a tese exposta na decisão do Tribunal da Relação 
 de Lisboa, escusando-se a dilucidar a questão da interpretação normativa que lhe 
 foi concretamente colocada pela Recorrente. 
 
  
 
 9.         Optando por referir somente que “a prova pretendida (dos factos 
 integradores da causa de recusa facultativa invocada), como se viu, era de todo 
 inoperante e irrelevante, atendendo à solução do art. 7º, nº 2 do Código Penal.” 
 
 
 
  
 
 10.       Deixando inclusivamente de se pronunciar relativamente uma outra 
 questão de constitucionalidade que a Recorrente havia levantado no seu 
 requerimento de interposição de recurso que era a de saber se assistia ou não à 
 Requerida o direito a ser ouvida após a junção aos autos do original do MDE em 
 obediência ao nº1 do art. 32º da CRP. 
 
  
 
 11.       Considerou a Recorrente que o Tribunal da Relação de Lisboa havia 
 levado a cabo uma interpretação inconstitucional das normas constantes nos nºs 
 
 1, 2 e 3 do art. 21º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, conjugadas com a alínea h) 
 do nº 1 do art. 12º da mesma lei não apenas por ter negado a produção de prova 
 da causa de recusa invocada mas também por ter lhe negado o direito a ser ouvida 
 pessoalmente após a junção aos autos do original do MDE. 
 
  
 
 12.       Ou seja, a Recorrente colocou perante o Supremo Tribunal de Justiça 
 duas concretas questões de constitucionalidade normativa, fundamentando a sua 
 arguição com a violação do art. 32º, nº 1 da Lei Fundamental. 
 
  
 
 13.       Não obstante, confrontada com o acórdão, mais uma vez a Recorrente, em 
 sede de aclaração, chamaram a atenção do Tribunal recorrido para a 
 essencialidade de ser proferida uma decisão que cabalmente esclarecesse qual a 
 interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça adoptava, pretendendo evitar que 
 o citado Tribunal se escudasse em considerações acerca da matéria de facto 
 furtando-se a responder às questões de constitucionalidade que concretamente lhe 
 foram colocadas. 
 
  
 
 14.       Inclusivamente a Recorrente sublinhou a essencialidade de tal 
 esclarecimento face aos requisitos de recorribilidade impostos pela Lei Orgânica 
 do Tribunal Constitucional. 
 
  
 
 15.       O Supremo Tribunal de Justiça, apesar de indeferir o requerimento 
 aclaratório, elaborou resposta que ocupa 8 páginas, mas na qual, novamente, se 
 furta a concretamente responder à interpelação da Recorrente quanto às arguidas 
 interpretações inconstitucionais das normas constantes nos nºs 1, 2 e 3 do art. 
 
 21º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, conjugadas com a alínea h) do nº 1 do art. 
 
 12º da mesma lei. 
 
  
 
 16.       O que é facto é que os Recorrentes criaram todas as condições para que 
 o Tribunal se pronunciasse sobre a inconstitucionalidade da interpretação que 
 fez vencimento. 
 
  
 
 17.       E fizeram-no de forma a que o Tribunal pudesse apreciar as questões 
 que, posteriormente, motivaram a interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 
 18.       Ora, suscitar uma inconstitucionalidade “durante o processo” não pode 
 implicar que as partes que a suscitam tenham de, imediatamente, interpor o 
 recurso e alegar, com todo o formalismo e desenvolvimento, como se, no Tribunal 
 Constitucional, o processo já se encontrasse. 
 
  
 
 19.       Não é exigível às partes tal comportamento. 
 
  
 
 20.       Mas tão só colocar a questão à entidade decisória, de forma a prevenir 
 a inconstitucionalidade na interpretação das normas. 
 
  
 
 21.       No presente caso, os Recorrentes fizeram-no e o Tribunal recorrido, 
 não só não apreciou tal questão, porque não quis, pois tinha todos os elementos 
 e fundamentos para não proferir tal decisão, essa sim “contra legem”. 
 
  
 
 22.       Por outro lado, não é verdade que os Recorrentes não invoquem questões 
 de inconstitucionalidade normativa, e que apenas acusem a decisão de que 
 recorrem de inconstitucional. 
 
  
 
 23.       É a interpretação (e só a interpretação) das normas que fundamentam a 
 decisão que está em causa. 
 
  
 
 24.       Pelo que a Recorrente não concorda ainda com a decisão sumária ao 
 concluir que “a recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa, tendo apenas controvertido a decisão judicial qua 
 tale, enquanto momento de aplicação do direito a uma dada factualidade” 
 
  
 
 25.       Pois o que resulta dos autos é precisamente que a Recorrente suscitou 
 e enquadrou devidamente a questão de constitucionalidade normativa que pretendia 
 ver apreciada. 
 
  
 
 26.       Mas que, naturalmente, tinha reflexo directo e necessário na 
 
 “aplicação do direito a dada factualidade” pois, de outro modo, sempre seria 
 inútil a sua arguição. 
 
  
 
 27.       De facto, a Recorrente expressamente deixou consignadas quais as 
 normas legais que o tribunal interpretava de forma não consentânea com os 
 ditames constitucionais. 
 
  
 
 28.       Na verdade, o Tribunal recorrido é que se recusou a apreciar as 
 questões de constitucionalidade que lhe foram colocadas de uma perspectiva 
 normativa. 
 
  
 
 29.             Pelo que não pode a Recorrente conformar-se com a afirmação de 
 que “apenas provocou uma sindicância do juízo aplicativo (...) sem questionar o 
 critério interpretativo, que, a montante desse juízo, o justifica 
 normativamente.” 
 
  
 
 30.       Na verdade, a Recorrente entende que as interpretações 
 inconstitucionais por si arguidas foram suscitadas de acordo com a Lei Orgânica 
 do Tribunal Constitucional e gostaria de ter a oportunidade de explicar em sede 
 de alegações os princípios constitucionais violados, visto ser esta a sede 
 própria para o fazer após o recurso ser admitido. 
 
  
 
  
 Nestes termos, vem a Recorrente requerer a V. Ex.as seja o teor da presente 
 reclamação atendido e a decisão sumária proferida revogada, concluindo-se, a 
 final, pela admissibilidade e consequente conhecimento do recurso interposto.» 
 
  
 
             3 – Pronunciando-se sobre a reclamação o Procurador-Geral Adjunto, 
 no Tribunal Constitucional, respondeu dizendo:
 
  
 
 «1°
 A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
  
 
 2°
 Efectivamente, a argumentação da reclamante em nada abala os fundamentos da 
 decisão reclamada, relativamente à inverificação dos pressupostos do recurso 
 interposto, como decorrência de não ter sido questionado, em termos 
 processualmente adequados, qualquer critério normativo, extraído dos preceitos 
 legais arrolados pela recorrente – e por ela claramente enunciado.». 
 
  
 
             4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
             «1 – A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal 
 Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua redacção actual (LTC), mediante 
 requerimento no qual deixa consignadas as seguintes indicações:
 
  
 
             “(...)
 A Recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas conjugadas 
 dos nºs 1, 2 e 3 do art. 21º, e da alínea h) do nº 1 do art. 12º da Lei nº 
 
 65/2003 de 23 de Agosto, por ir contra o salvaguardado pelo nº 1 do art. 32º da 
 C.R.P. — nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do 
 Tribunal Constitucional —, na interpretação que lhes é dada pelo Tribunal a quo. 
 
 
 
             No caso em apreço, admitiu o Acórdão final proferido pelo STJ, que 
 se procedesse à entrega da ora requerente às autoridades alemãs sem que lhe 
 fosse admitida a requerida possibilidade de ser ouvida quanto aos factos 
 constantes do original do MDE, que não se encontrava junto aos autos à data da 
 sua detenção e audição nos termos e para os efeitos do art.18° da Lei nº 
 
 65/2003, de 23 de Agosto, e sem que fosse admitida a produção de prova requerida 
 e apresentada em audiência pela requerida nos termos do disposto nos nºs 1, 2 e 
 
 3 do art. 21º da mesma Lei. 
 
             Durante o processo, especificamente, nas motivações de recurso do 
 acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, posteriormente, por via 
 do requerimento de aclaração da decisão perante o STJ, a recorrente suscitou a 
 supra mencionada interpretação inconstitucional. 
 
             De facto, a requerida opôs-se à sua entrega com base na causa de 
 recusa facultativa constante da alínea h) do nº1 do art.12º da aludida lei. 
 
  
 
             Nesta sequência a defesa requereu, tendo-lhe sido concedido, prazo 
 para a apresentar prova dos factos integradores da causa de recusa invocada — 
 prática no todo ou em parte dos factos imputados no território português. 
 
  
 
             Reaberta a audiência a defesa apresentou a prova que reputou 
 essencial à prova da verificação de uma causa recusa de facultativa de entrega e 
 explicitou que concretos factos integradores dessa mesma causa de recusa 
 facultativa se pretendiam provar por via da prova apresentada. 
 
  
 
             Estranhamente o Tribunal da Relação de Lisboa, ao arrepio da sua 
 posição inicial, nos termos da qual reconheceu a pertinência de tal prova, negou 
 a produção de prova por parte da requerida, por a considerar irrelevante. 
 
  
 
             Proferindo acórdão que determinava a entrega da requerida às 
 autoridades alemãs. 
 
  
 
             Desse acórdão a requerida interpôs recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça tendo-lhe sido concedido provimento e, consequentemente, 
 determinando-se que fosse junto aos autos o original do MDE por a inserção no 
 SIS que deles unicamente constava não obedecer aos requisitos prescritos pela 
 alínea e) do nº 1 do art. 3º da supra citada lei. 
 
  
 
             Tendo sido finalmente junto aos autos o original do MDE donde 
 constavam “a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, 
 incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa 
 procurada” (alínea e) do nº 1 do art.3º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto) a 
 recorrente requereu, face aos novos e importantes elementos carreados aos autos 
 relativamente aos quais ainda não tinha sido ouvida, que fosse designada data 
 para sua inquirição. 
 
  
 
             Na verdade, apenas após a junção do original do MDE é que ficou 
 delimitado o objecto dos autos, como expressamente decorre do acórdão do STJ que 
 considerou insuficiente a inserção SIS, pelo que se impunha que à Recorrente 
 fosse conferido o direito de audição e defesa face aos novos factos plasmados no 
 processo (cfr. arts.18º e 21º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto). 
 
  
 
             Pois se numa primeira fase, a recorrente foi ouvida e confrontada 
 com os factos constantes do relatório do SIS — sobejamente imprecisos, 
 insuficientes e até não coincidentes com a informação do MDE, face à junção aos 
 autos do original do MDE a Recorrente detinha o mais elementar direito de se 
 pronunciar relativamente aos esses novos e decisivos elementos. 
 
  
 
             Por via do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 
 recorrente viu liminarmente recusada a sua audição, sem apelo nem agravo, por se 
 considerar que “ (...) qualquer declaração da arguida nesta matéria no âmbito 
 deste processo seria repisar do mesmo e pura perda de tempo.” (!) 
 
  
 
             Tendo ainda sido negada a produção de prova requerida afirmando-se 
 que não cabe ao Tribunal Português “qualquer processo de averiguação formal 
 nessa parte”. 
 
  
 
             A Recorrente invocou perante o STJ a inconstitucionalidade de tal 
 entendimento por considerar que a decisão recorrida havia violado as normas 
 constantes dos nºs 1, 2 e 3 do art.°21° da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, 
 conjugadas com a alínea h) do n°1 do art. 12° da mesma lei na medida em que 
 estas estabelecem o direito do arguido ser ouvido relativamente aos factos pelos 
 quais é solicitada a sua entrega e de apresentar prova da verificação da causa 
 de recusa de execução do MDE que invocou. 
 
  
 
             E ao ter sido negado à arguida o exercício desse direito, resultante 
 das disposições conjugadas dos nºs 1, 2 e 3 do art.°21° da Lei 65/2003, de 23 de 
 Agosto, o Tribunal coarctou intoleravelmente o seu direito à defesa 
 constitucionalmente consagrado no nº 1 do art. 32° da CRP. 
 
  
 
             Procedendo a uma interpretação inconstitucional das normas 
 conjugadas dos nºs 1,2 e 3 do art. 21° e da alínea h) do nº 1 do art. 12° da Lei 
 
 65/2003, de 23 de Agosto. 
 
  
 
             Apreciando a invocada inconstitucionalidade da interpretação dos 
 preceitos aludidos o Tribunal “a quo” defendeu que a constitucionalidade da 
 interpretação levada a cabo pelo Tribunal da Relação de Lisboa alegando que “a 
 prova pretendida (dos factos integradores da causa de recusa facultativa 
 invocada), como se viu, era de todo inoperante e irrelevante, atendendo à 
 solução do art. 7º, nº 2 do Código Penal.” 
 
  
 
             Ora, considera a Recorrente que tal interpretação das normas 
 constantes dos nºs 1, 2 e 3 do art. 21° da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, violam 
 o direito basilar de que ao arguido são asseguradas “todas as garantias de 
 defesa” — art. 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. 
 Pelo que tais normativos, quando interpretados no sentido acolhido no Acórdão 
 recorrido violam o disposto no art. 32º, nº 1 da Constituição da República 
 Portuguesa, donde resulta a inconstitucionalidade de tal interpretação.
 
 (...)”. 
 
  
 
             2 – Tal como se relatou no Supremo Tribunal de Justiça, o caso sub 
 judicio apresenta os seguintes contornos:
 
          “A cidadã A., viúva, nascida em 29-12-1946, filha de B. e de C., 
 natural de Dachau, Alemanha, com dupla nacionalidade - alemã e portuguesa – esta 
 desde que casou, em 1965, portadora do BI nº ……, emitido em Lisboa, em ..-..-…, 
 residente na Rua …, Vivenda …, G…, S. João do Estoril, Cascais, foi detida em 
 
 13-10-2006, por contra ela existir um Mandado de Detenção Europeu, inserido no 
 Sistema Schengen, com o nº DP061880016115, proveniente das autoridades judiciais 
 alemãs (Tribunal Local de Berlim - processo nº 349 GS 1798/06), por cometimento 
 de fraude, na forma tentada, no valor de 304.218, 68 euros.
 Procedeu-se à audição da detida no mesmo dia, na presença de Mandatário e de 
 Intérprete, tendo-se a mesma oposto à execução do mandado e declarado não 
 renunciar ao princípio da especialidade, invocando como fundamento de oposição o 
 motivo de recusa facultativa previsto no artigo 12º, nº 1, alínea h) da Lei 
 
 65/03, alegando que parte dos factos poderiam ter sido praticados em território 
 português, que a dívida remontaria a 1992, estando em causa uma declaração que 
 poderia ter sido emitida e assinada em Portugal, requerendo a concessão de um 
 prazo de 10 dias para dedução de oposição e apresentação de provas. 
 Foi proferido despacho a deferir o pedido de apresentação de provas até dia 20 
 seguinte.
 No que respeita a medida de coacção foi determinado que a procurada aguardasse a 
 decisão sobre a execução do MDE em liberdade provisória, com sujeição à 
 obrigação de apresentação diária à entidade policial na área da sua residência e 
 
 à proibição de se ausentar sem autorização do Tribunal para fora da área do 
 distrito de residência e do local de trabalho, bem como da proibição de se 
 ausentar para o estrangeiro, devendo prestar TIR nos termos do artigo 196º do 
 CPP.
 Mais se determinou a requisição ao Tribunal Alemão, com muita urgência, de 
 informação mais pormenorizada sobre o tipo de factos imputados, o território da 
 sua prática, se havia indicação provável da sua comissão no todo ou em parte no 
 território português e qual a medida de coacção efectivamente determinada para a 
 arguida segundo a lei alemã. Sendo possível deveria também esclarecer se a 
 fraude englobava ou não a prática de falsificação de documentos.
 Sendo o pedido formulado em 17 a resposta foi junta em 20 seguinte – fls. 22 a 
 
 24 – dela se retirando no essencial que o Exmo. Procurador de Berlim respondia 
 que os crimes foram cometidos em território alemão, existindo fortes indícios no 
 que respeitava ao crime de burla, mas não no que dizia respeito ao crime de 
 falsificação. E que de acordo com a lei germânica uma prisão preventiva devia 
 ser ordenada e que a pena prevista era de dois anos de prisão.
 Na audiência de 24-11-2006, destinada a alegações orais, a arguida apresentou 
 prova testemunhal, indicando os nomes de quatro cidadãos e requereu a junção de 
 três tipos de documentos.
 Sobre o impetrado foi deliberado considerar desnecessária a junção de cópia de 
 certidão de registo comercial da sociedade da arguida por se mostrar já assente 
 a sua situação profissional, com base nas declarações iniciais.
 Relativamente à prova testemunhal e aos dois outros tipos de documentos – cópia 
 dos 4 documentos do reconhecimento de dívida em causa nos autos e cópia da 
 injunção proposta no Tribunal de Berlim contra as 3 queixosas no processo crime 
 alemão que deu origem ao MDE, o qual vinha acompanhado de cópia de carta de 
 advogado alemão que propôs a injunção – foi deliberada a sua não admissão.
 Para tanto foi considerado que atenta a causa de recusa invocada, pressupondo a 
 ocorrência, ainda que parcial, dos factos em território português, relacionados 
 com falsificação de documentos, face à resposta do Mº Pº alemão no sentido de 
 que a investigação corria apenas por factos ocorridos na Alemanha e tão somente 
 por crime de burla, era irrelevante a produção de prova para a formação da 
 decisão do Colectivo, podendo os documentos ser relevantes apenas para a questão 
 de mérito no processo alemão. 
 Por acórdão de 31-10-2006 foi determinada a execução definitiva do MDE contra a 
 procurada, com entrega após o trânsito às autoridades alemãs para prossecução do 
 procedimento criminal com referência aos §§ 263 (1, 2), 22, 23 do C.P. Alemão, 
 ficando a decisão de entrega sujeita na sua execução à condição de a autoridade 
 requerente garantir que a arguida será devolvida a Portugal para aqui cumprir 
 pena ou medida de segurança privativas de liberdade em que venha a ser condenada 
 na Alemanha.
 Foi ainda ordenado, desde logo e independentemente do trânsito em julgado, se 
 oficiasse à autoridade emitente para informar se prestava a garantia exigida. 
 
 “Sendo prestada, a execução, mesmo que tenha transitado em julgado a decisão, só 
 se cumprirá depois de considerada válida tal garantia.
 Se a garantia não for prestada, a execução não terá lugar e o processo será 
 arquivado”.
 Foi ainda mantida a medida de coacção fixada.
 A arguida interpôs recurso da decisão – fls. 79 – apresentando a motivação de 
 fls. 80 a 106.
 Em 15-11-2006 foi dada informação de que as autoridades alemãs se comprometiam a 
 que a procurada cumprisse pena em Portugal desde que o requeresse.
 Por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30-11-2006 – fls.132 a 163 – 
 foi anulado o acórdão da Relação, por não enumerar a base factual imputada à 
 arguida, exigida pelo artigo 3º, alínea e), da Lei 65/03, considerando tratar-se 
 
 “de matéria absolutamente essencial à decisão da causa e ao exercício dos 
 direitos de defesa da arguida”, devendo ser solicitado o MDE, e “na nova 
 decisão, a Relação de Lisboa enumerar a matéria de facto imputada à arguida, e, 
 eventualmente, outros elementos complementares que entenda necessários, 
 nomeadamente quanto à situação processual e incriminação jurídico-penal, a 
 colher junto da Entidade competente”.
 Na Relação é proferido despacho a fls. 167, no sentido de serem satisfeitas as 
 pretensões expostas no acórdão do STJ.
 O Mº Pº de Berlim, em 02-02-2007, responde ao pedido formulado, acrescentando 
 informações com referência aos factos imputados à “prescrutada”, conforme fls. 
 
 177/8.
 Por não se mostrarem satisfeitos cabalmente os pedidos, nova insistência é feita 
 por despacho de fls. 180, pedindo-se ainda outros esclarecimentos, insistindo-se 
 a fls. 182 e 197.
 Por despacho de fls. 234 foi ordenada a notificação à arguida da junção dos 
 documentos. 
 A arguida exerceu o contraditório conforme fls. 243 a 249, aproveitando o ensejo 
 para invocar condições pessoais, como adiantada idade e estado de saúde 
 debilitado, requerendo a final a sua audição relativamente a matérias constantes 
 do MDE e de esclarecimentos prestados pela Promotora Pública de Berlim.
 
 Ø      Por despacho de fls. 253 v º foi considerado não se afigurar útil e 
 necessária a audição requerida.
 O Tribunal da Relação de Lisboa, em 06-11-2007, procedeu à elaboração de novo 
 acórdão, de fls. 255 a 293, em cumprimento do decidido pelo STJ, em que em 
 substância é repetida a decisão, acrescendo a inserção da matéria de facto 
 assacada à arguida, referindo que a questão de saúde da arguida será apenas, se 
 verdadeira for, motivo de suspensão temporária da entrega.
 Irresignada, a procurada interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 304 
 a 329, que remata com as seguintes CONCLUSÕES:
 
 1. Os presentes autos tiveram início com a detenção da arguida na sequência da 
 emissão pelas autoridades alemãs de um Mandado de Detenção Europeu para 
 prossecução de procedimento criminal contra a Recorrente. 
 
 2. De acordo com o MDE finalmente junto aos autos a Recorrente intentou uma 
 intimação para pagamento num Tribunal Alemão contra os herdeiros de D. com base 
 em declarações de dívida assinadas pela falecida D.. 
 
 3. Afirma-se ainda que a requerida, quando foi intentada a intimação para 
 pagamento, sabia que as assinaturas constantes das declarações de dívida não 
 tinham sido efectuadas pela D.. 
 
 4. A requerida confirmou a propositura da acção mas esclareceu que estava (e 
 está) convencida de que as assinaturas apostas nos documentos efectivamente 
 pertenciam a D., convicção que saía reforçada pelo facto de das aludidas 
 declarações constar igualmente a assinatura de uma testemunha, sendo que a 
 própria requerida não havia presenciado a assinatura do documento. 
 
 5.De acordo com informação de uma Promotora Pública (fls. 177 e 178 dos autos) 
 
 'as investigações revelaram que os títulos de dívida com quase certeza absoluta 
 não foram assinados pela emitente D.'. 
 
 6. Esclareceu-se que não se sabe se há ou não falsificação da assinatura ao 
 contrário do que consta do MDE. 
 
 7. Acresce ainda que, tal como a Recorrente sempre afirmou e aceitando-se por 
 mera cautela de patrocínio que os factos descritos no MDE são verdadeiros, os 
 factos integrantes do tipo de burla na forma tentada sempre teriam sido 
 praticados pela requerida em território nacional. 
 
 8.A requerida contactou, em Portugal, o seu advogado alemão (Dr. E.) pedindo-lhe 
 que este tomasse as providências necessárias para reclamar o pagamento da dívida 
 a que se achava ter direito. 
 
 9. A requerida nunca se deslocou para esse efeito ao território alemão tendo 
 dado todas as instruções ao seu advogado a partir de Portugal, onde reside há 
 mais de 40 anos. 
 
 10. A requerida não instruiu expressamente o advogado acerca de qual o concreto 
 procedimento a adoptar pois além de não possuir formação em Direito desconhece 
 por completo a lei alemã por residir no nosso país há mais de quarenta anos. 
 
 11. Foi o seu advogado que decidiu qual o melhor meio de obter o pagamento da 
 dívida e apresentou o requerimento no Tribunal competente para obter uma 
 intimação de pagamento. 12. A responsabilidade criminal é pessoal pelo que há 
 que averiguar onde é que a requerida terá praticado os factos típicos que 
 determinam a sua eventual responsabilidade nesta questão. 
 
 13. Hipótese que é até aceite pela Promotora Pública de Berlim: 'não sabemos se 
 a ré, cujo endereço em Portugal encontra-se (sic) no requerimento de remissão de 
 intimação de pagamento, deu ao seu advogado as instruções referentes ao 
 requerimento a partir de Portugal, ou pessoalmente no escritório do advogado.' 
 
 14. Indubitavelmente o facto típico do ilícito in casu, e no concerne à 
 requerida, consiste em ter dado instruções ao Advogado alemão para reclamar o 
 pagamento de uma dívida que, segundo a 'acusação', a requerida bem sabia não 
 existir por se fundar em título falso. 
 
 15. E isto porque não existiu consumação do crime que a existir teria sido, esta 
 sim, em território alemão. 
 
 16. O Tribunal 'a quo' aceitou até que os factos ocorreram como ora se descrevem 
 mas, ainda assim, concluiu que 'o facto de a arguida dar ordem ao seu advogado a 
 partir de Portugal não preenche senão um dos vários e subsequentes actos 
 preparatórios e de execução da infracção, concretizar praticamente, na sua 
 grande maioria, em território alemão. ' 
 
 17. Porém, não é a emissão da ordem de propositura da acção no Tribunal alemão, 
 ao contrário do que sustenta o Tribunal 'a quo', um mero acto preparatório ou de 
 execução mas sim o único acto praticado pela requerida e o acto eventualmente 
 gerador da sua responsabilidade criminal. 
 
 18. No caso em apreço, tendo a Recorrente transmitido as instruções ao seu 
 advogado a partir de sua casa, em Portugal, impõe-se concluir que a totalidade 
 dos factos foi praticada em território nacional, no que à intervenção da 
 requerida concerne. 
 
 19. Pelo que se encontra preenchida a causa de recusa prevista na alínea h) do 
 n.º 1 do art.12° da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, devendo ter sido, em 
 conformidade, recusada a execução do mandado de detenção europeu. 
 
 20. E tal modo é forte a ligação dos factos em apreço ao território nacional que 
 se impõe a recusa da entrega da Recorrente às autoridades alemãs. 
 
 21. Em poucos casos se verificará uma ligação tão forte ao território nacional 
 como no caso em apreço, em que a totalidade dos factos praticados pela Requerida 
 ocorreu em território nacional. 
 
 22. Sopesando os conflituantes interesses em apreço, deveria ter sido dada clara 
 prevalência aos interesses do Estado português e não aos do Estado Requisitante 
 por ser a ligação dos factos ao território nacional demasiado forte para poder 
 ser relegada para plano secundário. 
 
 23. Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que 
 declare verificar-se a causa de recusa facultativa prevista na alínea h) do 
 art.12° da lei 65/2003, de 23 de Agosto, e, em consequência, recuse o pedido de 
 entrega da Requerida às autoridades alemãs nos termos melhor supra expostos. 
 
 24. Acresce ainda que requerida tem 76 anos e viveu em Portugal a esmagadora 
 maioria da sua vida, tendo adquirido a nacionalidade portuguesa há mais de 40 
 anos, em 1965. 
 
 25. Desde há mais de 40 anos que a requerida vive em Portugal, onde actualmente 
 gere um Hotel, e onde residem igualmente todos os seus filhos e netos. 
 
 26. O estado de saúde da requerida é debilitado e reclama cuidados médicos 
 permanentes. 
 
 27. A requerida padece de reumatismo extenso e particularmente doloroso estando 
 ainda a ser seguida e submetida a tratamentos relativos a doença do foro 
 ginecológico. 
 
 28. A requerida requereu que fosse admitida prova de que todos os factos 
 penalmente relevantes teriam ocorrido em Portugal. 
 
 29. Tendo apresentado não só a cópia dos reconhecimentos de dívida que se alegam 
 ter aposta assinatura falsificada como ainda a cópia da acção judicial cuja 
 propositura motiva a acusação de burla que impende sobre requerida e cópia de 
 correspondência trocada com o advogado alemão que intentou a referida acção, da 
 qual decorre indubitavelmente que a requerida deu instruções ao mesmo em 
 Portugal e não na Alemanha. 
 
 30. Estranhamente o Tribunal recorrido, ao arrepio da sua posição inicial, nos 
 termos da qual reconheceu a pertinência de tal prova, negou a produção de prova 
 por parte da requerida, por a considerar irrelevante. 
 
 31. Apresentou ainda a arguida perante o Tribunal recorrido quatro testemunhas 
 cuja audição requereu. 
 
 32. Três dessas testemunhas (F., G. e H.) intervieram na elaboração dos 
 documentos de reconhecimento de dívida que cuja junção aos autos se requereu e 
 que fundam não só a imputação da alegada falsificação mas também a da alegada 
 burla. 
 
 33. A quarta testemunha, I, que se deslocou expressamente da Alemanha para 
 perante o Tribunal recorrido atestar que a arguida deu no nosso país as 
 instruções que consubstanciam, no entender das autoridades alemãs, a prática de 
 um crime de burla. 
 
 34. Toda a prova apresentada (documental e testemunhal) foi considerada 
 irrelevante para a decisão de mérito a proferir. 
 
 35. Por via da decisão recorrida negou-se ainda o direito de a Recorrente 
 prestar declarações acerca dos novos e decisivos elementos juntos aos autos 
 concretamente, pasme-se, os factos constantes do original do MDE que finalmente 
 fora junto aos autos. 
 
 36. A Recorrente, quando foi ouvida, foi confrontada com os factos constantes da 
 inserção do SIS que, como já sobejamente se encontra demonstrado, são 
 imprecisos, insuficientes e até não coincidentes com a informação constante do 
 MDE, estando, portanto, errados. 
 
 37. Por isso mesmo requereu, após a junção aos autos do original do MDE, que lhe 
 fossem colhidas declarações quanto aos novos factos trazidos aos autos, 
 concretamente os constantes do original do MDE, estes sim delimitadores do 
 
 âmbito dos presentes autos. 
 
 38. A decisão recorrida considerou não se afigurar necessário ouvir a Recorrente 
 pois tal audição 'seria repisar do mesmo e pura perda de tempo.' 
 
 39. Ao decidir deste modo a decisão recorrida violou as normas constantes dos 
 nºs 1, 2 e 3 do art. 21° da lei 65/2003, de 23 de Agosto, conjugadas com a 
 alínea h) do n.º1 do art.12° da mesma lei na medida em que estas estabelecem o 
 direito do arguido a apresentar prova da verificação da causa de recusa de 
 execução do MDE que invocou. 
 
 40. Recusando o Tribunal recorrido a exercer aquela que é a sua única função, 
 enquanto entidade requisitada, em sede de execução de mandado de detenção 
 europeu: averiguar se se verifica, em concreto, a causa de recusa de execução 
 que a requerida invocou em sua defesa. 
 
 41. E ao ter negado à arguida o exercício desse direito, resultante das 
 disposições conjugadas dos nºs 1, 2 e 3 do art.o21° da Lei 65/2003, de 23 de 
 Agosto, o Tribunal recorrido coarctou intoleravelmente o seu direito à defesa 
 constitucionalmente consagrado no n.º1 do art.32° da CRP. 
 
 42. Procedendo a uma interpretação inconstitucional das normas conjugadas dos 
 nºs 1, 2 e 3 do art.21° e da alínea h) do n.º1 do art.12° da Lei 65/2003, de 23 
 de Agosto segundo a qual, apesar de a arguida ter invocado a causa de recusa 
 constante da alínea h) do n.º1 do art.12, 'qualquer declaração da arguida nesta 
 matéria no âmbito deste processo de mde seria repisar do mesmo e pura perda de 
 tempo' é inconstitucional por violação da norma constante do n.º1 do art. 32° da 
 CRP, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais. 
 Termos em que:
 a) Deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência deve a 
 decisão recorrida ser revogada, por violação do disposto nos artigos 12°, n.º1, 
 alínea h) e 21°, nºs 1, 2 e 3 ambos da Lei 65/2003, substituindo-se por outra 
 que decida ser procedente a causa de recusa facultativa invocada pela 
 recorrente; 
 b) Caso assim não se considere deve a decisão recorrida ser revogada e 
 substituída por outra que conheça da causa de recusa invocada e determine a 
 realização da prova cuja produção foi ilegalmente indeferida; 
 c) Em todo o caso deve ser declarada a inconstitucionalidade da interpretação 
 efectuada pelo Tribunal recorrido por violação do disposto no n.º1 do art. 32° 
 da CRP (...)”.
 
  
 
 3 – Por Acórdão de 2 de Janeiro de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu 
 negar provimento ao recurso, louvando-se, para tal, na fundamentação que ora se 
 transcreve:
 
 «(...)
 Do mandado de detenção europeu
 
  
 Como é sabido, com o advento do Mandado de Detenção Europeu criado pela Decisão 
 Quadro nº 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, introduzido no direito interno 
 pela Lei 65/2003, de 23 de Agosto, mudou-se por completo o panorama da 
 extradição, enquanto instrumento de cooperação entre os Estados Membros.
 O mandado de detenção europeu corresponde a uma forma de entrega de cidadãos 
 condenados ou sujeitos a procedimento criminal, mais eficaz, mais rápida e 
 flexível, com um processo simplificado, na tentativa, por um lado, de responder 
 
 à nova realidade criminológica, internacionalizada e globalizada, e por outro, 
 como projecção no plano da cooperação judiciária dos avanços no processo de 
 integração europeia, procurando implementar-se um sistema de livre circulação 
 das decisões judiciais em matéria penal, com o reconhecimento de que uma decisão 
 tomada por uma autoridade judiciária competente de um Estado Membro deve ter um 
 efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União.
 Esta nova forma de cooperação internacional e de entrega entre Estados da 
 Comunidade entronca na Convenção Europeia de Extradição, feita em Paris, em 13 
 de Dezembro de 1957, a que se seguiu o Primeiro Protocolo Adicional, feito em 
 Estrasburgo em 15 de Outubro de 1975 e o Segundo Protocolo Adicional, feito em 
 Estrasburgo em 17 de Março de 1978, os quais vieram a ser aprovados, para 
 ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 23/89, sendo a 
 Convenção assinada em 27-04-1977 e os dois Protocolos assinados, igualmente em 
 Estrasburgo, em 27-04-1977 e em 27-04-1978, tendo sido ratificada a Convenção 
 pelo Decreto do Presidente da República nº 57/89, ambos publicados no DR-I 
 Série, de 21-08-1989.
 O procedimento extradicional veio a ter outros desenvolvimentos ao nível do 
 direito convencional comunitário.
 Assim acontece, desde logo, com um instrumento relevante para este novo processo 
 
 -cfr. artigo 4º da Lei 65/2003 - o Acordo Relativo à Supressão Gradual dos 
 Controlos nas Fronteiras Comuns, assinado em Schengen a 14 de Junho de 1985 e a 
 Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen de 14 de Junho de 1985, assinada em 
 Schengen em 19 de Junho de 1990, cujos Protocolo e Acordo de Adesão foram 
 aprovados em 2 de Abril de 2002 pela Resolução da Assembleia da República, 
 publicada sob o nº 53/93 no DR, nº 276, Série I-A, de 25-11-1993 e ratificados 
 pelo Decreto do Presidente da República nº 55/93, publicado no mesmo Diário da 
 República - cfr. Capítulo IV - artigos 55º a 66º.
 Os Estados-Membros da Comunidade com o Tratado da União Europeia (TUE), assinado 
 em 07-02-1992 e entrado em vigor em 01-11-1993 (Tratado de Maastricht), 
 afirmaram a existência de um domínio de cooperação comum relacionados com a 
 justiça e assuntos internos, impulsionando a cooperação judicial em matéria 
 penal, como expressamente foi inscrito no Título VI – “Disposições relativas à 
 cooperação policial e judiciária em matéria penal”, criando-se então o terceiro 
 pilar da União Europeia.
 Na sequência são firmadas e estabelecidas, com base no então artigo K.3 do 
 referido TUE, a Convenção relativa ao Processo Simplificado de Extradição entre 
 os Estados Membros da União Europeia, assinada em Bruxelas em 10-03-1995, 
 aprovada em 27-02-1997 para ratificação por Resolução da Assembleia da República 
 e ratificada por Decreto do Presidente da República, de 22-05-1997, ambos 
 publicados sob o nº 41/97, in DR, I Série - A, nº 138, de 18-06-1997 e a 
 Convenção relativa à Extradição entre os Estados–Membros da União Europeia, 
 assinada em Dublin, em 27-09-1996, aprovada em 28-05 -1998 para ratificação por 
 Resolução da Assembleia da República e ratificada em 18-08-1998 por Decreto do 
 Presidente da República, ambos publicados sob o nº 40/98, in DR, I Série - A, nº 
 
 205, de 05-09-1998, modificando esta Convenção o regime da Convenção de 1957, 
 sendo que tais convenções não chegaram a entrar em vigor na totalidade dos 
 Estados-Membros, uma vez que não foram ratificadas por todos eles.
 A construção de um espaço judiciário comum e a cooperação judiciária em matéria 
 penal ganha nova dimensão a partir do Tratado de Amesterdão, assinado em 
 
 02-10-1997, que entrou em vigor em 01-05-1999, ratificado por Decreto do 
 Presidente da República nº 65/99, in DR, I Série –A, de 19-02-1999, que teve por 
 ambição suprimir os entraves jurídicos à circulação das decisões judiciais, com 
 a introdução de novos instrumentos normativos, passando os Estados Membros a 
 dispor em matéria penal de “decisões” e “decisões-quadro”, com natureza 
 vinculativa para os Estados Membros, quanto aos fins a alcançar.
 Com o Plano de Acção de Viena, aprovado em 03-12-1998, estabeleceu-se a adopção 
 de medidas tendentes a facilitar os procedimentos de extradição entre os 
 Estados-Membros, assegurando que as duas convenções de extradição existentes 
 adoptadas ao abrigo do TUE fossem efectivamente implementadas na prática. 
 Com o Conselho Europeu de Tampere, realizado em 15 e 16 de Outubro de 1999, 
 operou-se avanço significativo.
 Concluiu-se então que o procedimento formal de extradição deveria ser abolido 
 entre os Estados-Membros no que dizia respeito às pessoas julgadas à revelia 
 cuja sentença já tivesse transitado em julgado e substituído por uma simples 
 transferência de pessoas.
 No sentido da construção do tal espaço comum de liberdade, de segurança e de 
 justiça propugnado em Amesterdão, concluiu-se deverem as sentenças e decisões 
 serem respeitadas e aplicadas em toda a União, para o que se mostrava necessário 
 alcançar um mais elevado grau de compatibilidade e de convergência entre os 
 diferentes sistemas jurídicos.
 Lançam-se as bases do princípio da confiança mútua, com a verificação de que os 
 Estados-Membros “atingiram um tal grau de integração económica e de 
 solidariedade política que não é insensato partir do postulado de que devem 
 confiar uns nos outros no domínio judiciário”, devendo os Estados prescindir de 
 uma parcela da sua soberania penal para reconhecer, também, as pretensões 
 punitivas estrangeiras, abrindo as fronteiras nacionais às decisões judiciais 
 estrangeiras, consagrando-se, como pedra angular da cooperação judiciária, o 
 princípio do reconhecimento mútuo. 
 O objectivo geral deste princípio é conferir à decisão judicial eficácia total e 
 directa, em todo o território da União Europeia, criando operacionalidade ao 
 exercício das acções por parte de cada um dos seus Estados Membros.
 O Conselho em Novembro de 2000 adoptou um programa de medidas destinado a dar 
 execução ao princípio, afirmando-se que “o reconhecimento mútuo assume (…) 
 formas diversas, devendo ser procurado em todas as fases do processo penal, 
 antes e depois da sentença”. 
 Os acontecimentos verificados nos EUA em 11 de Setembro de 2001 precipitaram 
 esta evolução, sendo o impulso dado no Conselho Europeu extraordinário que se 
 realizou dez dias depois, assinalando-se o acordo obtido quanto à introdução do 
 mandado de detenção europeu que permite a entrega de pessoas procuradas 
 directamente entre autoridades judiciárias, conferindo-se carácter prioritário à 
 sua implementação 
 O Conselho da União Europeia adoptou a Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, de 13 de 
 Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de 
 entrega entre Estados-Membros.
 Este regime inovador substituiu as Convenções até então vigentes sobre 
 extradição nas relações entre os Estados Membros da União.
 Portugal adaptou o seu direito interno à Decisão Quadro através da publicação da 
 Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto.
 Previamente, através de revisão constitucional – a 5ª – que aditou o § 5 ao 
 artigo 33º da CRP, viabilizou a extradição ou a entrega de cidadãos nacionais em 
 consequência dos compromissos assumidos no domínio da cooperação judiciária 
 penal no âmbito da União Europeia – Lei Constitucional nº 1/2001, de 12-12.
 O MDE constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo e 
 por força da sua aplicação, a decisão quadro acaba com o processo de extradição 
 entre os Estados Membros da União.
 Como refere Anabela Miranda Rodrigues, O Mandado de Detenção Europeu - na via da 
 construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto? na Revista 
 Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13, nº 1, p. 23 e ss., a decisão quadro 
 
 “substitui as convenções aplicáveis em matéria de extradição nas relações entre 
 os Estados-Membros, sem prejuízo da sua aplicação nas relações entre 
 Estados–Membros e Estados terceiros (art. 31º, nº1) …”
 Nas relações entre os Estados da Comunidade, por força do MDE, o elemento chave 
 do processo de “entrega” passou a ser o próprio “mandado” de detenção emitido 
 pela autoridade judiciária competente, diversamente do que ocorre nas relações 
 com o exterior do «território único», em que o elemento chave continua a ser o 
 
 ”pedido”, o que se justificará por nesses casos não se estar perante os 
 pressupostos (confiança recíproca entre os Estados Membros, o reconhecimento 
 mútuo e o postulado do respeito efectivo pelos direitos fundamentais em toda a 
 União Europeia) que justificam a judiciarização do processo de detenção e de 
 entrega.
 A propósito desta evolução vejam-se, para além do trabalho referido, O princípio 
 do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu, por Ricardo Jorge 
 Bragança de Matos, na mesma Revista, ano 14, nº 3, p. 325 a 367, A importância 
 da cooperação judiciária internacional no combate ao branqueamento de capitais, 
 por Euclides Dâmaso Simões, na Revista citada, ano 16, nº 3, p. 423 a 473 e O 
 controlo da dupla incriminação e o mandado de detenção europeu, por Mário Elias 
 Soltoski Júnior, no mesmo número, p. 475 a 494.
 
  
 Factos a considerar
 
  
 O Tribunal da Relação de Lisboa, na sequência do decidido por este Supremo 
 Tribunal, de acordo com os elementos disponíveis, quer na inserção SIS, quer no 
 original do MDE, quer de acordo com os esclarecimentos prestados pela autoridade 
 de emissão, enunciou a seguinte facticidade que está na base da emissão do 
 mandado de detenção europeu proveniente dos citados Tribunal e processo alemães:
 
 “Em Dezembro de 2003, a arguida (A.) apresentou ao Tribunal da Comarca de 
 
 Weeding/Schöneberg – tribunal central para intimações de pagamento – um 
 requerimento, que deu entrada no Tribunal em 23 de Dezembro de 2003, para obter 
 uma intimação de pagamento contra a comunidade de herdeiros formada por J., K. e 
 L.. Como fundamento, encarregou o Advogado no processo (Dr. E.) de referir no 
 pedido uma reclamação baseada na existência de 4 títulos de dívida assinados 
 pela testadora D. para reembolso de uma dívida face à comunidade de herdeiros no 
 valor total de 304.218,68 euros.
 Quando apresentou o pedido, a arguida sabia que as assinaturas que figuravam nos 
 títulos de dívida não tinham sido efectuadas pela testadora D..
 A arguida actuou com a intenção prévia de obter um pedido de reembolso de um 
 empréstimo que não lhe cabia imputar à herança comum.
 No entanto, não chegou a concretizar a emissão da relação de pagamento.
 Grau de participação: autora da infracção”.
 A emissão do MDE foi accionado pelo Ministério Público de Berlim, junto do 
 Tribunal de Tiergarten, referindo-se a infracção punível com pena até 5 anos de 
 prisão, a arguida estar referenciada como autora de crime tentado de burla, 
 punível segundo os §§ 263, nºs 1 e 2, 22 e 23 do Código Penal Alemão, os factos 
 reportarem-se a 23 de Dezembro de 2003, tendo ocorrido em Berlim.
 Para além daquela matéria de facto o mandado continha as seguintes indicações:
 Natureza e qualificação jurídica da (s) infracção/infracções e disposição 
 legal/código aplicável: Qualificação jurídica da (s) infracção (ões): tentativa 
 de burla.
 Disposições legais aplicáveis: §§ 263 nºs 1 e 2, 22 e 23 do Código penal alemão 
 
 (…)”
 O prazo de prescrição do procedimento criminal foi interrompido com a emissão do 
 mandado de captura do Tribunal de Tiergarten de 22 de Maio de 2006.
 Segundo informação prestada pelo Mº Pº Alemão a fls. 231, datada de 28-03-2007, 
 
 “a Srª A. é suspeita de ter dado instruções ao seu advogado de Bad Aibling 
 
 (Baviera) ou pessoalmente ou por telecomunicações, para apresentar uma queixa 
 cível no Amtsgericht Tiergarten (tribunal local) em Berlim, a 23 de Dezembro de 
 
 2003, com base em falsas informações quanto à justificação dada por ela para 
 cobrar dívidas contraídas pela sua familiar falecida, D. a fim de forçar os 
 herdeiros/sucessores de D. a pagarem cerca de 300.000 euros à interessada. 
 Não temos nenhuma indicação sobre a questão de saber se a ordem foi dada a 
 partir de Portugal ou de outro país, mas o formulário (da queixa? / do 
 requerimento?) foi assinado na Alemanha e enviado para um tribunal alemão.
 Assim, seria aconselhável que o tribunal apresentasse quaisquer outras questões 
 de um modo mais específico.
 A acusação ainda não foi apresentada ao Landgericht (Tribunal Regional) de 
 Berlim porque, nos termos do código de processo penal alemão, a acusação e o 
 julgamento terão lugar regularmente quando for assegurada a presença da 
 interessada”
 Esclarece-se que “se a Srª A. for entregue, será formalmente acusada e terá de 
 ir a julgamento no Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim) se a 
 acusação for aceite pelo Tribunal. A decisão sobre se a mesma terá de ficar 
 detida até ao final do julgamento cabe igualmente ao tribunal.
 Dado que a Srª A. foi notificada pela polícia da Baviera sobre a queixa 
 apresentada contra ela, entende-se não ser necessária carta rogatória”.
 E relativamente a explicações sobre o Código de Processo Penal Alemão, o Mº Pº, 
 em 02-07-2007, a fls. 236 a 238, informava:
 
 “1. A Sr.ª A. ainda não foi acusada. Como na Alemanha não existe julgamento na 
 ausência o arguido deve estar fisicamente presente para ser acusado em tribunal.
 
 2. O mandado de detenção europeu emitido contra a Sr.ª A. baseia-se 
 essencialmente no mandado de detenção a nível interno, emitido pelo juiz de 
 instrução em 22 de Maio de 2006. Por conseguinte, logo que a Sr.ª A. chegue à 
 Alemanha será detida.” 
 
 *
 O crime assacado à procurada é uma burla na forma tentada.
 No início do processo foi colocada a questão de se estar eventualmente perante 
 também um crime de falsificação de documento. 
 A questão seria de colocar por estar em causa uma tentativa de cobrança de 
 alegado crédito titulado por documentos de assunção de dívida por parte da 
 autora da herança e atendendo-se a que então estaria em causa eventual 
 falsificação de assinatura da falecida ou “falsas informações quanto à 
 justificação dada por ela (procurada) para cobrar dívidas contraídas pela sua 
 familiar falecida”. 
 A este propósito as dúvidas foram desfeitas e esclarecidas com a informação 
 prestada em 02-02-2007 pela Promotora Pública de Berlim, a fls. 177/8, traduzida 
 em fax de 13-02-07, onde se esclarece:
 
 “A ré não é acusada de falsificação de documento. Segundo o direito penal alemão 
 uma falsificação de documento é caracterizada por elaboração de documento falso, 
 falsificação de um documento verdadeiro ou emprego de um documento falso ou 
 falsificado. A apresentação de uma fotocópia reconhecível como tal somente é 
 considerada falsificação de documento, quando se trata da cópia de um documento, 
 em contraposição à cópia de partes soltas dispostas umas sobre as outras. As 
 investigações revelaram que os títulos de dívida com quase certeza absoluta não 
 foram assinados pela emitente D.. Contudo, não foi possível encontrar os 
 originais nos quais as cópias se baseiam. Não podemos excluir a possibilidade de 
 que trata-se tão somente de partes soltas dispostas umas sobre as outras. Além 
 disso, as fotocópias não chegaram a ser apresentadas ao tribunal.”
 
  
 
 1ª Questão
 
  
 Estar-se-á perante a verificação de uma causa de não execução ou de recusa 
 facultativa de execução do mandado, mais concretamente, a prevista na alínea h) 
 do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 65/2003?
 A recorrente defende a afirmativa ao longo do que expõe nas conclusões 1ª a 23ª.
 Dispõe o citado artigo:
 
 1 - A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando:
 h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que:
 i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em 
 território nacional ou a bordo de navios ou de aeronaves portugueses; ou
 ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde 
 que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando 
 praticados fora do território nacional.
 
  
 Sobre aplicação da lei penal no espaço dispõe o artigo 4º do Código Penal, com a 
 epígrafe “Aplicação no espaço: princípio geral”:
 
 «Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é 
 aplicável a factos praticados:
 Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou
 A bordo de navios ou aeronaves portugueses».
 
  
 Estas disposições consagram o princípio da territorialidade na aplicação da lei 
 penal no espaço, o qual já estava consagrado no artigo 53º, nºs 1 e 2, do Código 
 Penal de 1886.
 Segundo este princípio-regra e basilar, que continua a dominar a aplicação da 
 lei penal no espaço, a legislação penal do Estado pune todas as infracções 
 cometidas no seu território (definido no artigo 5º da CRP), cometidas por 
 qualquer cidadão, entendendo-se território nacional com a extensão conferida 
 pelo princípio corolário daquele, o chamado princípio da bandeira ou do 
 pavilhão, sendo recente o caso de alargamento da aplicação no espaço das leis 
 penal e contra-ordenacional portuguesas a casos de ilícitos cometidos a bordo de 
 aeronaves civis em voos comerciais, constante do Decreto-Lei nº 254/2003, de 
 
 18-10.
 O princípio é completado pelos princípios da protecção dos interesses nacionais, 
 da nacionalidade – da personalidade activa e da personalidade passiva – e da 
 pluralidade da prática do crime, também designado de princípio da competência ou 
 da aplicação universal ou princípio do direito mundial – sobre estas distinções, 
 cfr. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 12ª edição, em anotação aos 
 artigos 4º e 5º e Manuel António Lopes Rocha, A Aplicação da Lei Criminal no 
 Tempo e no Espaço, in Jornadas de Direito Criminal, edição do CEJ, 1983, 118 e 
 ss. 
 Estes princípios mostram-se consagrados no artigo 5º, prevendo-se os casos em 
 que ainda é aplicável a lei penal portuguesa a factos cometidos fora do 
 território nacional, com as restrições previstas no artigo 6º.
 
  
 A aplicação do princípio da territorialidade pressupõe resolvida a questão da 
 sede do crime.
 A propósito da determinação do lugar da prática da infracção debatem-se as 
 doutrinas da actividade ou execução e do evento. A aceitação cumulativa das duas 
 doutrinas, resultante de premências da vida moderna e da facilidade e frequência 
 de prática de crimes à distância, deu origem à chamada solução plurilateral, já 
 defendida anteriormente pela doutrina, como Eduardo Correia, Direito Criminal, 
 
 1, p. 179 (defendendo ser a solução exigida pelo interesse de que, em virtude de 
 diferentes critérios usados pelas leis de diferentes países, os criminosos não 
 fiquem impunes) e a que Hans-Heinrich Jescheck chama teoria da ubiquidade.
 No Tratado de Derecho Penal, Parte General, I, tradução espanhola, edições 
 Bosch, 1981, de Santiago Mir Puig e Francisco Muñoz Conde, no capítulo IV da 1ª 
 Parte, fls. 239 a 241, a propósito do lugar de comissão, expende este autor, a 
 propósito do artigo 9º do Código Penal da então República Federal da Alemanha:
 
 “O lugar de comissão de um facto é decisivo para a questão de saber se o poder 
 punitivo de determinado Estado se deve basear no princípio da territorialidade 
 ou deve buscar-se outro ponto de conexão.
 A questão de saber quais são os elementos que servem para determinar o lugar de 
 comissão foi durante muito tempo objecto de discussão técnica. A teoria da 
 actividade atende ao lugar em que o autor actuou, ou em caso de omissão, devia 
 ter actuado. A teoria do resultado atende, pelo contrário, ao lugar onde se 
 produziu o resultado típico. Actualmente é dominante a teoria da ubiquidade. 
 Esta teoria considera como lugar de comissão tanto o lugar da acção como o do 
 resultado típico. Invoca-se para tanto a equivalência da acção e resultado para 
 o conteúdo criminal do facto e a necessidade de colmatar as lacunas que surgem 
 com a aplicação do princípio da territorialidade. 
 No que se refere à acção como ponto de conexão, o lugar da comissão nos crimes 
 de simples actividade determina-se unicamente pela acção típica, da qual é 
 necessário que se cometa só uma parte em território nacional e, nos crimes de 
 resultado, pela acção e pelo resultado.
 Os actos preparatórios podem servir de base ao lugar da comissão do facto quando 
 se apresentam como contributo ao facto de um co-autor”.
 E a propósito de tentativa esclarece: “A tentativa entende-se cometida em 
 território nacional quando o autor tiver actuado no estrangeiro mas o resultado 
 deveria produzir-se em território nacional e inversamente”.
 A teoria da ubiquidade foi defendida entre nós pelo Professor Figueiredo Dias no 
 estudo La compétence des jurisdictions pénales portugaises pour les infractions 
 commises à l´ étranger, separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 
 
 1966, p. 10 e segs.
 Cavaleiro Ferreira, segundo Apontamentos das Lições de Direito Penal proferidas 
 ao 5º ano jurídico, edição da FDL, ano de 1972-1973, Fasc. 15 e 16, p. 180/2, 
 expendia:
 
 “As posições que têm sido sustentadas acerca da determinação do lugar do delito 
 são as mesmas que foram apresentadas quanto ao tempo do delito.
 Segundo a doutrina da actividade, todo o delito é cometido no lugar em que se 
 exerce a acção criminosa do delinquente.
 Segundo a teoria do evento, o delito deve considerar-se cometido no lugar onde 
 se verificou o resultado danoso.
 Finalmente, a doutrina da ubiquidade afirma que o delito se poderá considerar 
 cometido tanto num como no outro lugar”.
 Adiantava que, no que respeitava à competência internacional da lei portuguesa, 
 havia sido seguida a doutrina da ubiquidade no artigo 46º e §§ do Código de 
 Processo Penal. Desde que qualquer elemento do crime fosse praticado em 
 Portugal, toda a infracção se devia considerar cometida em território português.
 E finalizava: “Com a adopção da doutrina da ubiquidade, o direito penal 
 português é aplicável aos factos que se realizem só parcialmente em território 
 nacional. Ainda que só a actividade, ou só o evento, ou só uma parte do evento, 
 se tenha realizado em território nacional, a lei penal será sempre aplicável 
 porque todo o crime se considera cometido em território nacional”.
 O mesmo Professor retoma o tema nas Lições de Direito Penal, Editorial Verbo, 
 
 1987, I, p. 26 a 31, dizendo: «O C. Penal de1886 era omisso sobre a determinação 
 do lugar do delito; a doutrina portuguesa então ponderou largamente a questão; 
 intervieram no seu estudo e discussão com especial relevo os professores 
 Henriques da Silva, Pedro Martins e Caeiro da Mata.
 A questão foi resolvida pelo Cód. de Proc. Penal com base na opinião dominante e 
 que foi a dos dois últimos autores citados, ou seja a chamada doutrina da 
 
 “ubiquidade”». 
 E que “a solução legislativa do art. 46º do CPP (de 1929) está fundamentalmente 
 recolhida pelo art. 7º do (então) novo Cód. Penal”. 
 Na jurisprudência, no acórdão do STJ, de 21-12-1983, in BMJ 332, 341, dizia-se: 
 O actual Código Penal no seu artigo 7º consagra a teoria da ubiquidade quanto ao 
 lugar do delito, em clara consonância com a ideia da plenitude da soberania 
 portuguesa sobre o território nacional, anotando-se aí que a teoria da 
 ubiquidade é a mais ampla concepção da sede do delito já que tem em conta o 
 lugar, o processo de execução, o resultado e o efeito intermédio.
 Em anotação a este acórdão do STJ, na Revista de Legislação e Jurisprudência, 
 ano 118º, p.17, escrevia o Professor Figueiredo Dias: «O art. 7.º do CP consagra 
 a chamada solução plurilateral ou da ubiquidade, em termos particularmente 
 amplos e consonantes com a ideia da plenitude da soberania portuguesa sobre o 
 território nacional. Basta, por isso, que a infracção tenha com o território 
 português qualquer dos elementos de conexão mencionados com aquele preceito - 
 acção, nos crimes respectivos; a acção esperada nos casos de omissão; ou o 
 resultado típico - para que deva concluir-se ter sido o crime praticado em 
 Portugal…»
 
  
 O Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23-09, procurou 
 resolver a questão no artigo 7º, cujo texto inicial era sob a epígrafe “Lugar da 
 prática do facto” o seguinte: «O facto considera-se praticado tanto no lugar em 
 que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente 
 actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o 
 resultado típico se tenha produzido». 
 Redacção praticamente simétrica encontra-se na definição do lugar da prática do 
 facto no artigo 6º do DL 433/82, de 27/10 - regime geral das contra-ordenações.
 O texto teve uma alteração (ligeira) em 1995, substituindo-se apenas o tempo 
 verbal “tenha produzido” por “tiver produzido”, sendo a seguinte a redacção 
 actual, introduzida pela Lei nº 65/98, de 2 de Setembro – 4.ª alteração do 
 Código Penal - entrada em vigor em 07-09-1998 e intocada pela Lei nº 59/2007, de 
 
 4 de Setembro:
 
 1 – O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, 
 e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de 
 omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o 
 resultado não compreendido no tipo de crime se tiverem produzido.
 
 2 – No caso de tentativa, o facto considera-se igualmente praticado no lugar em 
 que, de acordo com a representação do agente, o resultado se deveria ter 
 produzido.
 
  
 Este nº 2 corresponde a inovação introduzida pela citada reforma de 1998, não 
 tendo correspondente, quer na versão original de 1982, quer na 3ª alteração 
 operada em 1995 pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15-03.
 Estas alterações foram justificadas na exposição de motivos da proposta de lei 
 nos seguintes termos:
 
 “… Modifica-se a regra de determinação do lugar da prática do facto (artigo 7º), 
 contemplando-se, por um lado, o lugar em que se produziu o resultado não 
 compreendido no tipo de crime e, por outro, o lugar em que, no caso de 
 tentativa, se deveria ter produzido o resultado típico. Na primeira hipótese, 
 utiliza-se o conceito de consumação material de crime, através de uma linguagem 
 de que o Código Penal se prevalece no artigo 24º. Assim, nos crimes formais (e, 
 mais genericamente, nos crimes de perigo), será aplicável a lei penal 
 portuguesa, apesar de o agente ter actuado no estrangeiro, desde que a lesão do 
 bem jurídico ocorra em Portugal. Na segunda hipótese – e seguindo a mesma ideia 
 de reforço da validade da lei penal portuguesa – consagra-se um critério que 
 atende à representação do agente, para determinar o lugar o lugar em que o crime 
 se teria consumado se a tentativa fosse bem sucedida”.
 Esta inovação respeitante à tentativa corresponde, segundo nos parece, à 
 recepção dos ensinamentos de Jescheck, não só face ao já referido trecho, mas 
 também quando, a fls. 706, ao encarar o problema da delimitação entre tentativa 
 e preparação, discorre que há que partir da «representação do autor do facto», 
 isto é, do plano do agente, acolhendo-se um critério subjectivo. 
 
  
 Volvendo ao nosso caso.
 
  
 
 È inquestionável que a burla perfectibilizar-se-ia em Berlim.
 Tudo começa com um procedimento cível de tentativa de cobrança de alegado 
 crédito da procurada sobre as forças da herança de uma falecida familiar, D., 
 desconhecendo-se onde residiria…os títulos de crédito seriam documentos a 
 titular mútuos, que teriam sido celebrados entre a procurada, na qualidade de 
 mutuante e a autora da herança demandada, como mutuária, desconhecendo-se a data 
 da abertura da herança, sabendo-se que estariam em causa 4 títulos, datados de 
 
 17-07-1991, 01-07-1992, 21-10-1992 e 30-09-2003, desconhecendo-se os montantes 
 constantes de cada título e se face à lei portuguesa, supondo-se ser a 
 aplicável, tais mútuos seriam nulos por falta de forma ou não.
 Pelo que resulta dos elementos trazidos a este procedimento, a adjectivação 
 desta tentativa de cobrança de crédito sobre a referida herança, ter-se-á 
 processado em termos que, a nível de processo nacional, estará muito próximo do 
 recurso ao procedimento de injunção, previsto no Decreto-Lei nº 269/98, de 
 
 01-09, republicado pelo DL 107/05, de 01-07 (procedimento destinado a exigir o 
 cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato), que era 
 inicialmente de aplicar à cobrança de créditos provenientes de contratos de 
 baixo valor e que a partir do Decreto-Lei nº 32/03, de 17-02, passou a abranger 
 a cobrança de créditos de valor muito superior, de tal forma que a adjectivação 
 deste modo de cobrança passou a ser transversal, abrangendo dívidas de montantes 
 mais elevados e a poderem ser processadas, caso não funcione a injunção, com a 
 dedução de oposição ou no caso de frustração de notificação, nas formas de 
 processo comum – sumária e ordinária.
 Ao deduzir o pedido o autor não carece de juntar desde logo documento 
 comprovativo do crédito, pois, a não haver oposição, é logo conferida força 
 executiva ao requerimento injuntivo. Daí, não terem sido juntos os títulos de 
 dívida ao requerimento, como se informa a fls.177. 
 Tal acção terá sido muito provavelmente suspensa por prejudicialidade, até ser 
 esclarecida no processo crime competente e de que emergiu este mandado, a 
 questão da alegada viciação dos títulos de crédito apresentados.
 
  
 Atendendo a todo este quadro, dúvidas não haverá de que, mesmo que alguns dos 
 actos tenham sido praticados em Portugal, o resultado deveria produzir-se em 
 território alemão, pois evidente é que a cobrança da dívida efectivar-se-ia em 
 Berlim, onde a injunção foi proposta.
 Após a propositura da acção das duas uma: ou os herdeiros não deduziam oposição 
 e era desde logo conferida força executiva ao requerimento injuntivo, ou era 
 deduzida oposição, e a acção prosseguiria para ser declarado o direito de 
 crédito.
 O que significa que sempre o reembolso dos alegados mútuos, ou o enriquecimento 
 ilegítimo, teriam lugar em Berlim.
 O resultado da acção deveria, pois, produzir-se na Alemanha.
 Se o resultado se deveria ter produzido em Berlim, de acordo com o plano e a 
 representação da procurada, o facto considera-se praticado …em Berlim.
 
 É o que resulta do nº 2 do artigo 7º do Código Penal.
 Sendo assim, afastada fica a possibilidade de recusa prevista no artigo 12º, nº 
 
 1, alínea h) da Lei nº 65/03.
 
  
 Ainda relacionada com a recusa, invoca a recorrente, nas conclusões 24ª e 25ª, a 
 sua idade e vivência em Portugal, alegando ter 76 anos de idade, repetindo o que 
 dissera no requerimento de fls. 243 a 249, o que só pode ser entendido como 
 manifesto, e certamente lamentável, lapsus calami, já que não pretenderia a 
 recorrente alcandorar-se a patamar etário, que só será atingido passados que 
 sejam três lustres.
 Na verdade, tendo nascido em 29-12-1946, conta actualmente (e muito 
 recentemente, há escassos 4 dias), apenas com 61 anos de idade.
 Alega ainda viver no País há 40 anos, ter nacionalidade portuguesa desde 1965, 
 ano em que casou, tendo aqui 2 filhos e netos, gerindo um hotel em Lisboa, de 
 que é proprietária, como afirmou nas primeiras declarações e repetira no mesmo 
 local.
 Pese embora toda esta vivência, consta do auto de audiência que “Atento o facto 
 de a detida não falar e entender a Língua Portuguesa e, por conseguinte, não 
 prescindir de intérprete, foi, nos termos do disposto no art. 92º do C. P. 
 Penal, nomeada intérprete a Sra. ...”, a quem no final foram fixados os 
 competentes honorários.
 No que respeita à questão do estado de saúde, invocada nas conclusões 26ª e 27ª, 
 remete-se para o que consta do acórdão recorrido.
 
  
 Resolvida a questão da causa de não execução facultativa suscitada pela 
 procurada, de acordo com a clara solução legal dada pelo nº 2 do artigo 7º do 
 Código Penal, no sentido já exposto, parece despiciendo tecer outras 
 considerações relativamente às duas outras questões colocadas em recurso.
 Não obstante, não se deixará de abordar as mesmas.
 
  
 
 2ª Questão
 
  
 Nas conclusões 28ª a 39ª a recorrente invoca a violação do disposto no artigo 
 
 21º, n.º s 1, 2 e 3 da Lei nº 65/03, insurgindo-se contra o decidido na parte em 
 que considerou irrelevante a produção de prova por si apresentada.
 Em causa está a pretensão da recorrente de que fosse admitida prova de que todos 
 os factos penalmente relevantes teriam ocorrido em Portugal e o facto de ter 
 sido considerada irrelevante para a decisão essa prova, bem como a própria 
 audição, como requerera.
 A tese do acórdão recorrido é esta: afastada a análise da questão na perspectiva 
 da falsificação (o que de resto já havia sido explicitado logo no início do 
 processo, aquando da audiência de 24-11-2006, como se vê de forma clara de fls. 
 
 27), haveria que analisar se face à burla a causa de exclusão seria relevante, 
 atendendo a que a autoridade emitente considerava o crime como cometido na 
 Alemanha.
 
 É sobre esta consideração e contra o indeferimento da sua audição que a 
 recorrente se insurge.
 Diz o acórdão recorrido, a fls. 289, que não se verifica a invocada causa 
 facultativa de exclusão, mesmo em relação à subsistente burla, face à 
 problemática da territorialidade. E justifica essa sua posição nestes termos: “ 
 Na verdade, todo o iter criminis se terá desenrolado, quase na totalidade, 
 excepto no respeitante à eventual ordem da arguida ao seu advogado, 
 eventualmente a partir de Portugal, em território alemão. Qualquer declaração da 
 arguida sobre esta matéria no âmbito deste processo de mde seria repisar do 
 mesmo e pura perda de tempo. Por isso foi que se entendeu desnecessário ouvi-la 
 de novo, já que, mesmo aceitando que tal pudesse ser verdade, não alteraria uma 
 vírgula o sentido da solução”. (sublinhados nossos)
 
 “Acresce que não há processo criminal pelos mesmos factos em Portugal, nem tão 
 pouco se manifestou nos autos que tal pudesse vir a acontecer, sequer por 
 iniciativa do Mº Pº.
 A posição da defesa nesta matéria é manifestamente insuficiente para 
 preenchimento da causa relevante (territorialidade) de exclusão do mde.
 O facto de a arguida dar ordem ao seu advogado a partir de Portugal não preenche 
 senão um dos vários e subsequentes actos preparatórios e de execução da 
 infracção, a concretizar praticamente, na sua grande maioria, em território 
 alemão.
 Não encontramos pois, por aqui, razão de relevância daquela ordem, mesmo a ter 
 surgido em território nacional, para afastar aquele pedido de execução de 
 entrega para procedimento criminal”.
 A este respeito há que dizer desde já que o presente procedimento vai longo, 
 encontrando-se a procurada em liberdade, verificando-se o exercício do 
 contraditório e o manifesto propósito por parte do tribunal, desde o início, de 
 esclarecer a situação, como desde logo decorre do pedido inicial de informações 
 complementares, dos pedidos de esclarecimentos à autoridade emitente e à 
 notificação de documentos juntos, de modo a que a arguida pudesse apreciá-los, o 
 que não deixou de fazer.
 Na verdade, o original do MDE não trouxe nada de substancialmente diverso do que 
 já constava dos autos, para mais subsistindo apenas o crime de tentativa de 
 burla, sendo certo que em boa verdade nunca o emitente colocou a questão do 
 crime de falsificação de documento, que só aqui foi colocada.
 
  
 
 3ª Questão
 
  
 Directamente conexionada com esta questão, nas conclusões 40ª a 42ª, argui-se a 
 inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes das disposições 
 conjugadas dos nºs 1, 2 e 3 do art. 21º e da alínea h) do nº 1 do art. 12º da 
 lei 65/03, por a decisão recorrida ter negado à arguida o exercício do direito 
 de ver averiguado se se verifica em concreto, a causa de recusa invocada, 
 coarctando o seu direito à defesa constitucionalmente consagrado no art. 32º, nº 
 
 1 da Constituição da República Portuguesa, estando em causa o seguinte segmento: 
 
 “qualquer declaração da arguida nesta matéria no âmbito deste processo de mde 
 seria repisar do mesmo e pura perda de tempo”.
 Estabelece este preceito que o processo criminal assegura todas as garantias de 
 defesa, incluindo o recurso.
 A interpretação feita na decisão recorrida mostra-se fundamentada, tendo-se 
 socorrido de todos os elementos que ao longo do processo foram sendo juntos, os 
 quais foram apreciados e examinados, sendo correcta a análise efectuada à luz 
 dos elementos fornecidos pelo Estado emitente, e o que é mais, embora não 
 fundamentada dessa forma, de harmonia com a clara solução legal apontada para o 
 caso de tentativa pela consagração da teoria da ubiquidade e do seu último 
 desenvolvimento com a inovação introduzida em 1998. 
 A prova pretendida (dos factos integradores da causa de recusa facultativa 
 invocada), como se viu, era de todo inoperante e irrelevante, atendendo à 
 solução do artigo 7º, nº 2 do Código Penal.
 Efectivamente, segundo a lei portuguesa a infracção, no todo ou em parte, não é 
 de considerar como tendo sido cometida em território nacional, não se 
 preenchendo, pois, o pressuposto da causa de recusa invocada.
 Conclui-se assim não terem sido preteridas as garantias de defesa da 
 procurada.».
 
  
 
 4 – Na sequência, foi requerida a aclaração desse Acórdão, que o Supremo 
 indeferiu por Acórdão de 29 de Janeiro de 2008.
 
  
 
 5 – Novamente inconformada, a executada interpôs, nos termos supra referidos, o 
 presente recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, por integrar uma 
 hipótese abrangida pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o disposto no 
 artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a ser decidido nos termos seguintes.
 
  
 
 6 – Como é consabido, o objecto do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da 
 Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, disposição esta que 
 se limita a reproduzir o comando constitucional, apenas se pode traduzir numa 
 questão de (in)constitucionalidade de normas de que a decisão recorrida, após 
 ter sido suscitada a questão, tenha efectivamente aplicado em termos de 
 constituírem o fundamento normativo do aí decidido.
 
             Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e 
 incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra 
 recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da 
 constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da 
 natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, 
 
 «A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor 
 Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 
 
 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no 
 Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no 
 mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de 
 pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 
 
 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o 
 Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 
 
 2000).
 
             Por outro lado, importa acentuar que, neste domínio da fiscalização 
 concreta de constitucionalidade, a intervenção do Tribunal Constitucional se 
 limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o 
 tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado. 
 
             Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento. 
 
             Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal 
 Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, 
 ou seja, o fundamento normativo do aí decidido. 
 Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o 
 objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído 
 por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não 
 pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em sim 
 própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios 
 constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito 
 infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no 
 que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado 
 
 às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
 
             Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos 
 para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de 
 normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da 
 Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub 
 species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais 
 tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação 
 
 (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este 
 Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in 
 concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não 
 incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a 
 conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo 
 ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade 
 normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II 
 Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por 
 exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 
 
 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, 
 publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
 
             A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos 
 recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações 
 normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência 
 Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – 
 embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito 
 legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende 
 controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e 
 específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do 
 juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na 
 sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a 
 aplicação do direito […]».
 
             Finalmente, deve referir-se que decorre, ainda, dos referidos 
 preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em 
 termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o 
 tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional 
 do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão 
 de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu 
 conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com 
 os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se 
 possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização 
 da constitucionalidade dos actos normativos. 
 
             É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o 
 tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que 
 convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, 
 que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de 
 substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de 
 constitucionalidade, fora da via de recurso. 
 
             É por isso que se entende que não constituem já momentos 
 processualmente idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição 
 de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a 
 obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento 
 ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia 
 ter pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário 
 da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 33º vol., pp. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, pp. 77, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 47º vol., pp.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República 
 II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, pp. 62, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 45º vol., pp.559; n.º 155/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º 
 vol., pp. 821, e n.º 364/00, inédito). 
 
             Por outro lado, importa reconhecer que não basta que se indique a 
 norma que se tem por inconstitucional, sendo, antes, necessário que se 
 problematize a questão de validade constitucional da norma (dimensão normativa) 
 através da alegação de um juízo de antítese entre a norma/dimensão normativa e 
 o(s) parâmetro(s) constitucional(ais), indicando-se, pelo menos, as normas ou 
 princípios constitucionais que a norma sindicanda viola ou afronta.
 
             Tais exigências têm sido deveras reiteradas pela nossa jurisdição 
 constitucional.
 
             De forma contínua e sistemática, tem este Tribunal estabelecido que 
 
 «“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal 
 que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de 
 constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que 
 
 (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um 
 segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem 
 suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte 
 o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a 
 norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de 
 uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao 
 acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa 
 decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa 
 determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs 
 
 37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série, 
 de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para 
 formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de 
 constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro 
 que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua 
 interpretação (...) – cf. o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os 
 quais remete.
 
  
 
             7 – Projectando estes criteria no caso sub judicio constata-se que a 
 recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa, tendo apenas controvertido a decisão judicial qua 
 tale, enquanto momento de aplicação do direito a uma dada factualidade, razão 
 pela qual não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto do 
 recurso.
 
             Vejamos.
 
             Na parte circunstancialmente relevante, a recorrente delimitou o seu 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça alegando o seguinte:
 
 “(...)
 
 30. Estranhamente o Tribunal recorrido, ao arrepio da sua posição inicial, nos 
 termos da qual reconheceu a pertinência de tal prova, negou a produção de prova 
 por parte da requerida, por a considerar irrelevante. 
 
 31. Apresentou ainda a arguida perante o Tribunal recorrido quatro testemunhas 
 cuja audição requereu. 
 
 32. Três dessas testemunhas (F., G. e H.) intervieram na elaboração dos 
 documentos de reconhecimento de dívida que cuja junção aos autos se requereu e 
 que fundam não só a imputação da alegada falsificação mas também a da alegada 
 burla. 
 
 33. A quarta testemunha, I., que se deslocou expressamente da Alemanha para 
 perante o Tribunal recorrido atestar que a arguida deu no nosso país as 
 instruções que consubstanciam, no entender das autoridades alemãs, a prática de 
 um crime de burla. 
 
 34. Toda a prova apresentada (documental e testemunhal) foi considerada 
 irrelevante para a decisão de mérito a proferir. 
 
 35. Por via da decisão recorrida negou-se ainda o direito de a Recorrente 
 prestar declarações acerca dos novos e decisivos elementos juntos aos autos 
 concretamente, pasme-se, os factos constantes do original do MDE que finalmente 
 fôra junto aos autos. 
 
 36. A Recorrente, quando foi ouvida, foi confrontada com os factos constantes da 
 inserção do SIS que, como já sobejamente se encontra demonstrado, são 
 imprecisos, insuficientes e até não coincidentes com a informação constante do 
 MDE, estando, portanto, errados. 
 
 37. Por isso mesmo requereu, após a junção aos autos do original do MDE, que lhe 
 fossem colhidas declarações quanto aos novos factos trazidos aos autos, 
 concretamente os constantes do original do MDE, estes sim delimitadores do 
 
 âmbito dos presentes autos. 
 
 38. A decisão recorrida considerou não se afigurar necessário ouvir a Recorrente 
 pois tal audição 'seria repisar do mesmo e pura perda de tempo.' 
 
 39. Ao decidir deste modo a decisão recorrida violou as normas constantes dos 
 nºs 1, 2 e 3 do art. 21° da lei 65/2003, de 23 de Agosto, conjugadas com a 
 alínea h) do n.º1 do art.12° da mesma lei na medida em que estas estabelecem o 
 direito do arguido a apresentar prova da verificação da causa de recusa de 
 execução do MDE que invocou. 
 
 40. Recusando o Tribunal recorrido a exercer aquela que é a sua única função, 
 enquanto entidade requisitada, em sede de execução de mandado de detenção 
 europeu: averiguar se se verifica, em concreto, a causa de recusa de execução 
 que a requerida invocou em sua defesa. 
 
 41. E ao ter negado à arguida o exercício desse direito, resultante das 
 disposições conjugadas dos nºs 1, 2 e 3 do art.o21° da Lei 65/2003, de 23 de 
 Agosto, o Tribunal recorrido coarctou intoleravelmente o seu direito à defesa 
 constitucionalmente consagrado no n.º1 do art.32° da CRP. 
 
 42. Procedendo a uma interpretação inconstitucional das normas conjugadas dos 
 nºs 1, 2 e 3 do art.21° e da alínea h) do n.º1 do art.12° da Lei 65/2003, de 23 
 de Agosto segundo a qual, apesar de a arguida ter invocado a causa de recusa 
 constante da alínea h) do n.º1 do art.12, 'qualquer declaração da arguida nesta 
 matéria no âmbito deste processo de mde seria repisar do mesmo e pura perda de 
 tempo' é inconstitucional por violação da norma constante do n.º1 do art. 32° da 
 CRP, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.”
 
  
 
             Como se extrai do exposto, a recorrente começa por imputar recta via 
 
 à decisão então em recurso, considerando que o Tribunal da Relação violou, em 
 sede de aplicação do direito, as normas da Lei n.º 65/2003 e, com isso 
 comprometeu do disposto no artigo 32.º da Constituição.
 
             É certo que, na sequência, a recorrente concluiu que o tribunal 
 recorrido procedeu a uma interpretação inconstitucional “das normas conjugadas 
 dos nºs 1, 2 e 3 do art.21° e da alínea h) do n.º1 do art.12° da Lei 65/2003, de 
 
 23 de Agosto”, contudo, mesmo nessa parte, a recorrente não definiu, em termos 
 normativos, o critério interpretativo que autorizou a decisão judicativa, tendo 
 apenas controvertido o resultado da sua aplicação à factualidade judicialmente 
 valorada, como se constata pelos termos em que a questão foi posta.
 
             De facto, a recorrente ao sustentar que o tribunal procedeu “a uma 
 interpretação inconstitucional das normas conjugadas dos nºs 1, 2 e 3 do art.21° 
 e da alínea h) do n.º1 do art.12° da Lei 65/2003, de 23 de Agosto segundo a 
 qual, apesar de a arguida ter invocado a causa de recusa constante da alínea h) 
 do n.º1 do art.12, 'qualquer declaração da arguida nesta matéria no âmbito deste 
 processo de mde seria repisar do mesmo e pura perda de tempo”, apenas provocou 
 uma sindicância do juízo aplicativo, que na valoração do caso concreto se 
 projectou na proposição transcrita, concluindo pelo indeferimento, sem 
 questionar o critério interpretativo, que, a montante desse juízo, o justifica 
 normativamente.
 
             O que, por seu turno, acabou por determinar do Supremo Tribunal de 
 Justiça uma ponderação apenas direccionada ao controlo da aplicação do direito 
 ordinário, em termos de saber se, em concreto, a prova pretendida era, ou não, 
 
 “inoperante e irrelevante”.
 
             Ora, este juízo, por relevar de uma sede manifestamente 
 
 “subsuntiva”, é irrepetível e insindicável pelo Tribunal Constitucional, 
 escapando à sua esfera de competência normativa.
 Por isso, conclui-se que, contrariamente ao alegado, a recorrente não suscitou 
 junto do tribunal recorrido qualquer questão de (in)constitucionalidade 
 normativa, nem podia a recorrente considerar-se dispensada de o fazer à luz das 
 incidências constantes dos autos que afastam, quanto à matéria em causa, a 
 possibilidade de se poder configurar o Acórdão recorrido como uma “decisão 
 surpresa”.
 
             Além do exposto, diga-se ainda que os preceitos do direito positivo 
 
 à luz dos quais se definiu a questão de “constitucionalidade” acabam 
 inclusivamente por não tocar na ratio decidendi que esteve subjacente ao juízo 
 posto em crise e que se colhe da norma que permitiu ao tribunal indeferir um 
 requerimento de produção de prova na consideração de que a mesma não se afigura 
 
 útil ou necessária “à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” – cf. 
 despacho de fls. 253 v. e o artigo 340.º do Código de Processo Penal.
 
  
 
             8 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não 
 tomar conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
             Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 7 (sete) 
 UCs.».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – A argumentação da reclamante não logra abalar a bondade da 
 fundamentação da decisão sumária que assim se mantém. 
 
             Na verdade, como aí se diz, o que a reclamante verdadeiramente 
 controverte é a decisão judicial no ponto em que esta considerou desnecessário 
 ouvir novamente a reclamante sobre os factos susceptíveis de integrar os 
 pressupostos legais da alegada causa de recusa facultativa de execução do 
 mandado de detenção europeu estabelecidos no art.º 12.º, n.º 1, alínea h), da 
 Lei n.º 65/2003, por haver considerado que a matéria de facto relevante 
 criminalmente para a definição do local da prática do crime se achava definida 
 na imputação feita à arguida pelo procurador alemão constante do mde.
 
             É o juízo feito pelo tribunal quanto a este momento relevante do 
 processo decisório judicial e do subsequente juízo subsuntivo que a reclamante 
 põe em causa, apodando-o de inconstitucional. 
 
             E fá-lo com referência ao resultado da posição tomada pelo tribunal 
 em tal matéria, alegando, em primeira linha, que o mesmo viola directamente a 
 lei ordinária (“as normas constantes dos nºs 1, 2 e 3 do art. 21° da Lei 
 
 65/2003, de 23 de Agosto, conjugadas com a alínea h) do n.º1 do art.12° da mesma 
 lei”) e, depois, a norma constitucional do art.º 32.º, n.º 1, da CRP.
 
             Como bem se vê, o quadro de direito positivo integrante da 
 verdadeira ratio decidendi é, pois, bem diverso do elegido pela reclamante como 
 objecto do recurso constitucional, tendo antes a ver com a vinculação do 
 tribunal a prosseguir a realização de todas as diligências necessárias à 
 descoberta da verdade material e com o dever de realização de todos os meios de 
 prova legal e constitucionalmente admissíveis.
 
             A reclamação não merece, pois, deferimento.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação e condenar a reclamante nas custas, fixando a taxa 
 de justiça em 20 UCs. 
 Lisboa, 30 de Abril de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos