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Processo nº 145/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 A - Relatório
 
  
 
                  1 – A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do 
 despacho que não lhe admitiu parcialmente o recurso interposto para este 
 Tribunal da decisão proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 22 de Novembro de 2006, no processo de reclamação para ele deduzida nos termos 
 do art.º 405.º do Código de Processo Penal (CPP).
 
  
 
                  2 – Decorre dos autos que o ora reclamante interpôs recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação 
 de Guimarães que não conheceu do objecto de recursos interlocutórios por ele 
 interpostos. 
 
                  Não tendo esse recurso sido recebido pelo relator no Tribunal 
 da Relação, dele reclamou o ora reclamante para o Presidente do Supremo Tribunal 
 de Justiça, nos termos do artigo 405.º do CPP.
 
                  Todavia, esta reclamação foi indeferida com base na seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 «II. Cumpre apreciar e decidir. 
 O arguido, ora reclamante, interpôs recurso para este Supremo Tribunal do 
 acórdão da Relação de Guimarães proferido em 11.09.2006, que, na parte 
 relevante, indeferiu o requerimento apresentado a fls. 700 e consequentemente 
 não conheceu do objecto dos recursos interlocutórios por ele interpostos. 
 O referido acórdão foi proferido num processo de recurso por crime a que é 
 aplicável pena de multa ou de prisão não superior a cinco anos (crime de ofensa 
 
 à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º do CP). 
 Assim sendo, não é admissível recurso para este Supremo Tribunal, como resulta 
 com toda a clareza do disposto no art. 400º, n.º 1, alínea e), do CPP, 
 irrelevando para o efeito que a decisão impugnada tenha ou não incidido sobre 
 questão anteriormente analisada na 1ª instância. 
 Por outro lado, uma vez que a norma que serviu de ratio decidendi para não 
 admitir o recurso para o S.T.J., foi a do art. 400º, nº 1, alínea e), do CPP, 
 como atrás se disse, não vamos conhecer da inconstitucionalidade imputada aos 
 arts. 427º, 428º e 432º do CPP, por irrelevar o seu conhecimento, uma vez que 
 não exerceram qualquer influência nesta decisão. Acresce que, dado o carácter 
 instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional, este não poderia 
 apreciar a suscitada questão de inconstitucionalidade, por ela não ter qualquer 
 projecção sobre o julgamento da causa. 
 III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação. 
 Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 3 UC. 
 Notifique». 
 
  
 
                  3 – Interpôs, então, o mesmo reclamante recurso desta decisão 
 para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão.
 
                  Esse recurso não lhe foi, todavia, admitido por despacho do 
 Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Dezembro de 2006, na parte 
 em que o mesmo tem por objecto as normas dos artigos 427.º, 428.º e 432.º do 
 Código de Processo Penal, com base na seguinte argumentação:
 
  
 
 «No que concerne à inconstitucionalidade imputada aos arts. 427º, 428º e 432º do 
 CPP, como se disse no despacho de fls. 54 e 55, estas normas não foram aplicadas 
 na decisão impugnada, o que inviabiliza qualquer julgamento sobre elas por parte 
 do TC, porquanto os recursos de constitucionalidade desempenham uma função 
 instrumental. Daí o Tribunal Constitucional só poder conhecer de uma questão de 
 constitucionalidade quando ela exerce influência no julgamento da causa, o que 
 não se verifica na situação dos autos. 
 Assim, não se admite nesta parte o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional». 
 
  
 
                  4 – Contra este segmento do despacho reclama agora o 
 reclamante, argumentado do seguinte jeito:
 
  
 
 «Reclamação para a Conferência 
 
  
 O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos: 
 
  
 
 1.        Por despacho de fls. 74 não foi admitido parcialmente o recurso 
 interposto pelo arguido a fls. 65 e seguintes, concluindo o tribunal recorrido 
 pelo indeferimento com o fundamento de que: “...no que concerne à 
 inconstitucionalidade imputada aos artigos 427º, 428º e 432º do CPP (...) estas 
 normas não foram aplicadas na decisão impugnada, o que inviabiliza qualquer 
 julgamento sobre elas por parte do TC (...) daí o Tribunal Constitucional só 
 poder conhecer de uma questão de constitucionalidade quando ela exerce 
 influência no julgamento da causa, o que não se verifica na situação dos autos.” 
 
 
 
  
 
 2.        Os dois pressupostos exigidos pela Lei do Tribunal Constitucional são 
 perfeitamente respeitados no caso em apreço (a questão da inconstitucionalidade 
 foi suscitada durante o processo e o tribunal recorrido tinha a obrigação de 
 conhecer a referida questão).
 
  
 Porquanto, 
 
  
 
 3.        Por requerimento de 28 de Abril de 2004, o arguido interpôs recurso do 
 despacho de fls. proferido em instrução, bem em 28 de Fevereiro de 2005, como do 
 despacho de fls. proferido em audiência. 
 
  
 
 4.        Após a invocação pelo arguido de uma irregularidade prevista no artigo 
 
 123º do Código de Processo Penal, uma vez que até essa data não tinha sido 
 proferida pela Relação nenhuma decisão, o douto acórdão do Tribunal da Relação 
 de Guimarães, em 1ª instância, pronunciando-se sobre o requerimento de 5 de Maio 
 de 2006 optou por não conhecer dos dois recursos interlocutórios interpostos 
 pelo arguido. 
 
  
 
 5.        Perante tal, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, sendo que esse recurso não foi admitido, por despacho do Exmo. 
 Desembargador Relator: «...só excepcionalmente é possível recorrer para o S.T.J, 
 ou seja, nos casos expressamente previstos que são os do artigo 432º do C.P.P.» 
 
  
 
 6.        A fls. foi apresentada reclamação para o Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça, invocando a inconstitucionalidade por violação do disposto 
 nos artigos 20º, 32º e 13º CRP da interpretação dos artigos 427º, 428º e 432º 
 CPP e CPP no sentido de não admitir recurso da decisão proferida em 1ª instância 
 pela Relação, ao indeferir o requerimento de invocação de irregularidade por si 
 praticada. 
 
  
 
 7.        Tal reclamação foi indeferida com o fundamento de que, a norma que 
 serviu de ratio decidendi para não admitir o recurso para o STJ foi a do artigo 
 
 400º/nº 1, alínea e) do CPP. No entanto, como atrás foi referido, da decisão de 
 não admissão do recurso pelo Exmo. Desembargador Relator foi fundamentado de 
 acordo com a conjugação dos artigos 427º, 428º, 432º do CPP. 
 
  
 
 8.        Não se conformando com a mesma decisão, dela interpôs o arguido 
 recurso para o Tribunal Constitucional, com o fundamento nas normas dos artigos 
 
 427º, 428º, 432º e 400º/nº 1, alínea e) do CPP. 
 
  
 
 9.        Dispõe o artigo 75º – A da Lei da Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional: “1. O recurso para o Tribunal 
 Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a alínea 
 do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja 
 inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie. 2. 
 Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º, 
 do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio 
 constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em 
 que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.” 
 
  
 
 10.      O Tribunal da Relação de Guimarães sustentou a não admissão do recurso 
 com base na conjugação dos artigos 427º, 428º e 432º, todos do Código de 
 Processo Penal. 
 
  
 
 11.      Na reclamação apresentada para o Presidente do Supremo Tribunal de 
 Justiça deste despacho de não admissão foi suscitada a inconstitucionalidade das 
 referidas normas, de cuja interpretação levou ao despacho de não admissão do 
 recurso. 
 
  
 
 12.   A inconstitucionalidade das normas foi suscitada durante o processo, sendo 
 que essa inconstitucionalidade surge da interpretação que pelo Tribunal da 
 Relação de Guimarães e pelo Supremo Tribunal de Justiça é feita da conjugação 
 dos artigos 427º, 428º e 432º do CPP, e é a legalidade da interpretação destas 
 normas que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. 
 
  
 Nestes termos requer a V. Exª digne admitir, na sua totalidade, o recurso 
 interposto».
 
                  
 
                  5 – Pronunciando-se sobre a reclamação, o Procurador-Geral 
 Adjunto discorreu do seguinte modo:
 
  
 
 «A presente reclamação carece obviamente de fundamento sério. Na verdade, a 
 decisão recorrida era, segundo refere expressamente o recorrente, o despacho, 
 proferido em processo de reclamação pelo Presidente do STJ (não sendo 
 naturalmente admissível que, no âmbito da reclamação ora apresentada se pretenda 
 considerar simultaneamente como decisão também recorrida, o acórdão proferido 
 pela Relação). Ora, como é evidente e inquestionável, o despacho recorrido não 
 aplicou, nem podia ter aplicado, as normas especificadas como constituindo 
 objecto do recurso, justificadamente rejeitado».
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
                  6 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da 
 Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, disposição esta que 
 se limita a reproduzir o comando constitucional, corporiza-se na questão de 
 
 (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito 
 efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí 
 decidido. 
 
                  Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e 
 incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra 
 desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da 
 constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da 
 natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, 
 
 «A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor 
 Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 
 
 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no 
 Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no 
 mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de 
 pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 
 
 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o 
 Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 
 
 2000).
 
                 Neste domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, 
 importa, ainda, acentuar que a intervenção do Tribunal Constitucional se limita 
 ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal 
 a quo apreciou ou devesse ter apreciado. 
 
                  Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento. 
 
                  Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o 
 Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão 
 recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
 
  
 
                  6 – Ora, no caso dos autos, constata-se que o segmento da 
 decisão que se pretende incluir no objecto do recurso de constitucionalidade que 
 foi interposto não acolheu o critério normativo recortado pelo recorrente. 
 
                  Na verdade, como bem se nota no despacho reclamado e dos termos 
 da decisão pretendida recorrer – o despacho do Presidente do Supremo Tribunal de 
 Justiça cuja fundamentação acima se transcreveu sob o n.º 2 –, esta não 
 indeferiu a reclamação deduzida, nos termos do artigo 405.º do CPP, pelo mesmo 
 reclamante contra o despacho do relator, no Tribunal da Relação de Guimarães, 
 com base nos preceitos dos artigos 427.º, 428.º e 432.º do Código de Processo 
 Penal, mas antes com fundamento no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP.
 
                  Por outro lado, respeitando o recurso de constitucionalidade 
 interposto apenas à decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que 
 indeferiu a reclamação interposta do despacho do relator, no Tribunal da 
 Relação, não pode considerar-se como inserindo-se, simultaneamente, no âmbito da 
 reclamação agora apresentada, o acórdão do Tribunal da Relação pretendido 
 recorrer para o STJ ou o despacho do relator, na relação, de que se reclamou 
 naqueles termos do artigo 405.º do CPP, de modo a ver-se incluído no objecto do 
 recurso de constitucionalidade igualmente aqueles preceitos dos artigos 427.º, 
 
 428.º e 432.º do CPP.
 
                  A reclamação deve, pois, ser indeferida.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
                  7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
                  Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 
 UCs.
 
    
 Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos