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Processo n.º 1140/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção  do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
          
 
          1. A fls. 299 foi proferida a seguinte decisão sumária :
 
          
 
 «1. A. instaurou uma acção contra a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE VIANA DO 
 CASTELO, pedindo a sua condenação no pagamento de € 140.000,00 acrescido dos 
 devidos juros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, pelo óbito 
 da mãe da Autora em consequência de intoxicação por monóxido de carbono, 
 provocada por um incêndio ocorrido num lar de idosos de que a Ré é proprietária, 
 e que foi ateado por um dos respectivos residentes. Fundamenta a 
 responsabilidade que atribui à Ré em omissão do dever de vigilância que lhe era 
 exigível.
 
             Por sentença do 1.º Juízo Cível do Círculo Judicial de Viana do 
 Castelo de 3 de Novembro de 2004, de fls. 108, a acção foi julgada improcedente.
 
             Inconformada, A. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães.
 
  Por acórdão de 16 de Novembro de 2005, de fls. 158, a Relação de Guimarães 
 negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida, aliás remetendo 
 para os respectivos fundamentos, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 713º do 
 Código de Processo Civil.
 
             A. interpôs então recurso de revista para o Supremo Tribunal de 
 Justiça.
 
  Por acórdão de 18 de Maio de 2006, de fls. 220, foi revogado o decidido pelas 
 instâncias. A Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de € 9.975,96, 
 acrescida de juros de mora, e absolvida da parte restante do pedido.
 
             Por acórdão de 19 de Setembro de 2006, de fls. 249, foi indeferido o 
 pedido de aclaração do acórdão de 18 de Maio anterior; e finalmente, por acórdão 
 de 29 de Novembro de 2006, de fls. 267, foi indeferida a arguição de nulidade do 
 mesmo acórdão de 18 de Maio, formulada invocando o disposto nas alíneas c) e d) 
 do artigo 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
 
             Apenas para o que agora releva, a SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE 
 VIANA DO CASTELO sustentou o seguinte, no requerimento em que arguiu a referida 
 nulidade, a fls. 259:
 
 '(…) Com enorme surpresa da reclamante, e não só, o acórdão decidiu 'concluir, 
 sem qualquer sombra de dúvida, que houve lugar, por parte da recorrida, a uma 
 evidente omissão, levada a cabo pelo seu pessoal,'.....'já que, desde logo, a 
 efectivação da imprescindível limpeza diária dos quartos (…) conduziria à 
 imediata detecção dos (...) bidões [que o residente que ateou o incêndio manteve 
 no quarto durante cerca de 15 dias, e que utilizou para o efeito, conforme foi 
 dado como provado nos autos] e, dessa forma, ao óbvio e consequente abortamento 
 da tragédia que, infelizmente, veio, ulteriormente a verificar-se'!!!
 Por outras palavras: o acórdão deste Supremo sustenta que os bidões de gasolina 
 não foram detectados porque as empregadas da ré não procederam à limpeza diária 
 dos quartos!!!
 Afirmação que nem a autora ousou alguma vez fazer e, por isso, jamais constituiu 
 matéria de debate e muito menos de qualquer averiguação, com ou mesmo sem 
 respeito pelo princípio da audiência contraditória plasmado no artº 517º do Cod. 
 do Proc. Civil.
 Afirmação que é também extemporânea, já que o apuramento da matéria de facto 
 termina nas instâncias, como se infere dos arts. 722º n.º 2 e 729 do Cod. de 
 Proc. Civil.
 Afirmação que escapa à competência do Supremo, já que o fundamento do recurso da 
 revista é a violação da lei substantiva, conforme se determina no n.º 2 do art. 
 
 721 do mesmo Código, sendo-lhe vedado alterar os factos materiais da causa, 
 salvo ocorrendo a excepção prevista no n.º 2 do artigo seguinte, que aqui de 
 todo em todo se não verifica.
 E afirmação que é feita numa fase do processo em que a ré, no plano factual, 
 dela se não pode defender, violando, assim, o seu direito de defesa em termos 
 inconciliáveis com o art. 202 n.º 2 da Constituição.
 Em suma, ao pronunciar-se sobre matéria de facto e ao assentar a sua decisão num 
 facto que não foi alegado por qualquer das partes, e que, por isso, não foi 
 contemplado pelas Instâncias, aliás em rigorosa obediência ao art. 664º do Cod. 
 de Proc. Civil, o acórdão deste tribunal  conheceu manifestamente de uma questão 
 de que não podia tomar conhecimento.
 Incorreu, assim, na nulidade expressamente prevista na al d) do n.º 1 do art. 
 
 668 do Cod. do Proc.Civil.'
 
  
 
             O Supremo Tribunal de Justiça, todavia, julgou não verificada a 
 nulidade prevista nesta alínea d) por estas razões:
 
             «E, se é certo que se verifica a arguida nulidade, quando o Tribunal 
 conheça de uma questão de que não podia tomar conhecimento, tal nulidade 
 circunscreve-se, exclusivamente, à questão de facto colocada ao órgão 
 jurisdicional para a decisão e não já ao material específico que foi tomado em 
 consideração e utilizado como elemento para a resolução da referida questão, 
 inexistindo, portanto, similitude, para a ocorrência da invocada nulidade, entre 
 tal fundamento e a decisão jurisdicional da questão concretamente submetida à 
 apreciação do Tribunal.
 
             Assim, e uma vez que a questão suscitada em juízo nos presente autos 
 residiu na condenação da ora reclamante no pagamento de uma indemnização, o pela 
 mesma ora alegado não tipifica qualquer divergência, por excesso, relativamente 
 
 àquele indicado pedido.»
 
  
 
             2. Deste acórdão de 29 de Novembro de 2006 recorreu a SANTA CASA DA 
 MISERICÓRDIA DE VIANA DO CASTELO para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 
 sustentando que o mesmo 'veio dar uma interpretação ao preceito do n.º 1, alínea 
 d) do artigo 668.º do Código de Processo Civil que, a nosso ver e salvo o devido 
 respeito, o torna manifestamente inconstitucional.'
 
             Após transcrever parte do acórdão recorrido, a recorrente afirma o 
 seguinte:
 
             «Deduz-se, assim, que o acórdão parte da distinção, a nosso ver 
 original, entre questão de facto colocada ao órgão jurisdicional para decisão e 
 facto material específico que foi tomado em consideração e utilizado como 
 elemento para a resolução da referida questão”.
 
             Assim sendo, não negando que a matéria de facto, que fundamentou a 
 decisão, não foi invocada pela autora, mas, sim, e apenas pelo Supremo Tribunal, 
 entende, no entanto, que este no recurso de revista pode tomar em consideração 
 factos materiais específicos não articulados pelo demandante e que, por isso, 
 não foram apreciados pelas instâncias, nem tão pouco debatidos pela ré em 
 audiência contraditória.
 
             A inconstitucionalidade da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 
 
 668.º do Código de Processo Civil, à luz da interpretação deste Supremo 
 Tribunal, é manifesta.
 
             Viola desde logo o artigo 202.º da Constituição da República 
 Portuguesa, ao prescrever no seu n.º 2 que
 
             “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a 
 defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.”
 
             E viola também o seu artigo 20.º, n.º 4, ao consignar que
 
             “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto 
 de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
 
             A questão de inconstitucionalidade foi suscitada pela ré na sua 
 reclamação contra nulidades deduzida a fls. e não atendida por este Supremo 
 Tribunal no seu acórdão de 29 de Novembro findo. Na qual expressamente se 
 invocou a violação do artigo 202.º, n.º 2, da Constituição.»
 
  
 O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do 
 artigo 76º da Lei nº 28/82). 
 
  
 
 3. Contrariamente ao que invoca o recorrente no seu requerimento de interposição 
 de recurso para este Tribunal, não é «original» a distinção, a que se alude na 
 decisão recorrida, entre «questão de facto colocada ao órgão jurisdicional para 
 decisão e facto material específico que foi tomado em consideração e utilizado 
 como elemento para a resolução da referida questão». Tal distinção, que 
 naturalmente não equivale a reconhecer que 'a matéria de facto, que fundamentou 
 a decisão, não foi invocada pela autora, mas, sim e apenas pelo Supremo 
 Tribunal', destinou-se apenas a interpretar o âmbito de aplicação da nulidade 
 prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, na 
 parte em que prevê o excesso de pronúncia; e, na verdade, tem a sua explicação 
 na distinção entre o campo de aplicação das normas dos artigos 660º, n.º 2 e 
 
 668.º, n.º 1, alínea d), por um lado, e, por outro, do artigo 664.º, todos do 
 Código de Processo Civil. 
 Não cabe, todavia, ao Tribunal Constitucional analisar a questão de saber se, no 
 caso, ocorreu ou não a nulidade arguida pela recorrente. Compete-lhe, tão 
 somente, tomar como objecto do recurso a norma definida pela mesma recorrente no 
 requerimento de interposição de recurso e confrontá-la com a Constituição. 
 Imprescindível, no entanto, é que estejam reunidas as condições de 
 admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto.
 
  
 
 4. Ora a verdade é que, contrariamente ao afirmado no requerimento de 
 interposição de recurso, a recorrente, como se verifica na transcrição atrás 
 efectuada, não suscitou no requerimento de arguição de nulidade de fls. 259, a 
 inconstitucionalidade de qualquer norma, contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 
 
 668º do Código de Processo Civil ou em qualquer outro preceito. 
 
             O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade 
 constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram 
 efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a 
 sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada). Esta exigência 
 significa que a inconstitucionalidade na norma há-de ter sido colocada “de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer” (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 
 
 28/82), de forma a obter-se uma decisão sobre a questão de constitucionalidade, 
 que o Tribunal Constitucional possa julgar em recurso; e não foi observada pela 
 recorrente.
 
             O Tribunal Constitucional não pode, pois, conhecer do objecto do 
 presente recurso. 
 
  
 
             5. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão 
 da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82. 
 
             Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.»
 
  
 
          2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, a fls. 310, 
 ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a 
 revogação da decisão sumária.
 
          Na reclamação, a reclamante começa por explicar por que motivo 
 considera que o Supremo Tribunal de Justiça  excedeu os seus poderes de 
 cognição, incorrendo na nulidade prevista na 2ª parte da alínea d) do n.º 1 do 
 artigo 668º do Código de Processo Civil, e por que razão discorda do 
 indeferimento da correspondente arguição pelo mesmo Supremo Tribunal. E conclui 
 que, ao decidir dessa forma, o Supremo Tribunal de Justiça  adoptou uma 
 interpretação da referida alínea d), nomeadamente da sua segunda parte, que a 
 tornaria numa 'excrescência inútil. Só que a inconstitucionalidade daquela 
 interpretação à face dos art.s 202º n.º 2 e 80º  n.º 4 da Constituição, 
 constituiria sempre um obstáculo insuperável'.
 
          Relativamente à decisão reclamada, a reclamante afirma que o não 
 conhecimento do recurso assenta em não ter sido suscitada no requerimento de 
 arguição de nulidades de fls. 259 a inconstitucionalidade de qualquer norma 
 contida na al. d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, ou em 
 qualquer outro preceito; 'ora é verdade, que a reclamante, por mero lapso, 
 irrelevante, mas do qual se penitencia, escreveu no seu aludido requerimento que 
 suscitou a questão da 'constitucionalidade'  na sua reclamação contra nulidades, 
 o que, como desta se vê, nem aconteceu,  nem podia ter acontecido… já que, 
 então, no seu entendimento, havia, sim, nulidades, e flagrantes, mas não se 
 descortinava nos autos norma alguma inconstitucional.
 
          Verificava-se, sim, no acórdão condenatório ofensa ao art.  202º n.º 2 
 da Constituição, que se assinalou naquela reclamação, e foi isso que, 
 inadvertidamente, induziu a reclamante a confundir a questão da 
 inconstitucionalidade com a decisão inconstitucional.'
 
          Posto isto, a reclamante manifesta a sua discordância em relação à 
 decisão reclamada por entender que, 'ao arguir as nulidades do acórdão 
 condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, que revogou as decisões das 
 instâncias, não podia, portanto, arguir a inconstitucionalidade de qualquer 
 norma contida no art. 668 n.º 1 al. d) do Cod. do Proc. Civil, ou em qualquer 
 outro preceito, já que nessa altura a reclamação não fora ainda julgada.
 
          Nem tão pouco era previsível que, ao sê-lo, o STJ pudesse enveredar por 
 uma interpretação da referida al. d) do n.º 1 do art. 668, que não encontra o 
 mínimo apoio, nem na jurisprudência, nem na doutrina.
 
          (…) não dispôs, por isso, a reclamante de 'oportunidade processual' 
 para suscitar a questão da inconstitucionalidade antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do tribunal  a quo, por não poder antever a possibilidade da sua 
 aplicação (…).
 
          É, aliás, o entendimento deste Tribunal Constitucional (acs. 61/92, 
 
 188/93, 181/96, 569/95, 596/96).'
 
          Notificada para responder, a reclamada nada disse.
 
  
 
          3. A reclamação assenta, assim, na afirmação de que a 
 inconstitucionalidade não foi suscitada 'durante o processo', ou seja, colocada 
 
 “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (al. b) do n.º 1 do 
 artigo 70º e no n.º 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82), por ter sido adoptada uma 
 interpretação para a alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo 
 Civil com a qual a reclamante razoavelmente não podia contar, não lhe sendo, 
 pois, exigível que cumprisse o respectivo ónus.
 
  Com efeito, e como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o 
 recorrente pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade 
 
 ”durante o processo” nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto 
 processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em 
 momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com 
 os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, 
 de 28 de Maio de 1994).
 Sucede, todavia, que não ocorre, no caso presente, razão suficiente para tal 
 dispensa.
 
  
 
          4. A questão que a ora reclamante aponta como justificando a arguição 
 de nulidade, com base na alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo 
 Civil, no requerimento de fls. 259, é, em síntese, a de que o Supremo Tribunal 
 de Justiça  utilizou matéria de facto nunca afirmada nem discutida nas 
 instâncias, 'aliás, em rigorosa obediência ao art 664 do Cod. de Proc. Civil', 
 assim ultrapassando a sua própria competência e o âmbito do recurso de revista 
 e, ainda, o direito de defesa da reclamante (que não dispôs de oportunidade para 
 se pronunciar sobre essa matéria), 'em termos inconciliáveis com o art. 202º n.º 
 
 2 da Constituição'.  
 A esta arguição, o Supremo Tribunal de Justiça  respondeu que 'se é certo que se 
 verifica a arguida nulidade, quando o Tribunal  conheça de uma questão de que 
 não podia tomar conhecimento, tal nulidade circunscreve-se, exclusivamente, à 
 questão de facto colocada ao órgão jurisdicional para decisão e não já ao facto 
 material específico que foi tomado em consideração e utilizado como elemento 
 para resolução da referida questão, inexistindo, portanto, similitude, para a 
 ocorrência da invocada nulidade, entre tal fundamento e a decisão jurisdicional 
 da questão concretamente submetida à apreciação do Tribunal'.
 
          Daqui retira o Supremo Tribunal de Justiça que não excedeu os limites 
 relativos ao pedido.
 
          Ao recorrer para o Tribunal Constitucional, a ora reclamante, como se 
 viu, sustenta a inconstitucionalidade da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 
 
 668º do Código de Processo Civil transcrevendo o que acabou de se transcrever 
 novamente; mas acrescenta que o Supremo Tribunal de Justiça  assim entendeu que 
 
 'este recurso de revista pode tomar em consideração factos materiais específicos 
 não articulados pela demandante e que, por isso, não foram apreciados pelas 
 instâncias, nem tão pouco debatidos pela ré em audiência contraditória'. E 
 afirma seguidamente que «a inconstitucionalidade da norma da al. d) do n.º 1 do 
 art. 668 do Cod. de Proc. Civil, à luz da interpretação deste Supremo Tribunal 
 de Justiça, é manifesta. Viola desde logo o art. 202 da Constituição da 
 República Portuguesa, ao prescrever no seu n.º 2 que 'Na administração da 
 justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses 
 legalmente protegidos dos cidadãos'. E viola também o seu art. 20 n.º 4, ao 
 consignar que 'Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto 
 de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo'».
 
          Ora, admitindo que se tratou de lapso a indicação, então dada ao 
 Tribunal Constitucional, de que a reclamante considerava ter suscitado a 
 inconstitucionalidade da norma que pretende ver apreciada no referido 
 requerimento de arguição de nulidade, cumpre fazer duas observações.
 
          Em primeiro lugar, a de que se não pode de forma alguma retirar do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de fls. 267 a ilação de que a 
 interpretação que apresentou para a al. d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de 
 Processo Civil significa ou implica que o Supremo Tribunal  tenha considerado 
 que 'este recurso de revista pode tomar em consideração factos materiais 
 específicos não articulados pela demandante e que, por isso, não foram 
 apreciados pelas instâncias, nem tão pouco debatidos pela ré em audiência 
 contraditória'.
 
          Muito diferentemente, o Supremo Tribunal de Justiça  apenas disse que a 
 referida alínea d) apenas considera nula uma sentença que se tenha pronunciado 
 sobre questões de facto que não tenham sido colocadas ao tribunal  para decisão, 
 e que isso não equivale a cominar com nulidade a utilização de um 'facto 
 material específico que foi tomado em consideração e utilizado como elemento 
 para a resolução da referida questão'. Não se pronunciou sobre se podia ou não 
 julgar com base em factos não oportunamente alegados (e, portanto, susceptíveis 
 de ser contraditados) pelas partes.
 
          Em segundo lugar, a de que não é surpreendente nem inédita a 
 interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça  adoptou para a norma em causa, 
 antes corresponde à interpretação habitualmente referida na jurisprudência e na 
 doutrina para delimitar o âmbito de aplicação das nulidades previstas na alínea 
 d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil – excesso e omissão de 
 pronúncia.
 
          A decisão reclamada fez, aliás, referência a essa questão, como se 
 sabe.
 
          A mero título de exemplo, pode ver-se feita a distinção (em termos que 
 revelam corresponder à jurisprudência corrente) nos acórdãos do Supremo Tribunal 
 de Justiça  de 15 de Maio de 2003, proc. n.º 02B2754, 8 de Março de 2001, proc. 
 n.º 00A3277, ou de 30 de Outubro de 2003, proc. n.º 03P3350, disponíveis em 
 texto integral em www.dgsi.pt, dos quais se transcrevem os seguintes excertos:
 
 – «2. O tribunal em geral não pode conhecer senão de questões suscitadas pelas 
 partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras (artigos 
 
 660º, n.º 2, parte final, 713º, n.º 2 e 726º do Código de Processo Civil). 
 Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são argumentos ou razões de 
 facto ou de direito e outra, essencialmente diversa, questões de facto e de 
 direito. 
 As questões a que se reporta a segunda parte do n.º 2 do artigo 660º do Código 
 de Processo Civil são os pontos de facto ou de direito relevantes concernentes 
 ao pedido ou à causa de pedir, incluindo as excepções. 
 A consequência jurídica derivada de o tribunal conhecer de questões de que não 
 possa conhecer é a nulidade da sentença ou do acórdão (artigos 668º, n.º 1, 
 alínea d), parte final, 716º, n.º 1 e 726º do Código de Processo Civil)» – 
 
 (acórdão Supremo Tribunal de Justiça  de 15 de Maio de 2003);
 
 – «3. Alínea d): 'quando o juiz ... conheça de questões de que não podia tomar 
 conhecimento'. Prende-se esta nulidade com disposto na parte final do nº 2 do 
 artigo 660º do CPC, segundo o qual o juiz 'não pode ocupar-se senão das questões 
 suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento 
 oficioso de outras'. Clarifique-se este comando legal. Nem todo o conhecimento, 
 pelo tribunal, de facto de que não podia servir-se (v.g., por não ter sido 
 articulado ou alegado pelas partes), conduz necessariamente à nulidade ora em 
 causa. 'O facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a 
 própria questão' (Alberto dos Reis, 'CPC Anotado', vol. V, 1984, p. 145). 'O 
 excesso ou a falta de pronúncia a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 
 
 668.º do Código de Processo Civil há-de incidir sobre ‘questões’ que hajam sido 
 postas ou que o tribunal deva conhecer oficiosamente. Não respeitam tais vícios 
 a 'factos' (acórdão do STJ de 27.1.88, Proc. nº 39.229)» – Acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2001;
 
 – «As instâncias limitaram-se a interpretar os termos do pedido formulado pela 
 recorrida à luz dos factos integrantes da causa de pedir, como se lhe impunha, 
 pelo que não incorreram em excesso de pronúncia nem em vício de limites de 
 condenação. Não ocorre, por isso, a nulidade do acórdão recorrido invocada pelo 
 recorrente, a que se reportam os artigos 660º, nº. 2, 2ª parte, 661º, nº. 1, 
 
 668º, nº. 1, alíneas d) e e), e 716º, nº. 1, do Código de Processo Civil» – 
 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 30 de Outubro de 2003.
 
          E igualmente a título de exemplo, veja-se, na doutrina, a distinção 
 explicada em ALBERTO DOS REIS acima indicada no acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça  de 8 de Março de 2001.
 
          
 
 5. Ora, baseando-se a arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça de fls. 220 na alegação de que o acórdão teria julgado recorrendo a 
 factos não afirmados nem debatidos nas instâncias, era razoável admitir que, 
 para julgar a referida arguição, o Supremo Tribunal de Justiça recorresse à 
 interpretação do artigo 668º, n.º 1, d) que efectivamente veio a utilizar, por 
 ser correntemente aplicada nos tribunais.
 Assim, nunca poderia o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, 
 pelo menos por não ter sido oportunamente suscitada – na arguição de nulidade, 
 naturalmente – a inconstitucionalidade da norma cuja apreciação a reclamante 
 pretendia.
 
 6. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 Sem custas, por não serem devidas (art.º 2º do Cód. Custas Judiciais).
 
  
 Lisboa, 8 de Março de 2007
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício