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Processo n.º 473/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I.         Relatório
 
  
 
  
 
 1. Em acção de impugnação de paternidade em que se suscitou a questão da 
 intempestividade da propositura da acção por incumprimento do prazo previsto na 
 alínea a) do n.º 1 do artigo 1842º do Código Civil, o Supremo Tribunal de 
 Justiça, em recurso de revista, pelo acórdão de fls. 306-316, veio a formular um 
 juízo de inconstitucionalidade relativamente à referida disposição legal, 
 recusando a sua aplicação no caso concreto.
 
  
 A decisão do Supremo Tribunal de Justiça fundou-se essencialmente na orientação 
 firmada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 486/04, de 7 de Julho 
 
 (confirmada em Plenário pelo acórdão n.º 11/05, de 12 de Janeiro), que, 
 relativamente a uma acção de investigação de paternidade, julgou 
 inconstitucional a norma do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil (aplicável à 
 por força da remissão feita pelo artigo 1873º do mesmo Código), por violação das 
 disposições conjugadas dos artigos 26º, n.º 1, 36º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da 
 Constituição da República, e cuja argumentação se considerou ser transponível 
 para o prazo de caducidade da acção de impugnação de paternidade a que se refere 
 o artigo 1842º, n.º 1, alínea a), e que estava em causa nos autos.
 
  
 Para assim concluir, o acórdão entendeu, em suma, que a fixação de um prazo de 
 caducidade para a propositura da acção de impugnação de paternidade, 
 sacrificando a «verdade biológica», representa uma restrição não 
 constitucionalmente justificada do direito de acção, pondo em causa o direito 
 fundamental à identidade pessoal e o direito fundamental à integridade pessoal, 
 bem como o direito ao desenvolvimento da personalidade.
 
  
 Dessa decisão recorreram para o Tribunal Constitucional, com invocação do 
 disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal constitucional, 
 o Ministério Público (cujo recurso era obrigatório) e a ré A. (mãe da menor cuja 
 paternidade era impugnada na acção).
 
  
 Nas suas alegações, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
 
             
 
  
 
  1ª - A norma constante da alínea a) do nº 1 do artigo 1842º do Código Civil, ao 
 atribuir ao marido da mãe o direito de impugnar a paternidade presumida no prazo 
 de 2 anos, contados do conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a 
 sua não paternidade, garante, em termos efectivos e adequados, o direito ao 
 estabelecimento da verdade biológica, traduzindo uma adequada ponderação entre o 
 interesse do impugnante em destruir uma paternidade presumida que considera sem 
 base biológica e os interesses do filho – afectado por tal acção “negatória” da 
 paternidade, em que figura como réu – e da estabilidade e protecção da família 
 conjugal.
 
 2ª - Não pode inferir-se da Constituição que o único modelo, constitucionalmente 
 admissível, em sede de acções de estabelecimento ou de impugnação da 
 paternidade, seja o da absoluta imprescritibilidade de todas elas, incluindo as 
 acções “negatórias”, que extinguem a própria relação jurídica.
 
  
 Por sua vez, a Ré, também recorrente, concluiu a sua alegação do seguinte modo:
 
  
 A) A questão fundamental colocada no presente recurso é assim a de saber se 
 caduca ou não o direito de acção por parte do progenitor constante do registo de 
 nascimento por decurso do prazo previsto no artigo 1842°, n.° 1, alínea a), do 
 Código Civil, quando se encontre cientificamente provado que o menor não é 
 descendente do demandante. 
 B) O recurso ora interposto tem por objecto a apreciação da 
 inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.° 1 do artigo 1842. ° do Código 
 Civil, quando interpretada no sentido de que não caduca o direito de acção por 
 parte do progenitor, constante do registo de nascimento, pelo decurso do prazo 
 previsto no citado preceito legal, quando se encontre cientificamente comprovado 
 que o menor não é descendente do impugnante. 
 C) Nos autos terá de se reconhecer que o impugnante intentou a acção para além 
 do prazo estabelecido no artigo 1842°, n.° 1, alínea a), do CC. e de que nenhuma 
 prova efectuou de ter instaurado a acção dentro daquele prazo. 
 D) O acórdão recorrido considerou, no essencial, que quando se está em frente da 
 verdade biológica, não interessam as limitações temporais que a lei imponha para 
 o exercício do direito de acção nos termos do citado preceito legal, por tal 
 ofender os direitos constitucionais à “identidade pessoal”, à ‘integridade 
 pessoal e ao desenvolvimento da personalidade”, e em concreto os artigos 25°, 
 
 26.° n.° 1, e 18°, n.° 2, da Constituição da República. 
 E) O acórdão recorrido assenta a sua motivação, no essencial (mas não em 
 exclusivo) na jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao prazo 
 constante do artigo 1817.° do C. C., para a propositura das acções de 
 investigação da paternidade, e considera que os respectivos pressupostos têm 
 inteira aplicação ao caso concreto impugnação da paternidade ), por tal temática 
 ser muito semelhante à ora em apreciação. 
 F) A questão colocada no presente recurso é completamente diversa da apreciada 
 quanto à investigação da paternidade. Isto porque, o caso sub iudice refere-se à 
 impugnação da paternidade já estabelecida de uma menor nascida no casamento, 
 enquanto no Acórdão do TC n.° 486/04, de 7 de Julho, estava em causa a 
 investigação da paternidade por parte do filho para além dos 20 anos de idade; e 
 em ambos os casos, quer no caso sub judice, quer no apreciado no Acórdão do TC 
 n.° 486/04, de 7 de Julho, estão em causa prazos de caducidade das respectivas 
 acções. Porém, estes prazos têm uma configuração completamente distinta um do 
 outro: enquanto o prazo para propor a acção de investigação da paternidade se 
 extinguia com o completar dos 20 anos de idade do filho, e., trata-se de um 
 prazo puramente objectivo e muito curto; aqui, o prazo para propor a acção de 
 impugnação da paternidade é de dois anos a contar do momento em que o impugnante 
 teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não 
 paternidade, i.e., pode durar, potencialmente, desde o nascimento do pretenso 
 filho até à morte do impugnante; 
 G )A jurisprudência dos Acórdãos n.ºs 486/04, 413/89, 451/89, 311/95 e 506/99 do 
 Tribunal Constitucional, é uniforme no sentido de considerar que, de principio, 
 não é contrária à Constituição a existência de prazos para o exercício do 
 direito de acção das acções de estado (investigação da paternidade, impugnação 
 da paternidade, etc. 
 H ) A linha central desta conclusão assenta, segundo o Acórdão do TC n.º 486/04, 
 no essencial, na consideração de que as normas que estabelecem aqueles prazos, 
 resultam de uma ponderação de vários direitos e interesses contrapostos, o que 
 conduz, não propriamente a uma restrição, mas a um condicionalismo aceitável ao 
 exercício do direito à identidade pessoal ( do investigante); 
 I) Resulta desta mesma jurisprudência uniforme que, a existência de 
 inconstitucionalidade desses prazos prende-se com o princípio da 
 proporcionalidade, ou seja, esses prazos serão inconstitucionais, quando 
 representem, já não uma mera limitação, mas antes uma restrição intolerável, aos 
 direitos fundamentais. 
 J) No caso destes autos, o impugnante tem até à sua morte e desde o nascimento 
 do pretenso filho, o direito de impugnar a paternidade, desde que o faça no 
 prazo de 2 anos a contar da data em que teve conhecimento das circunstâncias de 
 que possa concluir-se a sua não paternidade. 
 K) Foi este prazo amplo que o acórdão recorrido julgou inconstitucional, 
 defendendo que, quando se encontre cientificamente comprovada a não 
 descendência, não relevam os prazos que a lei imponha para o exercício do 
 direito de acção constante do mencionado artigo 1842°, n.° 1, alínea a), do C. 
 C., por tal ofender o direito com protecção constitucional à identidade pessoal 
 
 “, o direito à integridade pessoal “ e o direito ao desenvolvimento da 
 personalidade consagrados nos artigos 25º, 26.°. n.° 2, e 18.° da CRP. 
 L) Deste raciocínio retira-se claramente que, à luz das mesmas considerações, 
 não só será inconstitucional o prazo do artigo 1842°, n.° 1, alínea a ), do C. 
 C. aqui em análise, como serão todos os prazos de idêntica natureza desde que 
 demonstrada se encontre a verdade biológica, v.g., os prazos constantes dos 
 artigos 1817°, n.° 3, 1842°, n.° 1, alínea c), 1843°, n.° 1, do C.C.. 
 M ) O acórdão recorrido acaba por dar uma importância extraordinária aos exames 
 de ADN e assim ao quase desaparecimento do argumento do envelhecimento da prova 
 H acabando por esquecer os outros dois argumentos (a segurança jurídica e a 
 instrumentalização da acção), ou subalternizando-os de tal forma que os torna 
 absolutamente irrelevantes. 
 N) No caso dos autos, trata-se da impugnação da paternidade já estabelecida. 
 Encontrando-se a maternidade e a paternidade já estabelecidas, a relevância da 
 prova pericial (ADN), no cotejo com as outras duas razões, não assume uma 
 importância tão vital como lhe atribui o acórdão recorrido. Isto porque, o 
 interesse de estabelecer uma “filiação biológica “ (no caso da investigação da 
 paternidade) não é tão forte como o de substituir uma filiação social (no caso 
 da impugnação da paternidade já estabelecida). 
 O) O princípio da proporcionalidade não exige, portanto, que se dê assim uma 
 primazia tão absoluta ao interesse do impugnante, com violação, no entender da 
 recorrente, dos interesses do filho. 
 P) No plano da realidade e no plano jurídico, a filiação social, a família 
 social, é a que, em primeira linha, é chamada a desempenhar o papel fundamental 
 de espaço de afectos, de criação, de crescimento, formação e desenvolvimento do 
 individuo, libertando o Estado daquelas funções, que de outro modo seria chamado 
 a desempenhar. A filiação biológica, a família biológica, só por si, não é 
 garantia de desempenho aquele papel fundamental. 
 Q ) Daí que, encontrando-se a paternidade já estabelecida, há que atender também 
 aos interesses do pretenso filho, que podem ser os de manter o status quo que já 
 detém. Donde, conceder ao impugnante da paternidade o direito de, a todo o tempo 
 e sem quaisquer limitações aceitáveis, destruir uma relação de interesses, que 
 pode ter sido também de afectos, e que pode ter durado anos, está-se a invadir a 
 esfera dos direitos pessoais e individuais absolutos à “identidade pessoal”, 
 
 “integridade pessoal” e ao “desenvolvimento da personalidade” do filho, 
 consagrados nos artigos 25°, 26.°, n.° 2, e l8.° da CRP. 
 R) É direito do filho ter uma paternidade legal. Se se atribui o direito 
 imprescritível e ilimitado a impugnar a paternidade está-se a invadir a esfera 
 da integridade pessoal do filho, a qual só por este pode ser exercido. 
 S) A tese do acórdão recorrido, ao não considerar constitucional a existência de 
 quaisquer prazos para o exercício da acção de estado quando a verdade biológica 
 se encontra estabelecida, é geradora da maior incerteza social e potenciador, 
 especialmente, de situações de instrumentalização da acção. 
 T) Na verdade, pela alínea a) do n.° 1 do artigo 1842° do C. C. o direito a 
 impugnar não é restringido na sua amplitude; apenas é regulado o seu exercício 
 em função de outros interesses que no caso também concorrem e mantêm plena 
 actualidade, como principalmente o da certeza e segurança jurídica 
 U) Pela alínea a) do n.° 1 do artigo 1842.° do C. C. não é imposto ao impugnante 
 qualquer ónus impossível nem imposta qualquer restrição inaceitável ao seu 
 direito de impugnar. 
 V) Os ensinamentos históricos que se colhem do Acórdão do TC n.º 486/04, 
 permitem concluir também que, quando o regime da investigação da paternidade 
 
 (diferente do caso dos autos) foi completamente aberto, houve necessidade de o 
 limitar, por conduzir, entre outros, à possibilidade de “instrumentalização da 
 acção” e ser gerador de enorme insegurança jurídica. 
 
 W) A previsão de um prazo de caducidade anda, aliás, sempre ligada à ideia de 
 segurança jurídica, por não dever quem pode vir a ser onerado com o exercício de 
 pretensões alheias estar sujeito indefinidamente a que essa possibilidade de 
 exercício paire indefinidamente sobre a sua cabeça e o legislador previu-o neste 
 caso por entender que aquele prazo traduzia uma limitação proporcionada do 
 direito de impugnar a paternidade, para defesa de interesses importantes como a 
 segurança jurídica e o impedimento de um mau exercício dos direitos, para 
 finalidades censuráveis. 
 X) Dai que, essencialmente por razões de segurança jurídica e de evitar a 
 instrumentalização da acção, se deva admitir como constitucional o 
 estabelecimento de prazo, aliás extremamente alargado para o exercício do 
 direito de acção. 
 
 Y) Estes princípios são merecedores de tutela constitucional — desde logo o 
 interesse público na certeza e segurança jurídica, sempre presente em toda a 
 regulamentação jurídica e intimamente ligado à consagração de qualquer prazo 
 para o exercício de um direito (cfr. artigo 20.° da Constituição da República). 
 Z) Impõe-se concluir que aqueles princípios que justificam o estabelecimento do 
 prazo não foram devidamente ponderados no acórdão recorrido, nomeadamente o 
 princípio da segurança jurídica. 
 AA) Entende a recorrente que não existe qualquer imposição constitucional de uma 
 ilimitada averiguação da verdade biológica (vide, por exemplo, o artigo 1839°, 
 n.° 3, do C.C. ). O que existe, constitucionalmente imposto é o principio da 
 verdade jurídica corolário intrínseco do Estado de Direito e portanto, o da 
 segurança jurídica. 
 BB) Tem aqui portanto inteira aplicação o brocado latino dormiontibus non 
 succumi, pois, o prazo estabelecido legalmente a favor do impugnante é, 
 extremamente alargado, potencialmente até à morte deste. 
 CC) A invocada inconstitucionalidade da alínea a ) do n.° 1 do artigo 1842.° do 
 C.C., quando aplicável à acção de impugnação da paternidade, no existe e, à luz 
 das considerações já expendidas, não se vê como é que tal normativo colide com 
 os artigos 25°, 26.°, n.° 1, e 18.° da CRP — tal como defende o Tribunal a quo. 
 DD) Face ao exposto, o acórdão recorrido ao considerar inconstitucional o artigo 
 
 1842, n.° 1, alínea a ), do C.P.C. violou os artigos 25°, 26.°, n.° 1, 18.°, n.º 
 
 1.°, da Constituição da República Portuguesa. 
 
  
 O autor na acção, ora recorrido, contra-alegou, concluindo assim.
 
  
 A – Face à verdade biológica resultante do resultado obtido nos exames de ADN 
 que concluiu ser impossível o recorrido ser pai da menor, não se aplica o prazo 
 de caducidade de 2 anos, previsto no n°1 do artigo 1842° do CC, uma vez que face 
 a essa certeza absoluta, é possível impugnar a todo o tempo a paternidade, 
 independentemente de prazo. 
 B – A não ser assim, viola-se o direito à verdade biológica, o direito 
 fundamental à identidade e integridade pessoal da recorrido e da própria menor, 
 bem como o direito sucessório dos que efectivamente são filhos do recorrido, 
 fica afectado, 
 C – Todos temos direito de conhecer a paternidade. E todos têm o direito a ver 
 estabelecida a sua filiação ou paternidade, independentemente de prazos, desde 
 que cientificamente provada, como é o caso dos presentes autos. 
 D – De resto, é incompatível com os valores actuais, que a pretexto de uma 
 pretensa caducidade, continue a premiar-se a mentira da mãe da menor, já que, 
 comprovadamente através do teste de ADN, a recorrente violou o dever de 
 confiança perante o recorrido e de lealdade para com a própria menor 
 E – A verdade biológica deve prevalecer, independentemente de prazo, sob pena de 
 se violarem os artigos 25°, 26°, n° 1, 36°, n°1, e 18º, n° 2, da Constituição da 
 República; Donde, 
 F – Tendo resultado do teste de ADN que o recorrido é excluído da paternidade da 
 menor, filha da recorrente, 
 G – E uma vez que todos temos o direito de conhecer a paternidade e o direito a 
 ver estabelecida a nossa filiação ou paternidade, independentemente de prazos, 
 desde que, cientificamente provada, 
 H – O prazo de caducidade estabelecido no n.° 1 do artigo 1842° do CC é 
 inconstitucional por violar os artigos 25°, 26°, n° 1, 36°, n°1, e 18º, n° 2, da 
 Constituição da República, e, como tal, foi ultrapassado pela lei principal - a 
 Constituição 
 I – E, como tal, declarada a inconstitucionalidade do artigo 1842°, n° 1, alínea 
 c), do CC, podendo o pretenso pai, nos casos em que a genética comprove que não 
 
 é o pai, impugnar a paternidade a todo o tempo. 
 
  
 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 
 2. O acórdão recorrido desaplicou a norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do 
 Código Civil, que estipula um prazo de caducidade para a acção de impugnação de 
 paternidade, por considerar como válidas para esse caso as considerações 
 explanadas na mais recente jurisprudência constitucional relativamente à norma 
 do artigo 1817º, n.º 1, do mesmo Código, quando aplicável, por força do artigo 
 
 1873º, à acção de investigação de paternidade.
 
  
 Para além de outras especificações que para o caso não interessa considerar, 
 dispõe esse artigo 1817º, no seu n.º 1, que «[A] acção de investigação de 
 maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 
 dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação». O n.º 2 fixa 
 ainda, para a propositura da mesma acção, o prazo de um ano a contar da 
 rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, 
 contanto que a remoção do obstáculo tenha sido requerida até ao termo do prazo 
 estabelecido no número anterior.
 
  
 O Tribunal Constitucional começou por se pronunciar no sentido da conformidade 
 constitucional dessas normas, enquanto estabelecem uma limitação temporal ao 
 exercício do direito a ver judicialmente estabelecida a paternidade (cf. 
 Acórdãos nºs 99/88 – DR, II Série, de 22 de Agosto de 1988, 413/89 – DR, II 
 Série, de 15 de Setembro de 1989, 451/89 – DR, II Série, de21 de Setembro de 
 
 1989, 311/95 – inédito, e 506/99 – DR, II Série, de 17 de Março de 2000).
 
  
 Nesses arestos, a previsão de um prazo para a instauração da acção de 
 investigação de paternidade e a fixação do respectivo termo a quo de acordo com 
 um critério objectivo (por referência à maioridade ou emancipação do 
 investigante) foi considerada como legítima por razões de certeza e segurança 
 que visavam evitar a manutenção de uma situação de pendência ou dúvida acerca da 
 filiação por períodos excessivamente longos. 
 
  
 Posteriormente, porém, o acórdão n.º 456/03, tendo por objecto a apreciação da 
 constitucionalidade do n.º 2  do artigo 1817º, teve em atenção a configuração 
 particular de um caso em que o vínculo de filiação juridicamente estabelecido 
 acabou por se extinguir por efeito da declaração de procedência de uma acção de 
 impugnação da paternidade, que foi instaurada, por quem constava do registo como 
 pai, muito depois de transcorrido o prazo que aquele preceito fixava para a 
 proposição da acção de investigação de paternidade.
 
  
 Ponderou-se, nesse caso, que o filho, no período em que, de acordo com o teor 
 literal da lei, podia instaurar a acção de investigação de paternidade, 
 encontrava‑se numa situação em que tinha o vínculo de filiação estabelecido de 
 forma incontestada, e que não dispunha, por isso, de qualquer fundamento para 
 interpor uma acção de investigação de paternidade.
 
  
 Nesse contexto, entendeu-se que a consagração de limites ao exercício do direito 
 a ver reconhecida a filiação natural torna-se constitucionalmente inadmissível, 
 no ponto em que inutiliza, em relação ao autor da acção de investigação da 
 paternidade, o direito à identidade pessoal, entendido, no seu conteúdo 
 essencial, do direito de qualquer pessoa tomar conhecimento da sua ascendência, 
 nomeadamente, da sua filiação natural (artigo 26º da Constituição).
 
  
 
  Mais recentemente, o Tribunal Constitucional veio a declarar a 
 inconstitucionalidade do regime geral do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil, 
 através do acórdão n.º 486/04, de 7 de Junho, por violação das disposições 
 conjugadas dos artigos 26º, n.º 1, 36º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da Constituição, 
 aresto que, tendo sido passível de recurso com fundamento em oposição de 
 julgados (tendo em conta a anterior orientação jurisprudencial quanto a essa 
 matéria), foi confirmado em Plenário pelo acórdão n.º 11/05, de 12 de Janeiro.
 
  
 Sucede ainda que a referida norma, enquanto prevê a extinção, por caducidade, do 
 direito de investigar a paternidade a partir dos 20 anos de idade do filho, foi 
 declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão n.º 23/06, 
 de 10 de Janeiro, na sequência de um pedido nesse sentido formulado pelo 
 Procurador-Geral da República, por entretanto a mesma norma ter sido julgada 
 inconstitucional, em fiscalização concreta, em mais de três casos concretos 
 
 (além dos referidos acórdãos n.ºs 486/04, da 2.ª Secção, e 11/05, do Plenário, 
 também nas decisões sumárias n.ºs 114/05, de 9 de Março, e 288/05, de 4 de 
 Agosto).
 
  
 O entendimento jurisprudencial que se firmou no sentido da inconstitucionalidade 
 da norma do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil, enquanto limita aos dois 
 primeiros anos posteriores à maioridade ou emancipação a possibilidade de o 
 interessado, sem paternidade estabelecida, interpor uma acção de investigação de 
 paternidade, parte do parâmetro constitucional que resulta do n.º 1 do artigo 
 
 26º da Constituição, reconhecendo que o direito do filho ao apuramento da 
 paternidade biológica é uma dimensão do «direito fundamental à identidade 
 pessoal».
 
  
 Não deixando de pôr em relevo as razões que justificaram de jure constituto a 
 previsão de um prazo limitativo da acção de investigação e que se prendem com a 
 segurança jurídica dos pretensos pais e seus herdeiros (visando prevenir o 
 prolongamento de uma situação de indefinição quanto ao estabelecimento dos 
 vínculos de filiação), com o progressivo “envelhecimento” ou perecimento das 
 provas (considerando que a passagem do tempo potencia o perigo de falibilidade 
 da prova testemunhal, aumentando a possibilidade de fraude), e ainda com o risco 
 de aproveitamento meramente egoístico por parte do investigante (quando apenas 
 pretenda utilizar a acção para aceder, por sucessão, aos meios de fortuna que 
 pertençam ao pretenso pai), a citada jurisprudência chama particularmente à 
 atenção para novos elementos sociológicos e técnico-científicos que tornam 
 justificável uma evolução nas soluções legislativas e doutrinais.
 
  
 A este propósito, no citado acórdão n.º 486/04, que constitui a matriz da 
 orientação jurisprudencial que tem sido adoptada em relação ao prazo de 
 caducidade fixado na referida da norma do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil, 
 afirmou-se o seguinte:
 
  
 Com efeito, tem-se verificado uma progressiva, mas segura e significativa, 
 alteração dos dados do problema, constitucionalmente relevantes, a favor do 
 filho e da imprescritibilidade da acção – designadamente, com o impulso 
 científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da 
 genética, e a generalização de testes genéticos de muito elevada fiabilidade. 
 Esta alteração não deixa incólume o equilíbrio de interesses e direitos, 
 constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela 
 jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a 
 paternidade.
 Grande parte da responsabilidade vai, aqui, para o peso dos exames científicos 
 nas acções de paternidade e para a alteração da estrutura social e da riqueza, 
 levando a encarar a outra luz a dita “caça às fortunas”. Mas nota-se também um 
 movimento científico e social em direcção ao conhecimento das origens, com 
 desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, que têm acentuado a 
 importância dos vínculos biológicos (mesmo se, porventura, com exagero no seu 
 determinismo). O desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão 
 acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre 
 a identidade dos progenitores biológicos, mesmo para os casos de reprodução 
 assistida (cuja consideração está, evidentemente, fora do âmbito do presente 
 recurso), tendo até, entre nós, sido já aprovada uma proposta de lei (a Proposta 
 n.º 135/VII, in Diário da Assembleia da República, I série, n.º 95 de 18 de 
 Junho de 1999, págs. 3439-3440 e 3459-3460) que previa a possibilidade de as 
 pessoas nascidas em resultado da utilização de técnicas de procriação 
 medicamente assistida obterem, após a maioridade, informações sobre a identidade 
 dos seus progenitores genéticos (só não tendo entrado em vigor por ter sido 
 objecto de veto político pelo Presidente da República).
 Não deve, igualmente, ignorar-se a valorização da verdade e da transparência, 
 com a possibilidade de acesso a informação e dados pessoais e do seu controlo, 
 com a promoção do valor da pessoa e da sua “auto-definição”, que inclui, 
 inevitavelmente, o conhecimento das origens genéticas e culturais. A partir de 
 
 1997, consagrou-se, aliás, expressamente um “direito ao desenvolvimento da 
 personalidade” no artigo 26º da Constituição (Paulo Mota Pinto, O direito ao 
 livre desenvolvimento da personalidade, in Portugal-Brasil, ano 2000, Coimbra, 
 
 2000), comportando dimensões como a liberdade geral de acção e uma cláusula de 
 tutela geral da personalidade. E, se tanto o pretenso filho como o suposto 
 progenitor podem invocar este preceito constitucional, não é excessivo dizer-se 
 que ele “pesa” mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de 
 investigar é indispensável para determinar as suas origens.
 
  
 Neste plano de avaliação, o acórdão que vimos de acompanhar passa a desvalorizar 
 as considerações de ordem ético-pragmática (já há pouco sintetizadas) que têm 
 servido de fundamento à conveniência do estabelecimento de um limite temporal 
 para a propositura de acções de investigação.
 
  
 Assim, e em relação aos riscos da prova relativa à matéria da filiação, quando a 
 introdução da acção em juízo possa ser diferida no tempo, pondera-se agora que 
 essa justificação não é de todo relevante face aos avanços científicos que têm 
 permitido o emprego generalizado de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da 
 certeza e que torna possível estabelecer com grande segurança o vínculo de 
 maternidade ou de paternidade. Também o risco de instrumentalização da acção de 
 investigação, na perspectiva de que o investigante poderia ser motivado a agir 
 por razões puramente patrimoniais (quando pudesse intentar a acção a qualquer 
 tempo) tem hoje de ser avaliado à luz de uma nova realidade sociológica em que 
 entra em linha de conta a recomposição do tecido social e de distribuição de 
 riqueza, a ponto de não poder retirar-se a ilação de que o filho, apenas porque 
 não tem definido o seu vínculo de filiação, se encontra numa situação de 
 inferioridade económica e social em relação ao pretenso progenitor, que, por si, 
 possa estimular o recurso à acção apenas com o intuito de obter um direito à 
 herança paterna. A que acresce agora, também, uma mais forte consciencialização 
 dos direitos de personalidade, por parte dos cidadãos, e, em especial, do 
 direito à identidade pessoal, que poderá ter um peso mais significativo, no 
 impulso processual, do que a simples expectativa sucessória. Por fim, entende-se 
 também que o interesse do pretenso progenitor em libertar-se da situação de 
 incerteza quanto à existência de um vínculo de paternidade, que redunda numa 
 garantia de segurança jurídica, não tem um valor decisivo quando colocado em 
 confronto com bens constitutivos da personalidade, e não pode merecer uma 
 protecção superior àquela que deve ser conferida a um direito eminentemente 
 pessoal, como é o de conhecimento da identidade dos progenitores.
 
  
 Foram estes argumentos que, em tese geral, foram acolhidos no acórdão ora 
 recorrido e que, com a colocação da tónica no princípio da verdade biológica, 
 vieram a determinar a formulação de um juízo de inconstitucionalidade também em 
 relação à norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, no ponto em 
 que fixa, em relação ao marido da mãe, um prazo de dois anos para a propositura 
 da acção de impugnação de paternidade contado do momento do conhecimento de 
 circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade. 
 
  
 A questão que se coloca no presente processo é, pois, a de saber se as 
 considerações que conduziram o Tribunal Constitucional a declarar a 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 1817º, n.º 1, do mesmo Código, 
 aplicável à acção de investigação de paternidade, são plenamente transponíveis 
 para a apreciação do prazo de caducidade previsto naquela outra disposição 
 legal, que, diferentemente, se refere à propositura de acção de impugnação de 
 paternidade.
 
  
 
 3. Antes de mais, afigura-se necessário sublinhar – tal como faz o Exmo 
 magistrado do Ministério Público na sua alegação – que as acções com incidência 
 no estabelecimento da paternidade estão subordinadas a um regime jurídico 
 diferenciado, mormente no tocante aos prazos de caducidade.
 
  
 Quanto ao reconhecimento judicial da paternidade, através da falada acção de 
 investigação, o artigo 1869º atribui legitimidade activa apenas ao filho, que, 
 nos termos do artigo 1817º (por via da remissão operada pelo artigo 1873º) 
 poderia propor a acção durante a menoridade ou nos dois primeiros anos 
 posteriores à sua maioridade ou emancipação. O prazo limite, que corresponde, em 
 regra, ao momento em que o investigante atinge 20 anos de idade, é estritamente 
 objectivo, na medida em que se conta a partir de um evento pré-determinado (o 
 momento em que o investigante atinge a plena capacidade jurídica) e que torna 
 irrelevante, em princípio, um conhecimento subjectivo tardio do vínculo 
 biológico em que assenta a filiação que o filho pretende estabelecer 
 juridicamente. Só nos casos excepcionais, regulados nos nºs 2 a 6 desse preceito 
 legal, é que poderia relevar juridicamente, para efeitos de caducidade, certo 
 facto produzido ulteriormente ao momento em que se consumou a maioridade ou a 
 emancipação do investigante, caso em que o prazo para a propositura da acção 
 
 (que fica então reduzido a um ano) se conta a partir desse evento: a remoção de 
 registo inibitório, por efeito da rectificação, declaração de nulidade ou 
 cancelamento do registo (n.º 2); o acesso a escrito em que se declara 
 inequivocamente a paternidade (n.º 3); alteração da relação fáctica ou social 
 que pressuponha o reconhecimento informal de tal vínculo, seja por efeito da 
 morte da mãe ou do investigante, quando este em vida fosse tratado 
 voluntariamente como filho, seja por efeito da cessação voluntária do tratamento 
 como filho (n.ºs 4 e 5).
 
  
 No que se refere à acção de impugnação de paternidade – que visa a impugnação da 
 paternidade presumida do filho nascido ou concebido na constância do matrimónio 
 da mãe –, o artigo 1842º do Código Civil, não só amplia o critério de 
 legitimidade, uma vez que permite que a acção possa ser proposta autonomamente 
 pelos diversos titulares da relação jurídica (o marido, a mãe e o filho), como 
 também estabelece prazos de diferente duração e modo de contagem. O marido da 
 mãe beneficia de um prazo de 2 anos, contado da data em que teve conhecimento de 
 factos ou circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, e, 
 portanto, sem qualquer limite objectivo. A mãe do menor dispõe do mesmo prazo de 
 
 2 anos, mas contado do facto objectivo do nascimento, pressupondo o legislador, 
 naturalmente, que a mãe do menor não poderá razoavelmente ignorar a inexistência 
 do vínculo biológico por parte do marido. O filho poderá propor a acção no prazo 
 de 1 ano, que se conta a partir do momento em que atingiu a maioridade ou a 
 emancipação ou, uma vez adquirida essa situação jurídica, a contar do 
 conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se não ser o impugnante 
 filho do marido da mãe.
 
  
 Por sua vez, para a acção de impugnação da perfilhação – visando a impugnação do 
 acto jurídico de reconhecimento de filho não nascido na constância do matrimónio 
 
 -,  o artigo 1859º prevê um regime aberto de legitimidade activa e de 
 imprescritibilidade da acção, em que se destacam os seguintes aspectos: (a) a 
 impugnação tem como fundamento a falta de correspondência à verdade no acto de 
 perfilhação (e, portanto, a inexistência de uma filiação biológica); (b) a acção 
 poderá ser proposta a todo o tempo, e mesmo depois da morte do perfilhado; (c) 
 tem legitimidade para a propor o perfilhante, o perfilhado, o Ministério 
 Público, e qualquer pessoa com interesse moral ou patrimonial na procedência da 
 acção, aqui se incluindo as pessoas que sejam prejudicadas nos seus direitos 
 sucessórios com o chamamento do perfilhado à herança do perfilhante e quaisquer 
 parentes do perfilhante que, independentemente da sua posição como seus 
 herdeiros, tenham interesse em afastar o perfilhado da família comum.
 
  
 A lei, por outro lado, distingue a impugnação da perfilhação (que tem como 
 fundamento autónomo a falta de verdade biológica) dos casos de anulação, a que 
 se referem as disposições subsequentes, e que se baseia na existência de vícios 
 de consentimento (erro ou coacção) ou na falta de capacidade do perfilhante 
 
 (artigos 1860º e 1861º).
 
  
 Assiste-se, por conseguinte, no âmbito da impugnação da perfilhação, a um 
 alargamento da legitimidade activa ao Ministério Público e a pessoas que tenham 
 um mero interesse moral na procedência da pretensão (bem como a própria 
 inexistência de um prazo de caducidade para a propositura da acção), que é bem 
 demonstrativo do interesse público de que se reveste, na área da filiação fora 
 do casamento, a regra da coincidência da filiação com a realidade biológica da 
 procriação (neste sentido, Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 
 vol. V, Coimbra, 1995, pág. 267). 
 
  
 A diversidade de regimes, acabada de expor, e, em especial, o confronto da 
 solução legal prevista para a impugnação da perfilhação com os critérios mais 
 restritivos do artigo 1842º (em que se mantém a regra da caducidade do direito 
 de impugnação da paternidade presuntiva e se restringe o direito de acção ao 
 núcleo de pessoas mais directamente interessadas), põe em destaque o relevo que 
 o legislador confere ao interesse geral da estabilidade das relações sociais e 
 familiares e ao sentimento de confiança em que deve basear-se a relação 
 paternal, quando se trate de filhos nascidos na vigência do matrimónio.
 
  
 Na perspectiva do legislador, nas situações de paternidade presumida, a 
 necessidade de salvaguardar a harmonia e paz familiar explicam que a ordem 
 jurídica aceite a relação de filiação como definitivamente adquirida, a partir 
 de determinado momento, embora sabendo que ela pode não corresponder à realidade 
 biológica normalmente subjacente ao vínculo de paternidade (Pires de 
 Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 210); ao contrário, a descoberta da verdade 
 
 é erigida em interesse público, numa área de filiação em que se não coloca em 
 perigo a estabilidade da família legalmente constituída, como ocorre em relação 
 
 à impugnação da perfilhação.  
 
  
 Por outro lado, como vimos, são, não já exigências cautelares da família 
 conjugal, mas considerações ligadas à certeza e segurança jurídica, enquanto 
 valores de organização social - a que se associam outros aspectos atinentes à 
 eficácia das provas e à possível instrumentalização do direito de acção - que 
 justificaram, do ponto de vista legislativo, o estabelecimento de um prazo de 
 caducidade para investigação da paternidade, surpreendendo-se, por isso, aqui 
 também, uma diferença específica na razão de ser da lei que motivou a fixação de 
 um limite temporal quer para a acção de investigação de paternidade, tal como 
 previsto no citado artigo 1817º (aplicável por força do artigo 1873º), quer para 
 a acção negatória de paternidade, a que se refere o artigo 1842º, n.º 1, alínea 
 a).
 
  
 E foram aquelas considerações que, no acórdão n.º 486/04, se entendeu não 
 poderem hoje prevalecer relativamente ao conteúdo essencial do direito 
 fundamental à identidade pessoal, que inclui o direito ao conhecimento da 
 ascendência paterna, quando está em causa a investigação da paternidade.
 
  
 
 4. O acórdão recorrido delimita o objecto do recurso de revista como sendo 
 respeitante à questão de saber se o direito de acção de investigação de 
 paternidade por parte do progenitor presumido se encontra limitado pelo prazo de 
 caducidade do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil quando se encontre 
 cientificamente provado que o menor não é filho do demandante.
 
  
 Embora a questão surja assim equacionada, o certo é que a decisão proferida, ao 
 formular um juízo de inconstitucionalidade da referida norma, não reflecte essa 
 dimensão normativa.
 
  
 Isto é, o acórdão recorrido desaplicou a norma apenas para o caso em que tenha 
 ficado demonstrado que o impugnante não é o pai natural do menor, mas declarou a 
 inconstitucionalidade por entender que o preceito, fixando um prazo de 
 caducidade, viola o direito fundamental à identidade pessoal e o direito ao 
 desenvolvimento da personalidade.
 
  
 Neste contexto, o princípio da verdade biológica, a que o acórdão faz alusão, 
 funciona apenas como um argumento redutor de quaisquer considerações de política 
 legislativa que pudessem justificar o estabelecimento de um prazo de caducidade 
 para a acção de impugnação, permitindo assim afastar as razões que, na óptica do 
 legislador, poderiam ter determinado a perempção do direito de acção.
 
  
 Ainda que a lei consagre, hoje, a possibilidade de realização extrajudicial de 
 exames científicos que possam conduzir, com um grande índice de segurança, a uma 
 afirmação pericial de paternidade (artigos 2º, alínea i), e 29º, n.º 1, do 
 Decreto-Lei n.º 11/98, de 24 de Janeiro), o certo é que a destruição de um 
 vínculo de filiação já estabelecido ficará sempre dependente da competente acção 
 de impugnação de paternidade, pelo que o esclarecimento da verdade biológica 
 
 (quando alcançado extrajudicialmente) poderá ficar sem consequências práticas se 
 o presumido pai não intentar a acção destinada a demonstrar judicialmente a 
 falsidade do vínculo (Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de 
 Família, vol. II. Tomo I, Coimbra, pág. 40).
 
  
 A procedência ou improcedência da acção depende, por sua vez, da utilização que 
 as partes possam fazer de meios de prova que sejam susceptíveis de dissipar a 
 dúvida do julgador relativamente aos factos carecidos de demonstração, tendo 
 pleno cabimento, independentemente do grau de fiabilidade das provas, os 
 princípios do funcionamento do ónus da prova (artigo 516º do Código de Processo 
 Civil) e da livre convicção do juiz (artigo 655º do Código de Processo Civil).
 
  
 Nestes termos, embora se possa afirmar, no domínio do direito da filiação, a 
 existência de um princípio de verdade biológica, que decorre desde logo da 
 abertura que o legislador deu, na reforma do Código Civil de 1977, à utilização 
 como meios de prova, nas acções relativas à filiação, de «exames de sangue e 
 quaisquer outros métodos cientificamente comprovados» (artigo 1801º do Código 
 Civil), o certo é que esse princípio, ainda que possa entender-se como um 
 critério estruturante do regime legal, não assume dignidade constitucional 
 
 (idem, pág. 52) e não pode fundamentar, por si só, um juízo de 
 inconstitucionalidade relativamente à norma que fixa um prazo de propositura da 
 acção de impugnação da paternidade.
 
  
 O enfoque em que se poderá colocar a questão de constitucionalidade é, portanto, 
 o da possível violação, na fixação normativa desse prazo, dos falados direitos 
 fundamentais à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade.
 
  
 
 5. Como tem sido entendido, o direito à identidade pessoal, tal como está 
 consagrado no artigo 26º, n.º 1, da Constituição, abrange, não apenas o direito 
 ao nome, mas também o direito à historicidade pessoal, enquanto conhecimento da 
 identidade dos progenitores, e poderá fundamentar, por si, um direito à 
 investigação da paternidade e da maternidade (Gomes Canotilho/Vital Moreira, 
 Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, vol. I, 
 Coimbra, pág. 462). Num outro registo, a identidade pessoal, sendo o que 
 caracteriza cada pessoa enquanto unidade individualizada que se diferencia de 
 todas as outras pessoas por uma determinada vivência pessoal, inclui também o 
 direito à identidade genética própria e, por isso, ao conhecimento dos vínculos 
 de filiação, no ponto em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo 
 factor genético (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 
 Tomo I, Coimbra, 2005, págs. 204-205).
 
  
 Como se afirmou no acórdão n.º 456/03, já mencionado, «[T]al direito inclui no 
 seu conteúdo essencial a possibilidade de qualquer pessoa tomar conhecimento da 
 sua ascendência, nomeadamente, da sua filiação natural. Nessa medida, a lei 
 consagra os mecanismos judiciais que visam efectivar o exercício de tal direito, 
 permitindo a investigação da filiação (maternidade, paternidade), de modo a que 
 todos os indivíduos tenham a possibilidade de identificar os seus progenitores 
 para, entre outros fins, ser estabelecido o vínculo de filiação jurídica com 
 base no vínculo biológico».
 
  
 
  A revisão constitucional de 1997 passou também a consagrar constitucionalmente, 
 no mesmo preceito, o direito ao desenvolvimento da personalidade. Este assegura 
 uma tutela mais abrangente da personalidade, que inclui duas diferentes 
 dimensões: (a) um direito à formação livre da personalidade, que envolve a 
 liberdade de acção de acordo com o projecto de vida e capacidades pessoais 
 próprias; (b) a protecção da integridade da pessoa em vista à garantia da esfera 
 jurídico-pessoal no processo de desenvolvimento. Neste plano, o desenvolvimento 
 da personalidade comporta uma liberdade de autoconformação da identidade, da 
 integridade e da conduta do indivíduo, e nele se pode incluir, além de muitos 
 outros elementos, um direito ao conhecimento da paternidade e da maternidade 
 biológica (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 463-464).
 
  
 Como vimos, a lei prevê a prescritibilidade da acção de investigação de 
 paternidade tal como da acção de impugnação de paternidade. As razões que terão 
 estado na definição desse regime jurídico prendem-se, como se anotou, com o 
 inconveniente da manutenção de uma situação prolongada de insegurança e o perigo 
 de enfraquecimento das provas com a passagem do tempo, a que acresce, no que 
 toca especialmente à impugnação da paternidade do marido, um outro motivo 
 relacionado com a necessidade de proteger a unidade familiar.
 
  
 Como se concluiu no aresto há pouco citado, como decorrência do direito 
 fundamental à identidade pessoal, a consagração de limites ao exercício do 
 direito a ver reconhecida a filiação natural não poderá inutilizar esse direito. 
 Isto é, independentemente de ser ou não constitucionalmente criticável a 
 possibilidade de consagração de limites, nomeadamente temporais, ao exercício do 
 direito de instaurar a acção de investigação de paternidade, não é já, 
 seguramente, admissível a criação de um limite que, na prática, vede, em 
 absoluto, a possibilidade de o sujeito averiguar o vínculo de filiação natural.
 
  
 Esse princípio foi reafirmado pela jurisprudência constitucional, de forma mais 
 abrangente, em relação ao prazo-regra do artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil 
 
 (aplicável à acção de investigação de paternidade por força do artigo 1873º), em 
 termos tais que veio, mais tarde, a ser declarada, com força obrigatória geral, 
 a inconstitucionalidade dessa referida norma.
 
  
 O acórdão n.º 486/04, que inaugurou essa jurisprudência, não deixou, todavia, de 
 vincar que o que estava então em causa era o concreto limite temporal previsto 
 no artigo 1817º, n.º 1, do Código Civil (pelo qual ao investigante está vedado 
 propor uma acção de investigação de paternidade para além do prazo de dois anos 
 a contar da maioridade ou emancipação), e não a questão de saber se a 
 imprescritibilidade da acção corresponde à única solução constitucionalmente 
 conforme.
 
  
 Do referido acórdão não se pode, portanto, extrair a ilação de que qualquer 
 regime de prescritibilidade legalmente consagrado para as acções relativas ao 
 estabelecimento do vínculo de filiação se encontra ferido de 
 inconstitucionalidade. E não é possível, sem mais, aceitar o princípio de que as 
 considerações avançadas para sustentar a inconstitucionalidade do prazo de 
 caducidade previsto para a acção de investigação de paternidade são também 
 válidas para o prazo fixado no artigo 1842º, n.º 1, alínea a), para a impugnação 
 de paternidade por parte do pai presumido.
 
  
 O próprio acórdão n.º 486/04 reconhece – no excerto há pouco transcrito - que, 
 embora tanto o pretenso filho como o suposto progenitor possam invocar um 
 direito à identidade pessoal ou ao desenvolvimento da personalidade, a tutela da 
 personalidade e da liberdade de acção pesa mais para o lado do filho, para quem 
 o exercício de investigar é indispensável para determinar as suas origens, dando 
 assim guarida à ideia de que os prazos de caducidade da acção de investigação de 
 paternidade e da acção de impugnação de paternidade não têm de ser analisados 
 necessariamente sob o mesmo prisma .
 
  
 Este ponto de vista é também realçado pelo magistrado do Ministério Público na 
 sua alegação de recurso. Sendo a acção de impugnação de paternidade intentada 
 pelo marido da mãe, não pode invocar-se, como obstáculo potencial à respectiva 
 caducidade, o direito fundamental do filho ao apuramento da respectiva filiação 
 biológica, porquanto a eventual caducidade de direito de acção pelo transcurso 
 do prazo previsto no artigo 1842º, n.º 1, alínea a), em nada afecta naturalmente 
 a possibilidade de o filho, ulteriormente, através de quem o represente ou por 
 iniciativa própria, no prazo de 1 ano a contar da maioridade ou emancipação, 
 intentar a sua própria acção, não necessitando de suportar na sua esfera 
 jurídica a preclusão derivada do “atraso” na impugnação por parte do outro 
 sujeito legitimado (o marido da mãe).
 
  
 O que está, deste modo, em causa é saber se a norma que constitui objecto do 
 presente recurso viola um direito fundamental à identidade pessoal do marido da 
 mãe, susceptível de fundar a conclusão de que a respectiva acção poderia e 
 deveria, por imposição constitucional, ser proposta a todo o tempo, 
 independentemente do momento em que tal sujeito, legitimado para impugnar, teve 
 conhecimento das circunstâncias que permitem razoavelmente duvidar da sua 
 paternidade.
 
  
 Parece, todavia, que não estará aqui em causa um direito à identidade pessoal, 
 entendida no sentido há pouco explanado de direito ao conhecimento da identidade 
 dos progenitores (que tem apenas relevo para a acção de investigação de 
 paternidade), mas o direito ao desenvolvimento da personalidade na dimensão de 
 um direito de autoconformação da identidade, que não poderá deixar de ser 
 reconhecido em relação ao presumido pai, quando este tenha motivos para duvidar 
 da sua paternidade biológica e pretenda esclarecer a sua posição social e 
 jurídica quer em relação ao filho presumido, quer em relação ao agregado 
 familiar, quer ainda ao meio social em que se insere.
 
  
 Há, no entanto, inevitavelmente, uma diferença de grau entre a investigação de 
 paternidade, em que patentemente está em causa o direito à identidade pessoal do 
 investigante (e relativamente ao qual a imposição de um limite temporal pode 
 implicar a violação do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores), 
 e a impugnação de paternidade, em que o releva é a definição do estatuto 
 jurídico do investigante em relação a um vínculo de filiação que lhe é atribuído 
 por presunção legal.    
 
  
 Assim se compreende que sistemas jurídicos que admitem a investigação de 
 paternidade sem limite, mostrando dar preferência à tutela do direito inviolável 
 
 à identidade pessoal, já imponham a caducidade do direito de impugnação, 
 aceitando assim que, decorrido o prazo fixado na lei, se consolide a paternidade 
 presumida ainda que não corresponda à verdade biológica (notícia desta 
 diferenciação de regimes em Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, ob. cit., pág. 
 
 139; Guilherme de Oliveira, O Critério Jurídico da Paternidade (reimpressão), 
 Coimbra, 1998, pág.372).
 
  
 Deve notar-se que o princípio da verdade biológica não tem aqui um valor 
 absoluto. Sabe-se que as razões que justificam a fixação de um prazo de 
 caducidade para a acção de impugnação de paternidade não são inteiramente 
 coincidentes com as que tinham determinado a perempção da acção de investigação 
 de paternidade, pois que para além das considerações de natureza pragmática que 
 se prendem com a certeza e segurança jurídica e a eficácia das provas, releva 
 ainda com particular acuidade, naquele primeiro caso, a protecção da família 
 conjugal. É esse interesse que explica que um terceiro (pretenso progenitor) não 
 tenha legitimidade ex novo para afastar a presunção de paternidade do marido da 
 mãe e obter o reconhecimento da sua paternidade, e só possa intervir 
 processualmente através ao Ministério Público (mediante requerimento que lhe 
 deverá ser apresentado em prazo muito curto) e depois de previamente reconhecida 
 a viabilidade do pedido (artigo 1841º do Código Civil). O direito de impugnação 
 da paternidade está, assim, apenas, na disponibilidade directa dos membros da 
 família, no sentido de que só o marido, a mãe e o filho é que se encontram 
 autonomamente legitimados a intentar a acção. E não está, por isso, excluído que 
 a situação de discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica 
 se mantenha sempre que não haja interesse concreto por parte dos interessados na 
 destruição da paternidade presumida. 
 
  
 Certo é que o legislador poderá, à semelhança de outros sistemas jurídicos, dar 
 primazia a considerações de política legislativa fazendo prevalecer o princípio 
 da verdade biológica sobre o eventual prejuízo para a unidade familiar, 
 permitindo que a acção de impugnação possa ser proposta  a todo o tempo.  Há, no 
 entanto, condicionalismos objectivos que permitem  distinguir entre a 
 investigação de paternidade e a impugnação de paternidade  e que podem 
 justificar que as pretensões de constituição de vínculos novos venham a merecer 
 um tratamento jurídico diferenciado em relação a pretensões que tenham a vista a 
 destruição de vínculos pré-existentes (admitindo expressamente esta 
 possibilidade de conformação legislativa, Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, 
 ob. cit., pág. 139).
 
  
 Sublinhe-se que o prazo para a propositura da acção de investigação de 
 paternidade, cominado através da inconstitucionalizada norma do artigo 1817º, 
 n.º 1, do Código Civil, se contava a partir de um facto objectivo (a aquisição 
 da maioridade ou emancipação do investigante), a ponto de ficar inviabilizado o 
 exercício do direito de acção quando o interessado apenas tivesse tido 
 conhecimento efectivo da situação que justifica o impulso processual já depois 
 de transcorrido o prazo de dois anos a contar desse momento. Poderá facilmente 
 concluir-se, nesse contexto, que  é desproporcionada e violadora do direito à 
 identidade pessoal a norma que impede a investigação de paternidade em função de 
 um critério de prazos objectivos, quando os fundamentos para instaurar a acção 
 surgem pela primeira vez em momento ulterior ao termos desses prazos. Tal norma 
 consagra, nesses termos, uma efectiva negação da possibilidade de conhecimento 
 da paternidade.
 
  
 Ao contrário, o prazo definido no artigo 1842º, n.º 1, alínea a), para a 
 impugnação da paternidade por parte do pai presumido – que está agora em causa 
 
 -, sendo de duração idêntica à daquele, conta-se, todavia, a partir de um facto 
 subjectivo, que se traduz no «conhecimento de circunstâncias de que possa 
 concluir-se a sua não paternidade». Este parece ser um prazo razoável e adequado 
 
 à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de impugnar e que 
 permitirá avaliar todos os factores que podem condicionar a decisão. E o 
 presumido pai não pode sequer invocar uma situação de impossibilidade de exercer 
 o direito, já que, a partir do conhecimento pessoal de factos que indiciem a 
 inexistência de um vínculo real de filiação, dispõe sempre de tempo útil para 
 afastar a presunção de paternidade.
 
  
 Neste contexto, não parece que a fixação de um prazo de caducidade para a 
 impugnação de paternidade pelo pai presumido, nos termos em que se encontra 
 previsto na referida norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, 
 represente uma intolerável restrição ao direito de desenvolvimento da 
 personalidade entendido com o alcance de um direito de conformar livremente a 
 sua vida, quando é certo que a preclusão do exercício do direito de impugnar 
 pode justamente ter correspondido a uma opção que o interessado considerou ser 
 em dado momento mais consentâneo com o seu interesse concreto e o seu 
 condicionalismo de vida.
 
  
 Por tudo, não pode entender-se – contrariamente ao que se consignou no acórdão 
 recorrido – que exista uma paridade de situação entre os prazos de caducidade 
 dos artigos 1817º, n.º 1, e 1842º, n.º 1, alínea a), do Código Civil em termos 
 de se poder aplicar neste último caso as razões que conduziram o Tribunal 
 Constitucional a declarar a inconstitucionalidade daquele outro preceito.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Termos em que se decide:
 a) não julgar inconstitucional, por violação do direito à identidade pessoal e 
 ao desenvolvimento da personalidade, a norma do artigo 1842º, n.º 1, alínea a), 
 do Código Civil;
 b) ordenar a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o decidido quanto 
 
 à questão de constitucionalidade.
 
  
 Sem custas 
 
  
 Lisboa, 28 de Novembro de 2007
 
  
 Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Ana Maria Guerra Martins
 
  
 Vítor Gomes
 
  
 Maria Lúcia Amaral (com declaração de voto)
 
  
 Gil Galvão (com declaração de voto)
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Divergi radicalmente de toda a fundamentação adoptada por entender que, nela, se 
 não identificam correctamente os problemas jurídico‑constitucionais que o 
 presente caso coloca.
 Em primeiro lugar, entendo que se não identificou correctamente o direito 
 fundamental face ao qual se deve avaliar a norma sob juízo. Tal direito é, a meu 
 ver, o direito à identidade pessoal que, enquanto direito a conhecer e a 
 procurar conhecer a verdade sobre si próprio – e a poder representá‑la 
 livremente perante os outros, no espaço familiar, privado e público –, envolve 
 tanto o direito a saber de quem se é filho quanto o direito a saber de quem se é 
 pai. Nessa medida, a estratégia de fundamentação que é seguida – e na qual ocupa 
 um lugar relevante o argumento segundo o qual o presente ‘caso’ seria diverso do 
 
 ‘caso’ decidido pelo Tribunal no Acórdão nº 486/04 – obnubila a questão 
 essencial que haveria desde logo a resolver, e que seria a de identificar com 
 precisão (antes e independentemente da comparação de ‘casos’) qual o direito 
 fundamental a que se reportaria a norma em juízo.
 Depois, entendo que a fundamentação foi deficiente – e inexplicavelmente 
 deficiente – na correcta qualificação dessa mesma norma, enquanto norma 
 
 ‘relativa’ ao exercício de um direito fundamental.
 Conclui‑se a certa altura que “não parece que a fixação de um prazo de 
 caducidade (…) nos termos em que se encontra previsto (…) no art. 1842º, nº 1, 
 alínea a) do Código Civil representa uma intolerável restrição ao direito (…)” 
 
 [itálico meu]. Mas a verdade é que nem se diz por que razão existe aqui uma 
 restrição nem tão pouco se explica suficientemente por que razão será ela 
 
 ‘tolerável’ (ou não será ‘intolerável’). Nenhuma destas questões é minudência 
 inútil. 
 A questão de saber por que motivo deve esta norma ser qualificada como 
 restritiva de um direito – e não como meramente conformadora do seu exercício – 
 
 é evidentemente central, porque da resposta que se lhe der depende a aplicação 
 ao caso dos limites contidos no artigo 18º da Constituição. Inexplicavelmente, a 
 estratégia argumentativa seguida silencia por completo o problema, o que tem 
 desde logo a consequência de se deixar por esclarecer – apesar de se concluir 
 que se não trata de uma restrição intolerável – se foram ou não cumpridas as 
 exigências do artigo 18º, nomeadamente a relativa à autorização constitucional 
 para restringir (artigo 18º, nº 2, primeira frase).
 A fundamentação parece levar a cabo uma ponderação de bens que, sem o dizer, 
 poderá corresponder ao cumprimento do teste de proporcionalidade exigido pela 
 parte final do nº 2 do artigo 18º. No entanto, também tal ponderação surge – a 
 meu ver – como coisa por demais vaga e imprecisa.
 Antes do mais, porque nunca chegam a ser precisados com suficiente rigor os 
 termos que balizam o campo operativo do juízo de proporcionalidade. Quais são, 
 aqui, os ‘bens’ a ‘sopesar’? Fica‑se a final sem saber: é que não é só o bem 
 protegido pelo direito que se restringe que é ambiguamente identificado – pois 
 que acaba por não ficar claro se será ele a ‘livre conformação do eu’, a 
 
 ‘verdade biológica’ ou a ‘historicidade pessoal’ –; por precisar ficam também os 
 outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que, uma vez 
 verificada a situação de proporcionalidade, justificariam a restrição. Fica‑se 
 sem saber ao certo que «direitos» ou «interesses» serão esses, diluídos que eles 
 aparecem em “considerações de ordem ético‑programática” ou “considerações de 
 política legislativa”: a preservação da unidade familiar? A defesa contra acções 
 ditadas por interesses egoísticos? A certeza e a segurança do Direito face ao 
 
 [natural] envelhecimento das provas?
 A questão de constitucionalidade que neste caso se punha ao Tribunal era a 
 questão de saber se, face aos avanços técnico‑científicos (que condicionam, 
 hoje, de um outro modo, o exercício do direito ao conhecimento e à procura do 
 conhecimento da verdade sobre si próprio), poderia o legislador [continuar] a 
 fixar o prazo de dois anos contido no artigo 1842º, nº 1, alínea a) do Código 
 Civil.
 Aceitei a decisão tomada porque respondi afirmativamente à questão. Perante um 
 rigoroso teste de proporcionalidade, creio, o juízo não poderia ser 
 outro. (Embora não possa desenvolver aqui, com toda a exaustão, uma 
 fundamentação alternativa, penso que tal juízo deveria ter sido feito tendo como 
 campo operativo o bem jurídico protegido pelo direito à identidade pessoal do 
 
 [presumido] pai, de um lado, e o bem jurídico protegido pelo direito à 
 identidade pessoal do próprio filho – bem jurídico este que pesa no sentido da 
 protecção da verdade estabelecida pelo Direito, como forma de preservação de uma 
 certa representação do ‘eu’ [perante si mesmo e perante os outros] que não pode 
 ficar permanentemente sob ‘condição resolutiva’). É‑me no entanto impossível 
 tomar como minha uma fundamentação que permanece à margem das questões 
 jurídico‑constitucionais que aqui se colocam.
 Maria Lúcia Amaral
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 Votei a decisão, embora com dúvidas quanto à questão de saber se a norma 
 questionada - na medida em que fixa para o marido da mãe um prazo de dois anos 
 contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se 
 a sua não paternidade, independentemente de quaisquer outros elementos 
 porventura relevantes – passa o teste do princípio da proporcionalidade. Nas 
 circunstâncias, admitindo, porém, que a situação dos autos é diversa da decidida 
 no acórdão n.º 486/2004 e que a Constituição não imporá, no caso de impugnação 
 da paternidade por parte do marido da mãe, a não caducidade do direito, acabei 
 por entender, sem prejuízo de ulterior reponderação, que caberia ainda dentro da 
 liberdade de conformação do legislador a fixação de um tal prazo.
 Gil Galvão