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Processo n.º 571/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
       Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
                   1. A., arguido no Proc. n.º 407/03.1 TAGRD.C1, reclama, ao 
 abrigo do disposto no n.º 4  do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, 
 do despacho do relator no Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Março de 2007 
 que, com fundamento em que não fora suscitada em momento processual oportuno 
 qualquer questão de constitucionalidade, não admitiu recurso  para o Tribunal 
 Constitucional de acórdão daquele tribunal que revogou a decisão instrutória de 
 não pronúncia e ordenou que o arguido seja pronunciado.
 
  
 
                   Sustenta o reclamante, em síntese, o seguinte:
 
  
 
  
 
 “(…)3 – O reclamante suscitou a nulidade do acórdão, invocando em suma que:
 
 -  O arguido  só deveria ser pronunciado em caso de existir uma possibilidade 
 particularmente forte de futura condenação, o acórdão nem de longe nem de perto 
 demonstrou tal possibilidade.
 
 - Equiparar o juízo de probabilidade a um juízo de mera verosimilhança, menos 
 exigente que o da condenação, significa admitir que o juízo de suficiência dos 
 indícios é compatível com uma cerra margem de dúvida quanto à responsabilidade 
 do arguido, o que conduz inevitavelmente a reconhecer que o princípio da 
 presunção de inocência não se aplica a essa avaliação.
 
 - Só na condenação final qualquer dúvida razoável teria de ser afastada por 
 força do in dubio pró reo. Não tendo aplicação na fase da pronúncia.
 
 - Este é o entendimento implícito no douto acórdão, com o qual não se concorda.
 Ora, tal entendimento não tem justificação à luz do sistema estrutural do 
 processo penal. Uma dúvida razoável no final do inquérito dificilmente se 
 dissipará durante a audiência de julgamento; pelo contrário, uma convicção que 
 aponte para a condenação no afinal do inquérito pode facilmente, depois de 
 sujeita a uma apreciação oral e contraditória na audiência, converter-se em 
 duvida razoável. 
 
 - Por outro lado o princípio da presunção de inocência vigora para todo o 
 processo penal, pelo que deve estar também presente no momento da acusação e de 
 pronúncia e ser compatível com o conteúdo normativo a atribuir ao juízo 
 indiciário que esses actos pressupõem. 
 
 - Aliás o entendimento do Tribunal constitucional vai no sentido de não 
 converter tal princípio numa presunção meramente teórica que a lei proporciona 
 aos arguidos, mas que na prática não redunda em qualquer posição processual 
 vantajosa para eles. O princípio, pelo contrário deve ser entendido como 
 conferindo ao arguido a titularidade de um estatuto e o direito a um tratamento 
 que deve inspirar todas as soluções e acompanhá-lo em todas as fases do 
 processo. 
 
 - O princípio da presunção de inocência deve, por isso, ter também uma 
 incidência directa na formulação do juízo de probabilidade. Do princípio da 
 presunção de inocência deve decorrer a proibição de submeter uma pessoa a 
 julgamento penal imputando-lhe factos relativamente aos quais persistam dúvidas 
 razoáveis. Só quando essas dúvidas sejam ultrapassadas, de forma demonstrada, é 
 que será legitimo afirmar a suficiência dos indícios. 
 A honra de uma pessoa não deve ser posta em jogo enquanto subsistirem dúvidas 
 razoáveis quanto ao fundamento da pronúncia. 
 
 - Excluir o princípio da presunção de inocência da valoração da prova indiciária 
 reduz desproporcionada e injustamente as garantias de defesa do arguido em 
 processo penal, o que contraria a constituição. Comentário do Prof. Jorge 
 Noronha e Silveira que aqui se dá por parcialmente reproduzido. 
 
 - O despacho de pronúncia proferido apesar de reconhecer as dificuldades de em 
 julgamento ao arguido vir a ser aplicada uma condenação, mesmo assim revoga o 
 despacho recorrido de não pronúncia, considerando que só em sede de julgamento é 
 que se poderá decidir quanto à credibilidade da prova testemunhal, como se fosse 
 pressuposto deste processo, desfazer o novelo de todo o emaranhado processual 
 contra as testemunhas a quem o arguido imputa crimes de denuncia caluniosa e 
 falsidade de testemunho, cuja a discussão não existe neste processo mas em 
 processos autónomos. 
 
 - O Douto Acórdão não especificou os fundamentos de facto e de direito que 
 justificam a sua decisão, sendo, por isso, o Douto Acórdão nulo, devendo a mesma 
 nulidade ser suprida e em consequência ser revogado o mesmo. 
 
 - O Douto Acórdão não interpretou e consequentemente não aplicou adequadamente 
 as disposições dos art°s 283° e 308°, n° 1 do C.P.P. no que respeita à 
 integração do conceito de suficientes indícios. 
 
 - Existe uma manifesta contradição com a prova que foi produzida e por isso, com 
 o sistema processual penal e constitucional, por violação das garantias de 
 defesa do arguido, designadamente o principio de presunção de inocência, 
 previsto no art. 32 da CRP que é desta forma frontalmente violado, impondo-se, 
 como se disse, a sua revogação sob pena de nulidade do mesmo. 
 
 4- No que se refere ao facto de a inconstitucionalidade só ter sido invocada no 
 momento da arguição da nulidade, o reclamante não teve oportunidade de a 
 suscitar anteriormente, porquanto, na fase de inquérito e na sua conclusão o 
 reclamante não foi acusado do crime de que estava indiciado, não deduziu 
 qualquer oposição a tal facto e 
 
 5- Posteriormente com a abertura da fase de instrução, o reclamante não foi 
 pronunciado, tendo sido só em sede de recurso que o reclamante foi pronunciado, 
 constituindo o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra uma 
 verdadeira decisão surpresa, com o qual, o ali arguido não contava e por isso no 
 decurso de todo o processo nunca teve a oportunidade ou necessidade de invocar a 
 referida inconstitucionalidade nomeadamente sobre a aplicação e interpretação 
 que aquele tribunal realizou das normas acima referidas. 
 
 6- O reclamante, aliás, no seguimento daquilo que tem sido a jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional, se uma parte processual for surpreendida com uma 
 interpretação normativa acolhida numa decisão jurisprudencial, interpretação 
 essa de todo insólita e inesperada, com a qual, razoavelmente, não poderia 
 contar e que dado o vício fundado de inconstitucionalidade – de que padece, é 
 passível de desencadear uma nulidade da decisão.., que acarrete a insubsistência 
 da própria decisão então, para efeitos, do pressuposto do n° 1 do art° 70º da 
 Lei n° 28/82, Acórdão n° 612/99, de 10 de Novembro. 
 
 7- O reclamante, tendo em conta o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra 
 relativamente à interpretação das normas referidas aproveitou a arguição da 
 nulidade do acórdão para nele suscitar a questão da inconstitucionalidade, dando 
 assim cumprimento ao disposto na alínea b), n° 1 do art° 70º e de forma a 
 possibilitar o recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 8- O Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que não tinha sido observado, tal 
 dispositivo legal, julgando inadmissível o recurso interposto pelo reclamante 
 para aquele tribunal, decisão com a qual não se concorda. 
 
 9- A questão da inconstitucionalidade foi na tese do reclamante suscitada no 
 decurso do processo e por isso não é uma questão nova ou que esteja fora do seu 
 
 âmbito, como refere o Tribunal da Relação, pelo que o recurso deveria ter sido 
 admitido. 
 
  
 
  
 O Ministério Público respondeu nos termos seguintes:
 
  
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Na verdade, o reclamante – mesmo no âmbito da arguição de “nulidade” que 
 deduziu, a fls. 42 e segs. – não identifica qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, susceptível de integrara objecto idóneo de um 
 recurso de fiscalização concreta: não especifica, em termos minimamente 
 inteligíveis, qual o critério normativo que subjaz à aplicação dos preceitos 
 legais questionados, limitando-se a dissentir do concreto e casuístico juízo 
 valorativo das provas produzidas e da apreciação que, consequentemente, a 
 decisão recorrida fez da suficiência dos indícios probatórios que levaram à 
 pronúncia do arguido.”
 
  
 
  
 
 2. Com interesse para a decisão da reclamação relevam as ocorrências processuais 
 seguintes:
 
  
 a)         No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, o juiz de instrução 
 proferiu despacho de não pronúncia do arguido, ora reclamante, que fora 
 denunciado por factos susceptíveis de integrar crime de abuso sexual de pessoa 
 incapaz ou de abuso sexual de pessoa internada, previstos e punidos, no n.º 2 do 
 artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 166.º do Código Penal, respectivamente;
 b)        Concedendo provimento a recurso da assistente, o Tribunal da Relação 
 de Coimbra, por acórdão de 29 de Novembro de 2006, determinou que o arguido 
 fosse pronunciado;
 c)         O arguido arguiu a nulidade desse acórdão, argumentando, além do 
 mais:
 
  
 
 “30- O Douto Acórdão não interpretou e consequentemente não aplicou 
 adequadamente as disposições dos art°s 283° e 308°, n° 1 do C.P.P. no que 
 respeita à integração do conceito de suficientes indícios. 
 
 31- Acresce que, e atendendo à analise da prova que realizou o Tribunal ad quem 
 e não obstante a permanente duvida que reconhece existir nos autos, admitindo 
 uma mera possibilidade de o arguido vir a ser condenado considera que tem de ser 
 presente a julgamento, resultando tal possibilidade, além do mais, do facto de 
 por falta de imediação não poder deixar de se entender que o arguido tem de ser 
 pronunciado, o que evidência uma manifesta contradição com a prova que foi 
 produzida e por isso, com o sistema processual penal e constitucional, por 
 violação das garantias de defesa do arguido, designadamente o principio de 
 presunção de inocência, previsto no art. 32 da CRP que é desta forma 
 frontalmente violado, impondo-se como se disse a sua revogação sob pena de 
 nulidade do mesmo. 
 Termos em que requer a Vossas Excelências nos termos do art°s 666° n°2, e 670º 
 do C.PC. a revogação do douto acórdão por violação do disposto nos art°s, 283° e 
 
 308 do C.P.P. e art° 32 da C.R.P., (Principio da presunção de inocência que rege 
 igualmente a fase de instrução), sob pena de tal não acontecer, o mesmo estar 
 viciado de nulidade.”
 
  
 d)        O que foi desatendido por acórdão de 21 de Fevereiro de 2007, 
 considerando que “a arguição de nulidade não serve para reagir a uma decisão que 
 
 é desfavorável, à semelhança do recurso, invertendo o sentido desta por se 
 discordar dela, mas sim para corrigir algum lapso, erro ou omissão, enquadrável 
 no art. 379.º, do CPP, embora possa ter efeitos reflexamente no mérito da 
 decisão”. 
 
  
 e)         O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, mediante 
 requerimento do seguinte teor:
 
  
 
 “vem, em face da notificação do acórdão proferido sobre a apreciação do pedido 
 de nulidade, interpor o competente recurso com subida imediata e efeito 
 suspensivo, para o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos da alínea b) do 
 n.º 1 do art° 70º da lei n.º 28/82 para apreciação da inconstitucionalidade na 
 interpretação das normas previstas nos art°s 283º e 308º do C.P.P e artº 32º da 
 C.R.P., cuja a inconstitucionalidade foi suscitada no pedido de nulidade do 
 acórdão proferido nos autos e formulado ao abrigo do disposto nos artºs 666 nº 2 
 e 668 nº 1, alíneas b),c),d), e 670 todos do C.P.C. e que decidiu julgar 
 improcedente a nulidade invocada, mantendo integralmente o acórdão de pronunciar 
 o arguido.”
 
  
 f)          Sobre este requerimento recaiu despacho do seguinte teor:
 
  
 
 “A assistente interpôs recurso da decisão instrutória. 
 O arguido respondeu que se deve manter o despacho de não pronúncia. 
 Pelo acórdão de fls. 705 a 716, decidiu-se conceder provimento ao recurso. 
 O arguido, notificado do acórdão veio arguir a nulidade do mesmo. 
 Este tribunal decidiu, indeferir em conferência a nulidade arguida. 
 Ora, a arguição de nulidade deve incidir apenas sobre as questões trazidas ao 
 conhecimento do tribunal de recurso pelos intervenientes processuais, na 
 motivação de recurso e respectiva resposta. 
 O arguido recorre para o Venerando Tribunal Constitucional, para, conforme 
 requerimento de fls. 789, «… apreciação da inconstitucionalidade na 
 interpretação das normas previstas nos art. 283º e 308º, do CPP e art. 32.º, da 
 CRP, cuja inconstitucionalidade foi suscitada no pedido de nulidade do 
 acórdão...». 
 Nunca foi suscitada qualquer inconstitucionalidade para que esta Relação, 
 enquanto tribunal de recurso dela conhecesse. 
 Não faz sentido o presente recurso com base em inconstitucionalidade alegada na 
 arguição de nulidade do acórdão, encontrando-se esta nova questão fora do seu 
 
 âmbito. 
 Sobre a não admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional de 
 inconstitucionalidades suscitadas em aclarações e arguição de nulidades, após 
 ter sido proferido acórdão do Tribunal da Relação se tem pronunciado o Tribunal 
 Constitucional, entre vários os Ac. nºs 108/2005 e 120/2002. 
 Nesta conformidade, não se admite o recurso interposto para o Venerando Tribunal 
 Constitucional, por não ser admissível, nos termos dos art. 70°, n.º 1, al. b); 
 
 71.º, n.º 1; 72.º, n.º 2; 75º-A, n.º 2 e 76.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 28/82, de 
 
 15 de Novembro.” 
 
  
 
  
 
                   3. O despacho reclamado fundou a não admissão do recurso de 
 constitucionalidade no incumprimento do ónus de suscitar a questão de 
 constitucionalidade de modo processualmente adequado em termos de o Tribunal da 
 Relação estar obrigado a dela conhecer (cfr. n.º 2 do artigo 72.º da LTC), 
 considerando que o recorrente só levantou tal questão na arguição de nulidade do 
 acórdão de 29 de Novembro de 2006, que decidiu o recurso em seu desfavor. O 
 reclamante contrapõe que não lhe era exigível que o fizesse em momento anterior, 
 visto que a interpretação normativa acolhida pelo acórdão que determinou a sua 
 pronúncia é de todo insólita e inesperada.
 
  
 
                   É exacto que, num entendimento funcional do referido ónus, o 
 Tribunal tem exceptuado da exigência de que a questão seja suscitada antes de 
 proferida a decisão que faz aplicação da norma cuja conformidade à Constituição 
 se quer ver apreciada aqueles casos “anómalos” ou “excepcionais” em que o 
 recorrente é confrontado com a aplicação inesperada de determinada norma ou com 
 a sua aplicação com um sentido de todo imprevisto. Trata-se de situações em que, 
 por não poder nem dever antecipar essa aplicação ou sentido normativo, o 
 interessado não dispõe de verdadeira oportunidade processual para suscitar a 
 questão antes de esgotado o poder jurisdicional sobre a matéria em que a questão 
 de constitucionalidade se insere.
 No caso, porém, não interessa averiguar se, face às concretas vicissitudes do 
 processo e à fundamentação adoptada pelo acórdão que revogou o despacho de não 
 pronúncia, ocorre uma situação deste género.   
 
                   Com efeito, o reclamante não só não suscitou perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, como não identificou no requerimento 
 de interposição – aliás, nem sequer, agora, na reclamação –, uma questão de 
 constitucionalidade de uma norma jurídica. Tudo o que afirma quanto à 
 desconformidade com normas e princípios constitucionais vem referido à decisão 
 judicial, em si mesmo considerada, não a um critério normativo de decisão, 
 extraído dos preceitos de direito ordinário que menciona e que integre a ratio 
 decidendi da decisão recorrida.
 
                   É assim, indiscutivelmente, no requerimento de arguição de 
 nulidade, em que é o acórdão que revogou o despacho de não pronúncia que 
 censura, por errada aplicação dos artigos 283.º e 308.º, n.º 1 do Código de 
 Processo Penal quanto à integração do conceito de indícios suficientes, e a que 
 directamente imputa violação das garantias constitucionais de defesa, 
 nomeadamente do princípio da presunção de inocência do arguido, previsto no 
 artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. O recorrente limita-se, como refere o 
 Ministério Público, a dissentir do concreto e casuístico juízo sobre a prova 
 produzida e da apreciação que, consequentemente, a decisão recorrida faz da 
 suficiência dos indícios probatórios que levaram a ordenar a pronúncia, sem 
 destacar o critério normativo que subjaz à aplicação dos preceitos legais 
 questionados.
 
                   No requerimento de interposição do recurso identifica o 
 objecto do recurso como visando apreciar a “inconstitucionalidade na 
 interpretação das normas previstas nos artigos 283.º e 308.º do C.P.P. e artigo 
 
 32.º da C.R.P.”. Todos os elementos convocáveis para interpretação desta peça 
 processual – o teor literal, a peça processual para que remete e a ausência de 
 enunciação do critério normativo de decisão – se conjugam no sentido de que é à 
 decisão recorrida que imputa a violação de normas ou princípios constitucionais. 
 
  
 
                   Deste modo, não constituindo a questão que o recorrente 
 identifica uma questão de constitucionalidade normativa antes sendo evidente que 
 aquilo que pretende submeter a confronto com a Constituição é a decisão na 
 singularidade do caso concreto, quando só uma questão daquela natureza é 
 susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta 
 de constitucionalidade, nunca o recurso interposto poderia ser admitido.
 
  
 
  
 
                   4. Acresce que na reclamação, embora produza algumas 
 considerações de carácter generalizante sobre a incidência do princípio da 
 presunção de inocência na formulação do juízo de probabilidade nos momentos da 
 acusação e da pronúncia, quando menciona os preceitos de direito ordinário em 
 que residirá a norma aplicada retoma a crítica à decisão e não ao critério 
 normativo que esta terá aplicado, dizendo que o acórdão “não interpretou e 
 consequentemente não aplicou adequadamente as disposições dos artigos 283.º e 
 
 308.º, n.º 1, do C.P.P. no que respeita à integração do conceito de suficientes 
 indícios e que “[e]xiste  uma manifesta contradição com a prova produzida e por 
 isso, com o sistema processual penal e constitucional, por violação das 
 garantias de defesa do arguido, designadamente o princípio de presunção de 
 inocência, previsto no artigo 32.º da CRP que é desta forma frontalmente 
 violado, impondo-se, como se disse, a sua revogação sob pena de nulidade do 
 mesmo”.
 
                   Procedendo deste modo, além de confirmar que não imputa a 
 inconstitucionalidade a uma norma jurídica mas à decisão judicial que, valorando 
 a prova, considerou estar suficientemente indiciada a infracção, o reclamante 
 abstém-se irremediavelmente de enunciar o preciso sentido com que foram 
 interpretados e aplicados os referidos preceitos e que tem por inconstitucional, 
 como teria de fazer para cumprir o ónus decorrente do n.º 2 do artigo 75.º-A da 
 LTC. Com efeito, como este Tribunal tem afirmado, repetidamente, nada obsta a 
 que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um 
 determinado preceito ou conjunto de preceitos. Porém, nesses casos, tem o 
 recorrente o ónus de indicar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido 
 normativo do(s) preceito(s) que considera inconstitucional (cfr., de entre 
 muitos, acórdão n.º 39/2003, in www.tribunalconstitucional.pt). Ora, fazendo a 
 decisão que revogue o despacho de indeferimento caso julgado quanto à 
 admissibilidade do recurso (n.º 4 do artigo 77.º da LTC), tem o recorrente que 
 aproveitar a reclamação para suprir os requisitos em falta em ordem a habilitar 
 o Tribunal a tomar uma decisão definitiva nesse domínio, pelo que, mesmo que 
 outras razões não obstassem e a questão fosse susceptível de recondução a 
 objecto idóneo de recurso de constitucionalidade, sempre se imporia o 
 indeferimento da reclamação. 
 
  
 
                   5. Decisão
 
  
 
                   Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que 
 não admitiu o recurso de constitucionalidade e condenar o reclamante nas custas, 
 fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta
 Lisboa, 4 de Junho de 2007
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão