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Processo nº 255/08
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
                 (Conselheiro José Borges Soeiro)
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 recorrente A.e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 acórdão daquele Tribunal de 22 de Janeiro de 2008.
 
  
 
 2. Em requerimento de recusa do juiz o ora recorrente suscitou a seguinte 
 questão de inconstitucionalidade:
 
  
 
 «10. Os artigos 43º, 308º, n.º 1 e 3, 310º, n.º 1 e 120º, n.º 3, todos do CPP, 
 quando prevêem que possa ter competência para intervir como juiz de instrução, 
 na fase de instrução, quem praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada 
 pelo arguido para ser conhecida nesta fase, actos seus que assim julgará na 
 decisão instrutória e sem admissibilidade de recurso, são materialmente 
 inconstitucionais, por violação dos artigos 32º, n.º 1 (direito de defesa e de 
 recurso), 203º (independência dos juízes) da CRP».
 
  
 
 3. O acórdão recorrido negou provimento à requerida recusa de juiz, com os 
 fundamentos que se seguem:
 
  
 
 «Alega o requerente que o Senhor Juiz visado tendo exercido funções 
 jurisdicionais em fase de inquérito deveria ser objecto de recusa por na fase de 
 instrução poder vir a ser parcial na medida em que cumprindo-lhe apreciar 
 nulidades suscitadas sobre actos praticados na fase de inquérito sendo por isso 
 juiz em causa própria e que tendo o legislador alterado a lei processual (de 
 acordo com a nova redacção conferida pela Lei n.° 48/07, de 29 de Agosto, ao 
 artigo 310°, n.° 1 do CPP) de modo a não permitir recurso do despacho que viesse 
 a ser proferido pelo Senhor Juiz visado, tal ofenderia princípios 
 constitucionais.
 Alega ainda que o juiz visado se envolveu na obtenção da prova indiciária, “não 
 só por via dos actos que deveria praticar, mas também pelo modo como no caso 
 interveio, numa lógica de acompanhamento directivo da investigação e com imersão 
 em directo até nas escutas telefónicas que são núcleo essencial da prova 
 recolhida”, e que o mesmo Senhor Juiz foi consignando quando da prática dos 
 actos processuais que praticou, atinentes a buscas e a escutas telefónicas, 
 motivos pelos quais formava a sua convicção quanto às responsabilidades do ora 
 arguido, que interrogou, após busca por si ordenada e presidida e a quem 
 determinou a aplicação de uma medida de coacção fundada na forte indiciação que 
 declarou existir.
 Conclui o requerente afirmando relativamente ao Senhor Juiz visado que “a sua 
 intervenção como juiz de instrução corre o risco de ser suspeita de 
 parcialidade”.
 Dispõe o art.º 43º nº1 do, Código de Processo Penal que a intervenção de um juiz 
 no processo pode ser recusada quando ocorrer risco de ser considerada suspeita 
 por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua 
 imparcialidade.
 A seriedade e gravidade do motivo causador do sentimento de desconfiança sobre a 
 imparcialidade do juiz só são susceptíveis de conduzir à recusa do mesmo quando 
 objectivamente consideradas, não bastando um puro convencimento subjectivo por 
 parte de um dos sujeitos processuais para que se tenha por verificada a 
 suspeição, e também não basta a constatação de qualquer motivo aparente, 
 necessário é que tal motivo seja objectivo e mais que isso, que seja grave e 
 sério. 
 
 (…)
 Ora perscrutada a motivação do requerente não se vislumbra a existência de tal 
 motivo objectivo, grave e sério, capaz de gerar desconfiança sobre a 
 imparcialidade do Senhor Juiz visado, uma vez que tal como reconhecido pelo 
 próprio requerente “a sua intervenção como juiz de instrução corre o risco de 
 ser suspeita de parcialidade”, o que não quer dizer que seja suspeita por 
 qualquer abuso ou acto denunciador de quebra de imparcialidade, e surge aos 
 olhos do arguido requerente apenas e tão só, por o Senhor Juiz visado ter 
 exercido o poder jurisdicional na fase de inquérito, e ter agora de apreciar os 
 actos praticados em inquérito que lhe cumpria praticar e cumpre ora fazê-lo na 
 fase de instrução, porque tal decorre da Lei.
 O conhecimento que o Senhor Juiz visado tenha dos autos, as escutas que 
 acompanhou, num tempo em que tal meio de aquisição de prova é atacado com o 
 argumento de que não é suficientemente controlado, com a necessária proximidade 
 e brevidade temporal, pelos juízes, os despachos que exarou no processo, 
 independentemente do seu acerto, que aqui não cumpre apreciar e também não é 
 posto em causa, assim como o facto de o requerente com eles discordar ou não, 
 decorreram do exercício das competências que legalmente já lhe eram cometidas.
 As controvérsias jurídicas sobre a realização das escutas e validade das mesmas, 
 aconselham a que o juiz, no exercício do controlo da legalidade de tal meio de 
 aquisição de prova, tenha redobrados cuidados, o que o Senhor Juiz visado fez, 
 dando conta do tratamento jurisprudencial que tais questões têm desde há muito 
 sucessivamente merecido, a que aliás faz referência na sua fundamentada 
 resposta, (ainda que não fosse necessária, tal a notoriedade da relevância de 
 tais cuidados,) como resulta do seguinte excerto:
 
 (…)
 Também o facto invocado de não ter concordado com tudo o que lhe foi proposto 
 pelos agentes no terreno, que acompanhava de perto, revelando a sua isenção, 
 poderia suscitar interpretação oposta à do requerente, a de que o Senhor Juiz 
 visado não mereceria também a confiança dos agentes policiais, por em relação às 
 sugestões destes manifestar discordância, afigurando-se suspicaz aos olhos 
 destes.
 O senhor Juiz visado dedicou-se a verificar as transcrições das próprias escutas 
 de modo a assegurar que eram fidedignas como resulta do despacho de 25 de 
 Outubro de 2005 em que ordenou, entre outras, a transcrição de uma negativa 
 
 (“não é”) que sem ela se alteraria obviamente o sentido da conversa escutada. 
 Ora não constitui fundamento para a suspeição ou recusa do juiz “a consideração 
 no inquérito de uma escuta como revestindo interesse para a investigação com a 
 concomitante ordem para transcrição” (Ac. do STJ de 2.2.2005, in Col.ª Jur.ª Ano 
 XIII, tomo I, pág. 185),
 De quanto o requerente alega resulta, e só, que a intervenção do Senhor Juiz 
 visado na fase de inquérito se reduziu ao que a lei lhe impunha fazer, o que não 
 
 é fundamento, objectivo, nem sequer subjectivo, para a procedência da requerida 
 recusa.
 O facto de ter intervido na fase de inquérito não faz que o juiz julgue em causa 
 própria na fase de instrução, não só porque não é parte, como porque na fase de 
 inquérito o titular do mesmo é o M°P°, “sendo as intervenções do Juiz meramente 
 circunstanciais, e sempre com a finalidade de acautelar a rigorosa observância 
 das normas e procedimentos que possam contender com os direitos fundamentais do 
 cidadãos” (Ac. proferido no Proc.° 10547/07.9 do TRL, Relator Almeida Cabral). E 
 assim sendo nada impede o juiz de instrução criminal, a quem sistematicamente 
 compete o controlo jurisdicional do inquérito e a direcção da instrução, art.°s 
 
 17°, (268° e 269°, 288° e 290°, etc...) todos do CPP, de dirigir a instrução 
 após a realização do inquérito titulado pelo M°P°, sendo a validade e acerto da 
 sua actuação novamente que tenham lugar da decisão resultante da audiência de 
 discussão e julgamento.
 Aludindo o requerente às alterações legislativas, não observou que estas não 
 expressaram o propósito de que o juiz que interviesse no inquérito ficasse 
 impedido ou inabilitado de dirigir a instrução, nem que consagrasse o princípio 
 de o juiz ficasse “contaminado” por qualquer conhecimento ainda que adquirido 
 parcialmente em função de tal intervenção seguementária, a que acresce 
 finalmente o argumento de que se assim o pretendesse, e tendo o Tribunal Central 
 de Instrução Criminal um só titular, declararia que o juiz de inquérito não 
 dirigiria a instrução, como sistematicamente estabelecido e sucessivamente 
 mantido no ordenamento jurídico apesar de todas as alterações produzidas desde a 
 sua redacção inicial que nos guindam ao podium dos recordes das alterações dos 
 principais compêndios penais desde 1982 e 1987, com 15 e 23 novas fórmulas, que 
 geram a maior perplexidade dos estudiosos do direito comparado.
 A intervenção do juiz de instrução em fase de inquérito e depois em instrução, 
 como sistemática e estruturalmente previsto no CPP (art.° 17°) mantém-se 
 inalterada, não sendo por isso aplicável o disposto no n° 2 do art.° 43° do CPP.
 
 (…)
 Nunca a Lei, ou sequer qualquer jurisprudência, se pronunciaram no sentido, 
 peregrinamente, pretendido pelo recorrente, como aliás muito bem sabe uma vez 
 que não encontra, uma única decisão no sentido da defesa da sua pretensão.
 
  
 Já no sentido oposto ao da pretensão do requerente se podem sumariar, entre 
 muitas outras, as seguintes conclusões da jurisprudência nacional do STJ, das 
 Relações e do Tribunal Constitucional, e do Tribunal Europeu dos Direitos do 
 Homem:
 
 (…)
 O presente incidente apresenta, assim, natureza manifestamente dilatória, 
 colocando, em primeiro lugar, a suspeição pública sobre o Senhor Juiz visado, 
 apenas e tão só porque “estará contaminado” pelo conhecimento do processo, e que 
 por isso até irá “julgar em causa própria” na fase de instrução, como se o 
 conhecimento de parte do processo dirigido pelo M°P°, pudesse ser prejudicial, 
 ou por esse motivo pela Lei imposto, o juiz pudesse ser parte interessada no 
 processo, numa forma pouco elegante de desviar o centro das questões para a 
 pessoa que tem o dever de se pronunciar, distante, gratuita e 
 desinteressadamente do objecto do processo, como se fosse legítimo 
 infundadamente transferir para o domínio público a suspeição, sobre quem 
 intervém, por dever profissional, sem interesse de ganhos ou custos na causa – e 
 procurando, por outro lado, o entorpecimento da acção da Justiça e do curso 
 normal do processo – por pretender que nele se conheçam inconstitucionalidades 
 conexas com a possibilidade ou não de recurso de despacho de pronúncia, que não 
 foi proferido, e que, muito Honestamente, ninguém pode neste momento dizer que 
 vai (ou não) ser proferido.
 E por se encontrar fora dos pressupostos do conhecimento da recusa, já que 
 pretende antecipar-se a acto não praticado e reagir à legal previsão da não 
 admissão de recurso do despacho de pronúncia, que se desconhece se vai ou não 
 ter lugar; pretendendo o requerente, por essa via, o dilatório prosseguimento do 
 incidente, o qual o actual quadro legal não admite, na medida em que não quis o 
 legislador, (cujo o espírito o requerente melhor conhece,) que houvesse recurso 
 também da decisão do presente incidente, de modo a obviar aos conhecidos efeitos 
 de incidentes de recusa interpostos no domínio da anterior redacção, (o que fez 
 com a redacção do art.° 45º n° 6 do CPP, introduzida pela Lei n° 48/2007, de 29 
 de Agosto,) não conheceremos de inconstitucionalidades de actos não praticados, 
 nem da inadmissibilidade de recurso do despacho de pronúncia, por não 
 proferido!!!
 A fiscalização preventiva da constitucionalidade é da exclusiva competência do 
 Tribunal Constitucional, o qual também nunca se pronunciou em qualquer dos 
 sentidos pretendidos pelo requerente.
 Termos em que se indefere ao requerido por a sua improcedência se nos afigurar 
 manifesta dado que não é apresentado motivo de facto ou de direito do qual 
 resulte motivo concreto, nem sério nem grave, gerador da desconfiança de perda 
 de imparcialidade do Senhor juiz visado, a qual (imparcialidade) é uma presunção 
 
 (neste sentido, verbi gratia, o Ac. do TEDH Craxi v. Itália de 5.12.2002), que o 
 requerente não ilidiu ou sequer suficientemente apresentou fundamento ou motivo, 
 pessoal e objectivo, para que ela se pudesse pôr em causa, partindo o requerente 
 do princípio oposto, e fazendo uso anormal do processo, invocando fundamentos 
 manifestamente inviáveis em claro abuso do direito».
 
  
 
 4. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional para 
 apreciação dos:
 
  
 
 «artigos 43.º, 308.º, n.ºs 1 e 3, 310.º, n.º 1 e 120.º, n.º 3, todos do CPP, 
 quando prevêem que possa ter competência para intervir como juiz de instrução, 
 na fase de instrução, quem praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada 
 pelo arguido para ser conhecida nesta fase, actos seus que assim julgará na 
 decisão instrutória e sem admissibilidade de recurso».
 
  
 
 5. Notificado para alegar, o recorrente concluiu que:
 
  
 
 «1.ª Os artigo 43º, 308º, n.º 1 e 3, 310º, n.º 1, e 120º, n.º 3 do CPP, quando 
 prevêem que possa ter competência para intervir como juiz de instrução, na fase 
 de instrução, quem praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada pelo 
 arguido para ser conhecida nessa fase, actos seus que assim julgará na decisão 
 instrutória e sem admissibilidade de recurso, são materialmente 
 inconstitucionais, por violação dos artigos 32º, n.º1 (direito de defesa) e 203º 
 
 (independência dos juízes) da CRP.
 
 2.ª Tal é o caso de complexo normativo que permita, sem que isso integre 
 fundamento de recusa, a intervenção em sede de inquérito de um juiz de instrução 
 a quem caiba a prática de actos jurisdicionais de inquérito e a autoria de ou a 
 comparticipação em outros actos de produção probatória e de avaliação indiciária 
 da prova e que esteja onerado com o encargo de funcional de ser ele e não outro 
 juiz a conhecer, na fase de instrução, a validade desses actos e ainda a 
 suficiência indiciária daquela prova.
 
 3.ª A inconstitucionalidade material em causa ocorre também em função do artigo 
 
 32º, n.º5 da CRP, pois que o princípio da separação endo-processual, ínsita a um 
 processo de estrutura acusatória, está posto em crise.
 
 4.ª Tal violação da Constituição ocorre mesmo que a decisão judicial em fase de 
 instrução admita recurso, pois que os princípios estruturantes da independência 
 judicial e da defesa, estão postos em causa, ao contaminar-se a objectividade e 
 a equidistância de um juiz face aos interesses do caso, fazendo-o intervir 
 cumulativamente na fase de inquérito e de instrução.
 
 5.ª A decisão recorrida, ao ter denegado a recusa de um juiz que integrava a 
 situação referida, aplicou lei materialmente inconstitucional, pelo que deve 
 esta ser decretada e reformado, em consequência, o Acórdão, decretando-se a 
 impossibilidade de intervenção do juiz em causa na fase de instrução».
 
  
 
 6. Notificado para o efeito, o Ministério Público contra-alegou, concluindo o 
 seguinte:
 
  
 
 «1. Por não estar em causa uma verdadeira questão normativa, não deverá 
 conhecer-se do objecto do recurso.
 
 2. Entendendo-se, porém, que deve-se conhecer do recurso, não há que considerar 
 inconstitucional a norma extraída dos artigos 43º, 308°, n° 1 e 3, 310º, n° 1 e 
 
 120º, n° 3, do Código de Processo Penal, enquanto prevê que possa ter 
 competência para intervir como juiz de instrução, na fase de instrução, quem 
 praticou actos cuja validade haja sido suscitada pelo arguido para ser conhecida 
 nesta fase, actos seus que assim julgará na decisão instrutória e sem 
 admissibilidade de recurso.
 
 3. Termos em que o presente recurso não deverá proceder».
 
  
 
 7. Respondendo à questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso 
 levantada pelo Ministério Público, o recorrente concluiu “no sentido segundo o 
 qual estamos ante uma situação normativa – enunciada nas alegações de recurso – 
 que está ferida de inconstitucionalidade material”.
 
  
 
 8. O recorrente e o recorrido foram notificados pelo primitivo relator da 
 
 “eventualidade do Tribunal não vir a conhecer do objecto do recurso por não 
 haver coincidência da dimensão normativa constante da decisão recorrida e da que 
 foi configurada pelo recorrente, no requerimento de interposição do aludido 
 recurso”.
 O recorrente respondeu, sustentando, para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 «20. No seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal 
 Constitucional, o recorrente delimitou a questão de constitucionalidade do 
 seguinte modo: 
 
 «Norma jurídica cuja inconstitucionalidade material está em causa: artigos 43º, 
 
 30º, n.º 1 e 3, 310º, n.º 1 e 120º, n.º 3, todos do CPP, quando prevêem que 
 possa ter competência para intervir como juiz de instrução, na fase de 
 instrução, quem praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada pelo arguido 
 para ser conhecida nesta fase, actos seus que assim julgará na decisão 
 instrutória e sem admissibilidade de recurso.» 
 
 21. Atentas as considerações expendidas, é esta, portanto, a delimitação da 
 dimensão normativa operada pelo recorrente: a norma que se extrai da conjugação 
 dos artigos 43º, 308º, n.º 1 e 3, 310º, n.º 1 e 120º, n.º 3, todos do CPP, 
 quando interpretada e aplicada no sentido de que possa ter competência para 
 intervir como juiz de instrução, na fase de instrução, quem praticou actos cuja 
 invalidade haja sido suscitada pelo arguido para ser conhecida nesta fase, actos 
 seus que assim julgará na decisão instrutória e [eis o que decorre da lei] sem 
 admissibilidade de recurso.
 
 22. Uma dimensão que, no entender do recorrente, será materialmente 
 inconstitucional por violação das normas constantes dos artigos 32º, n.º 1 
 
 (direito de defesa e de recurso) e 203º (independência dos juízes) da CRP. 
 
 23. Refira-se, aliás, que foi exactamente esta a dimensão normativa invocada 
 quando (em tempo) o recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade no 
 seu requerimento de incidente de recusa do Exmo. Senhor Juiz de Instrução do 
 Tribunal Central de Instrução Criminal. A coincidência é pois tripla, pois 
 ocorre entre o prevenido, o recorrido, o aplicado.
 
 24. Sucede é que perscrutar a decisão recorrida em busca da referida dimensão 
 normativa, não é tarefa fácil, pois ela parece ter sido redigida [e porque não 
 dizê-lo?] em termos de se blindar pela ininteligibilidade e escapar-se, assim 
 defensivamente, ao já anunciado recurso de inconstitucionalidade. Vejam-se estes 
 elucidativos trechos:
 
 «(...) – e procurando, por outro lado, o entorpecimento da acção da Justiça e do 
 curso normal do processo – por pretender que nele se conheçam 
 inconstitucionalidades conexas com a possibilidade ou não de recurso do despacho 
 de pronúncia, que não foi proferido (...)“ (sic pág. 32.); 
 
 «(...) não conheceremos de inconstitucionalidades de actos não praticados, nem 
 da inadmissibilidade de recurso de despacho de pronúncia, por não proferido.» 
 
 (sic, pág. 33). 
 
 25. Ora, a dimensão normativa em crise nada tem que ver com a mera questão da 
 recorribilidade do despacho de pronúncia, pois, embora possa com ela ter algum 
 grau de conexão, não lhe está circunscrita, nem, como é evidente, é esse o seu 
 
 âmago, não podendo, por isso, permitir que se não olhe para o busílis da questão 
 de [in]constitucionalidade. 
 
 26. O que se passa é que, se numa primeira linha, o que está em causa é a 
 interpretação dada ao artigo 43º do CPP, enquanto enuncia as razões da recusa – 
 no caso, da recusa do Juiz para intervir na instrução –, a verdade é que para a 
 colocar e resolver tal questão é em absoluto imprescindível delimitar a 
 globalidade das funções às quais o juiz se há-de considerar impedido. Trata-se 
 de um acervo normativo que permita ao juiz ter tido uma actuação em fase de 
 inquérito e a totalidade de outra na fase de instrução, nos precisos termos em 
 que a lei a configura em cada uma das fases.
 
 27. Foi por isso que o recorrente se viu forçado a chamar à colação, para além 
 do artigo 43º do CPP, aquelas disposições que delimitam a função de instrução – 
 função cuja cumulação com a actividade desenvolvida no inquérito suscita um 
 problema de imparcialidade [e de constitucionalidade da regulamentação legal e, 
 portanto, cuja ponderação é indispensável para o apreender.
 
 28. E exactamente o mesmo fez o Tribunal recorrido, replicando. Veja-se: 
 O Juiz surge aos olhos do requerente «apenas e tão-só, por o Juiz visado ter 
 exercido o poder jurisdicional na fase de inquérito, e ter agora de apreciar os 
 actos que na fase de inquérito lhe cumpria praticar e cumpre ora fazê-lo na fase 
 de instrução, porque tal decorre da Lei» (página 26);
 
 «Nada impede o juiz de instrução criminal, a quem sistematicamente compete o 
 controlo jurisdicional do inquérito e a direcção da instrução, arts. 17º, 268º e 
 
 269º, 288 e 290º, etc.) todos do CPP, de dirigir a instrução após a realização 
 do inquérito titulado pelo Mº Pº, sendo a validade e acerto da sua actuação 
 novamente verificadas em julgamento e nos recursos que tenham lugar da decisão 
 resultante da audiência de julgamento» (página 29).
 
 “Aludindo o requerente às alterações legislativas, não observou que estas não 
 expressaram o propósito de que o juiz que interviesse no inquérito ficasse 
 impedido ou inabilitado de dirigir a instrução, nem que consagrasse o princípio 
 de o juiz ficasse “contaminado” por qualquer conhecimento ainda que adquirido 
 parcialmente em função de tal intervenção segmentária, a que acresce finalmente 
 o argumento de que se assim o pretendesse, e tendo o Tribunal Central de 
 Instrução Criminal um só titular, declararia que o juiz de inquérito não 
 dirigiria a instrução, como sistematicamente estabelecido e sucessivamente 
 mantido no ordenamento jurídico [...]. A intervenção do juiz de instrução em 
 fase de inquérito e depois em instrução, como sistemática e estruturalmente 
 previsto no CPP (art.º 17.º) mantém-se inalterada, não sendo por isso aplicável 
 o disposto no n.º 2 do art.º 43º do CPP. » (páginas 29-30). 
 
 29. Mostra-se assim à saciedade, que a norma sobre delimitação do caso de recusa 
 não pode ser interpretada, nem aplicada, sem ter presentes as funções [todas] 
 relativamente a cujo exercício a questão da imparcialidade se coloca – para o 
 que se impõe ter presentes as normas que as definem e as disposições legais que 
 as estabelecem. 
 
 30. Isso não quer dizer, que quando se discute a norma sobre recusas se esteja a 
 pôr em causa a constitucionalidade das normas estabelecidas nessas disposições 
 em si e por si: só por absurdo se poderia pretender que, ao invocá-las no 
 presente contexto, o recorrente, num assomo de insensatez, quis pôr em questão 
 as normas dos artigo 308º, nº 1 e 3, ou 120º, nº 3, do CPP e só por absurdo 
 idêntico se pode dizer que, ao referir os «art.º s 17º, (268º e 269º, 288 e 
 
 290º, etc.) todos do CPP», o Tribunal da Relação estava a conhecer da respectiva 
 constitucionalidade.
 
 31. O que se está a pôr em causa é, antes, a constitucionalidade de uma 
 interpretação e aplicação em matéria de recusas, que é extraída da conjugação 
 
 [em lógica de inserção intra-sistemática] das referidas disposições legais, e 
 segundo a qual não há fundamento de recusa para o exercício das funções 
 definidas pelo conjunto normativo que formam. Trata-se de sindicar, em suma, uma 
 universalidade jurídica, decorrência da consciência de que o Direito se não 
 reduz a uma norma jurídica, atomizada, mas ao corpus complexo dela própria e de 
 outras que são convocadas a operarem em lógica articulação consigo, tudo no 
 contexto da plenitude do ordenamento jurídico.
 
 32. Em causa, em suma, o haver-se convocado o artigo 310º, nº 1 do CPP que, na 
 recente reforma, e ao arrepio da jurisprudência fixada pelo Assento do STJ nº 
 
 6/2000, estabeleceu a irrecorribilidade do despacho de pronúncia no que respeita 
 a nulidades e outras questões prévias ou incidentais.
 
 33. Tal como as disposições acima referidas, ela foi invocada, não em si e por 
 si, [para suscitar a questão da sua inconstitucionalidade], mas como forma de 
 identificação das funções atribuídas ao Juiz de instrução, na instrução e em 
 relação à qual se está a suscitar um problema de recusa. 
 
 34. A possibilidade de julgar irrecorrivelmente tem reflexos ao nível das 
 garantias de imparcialidade do Juiz, pois a irrecorribilidade exasperará sempre 
 os problemas de imparcialidade que no caso se verifiquem, ademais quando se 
 trata de juiz que a si julga e à sua obra prévia.
 
 35. Assim, a menção à irrecorribilidade do despacho de pronúncia prende-se, 
 tão-só, com a intensidade da violação dos preceitos constitucionais invocados, 
 uma vez que o facto de o Juiz de Instrução, que decide em fase de inquérito, ser 
 a mesma pessoa que, em fase de instrução, decide sobre a validade de actos por 
 si praticados, assume redobrada relevância (intensidade) com a alteração 
 introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no artigo 310, nº 1, do CPP. 
 
 36. Aliás, não vá sem se assinalar que nem sequer se pode dizer com verdade que, 
 apesar das suas interjectivas afirmações, o Tribunal recorrido se absteve de 
 tomar, dentro da interpretação que subjaz à decisão, posição quanto a essa 
 questão – e posição clara no sentido da irrecorribilidade do despacho de 
 pronúncia nessa parte.
 
 37. Outro não pode ser o significado da afirmação, por duas vezes feita na 
 decisão, segundo a qual “nada impede o juiz de instrução criminal, a quem 
 sistematicamente compete o controlo jurisdicional do inquérito e a direcção da 
 instrução, artigos 17º, 268º e 269º, 288 e 290º, etc.), todos do CPP, de dirigir 
 a instrução após a realização do inquérito titulado pelo Mº Pº, sendo a validade 
 e acerto da sua actuação novamente verificadas em julgamento e nos recursos que 
 tenham lugar da decisão resultante da audiência de julgamento” [página 29. 
 Afirmação similar se encontra na subscrição do trecho do Acórdão da 9ªSecção da 
 Relação de Lisboa, a página 30]. 
 
 38. Quer dizer-se: de facto, a interpretação feita pelo Tribunal das normas em 
 questão passa pela admissão de que não há fundamento para a recusa, mesmo 
 considerando que o despacho de pronúncia seja irrecorrível na parte pertinente 
 e, portanto, que – para usar dos termos reiterados do acórdão recorrido – a 
 validade e acerto da sua actuação só sejam novamente verificadas em julgamento e 
 nos recursos que tenham lugar da decisão resultante da audiência de julgamento. 
 
 39. A matéria que integra o presente recurso configura-se, pois, como a da 
 sindicabilidade da constitucionalidade de lei que permite a um juiz que praticou 
 determinados actos processuais como Juiz de Instrução, em fase de inquérito, e 
 cuja invalidada foi suscitada por arguido, possa, mais tarde, já na fase de 
 instrução, intervir como Juiz de Instrução, conhecendo da legalidade dos seus 
 próprios actos na [agora absoluta e desesperantemente irrecorrível], decisão 
 instrutória. 
 
 40. É esta mesma dimensão normativa que pode ser encontrada na decisão 
 recorrida, nomeadamente quando se lê:
 Na pág. 26: «Ora, perscrutada a motivação do requerente não se vislumbra a 
 existência de tal motivo objectivo, grave e sério, capaz de gerar desconfiança 
 sobre a imparcialidade do Senhor Juiz visado, uma vez que tal como reconhecido 
 pelo próprio requerente “a sua intervenção como juiz de instrução corre o risco 
 de ser suspeita de parcialidade”, o que não quer dizer que seja suspeita por 
 qualquer abuso ou acto denunciador de quebra de imparcialidade, e surge aos 
 olhos do arguido requerente apenas e tão só, por o Senhor Juiz visado ter 
 exercido o poder jurisdicional na fase do inquérito, e ter agora de apreciar os 
 actos praticados em inquérito que lhe cumpria praticar e cumpre ora fazê-lo na 
 fase de instrução, porque tal decorre da Lei.»; 
 Na pág. 29: «O facto de ter intervindo na fase de inquérito não faz que o juiz 
 julgue em causa própria na fase de instrução, não só porque não é parte como 
 porque na fase de inquérito o titular do mesmo é o Mº Pº (...). E assim sendo 
 nada impede que o juiz de instrução criminal, a quem sistematicamente compete o 
 controlo jurisdicional do inquérito e a direcção da instrução, art.º s 17, [268º 
 e 269º, 288º e 290º, etc...) todos do CPP, de dirigir a instrução após a 
 realização do inquérito titulado do pelo Mº Pº, sendo a validade e acerto da sua 
 actuação [actuação também no inquérito] novamente verificadas em julgamento e 
 nos recursos que tenham lugar da decisão resultante da audiência de discussão e 
 julgamento.»;
 Na pág. 30: «Como muito bem observado no já referido acórdão da 9ª secção deste 
 tribunal anteriormente citado, “se o mesmo juiz, na fase de instrução vem 
 reafirmar posições já assumidas durante o inquérito, isso apenas prova a boa 
 sustentação das mesmas, e que se está perante um magistrado que, respeitando a 
 lei, é também, coerente e determinado nas suas convicções. E aquilo sobre a que 
 se houver pronunciado, sendo lesivo dos interesses de algum dos sujeitos, não 
 deixará de ser reapreciado em fase de julgamento, e porventura, até mesmo em 
 recurso das respectivas decisões venha a ser interposto.”. Nunca a Lei, ou 
 sequer qualquer jurisprudência, se pronunciaram no sentido, peregrinamente, 
 pretendido pelo recorrente (...)”; “Já no sentido oposto ao da pretensão do 
 recorrente se podem sumariar, entre muitas outras as seguintes conclusões (...) 
 
 “Não é motivo de suspeição a intervenção do juiz de julgamento (o que por 
 maioria de razão se aplica ao juiz de instrução) em fase prévia do processo, 
 onde tomou as seguintes decisões: o prolongamento da prisão preventiva, as 
 diligências de cooperação internacional com vista à obtenção de documentos 
 
 (...)»;
 Na página 32: «O presente incidente apresenta, assim, natureza manifestamente 
 dilatória, colocando, em primeiro lugar, a suspeição pública sobre o Senhor Juiz 
 visado, apenas e tão só porque está contaminado pelo conhecimento do processo e 
 que por isso irá julgar em causa própria na fase de instrução, como se o 
 conhecimento do processo dirigido pelo MºPº, pudesse ser prejudicial, ou por 
 esse motivo pela Lei imposto, o juiz pudesse ser parte interessado no processo 
 
 (...).”. 
 
 41. Como se pode verificar, o Tribunal da Relação de Lisboa considera que a 
 mesma pessoa pode intervir na fase de inquérito, como Juiz de Instrução, e que, 
 na mesma qualidade, pode intervir em fase de instrução, apreciando a legalidade 
 dos actos que praticou na precedente fase processual, sendo que a sua actuação 
 sempre poderá ser sindicada em fase de julgamento ou nos recursos das decisões 
 que aí se tomarem. 
 
 42. Conclui-se, assim, que o Tribunal a quo, ainda que socorrendo-se de citações 
 de outros arestos e por oposição à argumentação do ora recorrente, interpreta os 
 artigos 43º, 308º, n.º 1 e 3, 310º, n.º 1 e 120º, n.º 3, do CPP, no sentido de 
 considerar que o mesmo Juiz de Instrução Criminal que, em fase de inquérito, 
 praticou um conjunto de actos processuais, pode, como Juiz de Instrução 
 Criminal, presidir à fase de instrução, aí decidindo o que houver para decidir, 
 designadamente na decisão instrutória, sobre a invalidade suscitada pelo arguido 
 de actos por si praticados no inquérito.
 
 43. Adiantando-se, na decisão recorrida, que o facto de o despacho de pronúncia 
 ser agora irrecorrível não prejudica tal entendimento extraído das normas legais 
 em apreço.
 
 44. Tal interpretação resulta do caso concreto, mas possui suficiente abstracção 
 para que a sua constitucionalidade possa ser sindicada por este Tribunal 
 Constitucional.
 
 45. E nem sequer se pode dizer que a interpretação co-envolve uma tomada de 
 posição simplesmente implícita sobre a questão de constitucionalidade colocada 
 ao Tribunal recorrido pelo ora recorrente, como se vê, não só pelo teor global 
 do Acórdão, como, de forma especialmente clara, dos seguintes aspectos: 
 
 46. Ao resumir a alegação do ora recorrente no que respeita ao conhecimento das 
 nulidades, o próprio Tribunal recorrido deixa ver que, a seu ver, a questão que 
 lhe é colocada e que ele tem para decidir não é outra senão justamente a de que 
 a não recusa “ofenderia princípios constitucionais” [página 25];
 
 47. Na sua argumentação marca clara presença a ponderação da jurisprudência 
 especificamente em matéria de direitos fundamentais em matéria processual penal 
 
 [cfr. páginas 30 ss], a qual culmina na afirmação segundo a qual o Tribunal 
 Constitucional “nunca se pronunciou em qualquer dos sentidos pretendidos pelo 
 requerente” [página 33].
 
 48. Ante o exposto, conclui-se que se verifica uma coincidência entre a dimensão 
 normativa prevenida pelo ora recorrente a da decisão recorrida e do seu 
 requerimento de interposição de recurso». 
 
  
 Após mudança de relator, por vencimento, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. O recorrente requer a apreciação dos artigos 43º, 308º, nºs 1 e 3, 310º, nº 1 
 e 120º, nº 3, do Código de Processo Penal, quando prevêem que possa ter 
 competência para intervir como juiz de instrução, na fase de instrução, quem 
 praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada pelo arguido para ser 
 conhecida nesta fase, actos seus que assim julgará na decisão instrutória e sem 
 admissibilidade de recurso. 
 As disposições legais a que se reporta a norma que é objecto do recurso 
 interposto para este Tribunal têm a seguinte redacção:
 
  
 
 «Artigo 43º
 Recusas e escusas
 
  
 
 1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco 
 de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar 
 desconfiança sobre a sua imparcialidade.
 
 2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do nº 1, a intervenção do 
 juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do 
 artigo 40º.
 
 3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo 
 assistente ou pelas partes civis.
 
 4 - O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao 
 tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições 
 dos nºs 1 e 2.
 
 5 - Os actos processuais praticados por juiz recusado ou escusado até ao momento 
 em que a recusa ou a escusa forem solicitadas só são anulados quando se 
 verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo; os 
 praticados posteriormente só são válidos se não puderem ser repetidos utilmente 
 e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do 
 processo.
 
  
 Artigo 120º
 Nulidades dependentes de arguição
 
  
 
 1 – (…)
 
 2 – (…)
 
 3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas:
 a) Tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto 
 esteja terminado;
 b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco 
 dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência;
 c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao 
 encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco 
 dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito;
 d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais.
 
  
 Artigo 308º
 Despacho de pronúncia ou de não pronúncia
 
  
 
 1 - Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios 
 suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao 
 arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, 
 pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho 
 de não pronúncia.
 
 2 – (…)
 
 3 - No despacho referido no nº 1 o juiz começa por decidir das nulidades e 
 outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.
 
  
 
  
 Artigo 310º
 Recursos
 
  
 
 1 - A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da 
 acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283º ou do nº 4 
 do artigo 285º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e 
 outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos 
 ao tribunal competente para o julgamento.
 
 2 – (…)
 
 3 – (…)».
 
  
 
 2. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) 
 do nº 1 do artigo 70º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio 
 decidendi, da norma cuja apreciação é requerida pelo recorrente. 
 O Tribunal Constitucional tem vindo a entender que o controlo de 
 constitucionalidade tem como objecto a norma na sua totalidade, em determinado 
 segmento ou segundo certa interpretação, quer seja reportada a determinado 
 preceito legal quer resulte das disposições conjugadas de vários preceitos 
 legais. Ponto é que a norma, assim considerada, seja “mediatizada pela decisão 
 recorrida” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2002, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), face ao carácter instrumental do recurso de 
 constitucionalidade interposto em sede de fiscalização concreta (neste sentido, 
 cf., ainda, entre muitos outros, os Acórdãos nºs 139/95, 187/95, 497/99 e 
 
 155/2000, disponíveis no mesmo sítio).
 
  
 
 3. No requerimento de interposição de recurso – a peça processual onde o 
 recorrente definiu o objecto do recurso –, foram indicados os artigos 43º, 308º, 
 nºs 1 e 3, 310º, nº 1 e 120º, nº 3, do Código de Processo Penal, quando prevêem 
 que possa ter competência para intervir como juiz de instrução, na fase de 
 instrução, quem praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada pelo arguido 
 para ser conhecida nesta fase, actos seus que assim julgará na decisão 
 instrutória e sem admissibilidade de recurso. 
 A norma recorrida não coincide, porém, com a norma aplicada pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa, o que obsta ao conhecimento do objecto do recurso interposto.
 O Tribunal da Relação acordou em “negar provimento à requerida recusa do Senhor 
 Juiz visado” aplicando, como razão de decidir, o artigo 43º, nºs 1 e 2, do 
 Código de Processo Penal, quando prevê que possa ter competência para intervir 
 como juiz de instrução, na fase de instrução, quem praticou actos cuja 
 invalidade haja sido suscitada pelo arguido para ser conhecida nesta fase. 
 Tal resulta do teor do acórdão daquele Tribunal, na parte em que é apreciado o 
 requerido estritamente à luz do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 43º (Recusas e 
 escusas), merecendo um especial destaque as passagens em que se conclui que:
 
  
 
 «Ora perscrutada a motivação do requerente não se vislumbra a existência de tal 
 motivo objectivo, grave e sério, capaz de gerar desconfiança sobre a 
 imparcialidade do Senhor Juiz visado, uma vez que tal como reconhecido pelo 
 próprio requerente “a sua intervenção como juiz de instrução corre o risco de 
 ser suspeita de parcialidade”, o que não quer dizer que seja suspeita por 
 qualquer abuso ou acto denunciador de quebra de imparcialidade, e surge aos 
 olhos do arguido requerente apenas e tão só, por o Senhor Juiz visado ter 
 exercido o poder jurisdicional na fase de inquérito, e ter agora de apreciar os 
 actos praticados em inquérito que lhe cumpria praticar e cumpre ora fazê-lo na 
 fase de instrução, porque tal decorre da Lei» (itálico aditado);
 
  
 
 «Aludindo o requerente às alterações legislativas, não observou que estas não 
 expressaram o propósito de que o juiz que interviesse no inquérito ficasse 
 impedido ou inabilitado de dirigir a instrução, nem que consagrasse o princípio 
 de o juiz ficasse “contaminado” por qualquer conhecimento ainda que adquirido 
 parcialmente em função de tal intervenção seguementária, a que acresce 
 finalmente o argumento de que se assim o pretendesse, e tendo o Tribunal Central 
 de Instrução Criminal um só titular, declararia que o juiz de inquérito não 
 dirigiria a instrução, como sistematicamente estabelecido e sucessivamente 
 mantido no ordenamento jurídico (…)» (itálico aditado).
 
  
 A não aplicação, como ratio decidendi, da norma recorrida decorre, ainda, das 
 razões aduzidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa para não conhecer da questão 
 de constitucionalidade que o recorrente suscitou no requerimento de recusa de 
 juiz, prevenindo o recurso de constitucionalidade que veio a interpor. Para não 
 conhecer a questão de saber se os artigos 43º, 308º, nºs 1 e 3, 310º, nº 1, e 
 
 120º, nº 3, do Código de Processo Penal, quando prevêem que possa ter 
 competência para intervir como juiz de instrução, na fase de instrução, quem 
 praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada pelo arguido para ser 
 conhecida nesta fase, actos seus que assim julgará na decisão instrutória e sem 
 admissibilidade de recurso, são materialmente inconstitucionais, por violação 
 dos artigos 32º, nº 1, (direito de defesa e de recurso) e 203º (independência 
 dos juízes) da Constituição da República Portuguesa, a decisão recorrida deixou 
 claro que não aplicou – nem poderia aplicar – a norma prevenida. Concretamente, 
 na medida em que tal norma se reportava também aos artigos 308º, nºs 1 e 3, 
 
 310º, nº 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a disposições legais sobre a 
 decisão instrutória e a recorribilidade da mesma.
 Face ao momento processual em que o acórdão recorrido foi proferido – depois de 
 ter sido requerida a fase de instrução e antes de ter sido proferida a decisão 
 instrutória – e porque o motivo alegado no requerimento de recusa se reporta 
 exclusivamente ao juiz visado – no caso, ao juiz de instrução que, nos presentes 
 autos, interveio nesta qualidade na fase de inquérito –, bem se compreende que o 
 Tribunal da Relação de Lisboa não tenha aplicado a norma cuja apreciação foi 
 requerida ao Tribunal Constitucional. Esta norma pressupõe, por um lado, que o 
 juiz que intervém no inquérito, o juiz que dirige a instrução e o juiz que 
 profere a decisão instrutória seja o mesmo e, por outro, que a decisão 
 instrutória seja irrecorrível.
 Em suma, a não aplicação pelo tribunal recorrido da norma cuja apreciação foi 
 requerida a este Tribunal – e não a circunstância de o Tribunal da Relação de 
 Lisboa não ter conhecido da questão de constitucionalidade que lhe foi posta – 
 obsta ao conhecimento do objecto do recurso interposto.
 Na medida em que um eventual julgamento de inconstitucionalidade não seria 
 susceptível de influir utilmente na decisão da questão de fundo, o conhecimento 
 do objecto do presente recurso traduzir-se-ia na apreciação de uma questão 
 meramente académica, contrariando o carácter instrumental do recurso de 
 constitucionalidade interposto. 
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 26 de Novembro de 2008
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro (vencido, de harmonia com a declaração de voto que junto)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
 1. Vencido, relativamente ao conhecimento, pelos seguintes fundamentos:
 O Recorrente pretende ver apreciado o bloco normativo integrado pelos artigos 
 
 43.º, 308.º, n.ºs 1 e 3, e 120.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal 
 
 (CPP), na dimensão segundo a qual pode ter competência para intervir como juiz 
 de instrução, na fase de instrução, quem praticou actos cuja invalidade haja 
 sido suscitada pelo arguido para ser conhecida nesta fase, actos seus que assim 
 julgará na decisão instrutória e sem admissibilidade de recurso. 
 
 1.1. Assinala-se que os artigos 308.º, n.ºs 1 e 3, e 120.º, n.º 3, do CPP não 
 foram sequer aplicados pela decisão a quo pelo que não poderiam tais normas 
 integrar o objecto desta fiscalização concreta. Por outro lado, estando em causa 
 uma situação de recusa de juiz, as normas às quais se reporta, em rigor, a 
 questão de constitucionalidade são as do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
 
 1.2. Já no que diz respeito à dimensão normativa contestada, alegadamente 
 extraída pela instância recorrida de tais preceitos legais, desdobra-se a mesma 
 em dois fundamentos: o facto de o juiz de instrução ser o mesmo que autorizou e 
 praticou actos durante o inquérito (e, assim, tomar posição sobre invalidades 
 imputadas a actos seus); e, o facto de, na instrução, o juiz decidir sobre as 
 invalidades arguidas sem admissibilidade de recurso.
 
 1.3. O último fundamento apontado – em sede de instrução o juiz decide sobre as 
 invalidades arguidas de modo irrecorrível – não coincide com a interpretação que 
 a decisão recorrida efectuou do direito aplicável. Com efeito, consignou-se 
 naquela que “a validade e acerto da sua actuação [do juiz de instrução] [serão] 
 novamente verificadas em julgamentos e nos recursos que tenham lugar da decisão 
 resultante da audiência de discussão e julgamento” (fls. 62). Assim, e 
 constituindo tal interpretação o ponto de partida para a apreciação do objecto 
 do recurso de constitucionalidade, não competindo a este Tribunal pronunciar-se 
 sobre a respectiva correcção ou adequação, teria de se concluir pela 
 impossibilidade de conhecimento de critério normativo não coincidente com o que 
 foi aplicado pelo tribunal recorrido.
 No entanto, sempre se diga que:
 
 1.4. A apreciação de um recurso de constitucionalidade deve pôr em destaque, 
 naturalmente, a “questão de constitucionalidade”. 
 Na situação em apreço, a questão de constitucionalidade que foi suscitada é uma 
 e única, quer no requerimento de interposição de recurso, quer nas respectivas 
 alegações, ou seja, a imputada violação constitucional do disposto no artigo 
 
 43.°, n.°s 1, e 2, do CPP, na interpretação segundo a qual pode ter competência 
 para intervir como juiz de instrução, na fase de instrução, quem praticou actos 
 cuja invalidade haja sido suscitada pelo arguido para ser conhecida nessa fase, 
 actos seus que assim julgará na decisão instrutória. Como parâmetros, o 
 Recorrente convocou os comandos constitucionais contidos nos artigos 32.°, n.° 
 
 1, e 203.°, da CRP. 
 Sucede no entanto que o Recorrente, para reforçar a tese da 
 inconstitucionalidade, aditou um argumento concernente à irrecorribilidade do 
 despacho de pronúncia que aprecia nulidades e outras questões prévias ou 
 incidentais. A partir deste argumento, considerado no requerimento de resposta 
 ao Ministério Público no tocante a eventual existência de questão prévia que 
 obstasse ao conhecimento do mérito do recurso, o aludido Recorrente afirmou “não 
 pretendemos sindicar a lei que estatui a irrecorribilidade da decisão 
 instrutória em si no que à sua função saneadora respeita; discordante embora, 
 por entendermos a intolerabilidade constitucional de tal sistema, não é essa a 
 dimensão do problema que para aqui se convoca. A irrecorribilidade, nesta 
 vertente, é apenas a ‘exasperação’ (...) da inconstitucionalidade, ou seja, o 
 levar aos limites do intolerável a situação normativa de cuja 
 inconstitucionalidade está em causa (...)”. 
 A partir deste argumento a decisão recorrida encetou um processo argumentativo 
 entendendo-se no Acórdão que “a norma recorrida não coincide, porém, com a norma 
 aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa”, o que impossibilitaria o 
 conhecimento do objecto do recurso interposto. 
 Ora, encontrando-se a tramitação do recurso constitucional sujeita ao “princípio 
 do pedido”, e fundando-se este princípio no efeito jurídico pretendido pelo 
 recorrente e não na literalidade da sua enunciação, constata-se que o efeito 
 jurídico pretendido foi, efectivamente, o julgamento de inconstitucionalidade do 
 artigo 43.°, n.°s 1, e 2, do CPP, na apontada dimensão normativa. 
 Assim, por entender que a temática trazida à fundamentação pelo Recorrente 
 respeitante à irrecorribilidade da decisão relativa a questões prévias ou 
 nulidades, no despacho de pronúncia, não passa de um argumento adjuvante, ou 
 segundo o seu dizer, “exasperante”..., não integra a mesma o “pedido”, tal como 
 este conceito veio de ser explicitado. 
 Neste sentido, não pode considerar-se haver diversidade da dimensão normativa 
 entre a decisão recorrida e o requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade. Tratou-se naquela decisão de proferir um juízo assente numa 
 determinada interpretação de norma adjectiva, de direito infra-constitucional, 
 sobre o âmbito de recursos jurisdicionais, cuja correcção não cabe ao Tribunal 
 Constitucional sindicar. 
 Determinante para que haja conhecimento do recurso, é “a circunstância de a 
 decisão judicial ter aplicado como ‘ratio decidendi’ a norma ou a interpretação 
 normativa questionada ‘sub specie constitucionis’ e o reconhecimento de que essa 
 questão foi efectivamente suscitada pelo Recorrente perante o tribunal que 
 proferiu aquela decisão” (Acórdão n.° 355/2005, publicado no Diário da 
 República, II série, de 3 de Novembro de 2005).
 E da decisão recorrida resulta claramente que o recurso é negado, no que 
 respeita à temática da intervenção cumulativa de magistrado que, durante o 
 inquérito, autoriza actos instrutórios e, posteriormente, vem a dirigir a fase 
 de instrução, porque o Tribunal a quo entendeu que tal actuação concomitante não 
 
 é susceptível de “contaminar” a função judicial, na medida em que as vestes em 
 que a mesma se desenvolve obedecem a esquemas e fins (legais e constitucionais) 
 bastante diversos. Vejam-se os seguintes excertos do Acórdão: “O facto de ter 
 intervido na fase de inquérito não faz que o juiz julgue em causa própria na 
 fase de instrução, não só porque não é parte, como porque na fase de inquérito o 
 titular do mesmo é o M°P°, ‘sendo as intervenções do Juiz meramente 
 circunstanciais, e sempre com a finalidade de acautelar a rigorosa observância 
 das normas e procedimentos que possam contender com os direitos fundamentais do 
 cidadãos’ (…) E assim sendo nada impede o juiz de instrução criminal, a quem 
 sistematicamente compete o controlo jurisdicional do inquérito e a direcção da 
 instrução, (…) de dirigir a instrução após a realização do inquérito titulado 
 pelo M°P°, sendo a validade e acerto da sua actuação novamente verificadas em 
 julgamento e nos recursos que tenham lugar da decisão resultante da audiência de 
 discussão e julgamento. (…) Nunca a Lei, ou sequer qualquer jurisprudência, se 
 pronunciaram no sentido, peregrinamente, pretendido pelo recorrente, como aliás 
 muito bem sabe uma vez que não encontra, uma única decisão no sentido da defesa 
 da sua pretensão. Já no sentido oposto ao da pretensão do requerente se podem 
 sumariar, entre muitas outras, as seguintes conclusões da jurisprudência 
 nacional do STJ, das Relações e do Tribunal Constitucional, e do Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem (…).” Por aqui se confere que a ratio decidendi do 
 julgamento anterior assentou, portanto, no facto de não se comprovar qualquer 
 comprometimento da imparcialidade judicial pelo facto de permitir que o juiz que 
 autorizou a prática de determinados actos durante a fase de inquérito seja o 
 mesmo que, a posteriori, dirige a instrução do mesmo processo. Esta foi a 
 resposta fornecida pelo Tribunal a quo à questão de constitucionalidade que 
 vinha suscitada e que constitui, em si mesma considerada, critério essencial de 
 decisão. 
 O que a Relação dispôs a seguir relativamente a inconstitucionalidades de actos 
 não praticados ou a fiscalização preventiva da constitucionalidade não pode 
 fundamentar, em meu entender, a conclusão de que apenas relativamente a esta 
 matéria houve pronúncia sobre questão de constitucionalidade, nem, de igual 
 modo, que só esta pronúncia constitui critério decisório essencial do aresto. 
 Por um lado, da análise do raciocínio argumentativo expendido resulta claramente 
 que este outro aspecto – impossibilidade de recurso do despacho de pronúncia 
 que, pronunciando o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério 
 Público, aprecia nulidades e outras questões prévias ou incidentais – tendo sido 
 invocado pelo Recorrente, foi apreciado enquanto questão distinta (embora, 
 logicamente, conexa com a anterior). E aqui sim, resultou, por um lado, que o 
 Tribunal, embora referindo genericamente que “a validade e acerto da sua 
 actuação [do juiz de instrução] [serão] novamente verificadas em julgamentos e 
 nos recursos que tenham lugar da decisão resultante da audiência de discussão e 
 julgamento”, considerou que a apreciação desse problema era extemporânea na 
 medida em não se poderia antecipar – a não ser em termos especulativos mas esses 
 não teriam já cabimento na decisão concreta – a eventual irrecorribilidade de um 
 despacho que não havia ainda sido proferido. No entanto, a questão da cumulação 
 de funções controvertida (juiz que autoriza actos durante o inquérito/juiz de 
 instrução) surge como perfeitamente destacável e distinta destoutra, não só no 
 modo como a questão de constitucionalidade foi suscitada pelo Recorrente perante 
 o Tribunal a quo mas também no tratamento que esta instância lhe conferiu. E não 
 me parece correcto entender-se que só a segunda constitui ratio decidendi do 
 Acórdão da Relação. Também o é – é certo. Mas essa será, quiçá, a maioria das 
 situações, particularmente quando os tribunais apreciam questões complexas ou 
 pedidos múltiplos, alternativos ou subsidiários. E, logicamente, quando são 
 apresentados – como sucedeu nos autos – argumentos adjuvantes à posição 
 sustentada pelas partes.
 O que é necessário é que a questão de constitucionalidade, tendo sido suscitada 
 adequadamente pelo recorrente perante a instância recorrida, tenha sido 
 apreciada e decidida, repercutindo-se tal decisão de modo útil nos autos. E, 
 quanto a mim, estes pressupostos encontravam-se preenchidos in casu: a questão 
 de constitucionalidade que vem colocada, pelo Recorrente, é, na sua essência, a 
 inconstitucionalidade do artigo 43.°, n.°s 1, e 2, do CPP, na dimensão 
 referenciada, sendo certo que tal questão foi suscitada no tribunal recorrido, 
 tendo havido pronúncia sobre a mesma como ratio decidendi.
 
 2. Pelo que passaria a conhecer do objecto do recurso:
 O artigo 43.º, do CPP, ao dispor sobre recusa e escusa do juiz, estabelece um 
 regime que tem como primeira finalidade prevenir e excluir as situações em que 
 possa ser colocada em dúvida a imparcialidade do julgador. Esta norma tem, tal 
 como as disposições relativas aos impedimentos, uma função de garantia da 
 imparcialidade judicial. 
 
 2.1. Prevêem-se assim mecanismos que o legislador considerou adequados para 
 assegurar a imparcialidade do tribunal a qual constitui um direito fundamental 
 dos destinatários das decisões judiciais. Com efeito, as garantias de defesa em 
 processo criminal englobam, na sua matriz estruturante, o direito à 
 imparcialidade do julgador, o qual resulta, de igual modo, das exigências 
 constitucionais atinentes à estrutura acusatória do processo penal e à 
 independência dos juízes (artigos 32.º, n.º 5, e 203.º, da Constituição). Não 
 obstante o direito à imparcialidade do julgador não resultar literalmente do 
 texto constitucional, o certo é que tal dimensão não deixa de integrar o núcleo 
 essencial dos direitos de defesa bem como, em termos mais gerais, do próprio 
 direito de acesso aos tribunais e, até, do princípio do estado de direito 
 democrático (cfr. Acórdão n.º 129/2007, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 24 de Abril de 2007).
 
 2.2. A imparcialidade do juiz, enquanto denominador da sua equidistância face às 
 partes no pleito, impõe a incerteza relativamente à sua actuação até ao momento 
 em que é proferida a decisão final. Sendo uma exigência de funcionamento de 
 qualquer tribunal, facilmente se intui que reveste especial intensidade no que 
 concerne à actividade dos tribunais criminais nos quais o juiz assume variadas 
 vestes e funções ao longo das diferentes fases do processo. 
 
 3. A imparcialidade do juiz e do tribunal, contudo, não se apresenta sob uma 
 noção unitária. As diferentes perspectivas, vistas do exterior, do lado dos 
 destinatários titulares do direito ao tribunal imparcial, reflectem dois modos, 
 diversos mas complementares, de consideração e compreensão da imparcialidade: a 
 imparcialidade subjectiva e a imparcialidade objectiva. A imparcialidade 
 subjectiva, enquanto garantia de distanciamento pessoal do juiz em face da 
 causa, tem-se por presumida até prova em contrário. Já o teste objectivo se 
 refere à dimensão da imparcialidade aferida em face da comunidade, exigindo que, 
 aos olhos do cidadão comum, a isenção do juiz não pode colocar dúvidas.
 
 3.1. Nos termos do Acórdão n. ° 297/2003 (publicado no Diário da República, II 
 Série, de 3 de Outubro de 2003), “a independência dos juízes é, antes de mais, 
 
 ‘uma responsabilidade que terá a ‘dimensão’ ou a ‘densidade’ da fortaleza de 
 
 ânimo do carácter e da personalidade moral de cada juiz”, referindo-se à 
 necessidade de existir um quadro legal que ‘promova’ e facilite aquela 
 
 ‘independência vocacional’, garantindo a imparcialidade do julgador e 
 assegurando ‘a confiança geral’ (ou ‘a confiança do público’) naquela 
 imparcialidade, finalidade esta (de algum modo enquadrável na ‘teoria das 
 aparências’) que o Tribunal sempre ponderou nos juízos que depois veio a 
 proferir sobre a matéria.”
 Efectivamente, na abordagem subjectiva ao conceito, a imparcialidade tem a ver 
 com a posição pessoal do juiz, e pressupõe a determinação ou a demonstração 
 sobre aquilo que um juiz, que integre o tribunal, pensa no seu foro íntimo 
 perante um certo dado ou circunstância, e se conserva qualquer motivo para 
 favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão. 
 
 3.2. Já no regime processual precedente de 1929, conforme dá notícia o Acórdão 
 n.º 227/97 (publicado no Diário da República, II Série de 27 de Junho de 1997), 
 sucedia que: 
 
 “Quando ocorre um impedimento, o juiz não pode ‘funcionar em processo penal’ 
 
 (art. 104°). Igualmente, a verificação de incompatibilidades impede os 
 magistrados afectados de ‘fazer parte de qualquer tribunal colectivo de comarca’ 
 ou de intervir em qualquer decisão a proferir pelos tribunais superiores (art. 
 
 108°). Diferentemente, no caso de suspeição, o juiz não pode declarar-se 
 voluntariamente suspeito, mas o Ministério Público, a parte acusadora ou o 
 arguido, logo que seja admitido a intervir, pode recusá-lo como suspeito 
 invocando algum dos fundamentos previstos na lei (art. 112°). Como referia Luís 
 Osório, no seu “Comentário ao Código de Processo Penal” (2° volume, Coimbra, 
 
 1932, pág. 225): ‘quando às pessoas, que intervêm no processo, se exige um 
 comportamento imparcial e independente, a capacidade em concreto pode faltar 
 pela presença duma circunstância especial da causa que ameaça aquela 
 imparcialidade e independência […]. Chegamos assim aos impedimentos e 
 suspeições’. Ainda segundo o mesmo comentador, nas causas de impedimento 
 
 ‘classificou o legislador aquelas circunstâncias que entendeu afectarem sempre a 
 imparcialidade ou a independência dos funcionários; e nas causas de suspeição 
 classificou aquelas que podem afectar essa imparcialidade ou independência’. Daí 
 que os impedimentos devessem ‘ser denunciados pelos impedidos – art. 104°, § 2 – 
 ao passo que as suspeições só pelas partes podem ser alegadas – 112°; pois só 
 elas são juízes para determinar se aquela possibilidade se pode tornar ou não em 
 realidade’. (ob. cit. pág. 227). 
 Relativamente ao elenco de impedimentos e de suspeições consagrado no Código de 
 Processo Penal, desde cedo se considerou haver aí uma enumeração de causas 
 
 ‘taxativas’ (Luís Osório, e vol. citados, pág. 227). Este comentador, a 
 propósito dessa solução, contrapunha-a ao sistema germânico, em que se consagrou 
 tradicionalmente uma ‘regra’ ou ‘cláusula’ geral, confiando-se a determinação 
 dos casos de suspeição ao próprio tribunal. Os sistemas latinos – com excepção 
 porventura, da lei processual penal italiana – caracterizavam-se antes pela 
 enumeração de ‘cada uma das causas de suspeição’ (ob. e vol. citados, pág. 291). 
 A jurisprudência passou a aceitar maioritariamente que havia uma enumeração 
 taxativa no artigo 112° do Código de Processo Penal, mas tal entendimento veio a 
 ser criticado no ensino de Figueiredo Dias, em especial após a publicação do seu 
 
 ‘Direito Processual Penal’, 1, em 1974, ainda no domínio da Constituição 
 Política de 1933. Este penalista interrogava-se sobre se os artigos 104° e 112° 
 do Código de Processo Penal não poderiam revelar lacunas que devessem ser 
 preenchidas, nomeadamente por recurso às disposições correspondentes do Código 
 de Processo Civil, de âmbito mais lato. E afirmava que lhe parecia, em matéria 
 de impedimentos, ‘que uma razão tão premente como a de boa administração da 
 justiça penal vivamente [aconselhava) a que se integre, nesta parte, o CPP pela 
 regulamentação contida no CPC e que se mostre em concreto aplicável […], como 
 aconselha ainda a que se interpretem o mais latamente possível os fundamentos 
 referidos pelo art. 104° do CPP […]’ (ob. cit. páginas. 317-318). Relativamente 
 
 às suspeições punha o mesmo autor igualmente em dúvida a bondade de se acolher 
 uma enumeração taxativa das causas de suspeição: 
 
 ‘(…) melhor seria, sem dúvida, ter utilizado - à semelhança, v.g., do § 24 II do 
 CPP alemão ocidental – uma cláusula geral que dissesse poder ser recusado o 
 
 «quando exista qualquer fundamento capaz de gerar desconfiança sobre a sua 
 imparcialidade» ‘ (ob. cit., pág. 319). 
 A orientação de Figueiredo Dias veio a ser acolhida por Maia Gonçalves, o qual 
 acentuou que aquele autor demonstrara que a enumeração dos casos de impedimentos 
 e de suspeições comportava lacunas que deviam ser preenchidas através da 
 analogia, sendo essa ‘a doutrina mais defensável’ por estar ‘escudada em 
 argumentos convincentes’ (Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 4 ed., 
 Coimbra, 1980, págs. 185 e 192). 
 Não pode, por isso, causar admiração que o novo Código de Processo Penal de 1987 
 tenha abandonado o sistema de enumeração casuística do diploma antecedente, 
 caracterizador do chamado ‘sistema latino’ consagrando um sistema de cláusula 
 geral na matéria de suspeições, mas mantendo uma enumeração taxativa dos casos 
 de impedimento. Assim, o art. 43°, n° 1, estabelece que pode ser recusada a 
 intervenção de um juiz no processo ‘quando correr o risco de ser considerada 
 suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre 
 a sua imparcialidade’ (sobre este artigo, veja-se Germano Marques da Silva, 
 
 “Curso de Processo Penal”, 1, 2.ª ed., 1994, págs. 198-199). 
 O novo Código de Processo Penal acolhe, assim, como ‘verdadeiro princípio geral 
 de direito, actuante no domínio da politica judiciária, que se esconde atrás de 
 toda a matéria respeitante aos impedimentos e suspeições do juiz, o de que é 
 tarefa da lei velar por que, em qualquer tribunal e relativamente a todos os 
 participantes processuais, reine uma atmosfera de pura objectividade e de 
 incondicional juridicidade. Pertence, pois, a cada juiz evitar, a todo o preço, 
 quaisquer circunstâncias que possam perturbar aquela atmosfera, não – uma vez 
 mais o acentuamos – enquanto tais circunstâncias possam fazê-lo perder a 
 imparcialidade, mas logo enquanto possa criar nos outros a convicção de que ele 
 a perdeu […]’ (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 320).”
 
 3.3. Na sequência da revisão do Código de Processo Penal de 1998, que procedeu, 
 no que ora importa, à alteração dos artigos 40.º, e 43.º, tipificando, por um 
 lado, a impossibilidade de intervir como juiz de julgamento aquele que tivesse 
 anteriormente aplicado e mantido a prisão preventiva do arguido, e, 
 estabelecendo, por outro, em termos gerais, a possibilidade de constituir 
 fundamento de recusa e de escusa a intervenção do juiz em fases anteriores do 
 processo quando tal possa gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (na 
 redacção do n.º 2 do artigo 43.º que ainda hoje se mantém em vigor), 
 pronunciou-se criticamente aquele Ilustre Autor nos seguintes termos:
 
 “(…) isto significa, a meus olhos, uma pobre tentativa — impossível — de todos 
 contentar: com a redacção do artigo 43.º reafirma-se a boa doutrina de 
 considerar a intervenção anterior do juiz relativa a actos isolados no quadro 
 das recusas e escusas, não nos impedimentos; com a nova redacção do artigo 40. ° 
 pretende salvar-se, em todo o caso, a jurisprudência (errada, em meu parecer, 
 como salientei) do Tribunal Constitucional em matéria de efeito da intervenção 
 judicial na prisão preventiva. O quadro daqui resultante é teleologicamente 
 contraditório e racionalmente insustentável. E tanto mais o é quanto, suponho, 
 ficará definitivamente por se compreender porque fique impedido o juiz que 
 aplique e mantenha a prisão preventiva do arguido, mas já não o que só a aplique 
 
 (mas não a mantenha, inclusivamente porque o incidente não chega a ser 
 suscitado) ou o que só a mantenha (mas não a tenha aplicado....); como 
 definitivamente ficará por compreender, atento o fundamento político-criminal 
 subjacente, porque haja o impedimento de valer relativamente à prisão preventiva 
 mas não, por exemplo, à obrigação de permanência na habitação. O que tudo só 
 mostra uma vez mais, em meu juízo, como em matéria de legislação penal nunca é 
 de bom conselho e rendimento tergiversar sobre proposições político-criminais 
 básicas em favor de compromissos que nem respeitam as finalidades do processo 
 penal, nem as exigências da sua concordância prática. 
 
 (…) a prática pelo juiz de instrução de actos isolados não deve constituir causa 
 de impedimento, mas tão só, como previa a lei anterior e a proposta de revisão 
 tornou claro, motivo de eventual suspeição. E isto porque só a decisão que o 
 juiz de instrução tome a final — a de pronunciar ou não pronunciar o arguido — 
 contende directa e necessariamente com o objecto do processo, por isso que 
 também a pronúncia serve para limitar e fixar os poderes de cognição do tribunal 
 de julgamento. Só um mecanismo como o da suspeição, em minha opinião, responde 
 satisfatoriamente — porque depende de uma avaliação das circunstâncias concretas 
 da intervenção do juiz de instrução num momento anterior ao julgamento — à razão 
 de ser da não intervenção daquele no julgamento: a garantia da imparcialidade e 
 da objectividade da decisão final, a garantia, afinal, que está mesmo no cerne 
 da acusação. 
 Por mais que me esforce, continuo a não conseguir divisar que «direitos 
 liberdades e garantias» do arguido serão de outro modo mais justamente 
 defendidos, face à tensão em que estes têm de existir e à composição em que têm 
 de entrar com as necessidades de realização do ius puniendi estadual e com as 
 exigências da sua eficiência e efectividade num processo justo e equitativo. Em 
 vão continuo a perguntar-me que sentido garantístico para as liberdades do 
 arguido pode ter que um juiz de instrução que aplique e mantenha na fase de 
 inquérito uma prisão preventiva requerida pelo Ministério Público (...) fique 
 automaticamente impedido de participar no futuro julgamento. Como continuo a 
 pensar que afirmar que o juiz fica deste modo (...) preso a pré-juízos constitui 
 um prejuízo tão grande, pelo menos, como pretender que o juiz do julgamento 
 ficará agarrado ao pré-juízo que lhe advém do facto de já outro juiz, o de 
 instrução, ter pronunciado o arguido. (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 
 Ano 8, Fasc. 2.º, Abril - Junho 1998, pp. 207-209).”
 
 4. O Tribunal Constitucional já apreciou, em diversas ocasiões, a conformidade 
 jusconstitucional de normas que permitem que o juiz que teve determinadas 
 intervenções durante a fase de inquérito possa, subsequentemente, integrar o 
 julgamento do mesmo processo. 
 
 4.1. Assim, por exemplo, o Acórdão n.º 297/2003 não julgou inconstitucional a 
 norma do artigo 40.º, do CPP, interpretada no sentido de permitir a intervenção 
 em julgamento de juiz que, no início do inquérito, interroga os arguidos que lhe 
 são apresentados detidos e decreta a prisão preventiva desses arguidos, 
 autorizando no mesmo dia uma busca domiciliária. 
 O Acórdão n.º 399/2003, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 
 
 56, p. 859 e seguintes, não julgou inconstitucionais as normas dos artigos 40.º 
 e 43.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, na interpretação que não abrange o impedimento do 
 juiz de julgamento por ter participado em anterior julgamento no mesmo processo, 
 o qual foi anulado por não ter sido efectuada a gravação da prova prestada 
 oralmente em audiência. 
 
 4.2. Inversamente, o Acórdão n.º 656/97, publicado no Diário da República, II 
 Série, de 6 de Abril de 1998, julgou inconstitucional a norma do artigo 40.º, do 
 CPP, na parte em que permite a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de 
 inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido. 
 Outros arestos se seguiram no mesmo sentido o que veio quiçá a motivar a 
 alteração do artigo 40.º de modo a incluir a impossibilidade de intervenção no 
 julgamento de juiz que, durante o inquérito, autorizou e manteve a aplicação de 
 medida de prisão preventiva. Esta alteração suscitou controvérsia por parte de 
 alguma doutrina, realçando-se a crítica de Figueiredo Dias à confirmação 
 legislativa da jurisprudência constitucional (cfr. supra).
 
 4.3. Nunca foi objecto de apreciação, no entanto, questão de constitucionalidade 
 relacionada com a apreciação da imparcialidade de juiz que cumule a prática de 
 actos instrutórios durante o inquérito com a direcção da fase de instrução. A 
 jurisprudência constitucional anterior, no entanto, nomeadamente a já 
 mencionada, não deixa de fornecer importantes pistas para a resolução do 
 problema que se oferece nos autos. Com efeito, atentas as funções que impendem 
 sobre o juiz do julgamento, compreende-se que seja relativamente a este que os 
 temores de contaminação pela prática de actos em fase anterior do processo se 
 façam sentir com maior acuidade. Como refere Mouraz Lopes, “é no acto de julgar 
 que a imparcialidade surge como essência na concretização do estado de justa 
 distância” (in A tutela da imparcialidade endoprocessual no processo penal 
 português, Studia Iuridica 83, Coimbra Editora, 2005, p. 71). E adianta ainda o 
 mesmo Autor que “só um juízo ex post factum, sobre a intervenção funcional do 
 juiz num determinado processo poderá levar, objectivamente, à «suspeita» da sua 
 nova intervenção por carência de garantia da absoluta imparcialidade nesse 
 processo” (ob. cit. p. 115).
 
 4.4. Relativamente à relação entre a imparcialidade do julgador e a estrutura 
 acusatória do processo penal português, no Acórdão n. ° 29/99, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 12 de Março de 1999, este Tribunal teve a 
 oportunidade de apreciar a influência que a consagração jurídico-constitucional 
 de tal estrutura opera ao nível legislativo, impondo-se, no essencial, a não 
 contaminação do juiz de julgamento pela eventual actividade em fases anteriores 
 do processo. Tal não significa, no entanto, como já se referiu, que a 
 Constituição exija um juiz de julgamento que não tenha tido qualquer contacto 
 prévio com o processo. A opção pelo modelo de garantias de imparcialidade do 
 tribunal cabe, portanto, no âmbito da margem de opção político-legislativa desde 
 que observada a estrutura essencial do princípio acusatório. E o que desta 
 decorre é a divisão de tarefas entre quem acusa e quem decide. Escreveu-se assim 
 no aresto citado: 
 
 “7. O sentido e a função das garantias de imparcialidade e isenção do julgador 
 estão constitucionalmente associados à estrutura acusatória do Processo Penal. 
 Porém, não basta esta estrutura para que aquelas garantias sejam asseguradas, 
 nem tem que existir um sistema único e rígido de satisfação de tais garantias. 
 Assim, a par de uma distinção entre as autoridades judiciais competentes para a 
 instrução e para o julgamento, pode e deve existir um mecanismo processual de 
 recusa do juiz que realiza o julgamento (conforme o previsto genericamente no 
 artigo 43°, n° 1, da versão original do Código de Processo Penal de 1987, 
 abrangendo especificamente a intervenção noutros processos ou em fases 
 anteriores do mesmo processo, ou no artigo 43°, n°2, da nova versão, aprovada 
 pela Lei n° 59/98, de 25 de Agosto). Este mecanismo visa, em face de 
 circunstâncias graves, assegurar a imparcialidade e a isenção de quem julga. 
 Mas será igualmente possível que o legislador integre na configuração concreta 
 da estrutura acusatória do Processo Penal uma rígida separação entre os 
 intervenientes na fase de inquérito de instrução e as entidades que julguem, ou 
 até mesmo que retire ao juiz de julgamento toda e qualquer possibilidade de 
 decretar uma medida de coacção ao mesmo tempo que julga. Uma tal rigidez na 
 configuração da estrutura acusatória do Processo Penal não é, todavia, 
 decorrência necessária da configuração constitucional do Processo Penal. O 
 Processo Penal de estrutura acusatória está fundamentalmente associado à 
 garantia do princípio do contraditório na instrução e no julgamento (artigo 32°, 
 n°5, da Constituição). 
 
 [...] 
 Também o facto de o artigo 43.º, n° 2, ter consagrado como fundamento de recusa 
 do juiz a intervenção do mesmo noutro processo ou em fases anteriores do 
 processo fora dos casos do artigo 40° não prova, (...) que estas situações 
 tenham sido equiparadas às do artigo 40°, mas apenas que o legislador quis 
 remeter para um plano de análise concreta das condições de imparcialidade e 
 isenção situações que não atingem, por si mesmas, em abstracto, a intensidade da 
 situação desenhada no artigo 40.º. Com efeito, não só o artigo 43°, n° 2, apenas 
 prevê a possibilidade da recusa do juiz, não sendo portanto automática nem 
 obrigatória para o juiz a não participação na audiência de julgamento 
 
 (diferentemente do funcionamento do impedimento no processo, artigo 41°, n° 1), 
 como também se verifica uma diferença substancial no valor dos actos praticados, 
 que no caso do artigo 40° são nulos (artigo 41°, n° 3) e no caso do artigo 43° 
 só são anulados quando se verificar que deles resulta prejuízo para a justiça da 
 decisão do processo (artigo 43°, n° 5). Por outro lado, a própria versão 
 originária do Código de Processo Penal de 1987 não excluía que, em concreto, a 
 participação do juiz de julgamento em fase preliminar do processo pudesse ser 
 fundamento de recusa, se o caso concreto fosse subsumível na previsão do artigo 
 
 43°, n° 1, isto é, suscitasse “risco de ser considerada suspeita, por existir 
 motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua 
 imparcialidade”. 
 Por todas estas razões, não se poderá atribuir à evolução legislativa qualquer 
 equiparação valorativa da generalidade de situações de participação do juiz do 
 julgamento em fases anteriores do processo com as situações de decretação e 
 cumulativa manutenção da prisão preventiva que fundamentam um impedimento do 
 juiz do julgamento (artigo 40° do Código de Processo Penal) (…).”
 
 5. Assim, dizer que qualquer intervenção do juiz em sede de inquérito que não se 
 traduza em actos de mero expediente contraria e põe em causa a imparcialidade do 
 juiz é, por certo, inadequado, como resulta igualmente da reflexão de Figueiredo 
 Dias supra transcrita, já que são diversas as finalidades do inquérito e do 
 julgamento, assim como da instrução. Já o Acórdão n.º 114/95, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 22 de Abril de 1995, concluía que “nem toda a 
 intervenção do julgador no processo, na fase de inquérito, é, por si, idónea 
 para comprometer a sua independência e imparcialidade.”
 
 5.1. E se o acabado de referir é pertinente para a intervenção do juiz na fase 
 de julgamento, por maioria de razão o é para o juiz que, tendo autorizado a 
 prática de determinados actos durante o inquérito, posteriormente vai ter 
 intervenção na fase de instrução. 
 
 5.2. Assim, se está certo o que vem de ser afirmado, relativamente ao juiz de 
 julgamento, não se conclui que o juiz que determinou e presidiu a actos no 
 inquérito esteja impedido de presidir à fase (eventual) da instrução pelo facto 
 de ter sido invocada a invalidade de alguns desses actos. Destina-se a 
 instrução, nos termos do artigo 286. °, n. ° 1, do CPP, à “comprovação judicial 
 da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em a submeter ou não a 
 causa a julgamento”, sendo que esta é formada pelo conjunto de actos de 
 instrução que o juiz entenda dever levar a cabo.
 
 5.3. Este juiz que assim actua na instrução, não é, naturalmente, aquele que vai 
 julgar a causa, pelo que as garantias de defesa, tal como se preconizam no 
 artigo 32.°, n.° 1, da Constituição, não saem minimamente beliscadas. Não 
 resulta demonstrado que, da actuação do Exmo. Juiz durante o inquérito, atento o 
 carácter garantístico que a mesma revestiu, bem como a respectiva frequência, 
 resultem sérias suspeitas acerca da sua imparcialidade, aos olhos do arguido e 
 do público em geral, de molde a ser inadequada a direcção da fase de instrução 
 pelo mesmo. É que tanto quando intervém a autorizar a prática de determinados 
 actos durante o inquérito como quando surge a dirigir a fase de instrução, actua 
 enquanto “juiz das liberdades”, isto é, enquanto órgão jurisdicional que 
 garante, “sem limites, a manutenção dos direitos, liberdades e garantias dos 
 cidadãos num patamar constitucional previamente assumido” (Mouraz Lopes, Dos 
 actos do Ministério Público e do Juiz no inquérito. A relevância do «tempo 
 razoável» para a prática e o seu controlo, in I Congresso de Processo Penal – 
 Memórias, Almedina, Coimbra, 2005, p. 205). 
 
 5.4. Não tem procedência, portanto, no plano do juízo de constitucionalidade, 
 por se situar ao nível da opção da lei ordinária, uma argumentação, como a 
 sustentada pelo Recorrente nas suas alegações para o Tribunal Constitucional já 
 que, pelas razões aduzidas, o bloco normativo referenciado não contende com o 
 parâmetro constitucional atinente ao artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. 
 
 5.5. Note-se neste particular que, considerando a actividade referida pelo Exmo. 
 Juiz, na fase de inquérito, conforme ele próprio a identifica, a fls. 26, 
 constata-se que os despachos por si proferidos se destinaram, nomeadamente, a 
 autorizar intercepções telefónicas, proceder à audição das conversações 
 interceptadas, determinar as transcrições e validação das mesmas, autorizar a 
 realização de buscas em escritórios de advogados e estabelecimentos bancários e 
 a aplicar medidas de coacção. 
 
 5.6. Não deixando de ter presente o critério da “intensidade, relevância e 
 frequência” da intervenção do juiz (cfr. Acórdão n.º 297/2003, citado, e Mouraz 
 Lopes, ob. cit. pp. 122 e seguintes), não se antevê, ex post factum, que da 
 actuação identificada resulte qualquer margem de “suspeita” ou hipótese de 
 
 “contaminação” que possa abalar o grau de objectividade com que o mesmo 
 magistrado deve presidir à instrução do processo, já que quer numa quer na outra 
 fase processual a sua intervenção é marcada pela mesma referência garantística, 
 assegurando o escrupuloso respeito pelos direitos fundamentais dos diversos 
 intervenientes no processo. 
 
 5.7 Ora, na situação em apreço não se encontra o problema de 
 inconstitucionalidade, como vem suscitado, focalizado no juiz do julgamento, mas 
 antes no juiz de instrução, pelo que, por maioria de razão, não se equaciona 
 sequer tal problemática. 
 
 6. E, ainda que se aceitasse integrar no objecto do recurso a norma contida no 
 artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, atinente à estrutura acusatória do 
 processo, também a tal parâmetro não assistem as consequências que o Recorrente 
 pretende ver assacadas: tal estrutura impõe a clara distinção entre a acusação e 
 o julgador. O que a estrutura acusatória do processo exige é a impossibilidade 
 de acumulação no mesmo órgão de funções instrutórias e decisórias. Ora, o que 
 está em causa nos autos é a actuação concomitante do mesmo juiz em determinados 
 actos durante a fase de inquérito e, posteriormente, durante a instrução. O 
 recorte jurídico-constitucional da estrutura acusatória não releva, por 
 conseguinte, para a apreciação da situação presente dos autos.
 
 7. Já no que se refere ao artigo 203.º, da Constituição, não pode o mesmo, de 
 igual modo, fundamentar o juízo de inconstitucionalidade que o Recorrente 
 sustenta. Com efeito, do princípio da independência dos tribunais decorre a 
 proibição absoluta de ingerência de outros poderes do Estado no exercício da 
 função judicial, encontrando-se os juízes apenas e somente sujeitos à lei. É 
 certo que esta independência judicial tem como corolário, entre outros, a 
 imparcialidade do julgador mas esta garantia, como já pudemos constatar, não se 
 encontra violada.
 Resta assim concluir que o artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, na interpretação de 
 que pode ter competência para intervir como juiz de instrução, na fase de 
 instrução, quem praticou actos cuja invalidade haja sido suscitada pelo arguido 
 para ser conhecida nesta fase, actos seus que assim julgará na decisão 
 instrutória, não viola o artigos 32.º, n.º 1, e 203.º, n.º 1, da Constituição.
 Assim, negaria provimento ao recurso.
 
                                                          Entrelinhei : “concluir 
 pela”
 Lisboa, 26 de Novembro de 2008
 José Borges Soeiro