 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 969/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório.
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que 
 são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC).
 
  
 Do requerimento de interposição foi feito constar o seguinte teor:
 
 «A. e B., recorrentes nos autos à margem identificados, não se conformando com a 
 douta decisão que lhes foi notificada, vêm dela interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 
 - O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.70º da 
 Lei 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção dada pela lei n.º85/89, de 7 de 
 Setembro e pela Lei n.º13-A/98, de 28 de Fevereiro. 
 
 - Pretendem os recorrentes ver apreciada a inconstitucionalidade do n.º7 do 
 art.11º do RGIFNA, por violação dos princípios da igualdade, da necessidade e da 
 proporcionalidade da pena, consagrados nos artigos 13º e 18º, n.º2, da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
 - A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelos recorrentes a fls. dos 
 autos ou seja no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e 
 consequentes alegações. 
 
 […]»
 
                                                   
 
 2. Por se haver entendido que não podia conhecer-se do objecto do recurso, foi 
 proferida a decisão sumária ora reclamada.
 Consta da respectiva fundamentação o seguinte:
 
 «O recurso de constitucionalidade pretendido interpor pelos arguidos funda-se na 
 previsão da al.b) do n.º1 do art.70º da LTC, preceito segundo o qual cabe 
 recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem 
 norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
 Conforme vem sendo consensualmente entendido por este Tribunal, a fiscalização a 
 que intenta a espécie de recurso em presença, assumindo embora natureza 
 estritamente normativa, tanto pode incidir sobre o sentido plasmado no preceito 
 que contém a norma a sindicar, como visar apenas o particular sentido em a mesma 
 houver sido interpretada no âmbito de determinada actividade subsuntiva levada a 
 cabo pelo tribunal «a quo».
 Naquele primeiro caso – que, de resto, é o presente – «[…] a norma é tomada […] 
 com o sentido genérico e objectivo, plasmado no preceito (ou fonte) que a 
 contém», e não, conforme sucede na segunda hipótese, «em função do modo como foi 
 perspectivada e aplicada à dirimição de certo caso pelo julgador» (Lopes do 
 Rego, O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional, Jurisprudência Constitucional, n.º3, Julho-Setembro 2004, pg.7).
 Por outro lado, em se tratando de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º1 do art.70º da LTC, a possibilidade da respectiva admissão encontra-se 
 dependente da verificação cumulativa de um conjunto de pressupostos, consistindo 
 um deles na obrigatoriedade de a questão de inconstitucionalidade pretendida 
 controverter se referir a norma de que a decisão recorrida haja feito efectiva 
 aplicação.
 Daí que se vincule o recorrente à identificação da norma a fiscalizar, com o que 
 se cumpre o ónus de delimitação do objecto do recurso. 
 Pois bem.
 Resulta do teor do requerimento de interposição do recurso que, através do 
 accionamento da jurisdição constitucional, pretendem os recorrentes ver 
 
 «apreciada a inconstitucionalidade do n.º7 do art.11º do RGIFNA, por violação 
 dos princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade da pena, 
 consagrados nos artigos 13º e 18º, n.º2, da Constituição da República 
 Portuguesa».
 Trata-se, portanto, de um controlo a incidir sobre a norma tomada com sentido 
 objectivado no preceito de que emerge, o que faz com que a questão central a 
 resolver consista em saber se a decisão recorrida efectivamente o aplicou.
 Ora, analisando o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, quer nos 
 seus próprios termos, quer concatenado com o teor da fundamentação e dispositivo 
 constantes do Acórdão proferido em primeira instância e parcialmente confirmado, 
 percebe-se que a resposta só poderá ser negativa.
 Com efeito, após confirmação da responsabilidade criminal dos arguidos pela 
 prática, em co-autoria, de um determinado conjunto de ilícitos fiscais, o 
 Colectivo de Juízes do Tribunal Judicial da Comarca de Alcanena principiou a 
 definição das consequências jurídicas dos crimes em presença pela comparação 
 entre o regime jurídico contemporâneo da prática dos factos – correspondente ao 
 Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RGIFNA), aprovado pelo 
 Decreto Lei n.º20-A/90, de 15.01, e alterado pelo Decreto Lei n.º394/93, de 
 
 24.11 – e o regime jurídico que no tempo lhe sucedeu – correspondente ao Regime 
 Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º15/2001, de 05.06 
 
 -, assim dando cumprimento, nos termos que teve por acertados, à imposição 
 constante do art.2º, n.º4, do Código Penal. 
 Na sequência de tal confrontação, o mesmo Tribunal concluiu que «o regime que em 
 concreto se mostra mais favorável é o da Lei 15/91 uma vez que altera os valores 
 para mais mantendo as penas», razão pela qual «(…) três dos crimes praticados 
 pelos arguidos são punidos pelo n.º5 do art.105º e 5 dos crimes são punidos pelo 
 n.º1 do art.105º do RGIT», sendo «o crime de frustração de créditos (…) punido 
 quer no art.25º, n.º1, do DL 394/93, de 24/11, como no art.88º, n.º1, do RGIT, 
 com a pena de prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias».
 Eleito o regime jurídico a aplicar, o Tribunal de primeira instância ocupou-se 
 seguidamente da determinação das penas parcelares correspondentes a cada um dos 
 crimes tidos por praticados e, por efeito do cúmulo jurídico subsequentemente 
 realizado, fixou a cada um dos arguidos a correspondente pena de prisão 
 conjunta, prisão essa que, por último, suspendeu na respectiva execução sob 
 condição de estes, no prazo de 5 anos, procederem ao pagamento da quantia de € 
 
 474 609,34 de acordo com o sistema de liquidação faseada concomitantemente 
 imposto. 
 Apesar de, no excerto do Acórdão reservado à fundamentação de direito, mais 
 propriamente no segmento dedicado à escolha e medida da pena, o Tribunal de 
 primeira instância não haver indicado qualquer preceito legal especificamente 
 relacionado com o estabelecimento de tal condição, o certo é que a circunstância 
 de, sob o ponto 7 do dispositivo do referido arresto, ser feita expressa menção 
 ao art.14º do RGIT não deixa quaisquer dúvidas de que a suspensão da execução da 
 pena única de prisão imposta a cada um dos arguidos sob condição de pagamento da 
 quantia estipulada corresponde ao resultado da aplicação daquele mesmo preceito, 
 preceito esse, de resto, parte integrante do regime considerado concretamente 
 mais favorável e, por isso, objecto de retroactiva aplicação. 
 Daí que, evidenciando um grau de sintonia porventura superior àquele de que é 
 expressão o requerimento de interposição do recurso que se vem apreciando, não 
 hajam os recorrentes deixado de dirigir (ou de dirigir também) ao art.14º do 
 RGIT a acusação de inconstitucionalidade formulada no âmbito da motivação que 
 acompanhou o recurso interposto do Acórdão proferido em primeira instância.
 E daí também que haja sido precisamente sobre o art.14º do RGIT que se 
 pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, considerando constitucionalmente 
 legítima a respectiva previsão normativa sob o ponto IX do Acórdão recorrido.
 Todavia, é, não o art.14º do RGIT, mas o art.11º, n.º7, do RGIFNA, que se 
 pretende ver declarado inconstitucional.
 Este preceito, contudo, não foi aplicado, em momento algum lhe tendo sido 
 imputado, no âmbito do discurso argumentativo seguido pelas instâncias, o 
 resultado do pronunciamento que os recorrentes intentam reverter através do 
 accionamento da jurisdição constitucional. 
 Dispõe o art.11º do RJIFNA, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º394/93, de 
 
 24.11:
 ARTIGO11º
 
 (Pena de prisão ou multa. Suspensão)
 
 […]
 
 6.  É admissível nos termos do Código Penal a suspensão da pena, com as 
 particularidades constantes do n.º 7.
 
 7.  A suspensão é sempre condicionada ao pagamento ao Estado, em prazo a fixar 
 pelo juiz nos termos do n.º 8, do imposto e acréscimos legais, do montante dos 
 benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de 
 quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa, sendo aplicável, 
 em caso de falta do cumprimento do prazo, apenas o disposto nas alíneas b), c) e 
 d) do artigo 50.º do Código Penal.
 
 8. Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justifique, o 
 tribunal pode autorizar o pagamento da multa em prestações, não podendo a 
 
 última delas ir além dos dois anos subsequentes à data da condenação.
 O art.14º do RGIT, por seu turno, apresenta a seguinte redacção:
 ARTIGO14º
 
 (Suspensão da execução da pena de prisão)
 
 1. A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao 
 pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à 
 condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos 
 benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de 
 quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
 
 2. Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal 
 pode:
 a)                                         Exigir garantias de cumprimento;
 b)                                        Prorrogar o período de suspensão até 
 metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão 
 admissível;
 c)                                         Revogar a suspensão da pena de 
 prisão.
 Confrontada a previsão correspondente a cada um dos preceitos em presença, 
 percebe-se que os respectivos conteúdos não só não coincidem na íntegra, como, 
 de um ponto de vista estritamente normativo, se não podem inteiramente 
 equivaler.
 Tem-se aqui, desde logo, em vista a dissemelhança revelada pelo cotejo dos 
 regimes num e noutro caso consagrados no que concerne ao termo final do prazo a 
 fixar para o pagamento da prestação tributária em causa e legais acréscimos, 
 prazo esse que, iniciando-se com a condenação, tem a duração possível de cinco 
 anos nos termos do art.14º do RGIT, decrescendo para dois anos sob incidência do 
 art.11º, n.º7, do RGIFNA. 
 Num ponto, porém, as normas contidas nos preceitos em presença convergem 
 indubitavelmente: ambas condicionam obrigatoriamente a suspensão da execução da 
 pena de prisão aplicada a título principal à condição de pagamento da prestação 
 tributária e acréscimos legais.
 E – haverá que reconhecê-lo ainda – será este, precisamente, o ponto que, na 
 perspectiva seguida pelos recorrentes, tornará a norma constitucionalmente 
 desconforme. 
 Simplesmente, mesmo que se pudesse reconduzir a norma a este seu aspecto 
 nuclear, menosprezando os que demais impedem o reconhecimento de uma identidade 
 absoluta entre o conteúdo normativo correspondente a cada um dos preceitos em 
 confronto, o certo é que, de um ponto de vista metodológico, ignorado não cremos 
 que pudesse ser o postulado segundo o qual, «salvo tratando-se de norma 
 consuetudinária (hoje fenómeno raro), a norma sujeita a fiscalização aparece sob 
 a veste de um texto, de um preceito ou disposição (artigo, base, número, 
 parágrafo, alínea) e é a partir dessa forma verbal que ela há-de ser encontrada, 
 através de métodos hermenêuticos» (Jorge Miranda, Manual de Direito 
 Constitucional, Tomo VI, 2ª edição, pg.166). 
 Quer isto significar que, do ponto de vista da verificação dos pressupostos de 
 admissibilidade da espécie de recurso pretendido interpor, o preceito constitui 
 sempre um inabdicável ponto de partida, o que impede a norma de existir por si 
 só, qualquer que seja o preceito de que emane ou mesmo independentemente dele.
 Acresce que, em se tratando de enunciados que se sucedem no tempo, integrando-se 
 em diferentes momentos evolutivos de um ordenamento jurídico em incessante 
 mutação, liminarmente excluída não pode ser a possibilidade de outros aspectos 
 do regime em que cada um deles de insere virem a interferir com o próprio juízo 
 de constitucionalidade, fazendo variar, num e noutro caso, os correspondentes 
 parâmetros de apreciação.
 A solução para que se vai propendendo apresenta-se, além do mais, como uma 
 inevitável consequência do carácter reconhecidamente instrumental dos recursos 
 de constitucionalidade, já que, somente na hipótese de o preceito impugnado 
 coincidir com o preceito aplicado pelo tribunal «a quo», é que um eventual juízo 
 de inconstitucionalidade nos termos reivindicados pelo recorrente poderá 
 
 «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 169/92, Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 
 
 1992), interferindo no sentido da decisão recorrida e obrigando à sua 
 reformulação.
 Também pela circunstância de o interesse processual do recurso, entendido no 
 apontado sentido, representar uma condição da sua própria admissibilidade (cfr. 
 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 366/96, Dário da República, II Série, de 
 
 10 de Maio de 1996), o objecto do recurso pretendido interpor não poderá vir a 
 ser conhecido, o que, por seu turno, legitima a prolação da presente decisão 
 sumária (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
 
  
 
 3. De tal decisão sumária reclamam agora os recorrentes para a conferência, o 
 que fazem ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC e através da 
 argumentação que seguidamente se transcreve:
 
  
 
 «1 - O Senhor Conselheiro Relator no desenvolvimento, com brilho e rigor, que 
 deu à sua tese foi no sentido do Tribunal Constitucional não tomar conhecimento 
 do presente recurso. 
 Contudo, cremos, com a atitude prudente que a modéstia nos impõe, que não ficou 
 esgotada toda a análise que da matéria em apreço que se pode ou se deve fazer 
 nesse Venerando Tribunal. 
 
 2 — Partimos para o nosso recurso, nós os recorrentes, confortados num 
 pressuposto mais geral e com uma intencionalidade mais “fundamental” e que se 
 prendem com aquilo que sem margem para dúvidas, serão os suportes da aplicação 
 de uma medida justa” da pena, traduzível em termos maximalistas ao caso sub 
 júdice. 
 
 3 - E permitimo-nos transcrever o número VII da nossa motivação que fundamente o 
 nosso recurso para o Supremo Tribunal de Justiça: 
 
 ‘Porém e para além da situação acabada de enunciar, outra situação surge com um 
 maior grau de acuidade e que nos coloca perante a Inconstitucionalidade da norma 
 do artigo 14° do RGIF quando sujeita sempre” a suspensão da execução das penas 
 de prisão ao pagamento da divida fiscal. 
 E o referido artigo diz que “na falta de pagamento da dívida “referida no número 
 anterior o Tribunal pode: 
 a) Exigir garantia de cumprimento; 
 b) Prorrogar etc. 
 e) Revogar a suspensão de pena de prisão.” 
 Tomando à letra esta disposição, óbvio é que a mesma, na nossa modesta opinião, 
 conduz-nos a uma situação de um absurdo muito grande. 
 Literalmente falando, não haveria “salvação” possível.., pois que desde logo e à 
 partida, só duas realidades poderiam ser configuradas e estar subjacentes à 
 norma referida: 
 a) Os arguidos “terem-se apropriado” das quantias correspondentes ao pagamento 
 em falta - o que não foi manifestamente o caso... 
 b) Os arguidos terem que indiciar meios ou possibilidades de pagar as quantias 
 em causa e que lhes foram impostas. 
 Ora, não sendo o caso, o que é referido na alínea a) e a situação configurada em 
 b) poderiam levar-nos à situação de absurdo, pois estamos em face de uma quantia 
 que ultrapassa, em muito, os 100,000 contos (moeda antiga), levando em conta os 
 encargos, como previsto. 
 Só acontecimentos “imprevistos” ou “aleatórios” poderiam permitir enfrentar 
 tamanha situação e alimentar alguma expectativa, o que de modo nenhum é ou seria 
 atendível ou sequer relevante em termos jurídicos. 
 Por outro lado, na referida condição não se consagra a “sujeição da execução de 
 pena ao pagamento da quantia em dívida como uma possibilidade que, de acordo com 
 a ponderação do Tribunal, se mostra convincente e adequada à realização da 
 finalidade da pena no caso concreto e que opera em conjunto com a ponderação das 
 condições individuais do agente In Acórdão do STJ — Proc. 04p42O4 — N° 
 Convencional JSTJ 000 — Proc. no Tribunal 231/02 de 18.6.2004. 
 
 “Voto de Vencido da Exma. Conselheira Maria Fernanda Palma” 
 E mais acrescenta o douto voto de vencido: “Com efeito, a norma em questão 
 estabelece o pagamento da divida fiscal como condição necessária à suspensão da 
 execução de pena de prisão e, portanto, com um comportamento sempre exigível 
 para ser suspensa a pena, independentemente das condições económicas concretas 
 do condenado e, consequentemente, da possibilidade de utilização de outro meio 
 que valorize convenientemente adequadamente as finalidades permitidas. 
 E acrescenta ainda o mesmo voto de vencido... “Ora, verificando-se a sujeição 
 necessária ao pagamento da divida fiscal, fica inviabilizada a plena ponderação 
 em concreto das exigências de prevenção e de reintegração no momento de decidir 
 a efectiva aplicação da pena”. 
 Ficaria assim frustrado o grande objectivo de politica penal que se consagra nos 
 artigos 40º e 51° do C. Penal, 
 Para além disso e mais importante, ainda a aplicação das normas, nos termos em 
 que foram aplicadas, viola o princípio da igualdade e da proporcionalidade 
 constantes dos artigos 13° e 180º, n° 2 da Constituição. 
 Por outro lado e quer queiramos quer não, condicionando “sempre” a suspensão da 
 execução ao pagamento das dívidas e respectivos encargos, este “sempre” quer 
 dizer o pagamento tem que ter lugar, quer os arguidos possam quer não. Ora 
 ninguém pode ser preso por dívidas.... E esta é a grave questão que se levanta e 
 suscita. 
 O chocante da aplicação literal desta disposição é que ela conflitua com os 
 artigos 40° e 51º do C.P. isto no plano imediato e também por referência às 
 referidas disposições da C.RP. 
 Razão pela qual se arguiu a respectiva inconstitucionalidade do Artigo 14º do 
 RGIT e consequentemente ou primordialmente a aplicação da disposições integrante 
 dos n°s 6 e 7 do art. 11 do RJIFNA.” 
 
 4 - Ao que fica exposto acrescentamos ainda as nossas conclusões na dita 
 motivação, nomeadamente os respectivos números 19 e seguintes. 
 
 5 — Não deixa pois de ser com alguma perplexidade e embaraço que os recorrentes 
 se vêm confrontados com a douta decisão de que ora se reclama. 
 
 6— É que, no rigor nos conceitos, no lastro da nossa “motivação”, mais que a 
 apreciação estrita da validade constitucional da norma ou das normas 
 questionadas, está contido o mais profundo sentimento” de Justiça. 
 Sabemos, por outro lado, que mais para além do “valor” estreito ou quase 
 
 “matemático” da leitura das normas, está a emanação da Justiça que há-de 
 
 “reinformar” uma situação básica, posta em crise por um “comportamento ética e 
 moralmente relevante”. Ora, tanto quanto conseguimos exprimir neste sumária e 
 breve “reclamação”, o Direito vale na sua instrumentalidade que há-de ser 
 estrita e rigorosa, mas ao serviço da JUSTIÇA. E é por ela que os arguidos 
 clamam, pois não fora assim e não teriam interposto o seu recurso agora em 
 apreço. 
 Não será necessário, aqui e agora, socorrermo-nos nem do “Espírito das Leis” nem 
 do “proto-histórico” acontecimento fundador que darão suporte a uma Sociedade 
 JUSTA, porque o tema é demasiado vasto, para caber numa modesta reclamação. 
 Contudo, Senhores Conselheiros, uma outra consideração valerá a pena despender, 
 voltando a não querer ser imodestos. É que, na sociedade “estruturada” de que o 
 Estado, dentro de certas linhas de pensamento, pode ser não apenas a expressão 
 organizada, mas a incarnação da “sublimidade” da dimensão humana, ele vem 
 corporizado pelas suas instituições basilares... E de entre elas sobressaem os 
 Tribunais com a função que não é de todo em todo a menos sublime. 
 Eles não são parte na criação das leis... nem da administração da cousa comum... 
 São contudo os ‘cenáculos do pulsar da Justiça” e as “forjas” da reposição dos 
 equilíbrios quebrados pela prática das “infracções”.., “eticamente” sancionáveis 
 em termos de sociedade dotada de instituições básicas, justas e ajustadas.
 
 7 - Senhores Conselheiros, quando invocamos a inconstitucionalidade da norma 
 queríamos invocar como invocou O Senhor Juiz Conselheiro do S.TJ. que neste 
 processo e no acórdão proferido votou vencido. 
 Ele diz e transcrevendo: “Vencido no que concerne ao disposto no artigo 11, n° 7 
 do RJIFNA e, concomitantemente com o disposto no n° 14 n° 1 do RGIT ou seja a 
 imperatividade de que a suspensão de execução da pena seja sempre condicionada 
 ao pagamento ao Estado do imposto e acréscimos legais e do montante dos 
 benefícios indevidamente obtidos”. Vide Voto do Vencido junto à douta sentença 
 do S.T.J. 
 
 8 — No rigor dos termos e como ressalta da nossa motivação e suas conclusões é 
 neste quadro e só neste, que os recorrentes pretendem bater à porta do “fórum” 
 onde se proclama o Direito e consequentemente se repõe a verdade da JUSTIÇA. 
 Instância que tem o tremendo poder de decidir sem retomo, ou mais do que decidir 
 de dizer “um faça-se e assim será feito”. 
 
 9 — É um facto que se não pode nem deve abdicar do referencial básico, e de 
 entre todos o incontestável, que é a nossa Constituição. 
 Dela serão Vossas Excelências os guardiães. 
 Contudo, nem por natureza nem por conteúdo, ela encerra uma formulação DOGMATICA 
 no sentido teológico do termo, ou seja de um grau de verdade absoluta. Ela é 
 como que a emanação do “suposto” contrato social, ou a manifestação plausível da 
 
 “sublime” organização — Estado. 
 Contudo é estrutural, é estruturante e dinâmica na sua inteligibilidade e por 
 isso (e por natureza) deve ser interpretada em função daquilo que ela é, em cada 
 momento e na dimensão actual da afirmação da “Sociedade” ou ainda na dialéctica 
 das situações de conflitualidade, mas em convergência com a reposição necessária 
 dos equilíbrios rompidos. 
 
 10 — A nossa reclamação, ora formulada, pretende ir no sentido da convergência 
 indubitável das normas em apreço (artigo 14 do RGIT e 11º n.º 7 do RGIFNA) isto, 
 com a certa altura diz o Senhor Juiz Conselheiro Relator. 
 E quereríamos fazer convergir o nosso pensamento e a nossa “reclamação” para que 
 não seja perdida esta oportunidade de ver apreciadas pelo Tribunal 
 Constitucional normas cuja aplicação viola os princípios da igualdade e da 
 proporcionalidade constantes dos artigos 13º e 18º n° 2 da Constituição. Porque 
 no nosso modesto entender é este e só este o problema. 
 São estes em síntese, os motivos dos recorrentes pelos quais militam no sentido 
 de ver apreciada a inconstitucionalidade, materializada na decisão de que foram 
 objecto, devendo a nossa reclamação ser atendida e ser consequentemente atendido 
 e conhecido o recurso interposto. 
 
                         […]»
 
 
 
 
 
 
 
 4. A esta reclamação respondeu o Ministério Público, tendo-o feito nos seguintes 
 termos:
 
 «1 — A presente reclamação é claramente improcedente. 
 
 2 — Na verdade — e face ao carácter inquestionavelmente “normativo” da 
 fiscalização da constitucionalidade cometida ao Tribunal Constitucional — é 
 evidente que não é possível “convolar” da questão da inconstitucionalidade de 
 certa norma contida em determinado diploma legal, tido por aplicável ao caso, 
 para norma “análoga”, constante de outro diploma legal, que lhe sucedeu no tempo 
 
 — e que não foi aplicada pelos tribunais judiciais à dirimição do caso».
 
  
 
  
 
  
 II. Fundamentação.
 De acordo com o que resulta da argumentação desenvolvida na decisão sumária cujo 
 teor acima se transcreveu, aí se concluiu pelo não conhecimento do objecto do 
 recurso pretendido interpor com fundamento na ausência de identidade entre a 
 norma constitucionalmente impugnada e a norma efectivamente aplicada pelo 
 Acórdão recorrido.
 
  
 Tal fundamento, conforme se passará a demonstrar, resistirá sem dificuldade às 
 objecções colocadas na presente reclamação. 
 
  
 
                  Com efeito, as considerações expendidas pelos reclamantes 
 relevam, quase integralmente, de uma concepção desformalizada do contencioso 
 constitucional no domínio da fiscalização concreta, parecendo supor que, 
 independentemente da verificação dos pressupostos processuais legalmente 
 previstos para admissão do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do 
 art.70º da LTC, se encontraria este Tribunal investido no poder-dever de 
 conferir a legitimidade constitucional da solução normativa questionada sempre 
 que, conforme é sugerido, tal actividade viesse reputada de essencial à 
 proclamação do «Direito» ou à reposição da «verdade da justiça». 
 
  
 
                  Sucede, todavia, que, conforme vem sendo reiterada e 
 consensualmente sustentado na jurisprudência deste Tribunal, o controlo de 
 constitucionalidade, tal como entre nós se encontra concebido, assume natureza 
 estritamente normativa, o que significa que somente poderá vir a ter por objecto 
 a norma de que, como sua ratio decidendi, a decisão recorrida haja feito 
 efectiva aplicação e não, sequer também, a própria decisão recorrida em si mesmo 
 considerada.
 
  
 
                  Justamente a propósito da observância do ónus de delimitação do 
 objecto do recurso através da identificação da norma acusada de ser 
 inconstitucional, o argumento que se retira das alegações produzidas pelos 
 reclamantes é o de que, tendo sido invocada a inconstitucionalidade do artigo 
 
 11º, n.º 7 do RJIFNA, foi «concomitantemente» arguida a inconstitucionalidade do 
 art.14º, n.º1, do RGIT, norma esta efectivamente aplicada pelas instâncias.
 
  
 
                  Trata-se, contudo, de um argumento manifestamente improcedente.
 
  
 E isto porque, conforme facilmente se concederá, a arguição da 
 inconstitucionalidade de uma determinada norma, claramente identificada por 
 referência ao preceito que a contém, não pode comportar a implícita imputação do 
 mesmo vício a uma qualquer outra norma, ainda que «análoga» da primeira, mesmo 
 que se trate, como é o caso, de norma “homóloga” daquela que concretamente é 
 visada pela interposição do recurso.
 
  
 
  Da argumentação desenvolvida pelos reclamantes nada resulta, portanto, capaz de 
 abalar o entendimento expresso na decisão sob censura.
 
  
 
                  A reclamação deverá ser por isso desatendida. 
 
  
 
  
 III. Decisão.
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 
  
 Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça individualmente devida em 
 
 20 (vinte) unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Artur Maurício