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Processo n.º 836/08
 
 1.ª Secção
 Relator:  Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. A. e Outros, inconformados com a decisão sumária proferida a 23 de Dezembro 
 de 2008, vêm dela reclamar nomeadamente nos seguintes termos:
 
 “(…) 
 
 4. Os Recorrentes não se conformam com tal douta decisão, pelos motivos que 
 infra passam a explanar. 
 
 5. No que concerne à questão da inconstitucionalidade dos art°s 377° do Código 
 do Trabalho e 12°, n° 2 do Cód. Civil, compulsados os autos constata-se que os 
 Recorrentes suscitaram tal questão no recurso que interpuseram para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, único momento processual onde o poderiam fazer. 
 
 6. De facto, a decisão de primeira instância foi-lhes favorável, tendo 
 posteriormente interposto recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto 
 para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, então, suscitado tal questão, aí 
 tendo feita clara referência ao facto da interpretação feita de que o art° 377.º 
 do Código do Trabalho não se aplica aos créditos constituídos antes da sua 
 entrada em vigor, designadamente os créditos dos trabalhadores por violação dos 
 citados art°s 2° e 59°, n° 1, a) e 3 da Constituição da República Portuguesa 
 seria claramente inconstitucional. 
 
 7. De facto, entendem os Recorrentes (no sentido, aliás, da douta sentença 
 proferida pela 1.ª instância — Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia) que o 
 art° 377° do Código do Trabalho se aplica aos créditos constituídos antes da sua 
 entrada em vigor, já que, na verdade, o art° 377.º do Código do Trabalho em 
 conjugação com o art° 12°, n° 2 do Código Civil permite concluir que o regime 
 plasmado no primeiro se aplica a todos os créditos dos trabalhadores emergentes 
 do contrato do trabalho e da sua violação ou cessação, mesmo que constituídos 
 anteriormente à entrada em vigor do dito Código. 
 
 (…)
 
 12. Daí que apenas possam concluir que tal questão foi tempestiva, correcta e 
 normativamente suscitada, devendo o Tribunal Constitucional analisar o recurso 
 interposto pelos Recorrentes também no que concerne a tal questão, o que desde 
 já se requer, com todas as consequências legais daí decorrentes. 
 
 13. Relativamente à interpretação relativa aos art°s 152° do CPEREF e 9° do 
 Código Civil entendem os Recorrentes que a interpretação feita pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça a tais normas, não configura uma solução constitucionalmente 
 admissível, violando os citados preceitos constitucionais, na medida em que 
 ofende os mais elementares direitos constitucionais consagrados aos Recorrentes, 
 trabalhadores da empresa falida. 
 
 14. De facto, interpretar o art° 152° do CPEREF no sentido de que o nele 
 estatuído não abrange as hipotecas legais que terão, assim, supremacia em 
 relação aos créditos dos trabalhadores, é manifestamente inconstitucional, na 
 medida em que não assegura o direito fundamental à retribuição do trabalho 
 quando colocado em confronto com os direitos de agentes económicos mais fortes e 
 poderosos, in casu, o IGFSS, que goza de garantia hipotecária, garantia a que os 
 Recorrentes, como simples e humildes trabalhadores, jamais poderiam lançar mão, 
 tendo como consequência directa a graduação do crédito do IGFSS à frente do dos 
 trabalhadores da falida, que verão assim frustradas as suas justas e legitimas 
 expectativas de se verem ressarcidos pelo seu crédito laboral. 
 
 15. Temos, pois, como certo que a intenção do legislador foi, sem dúvida, 
 abranger as hipotecas legais na redacção dada ao art° 152° do CPEREF, isso mesmo 
 resultando de uma interpretação feita à luz do preceituado no art° 9°, n° 1 do 
 Código Civil, tendo em devida conta o conteúdo da norma, sua intencionalidade, 
 circunstâncias e condições em que foi elaborada. 
 
 (…)
 
 18. Entendem, assim, que a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça 
 
 é violadora do respeito e garantias constitucionalmente consagrados aos 
 Recorrentes, mormente do previsto nos art°s 2°, 59°, n°s 1, al. a) e 3 da 
 Constituição da República Portuguesa, motivo pelo qual não se conformam com a 
 decisão ora proferida pelo Tribunal Constitucional de que a ‘prevalência face 
 aos créditos laborais de créditos garantidos por hipotecas anteriormente 
 registadas, é uma solução constitucionalmente admissível, encontrando-se dentro 
 da conformação legislativa, particularmente tendo em atenção que se trata de 
 hipotecas referentes a créditos da segurança social assentes em contribuições 
 obrigatórias que não foram satisfeitas’. 
 
 19. Face a tudo o que se expôs, entendem os Recorrentes que a decisão proferida 
 pelo Supremo Tribunal de Justiça, não constitui uma solução constitucionalmente 
 admissível, requerendo, em conformidade, a revogação da mesma, entendendo, 
 assim, no seu modestíssimo entender, e pelos motivos expostos, ser de atribuir 
 provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional. 
 
 (…)”
 
 2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
 
 “4. São duas as questões de constitucionalidade suscitadas pelos Recorrentes e 
 que cumpre apreciar no presente processo:
 
 – a primeira, relativa aos artigos 152.º, do CPEREF, e 9.º, do Código Civil, no 
 sentido de o regime constante do citado artigo 152.º não ser aplicável às 
 hipotecas legais de que beneficiam os créditos das instituições de Segurança 
 Social, por violação dos artigos 2.º, e 59.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição;
 
 – a segunda, relativa à interpretação do artigo 377.º, do Código do Trabalho, em 
 conjugação com o artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, no sentido de que o regime 
 instituído pelo primeiro preceito indicado não se aplica aos créditos 
 constituídos antes da sua entrada em vigor, designadamente os créditos dos 
 trabalhadores, por violação dos artigos 2.º, e 59.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, 
 da Constituição.
 Adiante-se já que se entende ser de proferir decisão sumária ex vi artigo 
 
 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal. Por um lado, relativamente à segunda das 
 questões enunciadas, não se encontram preenchidos os pressupostos necessários ao 
 conhecimento do recurso. Por outro, no que toca à primeira, trata-se de questão 
 que, tendo já sido objecto de apreciação e tratamento em anterior jurisprudência 
 deste Tribunal, e entendendo-se ser de manter tal jurisprudência, é a mesma 
 qualificável como questão simples para efeito de emissão de decisão sumária 
 
 (cfr. artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
 Vejamos.
 A) Questão de constitucionalidade relativa aos artigos 377.º, do Código do 
 Trabalho e 12.º, n.º 2, do Código Civil:
 
 5. O recurso de constitucionalidade que os Recorrentes pretenderam interpor 
 pressupõe a suscitação de questão de constitucionalidade normativa durante o 
 processo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e 
 
 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. E devem fazê-lo de 
 modo processualmente adequado (cfr. artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional). Suscitar a questão de constitucionalidade normativa em moldes 
 processualmente adequados implica que o recorrente enuncie o sentido atribuído 
 ao preceito legal ou bloco normativo que reputa inconstitucional e que pretende 
 ver apreciado no recurso de fiscalização concreta. Como observou Lopes do Rego, 
 
 ‘quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação 
 normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa 
 interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a 
 julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os 
 respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que 
 essa norma não pode ser aplicada com tal sentido’ (O objecto idóneo dos recursos 
 de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas 
 sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º 
 
 3, Julho-Setembro de 2004, p. 8).
 
 6. Ora, nos momentos processuais indicados pelos Recorrentes, no que à questão 
 em análise respeita, não houve qualquer suscitação de questão normativa. Durante 
 o processo (i.e. antes de proferida, pelo Supremo Tribunal de Justiça, a decisão 
 final), os Recorrentes limitaram-se a defender a interpretação do artigo 377.º, 
 do Código do Trabalho, no sentido de se ter como aplicável aos créditos dos 
 trabalhadores mesmo que estes tenham sido constituídos em momento anterior ao da 
 entrada em vigor do referido corpo normativo (cfr. conclusões 44.º a 52.º das 
 alegações de revista. A inconstitucionalidade que então foi arguida dirigiu-se 
 apenas à própria decisão da Relação. Tal não constitui, no entanto, questão 
 normativa que, como é sobejamente sabido, consome em exclusivo o objecto 
 possível de um recurso de constitucionalidade.
 Não é, portanto, de conhecer o objecto do recurso no que a esta parte respeita.
 B) Questão de constitucionalidade relativa aos artigos 152.º, do CPEREF, e 9.º, 
 do Código Civil:
 
 7. Pretendem os Recorrentes ver apreciada questão de constitucionalidade 
 relativa aos artigos 152.º, do CPEREF, e 9.º, do Código Civil, quando 
 interpretados no sentido de o regime constante do citado artigo 152.º não ser 
 aplicável às hipotecas legais de que beneficiam os créditos das instituições de 
 Segurança Social, por violação dos artigos 2.º, e 59.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição.
 
 7.1. Assinale-se desde já que apenas o artigo 152.º, do CPEREF, e já não o 
 artigo 9.º, do Código Civil, foi aplicado enquanto ratio decidendi pela decisão 
 recorrida, pelo que apenas relativamente a tal preceito se passa a analisar a 
 questão de constitucionalidade suscitada.
 
 7.2. O que os Recorrentes questionam é a não extinção, por via da declaração de 
 falência, da hipoteca legal que garante os créditos que o Recorrido reclamou nos 
 autos. Não se verificando a extinção de tal garantia, os créditos dos 
 Recorrentes viram-se, assim, ‘ultrapassados’ face à prioridade no pagamento que 
 assiste ao detentor de hipoteca anteriormente registada. Este problema, embora 
 analisado por referência a diferentes preceitos legais, foi já alvo de 
 tratamento em momentos anteriores da jurisprudência constitucional.
 
 8. No Acórdão 498/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de 
 Janeiro de 2004, versando-se a norma contida no artigo 12.º, n.º 1, alínea b), 
 da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio 
 imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual 
 de trabalho prefere à hipoteca, nos termos da redacção então em vigor do artigo 
 
 751.º, do Código Civil, e perante o conflito entre a tutela da confiança e da 
 certeza do direito, do lado do credor hipotecário (que, recorde-se, era um 
 particular e não a Segurança Social, como ora sucede), e, do lado dos 
 trabalhadores, o direito à retribuição do trabalho (direito de natureza análoga 
 aos direitos, liberdades e garantias), acabou o Tribunal por dar prevalência a 
 este último. Julgou então não inconstitucional a norma referida quando 
 interpretada no sentido de o privilégio imobiliário geral nela conferido aos 
 créditos emergentes do contrato individual de trabalho preferir à hipoteca 
 anteriormente registada, de acordo com o então disposto no artigo 751.º, do 
 Código Civil.
 
 9. Face a situação referente a créditos resultantes de contribuições 
 obrigatórias para a segurança social, garantidos com hipoteca anteriormente 
 registada, já o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da não 
 inconstitucionalidade de interpretação no sentido de que tal garantia prefere a 
 créditos laborais que beneficiavam de privilégio imobiliário geral. Assim, no 
 Acórdão n.º 284/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Junho 
 de 2007, apreciando-se a conformidade jusconstitucional do artigo 751.º, do 
 Código Civil, interpretado no sentido de que na sua previsão não se incluía o 
 privilégio imobiliário geral concedido aos créditos laborais pelo artigo 2.º, da 
 Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, escreveu-se o seguinte:
 
 ‘7.            Só que destas considerações – suficientes para aceitar a 
 conformidade constitucional de uma solução legislativa que admita que os 
 créditos laborais preferem ao crédito que é garantido por hipoteca anteriormente 
 registada –, não decorre a obrigação constitucional de a lei ordinária conferir 
 obrigatoriamente aos créditos laborais uma prevalência sobre crédito garantido 
 por uma hipoteca anteriormente registada.
 O princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, 
 consagrado no artigo 2º da Constituição da República postula um mínimo de 
 certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente 
 criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente 
 onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar. 
 E a verdade é que, conforme se decidiu no já referido Acórdão n.º 363/2002, 
 tirado em plenário sem votos discordantes, ‘o registo predial tem uma finalidade 
 prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos 
 particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e 
 circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas 
 relações jurídicas – que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do 
 comércio jurídico imobiliário’.
 Ora, a norma impugnada respeita o princípio da confiança, constitucionalmente 
 consagrado.’
 
 10. Analisava-se então a norma do artigo 751.º, n.º 1, do Código Civil, na 
 redacção anterior à que se encontra actualmente em vigor, quando interpretada de 
 molde a excluir da sua previsão o privilégio imobiliário geral concedido aos 
 créditos laborais. Assim, e perante a existência de hipoteca registada em data 
 anterior à declaração de falência, para garantia do pagamento de contribuições 
 obrigatórias para a Segurança Social, tais créditos laborais, não beneficiando 
 da disciplina do artigo 751.º, n.º 1, do Código Civil (mercê do qual os 
 privilégios imobiliários preferiam à hipoteca ainda que registada 
 anteriormente), ver-se-iam graduados após os créditos hipotecários da Segurança 
 Social. O Tribunal Constitucional analisou então a questão normativa face aos 
 parâmetros constitucionais do princípio da confiança, ínsito no princípio do 
 Estado de direito, princípio da dignidade humana, direito à retribuição do 
 trabalho e direito à segurança no emprego, previstos, respectivamente, nos 
 artigos 2.º, 1.º, 59.º, n.º 1, alínea a), e 53.º, todos da Constituição. Também 
 a exigência constitucional de protecção especial dos salários dos trabalhadores, 
 constante do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, foi considerada na pronúncia 
 referida. No entanto, o Tribunal acabou por concluir que ‘não é 
 constitucionalmente proibido que a lei ordinária confira prevalência ao crédito 
 garantido por uma hipoteca anteriormente registada sobre os créditos laborais.’
 
 11. Vejamos a fundamentação que alicerçou a decisão do Tribunal e que, face à 
 identidade da questão normativa ora em análise – saber se é ou não conforme às 
 normas e princípios constitucionais, maxime os invocados pelos Recorrentes, a 
 interpretação do artigo 152.º, do CPREF, no sentido de não incluir na sua 
 previsão os créditos hipotecários da Segurança Social que, dessa forma, 
 preferirão, em graduação de créditos subsequente a processo de falência, aos 
 créditos laborais dos trabalhadores – se passa a mobilizar:
 
 ‘8. Sustentam os recorrentes que a norma ofende o princípio da dignidade humana, 
 o direito à retribuição do trabalho e o direito à segurança no emprego, 
 previstos respectivamente no artigo 1º, artigo 59º n.º 1 alínea a) e no artigo 
 
 53º da Constituição.
 Na verdade, o artigo 1º da Constituição, para além de tudo o mais, pretende 
 garantir a dignidade da pessoa humana, como valor eminente de cada pessoa, 
 respeitando o direito à vida, à integridade pessoal, à identidade, à capacidade 
 civil, à cidadania, às liberdades cívicas, e concretiza-se num leque muito 
 variado de opções, em que sobressai, para o que agora releva, o estabelecimento, 
 pelo legislador ordinário, de garantias mínimas de subsistência e de condições 
 materiais de vida.
 Estes valores desenvolvem-se em múltiplas outras normas da Constituição, 
 designadamente, como alegam os recorrentes, no artigo 59º, no qual se afirmam os 
 direitos fundamentais dos trabalhadores. A alínea a) do n.º 1 deste artigo 59º 
 consagra o direito fundamental a uma justa remuneração, que permita uma 
 existência condigna, e a mecanismos que garantam a tutela daquela retribuição. A 
 referida alínea a) protege, portanto, essencialmente o direito à retribuição 
 segundo a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho prestado, impondo que 
 a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
 O artigo 53º da Constituição tem outro âmbito: estabelece a garantia da 
 segurança no emprego, com proibição de despedimentos sem justa causa, e uma 
 proibição de princípio ao trabalho precário, ou a termo, à redução do período 
 normal de trabalho, à suspensão do contrato de trabalho, ou à modificação 
 substancial da relação de emprego.
 Acontece, no entanto, que a protecção do direito à retribuição não é absoluta. 
 
 É certo que o legislador está vinculado, pelo n.º 3 do artigo 59º da 
 Constituição, a criar um regime de protecção especial dos salários dos 
 trabalhadores. Mas esta protecção não conduz necessariamente a uma solução 
 legislativa que consagre um privilégio creditório absoluto para garantia destes 
 créditos. 
 Na verdade, a referida incumbência constitucional confere ao legislador 
 suficiente liberdade para optar, num leque de soluções possíveis, por aquelas 
 que repute mais eficazes, habilitando-o a adoptar outros mecanismos de protecção 
 salarial, como, por exemplo, o sistema de garantia salarial, instituído pelo 
 Decreto-Lei n.º 50/85 de 27 de Fevereiro, e revisto pelo Decreto-Lei 219/99 de 
 
 15 de Junho – entre outras, precisamente com a finalidade de o articular com o 
 Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência –, 
 regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 139/2001 de 24 de Abril, hoje previsto no 
 artigo 380º do Código do Trabalho e na Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, que 
 regulamenta este Código; ou quando proíbe a penhora em dois terços do salário do 
 executado (artigo 824º n.º 1 do Código de Processo Civil, na versão aplicável).
 Todavia, o legislador ordinário dispõe, ainda assim, de uma ampla margem de 
 liberdade de conformação nesta matéria como aconteceu, por exemplo, quando criou 
 um regime de prescrição de créditos laborais (artigo 38º da Lei Geral do 
 Trabalho, hoje artigo 381º do Código do Trabalho), impensável num regime de 
 protecção absoluta do direito à retribuição, apesar de beneficiar os 
 trabalhadores face ao regime geral de prescrição de créditos.
 Em suma, não é constitucionalmente proibido que a lei ordinária confira 
 prevalência ao crédito garantido por uma hipoteca anteriormente registada sobre 
 os créditos laborais. Nesta conformidade, deve entender-se que o princípio da 
 confiança, assim defendido pela norma impugnada, não encontra obstáculo 
 constitucional.’
 
 12. Conclui-se, portanto, que a prevalência, face aos créditos laborais, de 
 créditos garantidos por hipotecas anteriormente registadas, é uma solução 
 constitucionalmente admissível, encontrando-se dentro da margem de conformação 
 legislativa, particularmente tendo em atenção que se trata de hipotecas 
 referentes a créditos da segurança social assentes em contribuições obrigatórias 
 que não foram satisfeitas.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentação
 
 3. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a 
 argumentação dos Reclamantes em nada abala a fundamentação da decisão sumária 
 reclamada, limitando-se aqueles, na reclamação apresentada, a manifestarem a sua 
 discordância com o conteúdo decidido sem, no entanto, apresentar argumentação 
 que ponha em causa aquele. Com efeito, os Reclamantes discordam do (i) não 
 conhecimento da questão suscitada relativamente ao artigo 377.º do Código de 
 Trabalho e, bem assim, do (ii) julgamento de não inconstitucionalidade a 
 propósito da interpretação e aplicação que o acórdão do STJ fez da norma contida 
 no artigo 152.º do CPREF. Mas limitam-se a invocar, no entanto, que, 
 relativamente a (i), a
 questão de constitucionalidade havia sido invocada normativamente em sede de 
 alegações para o STJ e, quanto a (ii), que se impõe o juízo de 
 inconstitucionalidade face ao disposto nos artigos 2.º e 59.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição.
 Vejamos:
 
 (i) O não conhecimento do recurso na parte referente ao artigo 377.º (n.º 1, 
 alínea b)) do Código do Trabalho assentou na falta de pressuposto processual 
 relativo à suscitação de questão normativa durante o processo. É certo que nas 
 alegações de recurso para o STJ os ora Reclamantes se referiram a tal norma, 
 propugnando interpretação do preceito no sentido de a sua estatuição se aplicar 
 
 “a todos os créditos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e da 
 sua violação ou cessação, mesmo que constituídos anteriormente à entrada em 
 vigor do dito Código.” Adiantaram ainda que “decidindo de modo diverso, violou o 
 Venerando Tribunal da Relação do Porto o disposto nos artigos (…) 2º e 59º, nºs 
 
 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.” Como já ficou dito na decisão 
 sumária – e se volta a repetir – esta suscitação de inconstitucionalidade, nos 
 termos em que foi formulada perante o Tribunal a quo, surge imputada à decisão 
 da Relação. Não configura – como se impõe – uma inconstitucionalidade normativa, 
 enquanto desvalor imputado a norma ou interpretação normativa. Face ao teor de 
 tal peça processual, não se pode considerar cumprido o ónus da suscitação de uma 
 questão de constitucionalidade normativa, susceptível de servir de base ao 
 recurso interposto para este Tribunal: os ora Reclamantes limitaram-se então a 
 propugnar uma certa interpretação da norma referida, suscitando que, ao ter 
 decidido como decidiu (i.e. no sentido contrário ao da interpretação 
 pretendida), a Relação terá violado as normas constitucionais explicitadas. Não 
 se verificou a identificação do critério normativo – em termos de generalidade e 
 abstracção – que terá sido aplicado e cuja inconstitucionalidade se pretenderia 
 depois ver apreciada em autos de fiscalização concreta.
 
 (ii) Já que no que se refere ao artigo 152.º do CPREF, os Reclamantes não se 
 conformam com o facto de não ter sido proferido juízo de inconstitucionalidade 
 relativamente à interpretação do preceito que não inclua na previsão da norma a 
 hipoteca legal (no sentido de que a declaração de falência importaria não só a 
 extinção dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das 
 instituições de segurança social, mas também as hipotecas legais destas 
 
 últimas). 
 Em sede de recurso de constitucionalidade não compete a este Tribunal 
 pronunciar-se sobre a interpretação adequada do direito ordinário e sim, apenas, 
 sobre a respectiva conformidade jusconstitucional. A questão da preferência de 
 hipotecas legais anteriormente registadas face a créditos laborais face à 
 declaração de falência foi já objecto de apreciação – embora relativamente a 
 outros preceitos – pelo Tribunal Constitucional. Concluiu-se que a prevalência, 
 face aos créditos laborais, de créditos garantidos por hipotecas anteriormente 
 registadas, é uma solução constitucionalmente admissível, encontrando-se dentro 
 da margem de conformação legislativa, particularmente tendo em atenção que se 
 trata de hipotecas referentes a créditos da segurança social assentes em 
 contribuições obrigatórias que não foram satisfeitas, como resulta do Acórdão 
 n.ºs 498/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Janeiro de 
 
 2004 e Acórdão n.º 284/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 27 
 de Junho de 2007.
 Improcedem, assim, os fundamentos da reclamação apresentada.
 III – Decisão
 
 4. Face ao exposto acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e, 
 em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não se conhecer do 
 recurso no que respeita ao artigo 377.º do Código do Trabalho e de lhe negar 
 provimento na parte relativa ao artigo 152.º do CPREF.
 Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 11 de Março de 2009
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos