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Processo n.º 943/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção
 do Tribunal Constitucional
 
  
 
          1. A fls. 420 foi proferida a seguinte decisão sumária:
 
  
 
          «1. A. requereu no Tribunal Central Administrativo Sul, contra o 
 MINISTRO DA CULTURA e outro, que fossem decretadas providências cautelares 
 consistentes em ser 'ordenada a [sua] nomeação imediata (…) como directora do 
 Museu do Abade de Baçal, em gestão corrente ou em regime de substituição (…)' e 
 em ser 'decretada a suspensão de eficácia do acto de abertura do concurso' para 
 director do Museu do Abade de Baçal; pediu ainda que fossem impostas ao Ministro 
 da Cultura 'sanções pecuniárias compulsórias', e que fossem declarados 'nulos 
 quaisquer outros actos consequentes' do acto de homologação, anulado por acórdão 
 do Tribunal Central Administrativo de 28 de Outubro de 2004, da lista de 
 classificação final do concurso interno geral para preenchimento do cargo de 
 director do mencionado Museu, na qual havia ficado posicionada em 2.º lugar.
 
          Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 9 de Junho de 
 
 2005, de fls. 110, foram indeferidos ''os pedidos cautelares formulados pela 
 requerente'.
 A notificação respectiva foi enviada para o escritório do mandatário da 
 requerente indicado nos autos (cfr. fls. 2),  mas foi devolvida a carta 
 correspondente (cfr. fls. 120).
 
          Na sequência de promoção do Ministério Público no sentido de se 
 notificar o mandatário da requerente em outro domicílio, igualmente identificado 
 a fls. 2, foi proferido em 5 de Julho de 2005 o seguinte despacho, de fls. 121:
 
 «A notificação considera-se efectuada, atento o disposto no artigo 254.º, n.º 3, 
 do Código de Processo Civil, pelo que nada há a ordenar.»
 
  
 
 2. Tendo sido formulados novos pedidos cautelares pela requerente, nos termos do 
 requerimento entrado no Tribunal Central Administrativo Sul em 20 de Março de 
 
 2006 (cfr. fls. 122), foi,  em 30 de Março de 2006, proferido o despacho de fls. 
 
 144, com o seguinte teor:
 
 «Desentranhe e remeta à requerente o expediente de fls. 122 e segs, pois que se 
 verifica que estes autos de providência cautelar se encontram findos, tendo já 
 sido proferido Acórdão que indeferiu os pedidos cautelares, em 9 de Junho de 
 
 2005, considerando-se o mesmo notificado à requerente, nos termos do despacho 
 proferido a fls. 121 e 121 verso, nos termos do artº 254.º/3 do CPCivil e na 
 sequência da devolução da carta de fls. 120, nada mais havendo a decidir no 
 mesmo apenso. Notifique.»
 
          Inconformada, a requerente veio arguir a nulidade decorrente da falta 
 de notificação do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 9 de Junho 
 de 2005, requerendo ainda, designadamente, o envio de cópia do mesmo, «para que 
 possa intentar o competente recurso da decisão proferida» (cfr. fls. 146).
 
          Por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 8 de Junho de 
 
 2006, de fls. 281 e seguintes, foi indeferida a arguição de nulidade de fls. 
 
 146. Foi ainda desatendida a reclamação para a conferência, apresentada pela 
 requerente, do despacho de fls. 250 e 250v., de 24 de Abril de 2006, que havia 
 inferido liminarmente novos pedidos cautelares, entretanto formulados pela 
 requerente a fls. 188, a 13 de Abril.
 
          A requerente interpôs então recurso para o Supremo Tribunal 
 Administrativo, recurso a que foi negado provimento por acórdão de 30 de Agosto 
 de 2006, de fls. 395.
 
          Na parte que agora releva, este acórdão, após observar que o recurso 
 apenas versava sobre a questão da alegada nulidade da referida notificação, 
 decidiu o seguinte:
 
          «Por aqui se revela que o preceito [artigo 254.º do Código de Processo 
 Civil] estabelece uma regra: a notificação para os mandatários é feita, 
 geralmente, pela via postal (n.º 1). Mas também cria uma excepção: se os 
 mandatários tiverem utilizado o meio electrónico para a prática de actos 
 processuais, por esse modo também deverão ser notificados pelo tribunal (n.º 2).
 
          O espírito da lei é seguramente, portanto, o da reciprocidade, e o 
 objectivo a prosseguir é o de garantir a notificação pelo meio que o próprio 
 notificado tiver “implicitamente” escolhido (o dever de reciprocidade está 
 plasmado no artigo 8.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho). Utilizando o 
 mandatário da parte a correspondência electrónica na prática de actos 
 processuais – por a entender mais expedita, por a considerar mais eficaz, por 
 dispor de equipamento capaz, etc., etc. – subentende-se que é esse o meio por 
 que pretende também ser notificado.
 
          Contudo, o legislador não pode ter deixado de pensar nas inúmeras 
 situações em que os tribunais não estão suficientemente preparados para a 
 utilização dos meios electrónicos em toda a sua potencialidade, capacidade e 
 eficiência. O que queremos dizer é que a excepção citada não pode ser cega e 
 desligada das reais circunstâncias de operacionalidade de meios ao dispor dos 
 tribunais. Se o que verdadeiramente importa é dar a conhecer todas as decisões e 
 actos de trâmite processuais às partes, então deve considerar-se que a 
 notificação por carta cumpre aquele objectivo. Nisso não há quebra de direito à 
 notificação, uma vez que ele se observe pela via “normal” ou “geral”. Por outro 
 lado, não pode ver-se aí nenhuma ofensa ao princípio da tutela da confiança (ao 
 contrário do que diz a recorrente), uma vez que a parte não pode legitimamente 
 crer que a notificação lhe será feita pelo meio que ela mesmo tacitamente 
 escolheu, sem saber previamente se o tribunal está dotado da capacidade total 
 para o uso do meio electrónico com todos os requisitos que ele envolve.
 
          Aliás, se o dever de reciprocidade deve ser respeitado, também é certo 
 que ele «não prejudica a possibilidade de, no mesmo processo, serem praticados 
 actos processuais por qualquer outra das formas previstas na lei» (n.º 2 do 
 artigo da mencionada Portaria n.º 642/2004). E a notificação por carta é outra 
 forma prevista na lei.
 
          Ora, como se observa a fls. 187, a base de dados do TCA/Sul não 
 permite, por enquanto, a aplicação da assinatura electrónica avançada. E, por 
 esse facto, a secretaria procedeu à notificação por carta registada, nos termos 
 do n.º 1 do artigo 254.º do CPC.
 
          Não vemos, portanto, em que medida houve violação de regras processuais 
 que tenham interferido com o êxito da causa. O que quer significar que ao 
 tribunal não cumpria proceder a outra notificação, noutro local e por outro 
 meio.»
 Aqui chegado, o Supremo Tribunal Administrativo  acrescenta determinadas 
 considerações, «'ex abundanti', [mas] relevantes no enquadramento da solução 
 
 (…)».
 
          Assim, e em primeiro lugar, observa que 'se é certo que a requerente 
 sempre utilizou o envio das peças processuais por 'fax' e 'e-mail', também não 
 deixou de fazer o seu envio por outras vias, nomeadamente a entrega do original 
 no tribunal  (…)'. Daqui retira o Tribunal  ser possível deduzir que a 
 requerente não teve a intenção de utilizar exclusivamente os meios electrónicos, 
 
 'facto que sempre permitiria a legitimação do tribunal  no uso de outra vis de 
 notificação, que não a electrónica'.
 
          Em segundo lugar, verifica que houve despachos notificados para o mesmo 
 endereço que o acórdão de 9 de Junho de 2005 sem que tenha ocorrido qualquer 
 devolução.
 Finalmente, afirma que, independentemente das razões apontadas pela requerente 
 
 (obras no escritório do mandatário, celebração com os CTT de contrato de 
 reexpedição da correspondência), deveria o seu mandatário ter comunicado 
 previamente ao tribunal  o seu novo endereço. Não o tendo feito, 'a 
 responsabilidade dessa omissão só a si é imputável. E nesse caso vigora a 
 presunção de notificação a que se refere o n.º 4 do artº 254º do CPC', não o 
 impedindo o referido contrato de reexpedição, ao qual o tribunal  é 'estranho'.  
 
        
 
  
 
          3. A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 
 considerando que «o n.º 2 do artº 8.º da Portaria n.º 624/2004, de 16 de Junho, 
 em conjugação com os n.ºs 2, 3, 4 e 6 do artº 254.º do Código de Processo Civil, 
 na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido segundo a qual se 
 considera validamente efectuada a notificação aos mandatários das partes por 
 carta registada devolvida ao tribunal, ao abrigo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do 
 citado artº 254.º, mesmo na hipótese de a parte ter praticado os actos 
 processuais pelo meio previsto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artº 150.º do CPC 
 
 (meios electrónicos), é materialmente inconstitucional, por violação do 
 princípio constitucional da tutela da confiança».
 Para além disso, entende a recorrente que «é materialmente inconstitucional, por 
 violação do mesmo princípio, o n.º 6 do artº 254.º do C. P. Civil, na 
 interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido segundo a qual o 
 mandatário não pode afastar a presunção de culpa no não recebimento da carta 
 registada com base na invocação de contrato de re-expedição de correspondência 
 efectuada com os CTT, com o argumento de o tribunal ser “estranho a esse 
 facto”».
 
  
 
          4. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas 
 interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 
 
 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie 
 a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que 
 foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido 
 suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e 
 não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da 
 lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de 
 exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 
 
 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
 É, ainda, necessário e que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado 
 de ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos 
 nºs 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, 
 respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 
 
 1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo” 
 
 (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de 
 ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” 
 
 (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
 
  
 
 5. Resulta do que acabou de se afirmar que o Tribunal Constitucional não pode 
 conhecer do recurso na parte relativa à inconstitucionalidade que a recorrente 
 atribui à norma do n.º 6 do artigo 254º do Código de Processo Civil, desde logo 
 porque não foi suscitada 'durante o processo', nos termos expostos, nem 
 explicita, nem implicitamente.
 
  
 
          6. Relativamente à norma resultante da conjugação entre 'o n.º 2 do 
 artº 8.º da Portaria n.º 624/2004, de 16 de Junho'  e  'os n.ºs 2, 3, 4 e 6 do 
 artº 254.º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo 
 acórdão recorrido segundo a qual se considera validamente efectuada a 
 notificação aos mandatários das partes por carta registada devolvida ao 
 tribunal, ao abrigo do disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artº 254.º, mesmo na 
 hipótese de a parte ter praticado os actos processuais pelo meio previsto nas 
 alíneas d) e e) do n.º 1 do artº 150.º do CPC (meios electrónicos)', cumpre 
 começar por observar que não cabe no âmbito do presente recurso apreciar a 
 questão do ponto de vista do direito ordinário, mas tão somente na perspectiva 
 da compatibilidade com a Constituição da norma ou do conjunto normativo 
 resultante da interpretação perfilhada pelo tribunal  recorrido. 
 
          Para além disso, não está em causa, no caso dos autos, uma 
 interpretação da citada norma do artigo 8.º, n.º 2, da Portaria n.º 624/2004 – 
 nos termos da qual a notificação electrónica «não prejudica a possibilidade de, 
 no mesmo processo, serem praticados actos processuais por qualquer outra das 
 formas previstas na lei» –, no sentido de caber ao tribunal, arbitrariamente, a 
 escolha da forma da prática dos actos processuais. Pelo contrário, resulta muito 
 claramente dos autos (cfr. fls. 187) que a notificação por via postal – que, 
 observa o acórdão recorrido, é a regra quanto à notificação aos mandatários, e é 
 uma via adequada à finalidade pretendida – ocorreu porque «a base de dados do 
 TCA/Sul não permite, por enquanto, a aplicação da assinatura electrónica 
 avançada», como se afirma na decisão recorrida. E, na verdade, terá sido 
 precisamente a previsão da impossibilidade, pontual ou não, de utilizar os meios 
 electrónicos que levou o legislador a continuar a admitir, em alternativa, a 
 notificação por via postal.
 
          Ora a consideração que foi decisiva para o acórdão recorrido afastar a 
 alegação de violação do princípio da confiança foi, precisamente, a de que a 
 norma que permite o afastamento da regra da reciprocidade dos meios utilizados 
 por razões de exequibilidade prática (operacionalidade dos meios disponíveis) é 
 conhecida pelos interessados: consta do n.º 2 do artigo 8º da Portaria n.º 
 
 642/2004, não sendo pois legítimo às partes que utilizaram a via electrónica nas 
 suas comunicações com o tribunal  confiar  que o tribunal  dispõe dos meios 
 necessários à concretização da regra da reciprocidade.
 
  
 
          7. Com efeito, não é sustentável entender que a norma definida pela 
 recorrente viola o princípio constitucional da confiança.
 
          É certo que o Tribunal Constitucional já considerou ocorrer tal 
 violação em casos em que as partes conformaram a sua actuação processual de 
 acordo com determinadas regras de processo – ou determinadas interpretações 
 dessas regras – e depois se viram confrontadas com regimes com os quais não 
 contavam, e que se entendeu afectarem de forma intolerável a confiança 
 depositada no outro regime. Assim sucedeu, por exemplo, nos acórdãos n.ºs 287/90 
 ou 559/98 (Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de 1991 e 12 de 
 Novembro de 1998, respectivamente), ou nos acórdãos n.ºs 39/2004 e 44/2004 
 
 (ambos publicados no Diário da República, II série, de 20 de Fevereiro de 2004). 
 
 
 
          Sucede, todavia, que nos dois primeiros casos tinha ocorrido uma 
 alteração da lei, que se pretendia aplicável aos processos pendentes; e que, nos 
 dois últimos, aliás relativos a regras de recursos em processo penal, 
 determinadas normas haviam sido interpretadas de forma favorável ao interessado 
 por decisão judicial não impugnada, sendo o tribunal  superior que as veio 
 interpretar em sentido desfavorável e lesivo da posição do arguido.
 
          No caso presente, não ocorreu nada de semelhante. O artigo 8º da 
 Portaria n.º 642/2004 sempre previu, a par da regra da reciprocidade em caso de 
 utilização da via electrónica (n.º 1), a possibilidade de 'no mesmo processo' 
 ser utilizada 'qualquer outra das formas previstas na lei', entre as quais, sem 
 dúvida, figura a da carta registada, dirigida para o escritório do mandatário.
 
          Não se vê, pois, como fundamentar um juízo de inconstitucionalidade por 
 violação do princípio da confiança.
 
  
 
          É, pois, manifestamente infundada a questão de constitucionalidade que 
 a recorrente refere ao n.º 2 do artigo 8º da Portaria n.º 642/2004, conjugada, 
 nos termos que define, com os n.ºs 2, 3, 4 e 6 do artigo 254º do Código de 
 Processo Civil.
 
  
 
                 8. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à 
 emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 
 
 15 de Novembro.
 
  
 
  
 Assim, decide-se:
 a) Não conhecer do objecto recurso, no que respeita à questão de 
 constitucionalidade relativa ao n.º 6 do artigo 254.º do Código de Processo 
 Civil;
 b) Quanto ao mais, negar provimento recurso.
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.»
 
  
 
          2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do 
 disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da 
 decisão sumária. 
 A ora reclamante sustenta o seguinte:
 
 – Que o n.º 2 do artigo 8º da Portaria n.º 642/2004 não estabelece qualquer 
 excepção à regra do respectivo n.º 1; antes se 'limita(...) a afirmar que, não 
 obstante aquela regra geral [a de 'que, no caso de uso de meios electrónicos,  
 as partes e o tribunal  assumem que as comunicações entre si, no âmbito do mesmo 
 processo são efectuadas através de correio electrónico'], podem utilizar-se 
 outras formas previstas na lei';
 
 – Que, 'no caso de envio de carta registada, se ela não é devolvida ao tribunal 
 
 , não se vê razão para que o princípio afirmado no n.º 1 do artº 8º da Portaria 
 impeça que a notificação se considere validamente efectuada';
 
 – Que 'a questão está em saber se a possibilidade de utilização de carta 
 registada, contra a norma estabelecida no n.º 1 do artº 8º da Portaria, implica, 
 através da aplicação conjugada do n.º 2 do artº 8º da Portaria com o n.º 4 do 
 artº 254º do Código de Processo Civil, que se considere a notificação 
 validamente realizada, apesar de a carta ter sido devolvida';
 
 – Que o entendimento perfilhado pela decisão reclamada 'implica que o dever de 
 reciprocidade afirmado peremptoriamente no n.º 1 do artº 8º da Portaria afinal 
 não existe';
 
 – Que há 'uma contradição insanável' entre os n.ºs 1 e 2 do artigo 8º da 
 Portaria  e entre o n.º 2 do mesmo artigo 8º e o n.º 2 do artigo 254º do Código 
 de Processo Civil;
 
 – Que a interpretação adoptada, quer pelo acórdão recorrido, quer pela decisão 
 reclamada, 'implica que o n.º 2 da Portaria (…) viola de modo flagrante o 
 disposto no n.º 2 do artº 254º do Código de Processo Civil';
 
 – Que, e agora relativamente ao princípio da confiança, 'o que está em causa é 
 saber se é ou não legítimo às partes confiar em que o tribunal  que não dispõe 
 de meios para assegurar as notificações por meios electrónicos e utiliza a 
 notificação por carta registada, não considere validamente efectuada uma 
 notificação por carta registada, no caso de ela ser devolvida';  ora, em seu 
 entender 'afigura-se perfeitamente de confiar em que o tribunal  que não dispõe 
 de meios electrónicos', o que 'à partida, as partes não sabem', e portanto 'usa 
 a notificação por meio de carta registada, ordene a repetição da notificação, no 
 caso de a carta ser devolvida';  e que 'a quebra desta legítima confiança viola, 
 de modo intolerável, o princípio da confiança'.
 Para além disso, a reclamante sustenta ainda que 'decorre do espírito de toda a 
 alegação perante o Supremo Tribunal Administrativo  a invocação da 
 inconstitucionalidade do n.º 6, do artº 254º do C. P. Civil, por violação do 
 princípio da confiança. Vide Conclusões 11ªa 15º das alegações perante o STA'.
 
  
 Notificado para o efeito, o recorrido não respondeu.
 
  
 
 3. A reclamante baseia a sua reclamação, sobretudo, numa interpretação das 
 normas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 8º da Portaria n.º 642/2004 e da sua conjugação, 
 da maneira descrita, com os n.ºs 2 e 4 do artigo 254º do Código de Processo 
 Civil que considera errada. Ora, como se disse na decisão reclamada, não cabe no 
 
 âmbito do  recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a apreciação 
 da forma como as normas de direito ordinário, desse ponto de vista, foram 
 interpretadas; apenas é possível, tomando como objecto do recurso tal 
 interpretação, confrontá-la com as regras e os princípios constitucionais 
 pertinentes.
 De igual modo, está fora do âmbito possível do recurso de constitucionalidade 
 avaliar a alegada violação do n.º 2 do artigo 254º do Código de Processo Civil 
 pelo n.º 2 do artigo 8º da Portaria n.º 642/2004, sustentada pelo reclamante.
 Assim sendo, reiteram-se as razões apontadas na decisão reclamada para 
 considerar não violado o princípio constitucional da confiança.
 
 4. E igualmente se reitera a razão pela que a decisão reclamada julgou não ser 
 possível conhecer do objecto do recurso, na parte respeitante à norma do n.º 6 
 do artigo 254º do Código de Processo Civil.
 Resulta efectivamente da leitura das alegações apresentadas perante o Supremo 
 Tribunal Administrativo, nomeadamente das conclusões identificadas na 
 reclamação, que nunca foi, quer explicita, quer implicitamente suscitada a 
 inconstitucionalidade de tal norma.
 
  
 Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não 
 conhecimento do objecto do recurso no que respeita à norma do n.º 6 do artigo 
 
 254º do Código de Processo Civil e de, quanto ao mais, negar provimento ao 
 recurso. 
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
 Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
 Maria dos prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício