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Processo n.º 773/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 A – Relatório
 
  
 
  
 
             1 – AA, melhor identificado nos autos, reclama para o Tribunal 
 Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 
 
 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), do despacho proferido pelo 
 Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso de 
 constitucionalidade, interposto do Acórdão de 15 de Julho de 2008, proferido 
 nesse Tribunal.
 
  
 
             2 – Com interesse para a decisão, colhe-se dos autos:
 
             
 
             2.1 – Inconformado com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 
 que julgou improcedente o recurso interposto do Acórdão prolatado no 1.º Juízo 
 Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, que condenara o arguido na pena de 16 
 
 (dezasseis) anos de prisão, o ora reclamante interpôs recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, que sintetizou as conclusões impugnatórias, nos seguintes 
 termos:
 
  
 
          “1) Deficiências das gravações das provas, nos mesmos termos em que a 
 questão foi colocada no recurso para o Tribunal da Relação, invocando que «está 
 em causa a garantia do duplo grau de jurisdição e o cerne dos direitos e 
 garantias de defesa do arguido, como consagrados no artigo 32°, nº 1 e nº 5º da 
 Constituição da República Portuguesa, tal como, visivelmente, no artigo 6º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem».
 Argumenta que sempre será inconstitucional admitir-se valor ao julgamento quando 
 não foi, em depoimentos fundamentais, correctamente gravado, impossibilitando o 
 arguido de poder impugnar devidamente a decisão proferida sobre a matéria de 
 facto, por violação do artigo 32°, nºs 1 e 2 da Constituição da República 
 Portuguesa (Conclusões 1.ª a 12.ª).
 
 2) Inexistência das duas queixas que tenham sido tempestivamente apresentadas 
 por parte de CC pelo alegado crime de ameaças e, noutro momento, pelo alegado 
 crime de violação de domicilio, falta de legitimidade e legalidade no 
 procedimento criminal – questões também já suscitada na Relação (Conclusões 13.ª 
 a 17.ª).
 
 3) Vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP relativamente à condenação pelos crimes de 
 sequestro, coacção grave, violação e homicídio qualificado na forma tentada 
 contra a sua ex-namorada BB (Conclusões 18.ª a 22.ª).
 
 4) Violação do art. 127.º e inconstitucionalidade da interpretação e aplicação 
 do desse princípio, «no sentido de que o julgador pode, sem qualquer fundamento 
 concreto e objectivo invocar para o efeito, contrariar ou desatender na sua 
 decisão factos objectivos cientificamente atestados». (23.ª a 36.ª, 37.ª a 42.ª 
 
 (relativamente ao crime de violação) e também 59.ª, tudo isto de mistura com 
 alegação de vícios do art. 410.º, n.º 2: erro notório e insuficiência da matéria 
 provada para a decisão).
 
 5) Inconstitucionalidade da interpretação do artigo 349° do Código Civil e do 
 artigo 125° do Código de Processo Penal no sentido de se socorrer o Tribunal, na 
 falta de qualquer elemento probatório objectivo e concreto nesse sentido, de 
 apenas uma presunção para condenar o arguido por determinado facto, por violação 
 do artigo 32°, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (Conclusão 
 
 43.ª).
 
 6) Violação do princípio in dubio pro reo e princípio da presunção de inocência, 
 consagrado no artigo 32°, n° 2, da Constituição da República Portuguesa, a 
 propósito dos crimes de ameaça, de violação de domicílio e de violação, de 
 mistura com vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP: alíneas b) e c) – Conclusões 
 
 44.ª a 47.ª).
 
 7) Intenção de matar , contestação da “frieza de ânimo” e novos vícios do art. 
 
 410.º, n.º 2), violação do art. 127.º, do art. 32.º da Constituição (Conclusões 
 
 48.ª a 62.ª), 87.ª a 89.ª).
 
 8) Atenuante de bom comportamento e a convicção do tribunal (Conclusões 63.ª a 
 
 67.ª).
 
 9) Limitação de testemunhas de defesa em atropelo à lei e às garantias 
 constitucionais do arguido (art. 283.º, n.º 3, alínea d) do CPP e 32., n.º 1 e 2 
 da Constituição) – Conclusões 68.ª a 75.ª).
 
 10) Impugnação do dolo eventual no crime de homicídio (violação da presunção de 
 inocência e do in dubio pro reo (Conclusões 76.ª a 82.ª).
 
 11) Qualificação dos factos pelo crime de homicídio negligente (negligência 
 consciente) ou por ofensas à integridade física do art. 144.º do CP, ou ofensas 
 
 à integridade física graves, a título de negligência consciente, nos termos do 
 artigo 148°, nºs 1 e 3, do mesmo diploma legal (Conclusões 83.ª a 86ª).
 
 12) Hipótese do crime de homicídio privilegiado, do art. 133.º do CP, 
 considerando todo o circunstancialismo anterior e actual aos acontecimentos de 2 
 de Março de 2005 (Conclusões 90.ª e 91.ª)..
 
 13) Medida da pena: confissão de alguns factos, o que não podia deixar de ser 
 inferido pelo exame crítico das provas; antecedentes criminais; circunstâncias 
 de relacionamento concreto entre o arguido e a vítima, criticando-se o 
 fundamento de prevenção geral invocado e invocando-se a propósito a violação do 
 art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; tempo passado pelo arguido 
 na prisão e comportamento irrepreensível do arguido (restantes conclusões)”.
 
  
 
  
 
             2.2 – Analisando as questões equacionadas pelo recorrente, o Supremo 
 Tribunal de Justiça decidiu:
 
          
 
 “(...)
 
          Conceder provimento parcial à questão prévia do Ministério Público e, 
 em consequência rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo 
 arguido AA relativamente a todos os crimes com excepção dos crimes de violação e 
 homicídio;
 
 - Rejeitar, por inadmissibilidade, o mesmo recurso relativamente às questões 
 interlocutórias (deficiência das gravações; inexistência de queixa relativamente 
 ao crime de violação de domicílio; limitação de testemunhas); 
 
 - Rejeitar por manifesta improcedência o mesmo recurso relativamente às questões 
 da matéria de facto e dos vícios do art. 410º, n.º 2, do CPP, violação do 
 princípio da livre apreciação da prova (arts. 127.º e 125.º do CPP), violação do 
 princípio in dubio pro reo, questão da intenção de matar, qualificação do crime 
 de homicídio, e improcedente quanto à medida das penas dos crimes de violação e 
 homicídio;
 
 - Conceder parcial provimento ao recurso no tocante à medida da pena única, pelo 
 que se revoga nessa parte a decisão recorrida e se condena o arguido na pena 
 
 única de 14 (catorze) anos de prisão”.
 
  
 
  
 
             Esta decisão abonou-se nos seguintes fundamentos:
 
             
 
 “(...)
 
 9.1. Questão prévia
 
 9.1.1. O Ministério Público levantou a questão da recorribilidade da decisão 
 relativamente a todos os crimes pelos quais o arguido foi condenado, com 
 excepção do crime de homicídio, defendendo a sua rejeição com base em não terem 
 sido aplicadas penas, por cada um de tais crimes, superiores a 8 anos de prisão 
 e terem sido confirmadas pela Relação de Coimbra, pelo que só o crime de 
 homicídio, cuja pena aplicada foi de 10 (dez) anos de prisão, e a pena única 
 
 (cúmulo jurídico de todas as penas aplicadas) deveriam ser conhecidos.
 A decisão da 1.ª instância foi proferida no domínio da lei anterior às 
 alterações introduzidas no Código de Processo Penal (CPP) pela Lei n.º 48/2007, 
 de 29 de Agosto, mas a decisão da Relação foi já proferida no domínio da lei 
 nova.
 No âmbito da lei anterior, era conhecida a jurisprudência deste STJ a respeito 
 do art. 400, n.º 1, alínea f) do CPP, pois é tal preceito que está em causa na 
 vertente situação. O STJ só conhecia, em recurso de acórdãos proferidos pelas 
 relações, que confirmassem decisão condenatória da 1.ª instância, dos crimes, 
 singularmente considerados, cuja pena aplicável fosse superior a 8 anos. É que 
 de acordo com o disposto no referido preceito, não era admissível recurso de 
 acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que 
 fosse aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso 
 de infracções. Entendia-se que era como se cada um dos referidos crimes fosse 
 objecto de um processo, sendo a competência do tribunal determinada por conexão, 
 nos termos do art. 25.º do CPP. Se cada um dos crimes tivesse sido julgado 
 separadamente no processo atinente a esse crime, não haveria lugar a recurso 
 para o STJ, por força de ao crime não ser aplicável pena de prisão superior a 
 cinco anos.
 Esta jurisprudência, que podia dizer-se maioritária, senão mesmo uniforme, tinha 
 uma variante na 5.ª Secção Criminal: a de que o Supremo Tribunal podia (devia) 
 rever a pena única aplicada num concurso de crimes, quando a pena aplicável, 
 segundo os critérios do art. 77.º, n.º 2 do CP, tivesse um limite máximo 
 superior a 8 anos. Desse modo, embora não se conhecesse dos crimes cujas penas 
 singularmente aplicáveis não fossem superiores a 8 anos de prisão e fossem 
 confirmadas, em recurso, pelas relações, revia-se a pena única nas condições 
 acima referidas e controlava-se a sua conformidade com os critérios específicos 
 a que a lei mandava atender para a sua determinação concreta. Isto, claro está, 
 se tal pena única tivesse sido posta em causa no recurso.
 No presente caso, segundo a jurisprudência focada, só dois dos crimes singulares 
 pelos quais o arguido foi condenado estavam em condições de serem conhecidos, em 
 recurso, pelo STJ: o crime de homicídio tentado qualificado (arts. 131.º, 132.º, 
 nºs 1 e 2, alínea i), 23.º, n.º 2 e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CP, quer na 
 redacção actual, quer na redacção anterior) e o crime de violação, do art. 
 
 164.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, também na redacção anterior e na actual, 
 pois as penas abstractamente aplicáveis a cada um deles ultrapassam os 8 anos de 
 prisão, tendo em conta o limite máximo aplicável. Também a pena única, segundo a 
 variante acima focada e que sempre foi perfilhada por esta Secção Criminal, 
 seria objecto de revisão por este Tribunal, tanto mais que foi impugnada no 
 recurso.
 Na redacção actual do art. 400, n.º 1, alínea f), passou a falar-se em pena 
 aplicada em vez de pena aplicável e deixou de se fazer referência ao concurso de 
 crimes.
 Art. 400.º
 
 1 – Não é admissível recurso
 f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que 
 confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 
 anos.»
 Deste modo, por um lado, restringe-se o âmbito da recorribilidade, na medida em 
 que a referência, agora, não é a pena aplicável, mas a pena efectivamente 
 aplicada e, por outro lado, amplia-se essa recorribilidade, ao menos em relação 
 
 àquela corrente jurisprudencial que atendia somente aos crimes singulares, 
 independentemente do concurso de crimes, não admitindo a revisão da decisão, 
 mesmo em relação à pena única que fosse superior a 8 anos, quando todos os 
 crimes, singularmente considerados, fossem puníveis com pena não superior a esse 
 limite e a Relação tivesse confirmado a condenação.
 Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, 
 essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente 
 considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena 
 
 única). O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme 
 e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de 
 Justiça pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime 
 singular, quer a um concurso de crimes. O que significa que o STJ está obrigado 
 a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que 
 ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena 
 aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão, e também a medida da pena do 
 concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que 
 os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham 
 sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e 
 confirmadas pela Relação. Dir-se-ia que o legislador, na querela que, a certa 
 altura, dividiu a jurisprudência sobre a questão da pena aplicável ou pena 
 aplicada, no recurso das decisões das relações para o STJ, tomou partido por 
 esta última, embora com um sentido diferente dos termos em que a questão era 
 jurisprudencialmente colocada, pois, neste domínio, a pena aplicada só era de 
 tomar em conta para efeitos de (não) recorribilidade para o STJ, se não houvesse 
 recurso do Ministério Público, caso em que, por força do princípio da “proibição 
 da reformatio in pejus, a pena aplicada não podia ser agravada, convertendo-se 
 então na pena aplicável.
 Por outro lado, na questão que dividiu a jurisprudência quanto aos poderes de 
 revisão da pena única, quando aos crimes singulares não coubesse pena superior a 
 
 8 anos, mas a pena do concurso excedesse esse limite, dir-se-ia que o legislador 
 optou, nessa querela, pela tese da revisão da pena única, ou seja, pela 
 possibilidade de revisão da medida da pena conjunta aplicada a um concurso de 
 crimes por tribunal de 1.ª instância e confirmada pela Relação, ainda que. a 
 decisão não fosse recorrível quanto aos crimes singulares.
 Uma coisa parece certa: com esta reforma, o legislador pretendeu, em matéria de 
 recursos, “aliviar a carga” do STJ, acentuando a linha da reforma anterior e 
 reservando para o Supremo Tribunal os casos de maior gravidade. Desde logo, o 
 art. 400.º, n.º 1, alínea f), que temos vindo a analisar, ao tomar como 
 referência da recorribilidade para o STJ a pena efectivamente aplicada, em vez 
 da pena aplicável, restringiu substancialmente os casos de recurso para o mais 
 alto tribunal, pois só no caso de ter sido aplicada pena superior a 8 anos de 
 prisão, que tenha sido confirmada pela Relação, se admite recurso para o STJ – 
 casos, portanto, que são já de grande gravidade.
 E mesmo nos casos de recurso directo do tribunal colectivo para o STJ (art. 
 
 432.º, alínea c), foi restringida significativamente a possibilidade desse 
 recurso, pois, para além da exigência, que vinha já da anterior reforma, de o 
 recurso visar exclusivamente matéria de direito passar a estender-se também ao 
 recurso do tribunal de júri, o pressuposto relativo à pena deixou de referenciar 
 a pena aplicável para passar a referir a pena aplicada. Com efeito, só são 
 recorríveis para o STJ os acórdãos do tribunal colectivo ou do tribunal de júri, 
 que, visando exclusivamente matéria de direito, tenham aplicado pena superior a 
 
 5 anos de prisão.
 Mesmo que se leve em conta que a pena aplicada tanto é a relativa à pena 
 singular, como à pena conjunta, a possibilidade de recurso directo para o STJ 
 foi drasticamente restringida, pois só serão passíveis de tal recurso as 
 decisões do tribunal colectivo ou de júri que isoladamente tenham aplicado por 
 um crime pena superior a 5 anos ou que, num concurso de crimes, tenham aplicado 
 uma pena única superior àquele limite, ainda que as penas parcelares aplicadas 
 sejam iguais ou inferiores a 5 anos. Neste caso, porém, o recurso será restrito 
 
 à medida da pena única, a menos que alguma das penas parcelares seja também 
 superior a 5 anos, caso em que o recurso abrange essas penas parcelares e a pena 
 conjunta (Acórdão de 02-04-2008, Proc. n.º 415/08, da 3.ª Secção).
 Na verdade, seria um contra-senso, na perspectiva focada de restrição do recurso 
 para o Supremo Tribunal, que o legislador, ao falar de pena aplicada em 
 concreto, em vez de pena aplicável em abstracto, pretendesse levar o STJ a 
 conhecer de todos os crimes que formam um concurso de infracções, mesmo que tais 
 crimes correspondam àquela noção que normalmente se designa de criminalidade 
 bagatelar ou que, tendo já passado pelo crivo da Relação, e não sendo crimes de 
 bagatela, viram as respectivas condenações confirmadas por aquela, até um limite 
 de gravidade tido como razoável (na opção legislativa, 8 anos de prisão), a 
 partir do qual se justifica a revisão do caso pelo Supremo Tribunal de Justiça.
 Deste modo, como se afirma no Acórdão de 21/10/2007, Proc. n.º 1772/07, da 3.ª 
 Secção: «Temos, assim, dois momentos possíveis de definição de pena com sujeição 
 a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que modelam a moldura 
 penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico 
 e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por 
 aquela. É quanto a nós evidente que as penas parcelares englobadas numa pena 
 conjunta que está sujeita à regra da dupla conforme só podem ser objecto de 
 recurso, desde que superiores a 8 anos de prisão. Por outras palavras: dir-se-á 
 que está, então, em causa a forma como se produziu a pena conjunta do concurso 
 superior a 8 anos de prisão e não qualquer uma das penas parcelares 
 relativamente à qual foi cominada pena inferior àquele limite».
 Aderindo a esta tese, dir-se-á que a lei actual é, no caso, mais restritiva de 
 direitos do arguido, pois, tendo a decisão recorrida confirmado a da 1.ª 
 instância, só admitiria recurso para o STJ relativamente ao crime de homicídio e 
 
 à pena conjunta, ao passo que, segundo a lei antiga, admiti-lo-á relativamente 
 aos crimes de violação (punível em abstracto com pena de 3 a 10 anos de prisão), 
 ao crime de homicídio qualificado tentado, punível em abstracto com pena de 2 
 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão, e à pena conjunta.
 Ora, a lei nova aplica-se imediatamente, nos termos do art. 5.º do CPP, salvo se 
 da sua aplicação imediata resultar “agravamento sensível e ainda evitável da 
 situação processual do arguido, nomeadamente do seu direito de defesa” ou 
 
 “quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo” (alíneas a) e b) 
 daquele normativo).
 A decisão recorrida foi proferida no domínio da lei nova; porém, a decisão da 
 
 1.ª instância foi proferida ainda no domínio da lei antiga, abrindo-se, então, 
 uma nova fase processual – a fase do recurso – e, nessa altura, o arguido podia 
 recorrer da decisão da Relação que lhe fosse desfavorável com o âmbito que se 
 assinalou à lei antiga – um âmbito mais alargado do que o permitido pela lei 
 nova. Consequentemente, será essa a lei aplicável ao caso, porque da aplicação 
 imediata da lei nova resulta «agravamento sensível e ainda evitável da situação 
 processual do arguido, nomeadamente do seu direito de defesa».
 Deste modo, a questão prévia não é totalmente procedente, devendo aplicar-se ao 
 caso a lei antiga e, em consequência, conhecendo-se do recurso interposto 
 relativamente aos crimes de violação, de homicídio e à medida da pena conjunta.
 Em contrapartida e logicamente não é admissível o recurso relativamente aos 
 crimes de coacção grave, de ameaça, de sequestro, dos dois crimes de violação de 
 domicilio, dos dois crimes de detenção ilegal de arma, do crime de resistência e 
 coacção sobre funcionário e do crime de evasão.
 Em consequência, rejeita-se o recurso relativamente a esses crimes, nos termos 
 dos arts. 400.º, n.º 1, alínea f), 414.º, nºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, todos do 
 CPP, na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 
 de Agosto, com ressalva da revisão da pena conjunta, onde as penas parcelares 
 aplicadas por esses crimes serão objecto de consideração da pena única, nos 
 termos do art. 77.º, nºs 1 e 2 do CP.
 
 9.2. Questões interlocutórias
 
 9. 2.1. Relativamente à questão da deficiência das gravações
 A deficiência das gravações da prova, no caso de existir, constitui uma mera 
 irregularidade sujeita à disciplina do art. 123.º do CPP, e portanto devendo ser 
 arguida pelo interessado no prazo aí estipulado como repetidamente tem afirmado 
 este Tribunal (Cf. os acórdãos de 15/2/2006, Proc. n.º 4012/05, desta 5.ª 
 Secção, de 15/2/2006, Proc. n.º 2874/05, da 3.ª Secção e de 13/9/2006, Proc. n.º 
 
 1934/06, também da 3.ª Secção). Isto, porque em matéria de nulidades, vigoram os 
 princípios da legalidade e da tipicidade, ou seja, a violação ou inobservância 
 das disposições da lei só acarreta nulidade quando esta estiver expressamente 
 prevista. Nos casos em que a nulidade não for cominada, o acto ilegal é 
 irregular. Ora, o arguido não suscitou a irregularidade da deficiência das 
 gravações nos termos e prazo do art. 123.º do CPP, o que implicava a sanação da 
 irregularidade, se a houvesse.
 De qualquer forma, o Tribunal da Relação de Coimbra conheceu da questão, 
 concluindo, após minuciosa análise, que não se verificou «a existência de 
 qualquer irregularidade de gravação que possa inquinar a reapreciação da prova.
 Trata-se de decisão interlocutória que não põe termo à causa e da qual não é 
 admissível recurso para o STJ, nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea c) do 
 CPP, na versão anterior, entendendo-se que «pôr termo à causa» significa que «a 
 questão substantiva que é objecto do processo fica definitivamente decidida» e, 
 consequentemente que não põe termo à causa aquela questão que não é impeditiva 
 de o processo prosseguir para a sua apreciação, por não ser atinente ou conexa 
 com a questão substantiva ou então que está para além da questão substantiva já 
 resolvida (cf. acórdão deste STJ de 29/6/2005, Proc. n.º 1845/05 – 3ª, Sumários 
 dos Acs. STJ, Boletim, n.º 92, p. 101).Por outras palavras: decisão 
 interlocutória é a decisão que tem como consequência o arquivamento ou 
 encerramento do objecto do processo, mesmo que se não tenha conhecido do mérito 
 
 (entre outros, os Acs. de 21.2.02, proc. n. 131/02-5.ª, de 12/10/03, Proc. n.º 
 
 2634/03 – 5.ª e 19/7/2006, Proc. n.º 1949/06 – 3.ª).Na versão actual da alínea 
 c) do art. 400.º do CPP, não é admissível recurso «de acórdãos proferidos, em 
 recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo”. Ora 
 esta expressão não significa outra coisa senão “decisão que põe termo ao litígio 
 da forma sobredita”. A questão das gravações é uma questão prévia e como tal foi 
 tratada, não sendo nesse sentido atinente ou conexa com a questão substantiva, 
 essa sim objecto de apreciação da decisão final.
 De forma que: a questão não devia ter sido conhecida, por não ter sido arguida a 
 irregularidade respectiva; tendo-o sido e partindo do pressuposto que a Relação 
 dela conheceu legalmente, a decisão não é recorrível para o STJ, pelo que o 
 recurso é de rejeitar quanto a tal questão.
 
 9.2.2. Inexistência de queixa relativamente aos crimes de ameaça e de violação 
 de domicílio falta de pressuposto de procedibilidade.
 Trata-se também de decisão interlocutória que a Relação conheceu, tendo a 
 questão sido objecto de decisão anterior da 1.ª instância, que a apreciou em 
 sede de audiência de julgamento (despachos de fls. 1011 e 1016, constantes da 
 acta de audiência). Como tal, valeriam para aqui as considerações anteriormente 
 feitas, se não acrescesse uma outra razão: a de se tratar de questão relativa a 
 crimes que não admitem recurso para este Tribunal, por força da rejeição do 
 recurso nessa parte (Cf. ponto 9.1. – parte final).
 
 9.2.3. Limitação de testemunhas de defesa.
 Esta questão também foi suscitada e decidida em audiência de julgamento, sem que 
 o recorrente reagisse por meio do competente recurso. Como tal, transitou em 
 julgado.
 Apesar disso, a Relação sufragou expressamente a decisão da 1.ª instância, 
 fazendo-o, todavia, por uma razão de reforçar o acerto de tal decisão.
 Como tal, esta questão é de rejeitar por manifestamente improcedente.
 
 10. Decisão de fundo
 Vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP.
 
 10.1. O recorrente arguiu estes vícios a respeito dos crimes de sequestro, 
 coacção grave, violação de domicílio, ameaça, violação e homicídio.
 Só em relação aos dois últimos a questão será conhecida, por força da rejeição 
 do recurso relativamente aos outros crimes.
 Mas diga-se já: esta questão também é claramente para rejeitar por manifesta 
 improcedência.
 Vejamos as conclusões do arguido a tal propósito:
 
 18) Mesmo à partida gravemente coarctado para efeitos de reapreciação da matéria 
 de facto pelo Tribunal da Relação, não pode o arguido, de forma alguma, se 
 conformar com a sua condenação pelos crimes de sequestro, coacção grave, 
 violação e homicídio qualificado na forma tentada contra a sua ex-namorada 
 BB.19). Como já se dizia perante o Tribunal da Relação em recurso e ora perante 
 V. Ex.as com atenção para com o teor da decisão sob recurso, apesar de estar o 
 arguido tão limitado no exercício do direito fundamental de defesa em sede de 
 matéria de facto pelas falhas comprovadas e de relevo da gravação da prova em 
 audiência, a verdade é que o próprio teor e termos dos Acórdãos anteriores nessa 
 matéria pecam, de forma flagrante, pelos vícios previstos no artigo 410°, nº 2, 
 do Código de Processo Penal. 20) No que se consegue ouvir apenas das respostas 
 das testemunhas, deparamos com um discurso absolutamente incoerente, ficcionado, 
 manipulador de BB e suas amigas, não hesitando aquela, suposta vítima de 
 violação, em apelidar o arguido de mero amigo ou parceiro com quem mantinha 
 relações íntimas, tendo o mesmo sido referido pelas suas amigas, que 
 manifestaram expressamente nunca terem gostado do miúdo que atrapalhava as suas 
 saídas nocturnas e que, para elas, o facto de BB manter relações sexuais com ele 
 não significava um namoro a sério, mas não mais do que ir com um amigo ao café. 
 
 21) É desde logo contrário à lógica e senso comum, assim perceptível por 
 qualquer pessoa – diga-se o homem minimamente atento – que se possa dar entender 
 que as palavras da ofendida BB, que se disse vítima de sequestro, coacção grave 
 e violação, possam ser isentas e servir por si, à revelia da restante prova e na 
 falta de prova, para condenar o arguido por tudo o que dissesse e disse. 22) A 
 prova documental – que existe nos autos -foi totalmente desconsiderada pelo 
 Tribunal, com decisões contrárias ao seu teor, destacando-se a apreciação, que 
 deveria sim ter sido vinculada e correcta, do Relatório do Conselho Nacional de 
 Andidopagem e Partial Agreement in the Social and Public Health Field, a fls. 
 
 736 e ss dos autos. 23) Interpretação e aplicação do princípio constante do 
 artigo 127° do Código de Processo Penal no sentido de que o Julgador pode, sem 
 qualquer fundamento concreto e objectivo invocar para o efeito, contrariar ou 
 desatender na sua decisão factos objectivos cientificamente atestados é 
 inconstitucional, por violação do artigos 32°, nºs 1 e 2, da Constituição da 
 República Portuguesa. 24) Para além de desconsiderar factos e elementos 
 probatórios carreados aos autos, sem fundamento objectivo e plausível, o 
 Tribunal selecciona e interpreta, como bem quer, alguns outros elementos 
 probatórios, de forma puramente subjectiva e, assim, arbitrária e desconforme ao 
 propósito de prossecução da descoberta material. 25) O princípio da livre 
 apreciação da prova tem, inevitavelmente, limites, desde logo os que decorrem 
 das regras da experiência comum e do propósito maior da descoberta da verdade, 
 com vista ao do fim último da realização de Justiça. 26) E interpretação do 
 artigo 127° do Código de Processo Penal no sentido de que a livre apreciação da 
 prova corresponde a uma valoração meramente subjectiva por forma a suprir as 
 insuficiências dos elementos probatórios, ou desconsiderando e contrariando a 
 prova produzida, sem fundamento concreto e objectivo, é desconforme à 
 Constituição da República Portuguesa, por violação do artigo 32°, nºs 1 e 2 
 deste diploma fundamental. 27) Os vícios na apreciação da prova são tão graves e 
 evidentes no caso e na decisão em apreço que a verdade é que qualquer pessoa – 
 nem necessariamente o homem médio minimamente atento – que tome e tenha já 
 tomado contacto com esta condenação logo conclui pela sua incoerência e 
 injustiça. 28) Sobre os alegados crimes de sequestro e coacção grave e, acima de 
 tudo, violação contra a demandante BB, tal como os alegados crimes de ameaças e 
 violação de domicílio contra CC, pedimos nós a V. Excelências se conheça dos 
 vícios previstos no artigo 410°, nº 2, a), b) e c), do Código de Processo Penal 
 que efectivamente ressaltam quer da decisão ora sob recurso, quer da decisão de 
 
 1a instância que naquela se reproduz e se dá como correcta. 29) Relativamente às 
 testemunhas de AA, a predisposição para não atender a qualquer coisa que pudesse 
 ser dita pelas mesmas sobre os factos evidenciou-se logo com a imposição por 
 parte do Tribunal (que, ainda por cima, não ficou gravada) de que o arguido 
 escolhesse das 20 apresentadas apenas 5, as abonatórias, não tendo todas as 
 demais sido chamadas, como se apenas ao arguido devesse interessar a descoberta 
 da verdade e a boa decisão da causa. 30) O Tribunal efectivamente não 
 considerou, sem argumento plausível para o efeito e respeito pela equitatividade 
 processual, tudo o que disseram aquelas duas e restantes testemunhas de defesa 
 sobre a vida e relacionamento do casal AA e BB. 31) Não considerou o que 
 efectivamente disseram algumas das próprias testemunhas de acusação – os 
 vizinhos da mãe de BB – que, com isenção, refutaram qualquer tipo de investida 
 do arguido contra a BB ou mãe desta, sequer presença que se notasse perto da 
 casa destas, contrariando directamente o que aquelas disseram e quiseram dar a 
 entender. 32) O Tribunal deixou de atender, sem justificação, a factos concretos 
 e perfeitamente contextualizados, sustentados por elementos de prova, que 
 refutam por inteiro qualquer acto de coacção e/ou sequestro de BB enquanto 
 namorava com o arguido, incorrendo, assim, para além do erro notório que se 
 evidencia no texto do Acórdão, no vício de insuficiência para a decisão sobre a 
 matéria de facto. 33) Invoca o Tribunal as mensagens que constam do auto de 
 leitura do telemóvel de BB, de fls. 152 e ss, mas, atenta a globalidade dessas 
 mensagens – como constantes dos autos – e o contexto amoroso, não compreendemos 
 o valor que se pretendeu atribuir a apenas algumas delas, escolhidas e 
 descontextualizadas pelo Tribunal. 34) O que faz o Tribunal, manifestamente, é 
 desconsiderar factos e provas que os sustentaram, ou mesmo decidir contra a 
 prova produzida, com uma valoração e apreciação puramente subjectiva e 
 tendenciosa da causa. 35) Interpretação do artigo 127° do Código de Processo 
 Penal no sentido de que a livre apreciação da prova corresponde a uma valoração 
 meramente subjectiva por forma a suprir as insuficiências dos elementos 
 probatórios, ou desconsiderando e contrariando a prova produzida, sem fundamento 
 concreto e objectivo, é desconforme à Constituição da República Portuguesa, por 
 violação do artigo 32°, nºs 1 e 2 deste diploma fundamental. 36) Existe, pois, 
 atento o disposto e o teor do Acórdão recorrido, ta! como do Acórdão de 1a 
 instância que reproduz, desde logo na condenação do arguido pelos alegados 
 crimes de coacção grave e sequestro ERRO NOTÓRIO e INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO 
 SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PROVADA – que se pede sejam, em Vossa Justiça, 
 conhecidos, com as devidas consequências legais. 37) O 1º Juízo Criminal de 
 Viseu entendeu, ou melhor, presumiu considerar-se provado que o arguido violou a 
 sua namorada durante determinado período temporal, tendo o Tribunal da Relação 
 anuído ao mais surpreendente raciocínio e sua grave consequência de condenação 
 do arguido pelo crime de violação, de forma perfeitamente adversa às regras da 
 experiência comum e alheia à prova produzida nos autos. 38) Tão evidente é a 
 falta de prova nesse sentido, que o Tribuna! de Viseu se socorreu, em sede de 
 convicção sobre a matéria de facto que considerou provada, de uma presunção de 
 que o arguido praticou com culpa factos capazes de subsumir-se no tipo legal do 
 crime de violação. 39) Não há desde logo qualquer elemento probatório objectivo, 
 concreto e consistente que permita, em respeito pelos princípios da presunção de 
 inocência e in dubio pro reo, concluir, muito menos presumir a prática do crime 
 de violação e, com isto, se entender ter-se prosseguido o fim da descoberta 
 material e realização de Justiça. 40) O discurso da demandante a que se submetem 
 ambos os Tribunal Judicial de Viseu e o Tribunal da Relação está repleto de 
 contradições e incoerências crassas, sem apoio possível na realidade aos olhos 
 de qualquer pessoa, diga-se o homem médio minimamente atento. 41) O Tribunal de 
 Viseu desatendeu e decidiu mesmo contra prova documental, que é, como diz o 
 Tribunal da Relação no Acórdão recorrido, de apreciação vinculada – é o caso do 
 relatórios suscitados, solicitados e juntos aos autos, de que se destaca o 
 Relatório do Conselho Nacional de Antidopagem, atestando aquilo que, de resto, é 
 facto público e notório: a toma de anabolizantes tem como efeitos secundários a 
 hipertensão arterial e perturbações da libido, ou seja, falta de desejo e 
 impotência sexual. 42) Para além do erro notório que se evidencia na decisão 
 sobre a matéria de facto relativa também ao crime de violação, verifica-se 
 ainda, à semelhança do que sucedeu, simultaneamente, sobre os alegados crimes de 
 coacção grave e sequestro, que o Tribunal Judicial de Viseu, sem que o Tribunal 
 da Relação o tenha minimamente considerado e sanado, decide contra a prova e 
 desatende factos e elementos probatórios de relevo sem fundamento algum, pelo 
 que peca a decisão sobre recurso também pelo vício de insuficiência para a 
 decisão sobre a matéria de facto.(…). 46) Mesmo sem gravação ou transcrição que 
 o possibilite com a precisão que a situação e caso impõem – com a maior 
 gravidade no que aos factos de 2 de Março de 2005 respeita –, o Tribunal da 
 Relação pretende apoiar, mais uma vez, a decisão do 1o Juízo Criminal de Viseu 
 de condenar o arguido por homicídio qualificado na forma tentada. 47) Dar-se 
 como provado facto em desfavor do arguido com base em desconhecimento ou dúvidas 
 das testemunhas constitui violação do princípio in dúbio pro reo e princípio da 
 presunção de inocência como consagrado no artigo 32°, nº 2, da Constituição da 
 República Portuguesa. 48) Quisesse o arguido matar BB, fosse esse o seu 
 objectivo, tinha-o efectivamente feito, concentrando-se nela e apontando a zonas 
 vitais, estando junto a ela, sendo a própria prova indiciária coincidente com o 
 que relatou o arguido com todo o pormenor. 49) Contrariamente ao que diz o 
 Tribunal da Relação, é do senso comum, lógica, coerência numa apreciação cuidada 
 dos factos que, àquela distância, com experiência de armas, quisesse o arguido 
 matar a demandante tinha-o feito. 50) Aliás, fosse esse o seu objectivo 
 desmedido e premeditado, teria morto a demandante ainda dentro da casa cuja 
 porta arrombou. 51) Os disparos foram um acidente, num momento único, 
 excepcional de tensão extrema, momento com que o arguido foi naquele instante 
 surpreendido e que nunca antes havia sido vivido peio arguido que nem registo 
 criminal tinha para além de uma condução sem habilitação aos 16 anos e, isto, 
 apesar de trabalhar desde muito novo em meios por natureza susceptíveis de gerar 
 conflitos. 52) Emoção, tensão extrema, quando rodeado por agentes da PSP que 
 avançaram a correr para ele com armas empunhadas – circunstâncias excepcionais a 
 que já não se refere o Tribunal da Relação. 53) Frieza é tudo o que não 
 caracteriza este caso e nenhum sentido faz que se conclua pela mesma naquele 
 circunstancialismo e, aliás, também em contradição, ao mesmo tempo que dizia o 
 Tribunal Judicia! de Viseu que pretendia punir mais o arguido para reprimir os 
 crimes passionais de que se fala nos media, veio depois imputar-lhe frieza nos 
 disparos que em segundos deflagraram e se sucederam rapidamente, num momento 
 extremo de tensão em que convergiram rapidamente todas as emoções e desespero 
 maior. 54) Há contradição, erro notório, insuficiência para a decisão sobre a 
 matéria de facto e violação grosseira do princípio da presunção de inocência na 
 forma como se decidiu dar como provado como o arguido praticou os factos de 2 de 
 Março de 2005. 55) Nas páginas 55 a 57, refere-se o Tribunal da Relação a quanto 
 invocou o arguido sobre factos que deveriam ter sido atendidos, porque 
 suscitados e relevantes para a boa decisão da causa, e que deveriam ter sido 
 dados como provados atenta a existência de elementos probatórios 
 inultrapassáveis nesse sentido. 56) Ao contrário do que referiu o Tribunal de 
 Viseu – ironizando, inclusive, despropositadamente a questão pertinente do uso e 
 efeitos dos anabolizantes – e o que refere agora o Tribunal da Relação, as 
 oscilações da libido, ou seja, falta de desejo, a atrofia e a impotência sexual, 
 para além de abundantemente publicitados a título de alerta, constam, com 
 evidência, do Relatório do Conselho Nacional de Antidopagem a fls. 736, tal como 
 do subsequente Partial Agreement in the Social and Public Health Filed, do 
 Conselho da Europa, a fls738 e ss, sendo tal prova documental técnica de 
 apreciação vinculada. 57) Para além desses efeitos a nível do desempenho sexual 
 dos utilizadores de esteróides, constam também, como efeitos outros secundários 
 principais, hipertensão artéria! e aumento de agressividade {vide mesmos 
 Relatório do Conselho Nacional de Andidopagem e Partial Agreement in the Social 
 and Public Health Field, a fls. 736 e ss), aos quais acresce, como é do senso 
 comum, o stress próprio de quem se dedica intensivamente, como era o caso do 
 arguido, a competições. 58) O Julgador não pode impor decisão contrária a factos 
 cientificamente atestados e publicitados, sem sequer invocar fundamento 
 objectivo e lógico concreto para esse decisão, sendo, para mais, os factos em 
 causa de relevo maior para a boa decisão da causa, revelando-se, na sua 
 desconsideração, insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto. 59) 
 Interpretação e aplicação do princípio constante do artigo 127° do Código de 
 Processo Penal no sentido de que o Julgador pode, sem qualquer fundamento 
 concreto e objectivo invocar para o efeito, contrariar ou desatender na sua 
 decisão factos objectivos cientificamente atestados é inconstitucional, por 
 violação do artigos 32°, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. 60) 
 O Tribunal da Relação desconsidera os factos avançados, de forma genuína, pelas 
 testemunhas arroladas pela defesa no sentido de que ouviram – o que ouviram e 
 onde – à demandante dizer ao arguido em público, a título de provocação e 
 humilhação de cariz sexual derivada da toma de esteróides, referindo que tais 
 FACTOS E ELEMENTOS PROBATÓRIOS são um argumento não credível pois BB, 
 conhecedora da personalidade do arguido, não se atreveria a tal, muito menos à 
 frente dos amigos do recorrente. 61) Em vez de considerar, com a mínima 
 objectividade e cuidado com vista à descoberta da verdade, aqueles factos, o 
 Tribunal afasta-os a priori porque prejudicam a condenação do arguido. 62) A 
 desconsideração de factos e elementos probatórios com relevo para a decisão 
 porque divergem do propósito de condenação do arguido constitui flagrante 
 violação do artigo 32°, n°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, para 
 além de crassa violação do artigo 6o da Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem. Foi propositadamente que transcrevemos neste lugar esta massa 
 inextricável de conclusões. Através delas, só se pode tirar uma conclusão: o 
 recorrente confunde vícios da matéria de facto que inquinam a própria decisão de 
 facto na sua génese e na sua estrutura com a apreciação e valoração da prova 
 produzida em audiência de julgamento.
 Ora, sendo a prova produzida aquilo que o recorrente ataca directamente, não é a 
 questão dos vícios que está em causa, mas a matéria de facto que foi discutida e 
 objecto de prova nas instâncias e que ele transporta de novo para este Tribunal. 
 Um tal recurso da matéria de facto não é admissível para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, que apenas tem competência, como tribunal de revista, para apreciar 
 matéria exclusivamente de direito (arts. 432.º, alínea c) e 434.º do CPP, na 
 redacção actual – anteriormente, excluíam-se apenas as decisões do tribunal de 
 júri). Mas mesmo em relação aos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, os quais, 
 como se sabe, têm de resultar patentemente do texto da decisão recorrida, 
 encarado em si mesmo, sem recurso a elementos extrínsecos, como sejam, 
 nomeadamente, as provas produzidas em audiência de julgamento, embora sem 
 excluir a possibilidade de conjugar esse texto com as regras gerais da 
 experiência comum, este Tribunal tem entendido uniformemente o seguinte: O 
 recurso da matéria de facto, ainda que restrito aos vícios do art. 410.º, n.º 2 
 do CPP (a chamada revista alargada) tem actualmente (isto é, depois da reforma 
 introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto) de ser interposto para a 
 Relação, e da decisão desta que sobre tal matéria se pronuncie já não é 
 admissível recurso para o STJ, pelo que se haverão de considerar precludidas 
 todas as razões que foram ou podiam ser invocadas nesse recurso, cuja decisão 
 esgota os poderes de cognição nessa matéria (Cf., entre outros, os recentes 
 acórdãos de 1/6/2006, Proc. n.º 1427/06 – 5.ª e de 22/6/2006, Proc. n.º 1923-06 
 
 – 5.ª e no mesmo sentido SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, O Novo Código E Os 
 Recursos, 2001, edição policopiada, pgs. 9 e 10).Esta interpretação colhe apoio 
 na redacção introduzida pela aludida reforma na alínea d) do art. 432.º do CPP, 
 que passou a conter a locução, antes inexistente, visando exclusivamente o 
 reexame da matéria de direito. É de notar que a redacção actual, não só 
 reconfirma, como alarga esta solução, na medida em que a alínea c), que passou a 
 englobar a matéria das anteriores alíneas c) e d), dispõe que se recorre para o 
 Supremo Tribunal de Justiça “de acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri 
 ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, 
 visando exclusivamente o reexame da matéria de direito”. Por conseguinte, 
 pretendendo interpor-se recurso de acórdão final do tribunal colectivo (ou de 
 júri, na redacção actual) quanto à matéria de facto, seja por via da impugnação 
 da apreciação e valoração da prova produzida, seja por meio da alegação de 
 vícios do art. 410.º, n.º 2, tal recurso há-de ser dirigido ao Tribunal da 
 Relação, que é uma instância que aprecia matéria de facto e de direito, ao invés 
 do STJ que aprecia exclusivamente matéria de direito. A decisão da 2.ª instância 
 
 é definitiva quanto a tal matéria, não podendo reeditar-se no recurso para o STJ 
 as razões que fundaram a alegação desses vícios para a Relação e que já foram 
 apreciadas. Se os recorrentes interpuseram recurso para a Relação em que 
 suscitaram divergências relativas à matéria de facto nas quais se inclui a que 
 agora retomam, tendo a Relação decidido sobre tais questões, a matéria de facto 
 tem de ser considerada como assente, não podendo tal questão ser retomada no 
 recurso para o STJ, restrito que está à reposição da matéria de direito (cfr. 
 disposições conjugadas dos arts. 432.º, al. d), e 434.º do CPP (Ac. de 
 
 15-10-2003, Proc. n.º 1882/03 - 3.ª Secção). Esta interpretação colhe inclusive 
 o apoio doutrinário de Germano Marques da Silva, que assim se pronuncia no seu 
 Curso de Processo Penal III, 2.ª Edição, Editorial Verbo 2000, p. 371: Recente 
 jurisprudência do STJ tem considerado que a norma do art. 410.º do CPP deve ser 
 interpretada restritivamente, não sendo aplicável aos recursos referidos na 
 alínea d), do artigo 432.º. Parece-nos acertada esta orientação, pois, se se 
 verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver 
 razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do 
 processo, a relação deve desde logo proceder à sua renovação. Acresce que tendo 
 havido documentação da prova, o tribunal da relação pode também decidir com base 
 na prova documentada, o que o STJ não pode fazer por não ter poderes de decisão 
 em matéria de facto. É claro que uma tal interpretação é feita sem prejuízo de o 
 STJ conhecer dos citados vícios oficiosamente, nos termos do disposto no art. 
 
 434.º do CPP e da jurisprudência fixada por este Tribunal no Acórdão n.º 7/95, 
 de 19 de Outubro, publicado no DR 1.ª S/A, de 28/12/95. Em tal caso, porém, o 
 STJ conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo 
 recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas 
 quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, 
 por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer 
 de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como 
 plausíveis. Uma tal interpretação não colide com o direito ao recurso, enquanto 
 parte integrante do direito de defesa consagrado no art. 32.º, n.º 1 da 
 Constituição, pois o referido direito alcança satisfatoriamente as exigências 
 constitucionais com o asseguramento de um grau de recurso para um tribunal 
 superior, neste caso a Relação. Mas se é assim no respeitante aos vícios do art. 
 
 410.º, nº 2 do CPP, muito mais o há-de ser num recurso como o do recorrente, 
 que, afinal, visa tão-só a reanálise e reinterpretação da prova produzida, com o 
 pretexto de que o tribunal “a quo” errou notoriamente na interpretação e 
 valoração que fez dessa prova, ou incorreu em contradição insanável ou ainda que 
 a prova produzida é insuficiente para a condenação (o que não corresponde, em 
 nenhum caso, à alegação dos erros-vício do art. 410.º, n.º 2, do CPP), alegando 
 ainda o recorrente que o tribunal “a quo” extravasou o “poder de livre 
 apreciação da prova”. Com efeito, o recorrente não faz outra coisa senão invocar 
 depoimentos e declarações produzidos em julgamento, pretenso desprezo da prova 
 produzida por parte do tribunal de 1.ª instância (note-se: da 1.ª instância, 
 quando a decisão recorrida é a da Relação, que já apreciou as questões agora 
 reeditadas), condenação sem provas ou por puro arbítrio do tribunal, etc. 
 reincidindo na impugnação da matéria de facto que fez no recurso para a Relação 
 e pretendendo extrair outras conclusões da prova produzida que levem a uma 
 diferente decisão da matéria de facto. Simplesmente, o Supremo Tribunal de 
 Justiça funciona como tribunal de revista, como já se disse, e, por isso, só 
 reexamina matéria de direito, o que o recorrente ignora de uma forma patente, 
 colocando o seu recurso, neste âmbito, sob o ângulo da manifesta improcedência. 
 Concluímos, pois, que o recurso interposto, visando a matéria de facto, é 
 manifestamente improcedente.10.2. O mesmo se diga da pretensa violação do art. 
 
 127.º do CPP.
 Com efeito, o recorrente invoca, como se disse, a violação do princípio da livre 
 apreciação da prova, consignado no art. 127.º do CPP para justificar a sua 
 discordância da decisão da matéria de facto. Mas trata-se, obviamente, no 
 contexto da motivação de recurso, de um mero pretexto para pôr em crise a 
 decisão sobre a questão factual, que não de uma verdadeira questão de direito. A 
 livre apreciação da prova significa, basicamente, uma ausência de critérios 
 legais que predeterminem ou hierarquizem o valor dos diversos meios de prova 
 
 (veja-se Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I vol. 1974, págs. 202 e 
 segs.). A livre apreciação da prova pode envolver, como é natural, uma grande 
 dose de subjectivismo, pois é impossível desligar o julgador da sua experiência 
 pessoal, da sua cultura, das suas ideias de vida, da sua moral, etc. Porém, tal 
 
 «princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável 
 e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida» (obra citada). A 
 discricionariedade com que o julgador aprecia a prova não pode confundir-se com 
 arbitrariedade. Por isso, «a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a 
 critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo 
 
 (...) A verdade 'material' que se busca em processo penal não é o conhecimento 
 ou apreensão absolutos de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade 
 de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, 
 inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata de conhecimento de 
 acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão 
 de meios de prova que, por sua natureza – e é o que se passa sobretudo com a 
 prova testemunhal... – se revelam particularmente falíveis» (idem). Perante tal 
 princípio da livre apreciação da prova, «uma das funções primaciais de toda a 
 sentença (maxime, da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento 
 da decisão. As considerações feitas dão exigência de que as comprovações 
 judiciais sejam sempre motiváveis» (idem). Por isso, o art. 97º obriga a que 
 todos os actos decisórios – sentenças, despachos e acórdãos – sejam 
 fundamentados. E tal fundamentação tem de incidir, não só sobre os aspectos de 
 interpretação da lei, como era tradicional, mas também sobre a decisão da 
 matéria de facto, pelas razões já apontadas. Efectivamente, o art.º 374º, n.º 2, 
 dispõe sobre a elaboração da sentença que «ao relatório segue-se a 
 fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem 
 como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos 
 motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame 
 crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». Em suma, o 
 princípio da livre apreciação da prova está intimamente conexionado com a 
 fundamentação da decisão, proscrevendo uma interpretação caprichosa e imotivada 
 da prova produzida e exigindo a motivação da convicção decisória em termos que 
 se reconduzam a critérios objectivos, de modo a que o processo lógico seguido 
 pela decisão seja perceptível pelos seus destinatários e controlável pelos 
 tribunais superiores. Foi isto que disse o Tribunal Constitucional, ao acentuar 
 que “este princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, e não se 
 confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de 
 todo em todo imotivável. O julgador deve observância a regras de experiência 
 comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios 
 objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo” (acórdão nº 
 
 1165/96 de 19 de Novembro; BMJ, 461, 93). Ora, no caso sub judice, o recorrente 
 não impugna propriamente a decisão recorrida sob esse prisma da falta de 
 motivação, da arbitrariedade, da ausência de critérios objectivos na avaliação e 
 interpretação da prova ou falta do seu exame crítico, enfim, na postergação de 
 regras da experiência comum. Não é que não impute tudo isso à decisão recorrida, 
 o seu ataque à decisão assenta primacialmente na referida impugnação da prova 
 produzida, em termos em tudo semelhantes aos que fez no recurso para a Relação. 
 Ou seja, o recorrente passa por cima do que a lei prescreve acerca dos poderes 
 de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, continuando prisioneiro de uma fase 
 
 – a da apreciação e valoração das provas – que já foi ultrapassada. Em todo o 
 caso diga-se que a decisão da 1.ª instância, que foi confirmada também nesse 
 aspecto pelo Tribunal da Relação, está motivada de acordo com os critérios que 
 foram enunciados acima, suportando perfeitamente, em termos de lógica, 
 racionalidade, regras gerais da experiência comum e exame crítico das provas, as 
 opções tomadas em matéria de facto.
 
 10.3. O recorrente invoca ainda, nas conclusões 23.ª e 59.ª (precisamente 
 iguais, como tantas vezes sucede ao longo do extenso e prolixo rol conclusivo) 
 que a «interpretação e aplicação do princípio constante do artigo 127° do Código 
 de Processo Penal no sentido de que o Julgador pode, sem qualquer fundamento 
 concreto e objectivo invocar para o efeito, contrariar ou desatender na sua 
 decisão factos objectivos cientificamente atestados é inconstitucional, por 
 violação do artigos 32°, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa».
 Já vimos que esta conclusão é ela própria infundamentada e arbitrária, não se 
 surpreendendo na decisão, quer da 1.ª instância, quer da Relação, cada qual ao 
 seu nível decisório, nada que na respectiva fundamentação das opções tomadas 
 indicie arbítrio, capricho, falta de indicação das competentes razões ou exame 
 crítico das provas que serviram para formar a respectiva convicção, pelo que a 
 invocação da violação do art. 32.º, n.º 1 da Constituição é meramente 
 emblemática.
 Mas tentemos ver o que quer dizer exactamente o recorrente com aquele “sem 
 qualquer fundamento concreto e objectivo invocar para o efeito, contrariar ou 
 desatender (…) factos objectivos cientificamente atestados”.
 Antes do art. 23.º das conclusões, o recorrente, sempre no seu intento de 
 impugnar indevidamente o decidido em matéria de facto, contesta, entre outros, o 
 crime de violação, afirmando que “É desde logo contrário à lógica e senso comum, 
 assim perceptível por qualquer pessoa - diga-se o homem minimamente atento - que 
 se possa dar entender que as palavras da ofendida BB, que se disse vítima de 
 sequestro, coacção grave e violação, possam ser isentas e servir por si, à 
 revelia da restante prova e na falta de prova, para condenar o arguido por tudo 
 o que dissesse e disse”.
 
 “A prova documental – que existe nos autos -foi totalmente desconsiderada pelo 
 Tribunal, com decisões contrárias ao seu teor, destacando-se a apreciação, que 
 deveria sim ter sido vinculada e correcta, do Relatório do Conselho Nacional de 
 Andidopagem e Partial Agreement in the Social and Public Health Field, a fls. 
 
 736 e ss dos autos”.
 Por seu turno, antes do art. 59 das conclusões, o arguido refere-se aos 
 
 “acontecimentos de 2 de Março de 2005”, e estes acontecimentos dizem respeito à 
 introdução na casa de MC, onde estava a assistente BB, ao sequestro desta pelo 
 arguido e ao disparo da arma (revólver) que levava consigo sobre a referida BB, 
 primeiro na direcção da cabeça, depois na zona abdominal (factos descritos em 
 V), supra 8.1.)
 Em suma, na parte relevante para a decisão, refere-se ao crime de homicídio. E, 
 nos arts. 56, 57 e 58 das conclusões, diz:
 
 56) Ao contrário do que referiu o Tribunal de Viseu – ironizando, inclusive, 
 despropositadamente a questão pertinente do uso e efeitos dos anabolizantes -e o 
 que refere agora o Tribunal da Relação, as oscilações da libido, ou seja, falta 
 de desejo, a atrofia e a impotência sexual, para além de abundantemente 
 publicitados a título de alerta, constam, com evidência, do Relatório do 
 Conselho Nacional de Antidopagem a fls. 736, tal como do subsequente Partial 
 Agreement in the Social and Public Health Filed, do Conselho da Europa, a fls738 
 e ss, sendo tal prova documental técnica de apreciação vinculada. 57) Para além 
 desses efeitos a nível do desempenho sexual dos utilizadores de esteróides, 
 constam também, como efeitos outros secundários principais, hipertensão artéria! 
 e aumento de agressividade (vide mesmos Relatório do Conselho Nacional de 
 Andidopagem e Partial Agreement in the Social and Public Health Field, a fls. 
 
 736 e ss), aos quais acresce, como é do senso comum, o stress próprio de quem se 
 dedica intensivamente, como era o caso do arguido, a competições. 58) O Julgador 
 não pode impor decisão contrária a factos cientificamente atestados e 
 publicitados, sem sequer invocar fundamento objectivo e lógico concreto para 
 esse decisão, sendo, para mais, os factos em causa de relevo maior para a boa 
 decisão da causa, revelando-se, na sua desconsideração, insuficiência para a 
 decisão sobre a matéria de facto. Por conseguinte, quer num caso, quer noutro 
 
 (violação, homicídio), o recorrente refere-se (pelo menos é o que parece 
 resultar das suas pouco explícitas conclusões) aos célebres efeitos dos 
 anabolizantes no comportamento do arguido, tanto ao nível de agressividade, 
 hipertensão e stress, como ao nível da falta de desejo, atrofia e impotência 
 sexual. São esses, pelos vistos, os factos cientificamente comprovados.
 Pois bem: mais uma vez se constata que se anda sempre à volta do mesmo problema: 
 a prova produzida, a sua interpretação e valoração, como se o Supremo Tribunal 
 fosse uma terceira instância de apreciação de facto.
 Mas, uma vez que se imputa à decisão recorrida a divergência acintosa de 
 resultados de exames periciais, vejamos como a Relação encarou o problema:
 IV) Matéria de facto considerada não provada pela decisão recorrida. Pretende o 
 arguido que se dê como provado que: a) o arguido praticava e entrava em 
 competições de powerlifting, fazendo uso de asteróides anabolizantes, cujos 
 efeitos secundários são, entre os demais, como cientificamente atestado, 
 hipertensão arterial, aumento de agressividade, impotência sexual e oscilações 
 da libido, ou seja, falta de desejo sexual; b) BB tinha o hábito de humilhar o 
 arguido em público, entre amigos e mesmo patrões deste, tecendo comentários e 
 provocações sobre o seu desempenho sexual, no sentido de que a não conseguia 
 satisfazer devido ao uso de anabolizantes; c) o arguido começou a andar 
 perturbado em função da sua relação com a BB, a partir do momento em que esta 
 mudou o seu comportamento para com aquele, deixando-o no desconhecimento de por 
 onde andava e permitindo que as suas amigas ingerissem na relação dos dois. 
 Considera ainda que o Tribunal recorrido devia ter dado como provado o bom 
 comportamento anterior do recorrente. A este respeito cumpre referir que o 
 Tribunal tinha que se pronunciar sobre os factos da acusação/pronúncia e da 
 contestação, bem como daqueles outros que resultassem da discussão da causa que 
 tidos como relevantes para a decisão, com incidência directa no 'recorte de 
 vida' submetido à sua apreciação ou com relevo para a determinação da medida 
 concreta da pena. Não sobre tudo o que o recorrente pudesse vir a considerar 
 relevante, em seu critério, a posteriori. Ora o Tribunal deu como provado, neste 
 
 âmbito, que 'o arguido tomava anabolizantes para obter melhores performances na 
 actividade de powerlífting que praticava' – cfr. ponto IX 1 dos factos provados. 
 Não tinha que se pronunciar sobre os possíveis efeitos secundários, não só 
 porque não foram alegados, mas também porque eram indiferentes para o 
 conhecimento da responsabilidade criminal do arguido. Aliás, alegando que tomava 
 os anabolizantes 'para obter melhores performances' na actividade desportiva, 
 não se vê como pudesse ter efeitos contrários para outros efeitos também de 
 ordem física. Pronunciando-se sobre factos alegados na contestação, o Tribunal 
 tomou posição — e só isso lhe competia — decidindo dar como não provado que 'à 
 data dos factos e, desde de Janeiro de 2005, o arguido estivesse com as 
 faculdades alteradas devido a substâncias que tomava e fosse hipertenso' – cfr. 
 fls. 17 do acórdão. Tendo-o feito, mais uma vez, não de forma arbitrária, mas 
 com base em parecer técnico, emitido pelo Conselho Nacional Antidopagem, junto a 
 fls. 736-788, motivado em literatura médica que anexou, onde em resumo se refere 
 que 'não se encontra descrito qualquer efeito que, de qualquer modo, afecte o 
 discernimento de quem ingira tais medicamentos'. Sobre o parágrafo b) supra 
 referido, o tribunal também deu como não provado que «BB tivesse humilhado o 
 arguido a ponto de denegrir as suas capacidades sexuais perante amigos comuns». 
 Fundamentando o julgamento sobre tal matéria a fls. 17 e 18 do acórdão. Ora para 
 além da explicação dada pelo tribunal recorrido, para que se remete, por 
 reproduzida supra, não é credível, minimamente, que BB, conhecedora da 
 personalidade do arguido, se atrevesse a tal. Muito menos à frente dos amigos do 
 recorrente. A própria BB relata dois episódios, ocorridos em Maio, logo cerca de 
 dois meses após o início da relação, em que refere que o arguido a agrediu, 
 factos que o arguido acabou por reconhecer, embora dando explicação diferente 
 para tais comportamentos. Todo o conjunto da matéria de facto provada, desde 
 logo a confessada pelo arguido revelam uma personalidade autoritária e 
 dominadora que não se coaduna de modo algum com a atitude passiva do arguido, 
 perante as alegadas afrontas que a BB ousava lançar-lhe, corno quiseram fazer 
 crer as testemunhas FF e GG.
 Este trecho da decisão é o mais claro desmentido das afirmações do recorrente, 
 quer no que toca ao arbítrio que imputa à decisão, quer no que respeita à 
 divergência não fundamentada de juízo científico.
 Por conseguinte, continua a ser manifestamente improcedente a alegação do 
 recorrente.
 
  
 
 10.4. O recorrente invoca a violação do princípio in dubio pro reo e da 
 presunção de inocência, que não são exactamente a mesma coisa. Com efeito, como 
 salienta CASTANHEIRA NEVES, o princípio in dubio pro reo é «o correlato 
 processual» da exclusão do ónus da prova, ou seja o que o princípio postula é «a 
 prova efectiva da infracção, ou, inversamente, a inadmissibilidade de uma 
 condenação por uma infracção não provada…» (Sumários de Processo Criminal, 
 lições policopiadas, Coimbra 1968, p. 56/57)
 Ora, tem este Tribunal entendido que o STJ só pode sindicar a aplicação do 
 princípio in dubio pro reo, se da decisão resultar que o tribunal recorrido 
 ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, 
 decidiu contra o arguido (entre outros, os Acórdãos de 5/6/03, Proc. n.º 976/03 
 
 – 5.ª, de 12/7/05, Proc. n.º 2315/05 – 5.ª e de 7/12/05, Proc. n.º 2963/05. 
 
 3ª,), ou ainda quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela 
 resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as 
 regras da experiência comum, ou seja, naqueles casos em que se possa constatar 
 que a dúvida só não foi reconhecida em virtude de erro na apreciação da prova, 
 nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP (entre outros, os Acórdãos de 
 
 30/10/01, Proc. n.º 2630/01 – 3.ª, de 6/12/2002, Proc. n.º 2707/02 – 5.ª e de 
 
 24/11/05, Proc. n.º 2831/05 – 5ª).
 
  Em síntese e numa formulação que parece bem acomodada à natureza do princípio e 
 aos poderes de cognição do STJ, escreveu-se no Acórdão de 20/10/05, Proc. n.º 
 
 2431/05): «A sindicância do princípio in dubio pro reo está limitada aos 
 aspectos externos da formação da convicção das instâncias: há-de ficar-se pela 
 exigência de que tal convicção seja objectivada e motivada na análise crítica 
 das provas, dela sendo a expressão de um processo racional convincente que 
 suporte a conclusão final do tribunal recorrido pela valoração feita deste ou 
 daquele meio de prova». Por conseguinte, a violação do princípio in dubio pro 
 reo, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em 
 matéria de apreciação e valoração da prova, pode ser sindicado pelo STJ. 
 Todavia, essa sindicação tem de exercer-se dentro dos limites de cognição desse 
 Tribunal, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos 
 análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, ou seja: quando, seguindo o 
 processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, a conclusão 
 retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o 
 arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas 
 irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Ora, 
 o recorrente, ao levantar a questão da violação do princípio in dubio pro reo, 
 fá-lo mais uma vez como forma de encapotadamente atacar a apreciação e valoração 
 da prova produzida feitas pelas instâncias. Na realidade, o que ele pretende é 
 opor à convicção a que chegaram as instâncias a sua própria visão das coisas. 
 Neste sentido, as dúvidas quanto à prova estão na sua maneira de a verem e 
 interpretarem, não na decisão recorrida. Da fundamentação desta, conjugada com a 
 motivação da convicção da decisão da 1.ª instância não resulta que, ao darem-se 
 como provados os respectivos factos nos pontos questionados, se tivesse decidido 
 contra o arguido, não obstante a persistência de dúvidas razoáveis. Por outro 
 lado, dada a forma como o tribunal de 1.ª instância motivou a convicção e que o 
 Tribunal da Relação acolheu na sua fundamentação, reinterpretando-a à luz dos 
 problemas postos, não se surpreende nenhuma conclusão que não seja suportada, em 
 matéria de apreciação e exame crítico da prova, pelo processo lógico e racional, 
 integrado pelas regras gerais da experiência, que conduziu à convicção. Como 
 tal, é também manifestamente improcedente o recurso quanto a tal questão.
 
 10.5. No que diz respeito ao crime de homicídio, o recorrente começa por 
 impugnar a intenção de matar, sempre na óptica da não aceitação da interpretação 
 e valoração da prova produzida em julgamento – o que. para o dizermos, mais uma 
 vez, está para além dos limites de cognição deste Tribunal. Tal resulta 
 manifestamente das conclusões do recurso acima transcritas (47.º a 62.ª - ponto 
 
 10.1.)
 Como tal, nem vale a pena perder tempo com a alegação do recorrente. De resto, a 
 Relação, com uma detenção e uma erudição dignas de aplauso, faz uma alongada 
 excursão sobre a questão da prova da intenção de matar. Certo é que a 
 factualidade provada, que se deve considerar definitivamente assente, pelos 
 motivos constantemente repetidos ao longo deste acórdão, apontam inequivocamente 
 no sentido da intenção de matar , pois, “ao disparar sobre a mencionada BB, da 
 forma como o fez, o arguido agiu com intenção de lhe causar a morte, o que só 
 não aconteceu por circunstâncias estranhas à sua vontade, designadamente, pelo 
 facto daquela ter sido socorrida prontamente.
 E ainda que “os ferimentos causados pelos disparos efectuados pelo arguido sobre 
 a BB eram adequados a causar-lhe a morte, resultado que o arguido quis e que 
 apenas por mero acaso não veio a verificar-se.
 Além disso, “o arguido teve consciência da direcção que imprimiu ao primeiro 
 disparo que efectuou e que atingiu a BB na cabeça, sendo certo que o segundo 
 disparo apenas não atingiu a ofendida em regiões vitais – como era intenção do 
 arguido – devido a circunstância alheias à vontade deste.”
 
 “O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente”.
 Por conseguinte, daqui não há que fugir: a actuação do recorrente configura um 
 crime de homicídio na forma tentada (arts. 131.º e 22.º do CP). Já veremos se 
 este crime é ou não qualificado.
 
 10.6. Quanto à questão da qualificação, o recorrente oferece uma panóplia de 
 soluções que esgotam praticamente todas as hipóteses possíveis em direito penal: 
 ofensa à integridade física por negligência (consciente), ou ofensas à 
 integridade física do art. 144.º do CP, ou ofensas à integridade física graves, 
 a título de negligência consciente, nos termos do artigo 148°, nºs 1 e 3, do 
 mesmo diploma legal, homicídio privilegiado do art. 133.º do CP. Tudo menos o 
 tipo matricial de homicídio.
 O problema é que a factualidade assente, descontada as interpretações e 
 valorações fácticas avançadas pelo recorrente, só dá para preencher precisamente 
 o tipo legal de crime que ele quer ver excluído – o de homicídio voluntário, na 
 forma tentada.
 A este propósito, veja-se o acerto das considerações tecidas na decisão 
 recorrida:
 O recorrente discorda do enquadramento jurídico-penal dos factos que levaram o 
 tribunal a condená-lo pelo crime de homicídio tentado qualificado. Sustentando 
 que tudo não passou de um acto negligente (!) do arguido no manejo da arma pelo 
 que deveria ser somente condenado pelo crime de ofensa à integridade física por 
 negligência pp. pelo art. 148.º, nºs 1 e 3 do C. Penal. Na base de tal 
 enquadramento está a alegada ausência de intenção de matar ou mesmo de atingir a 
 integridade física da ofendida. Tratando-se, por isso, de argumentação já 
 apreciada em sede de reapreciação da matéria de facto, tendo naufragado. Pelo 
 que, em face da matéria de facto provada (disparo de arma de fogo calibre 7,65 
 mm., à queima-roupa, sobre a região temporal direita da cabeça da vítima, com 
 intenção de a matar, o que só não sucedeu por motivo estranho á vontade do 
 agente) é, de todo em todo estulta, e como tal manifestamente improcedente, a 
 posição do recorrente neste ponto. Por último alega, para o caso de se concluir 
 pela intenção de matar, que os factos devem ser enquadrados pelo crime de 
 homicídio privilegiado do art. 133 – do C. Penal, sob a forma de tentativa, 
 alegando que o arguido estava acometido de uma emoção violenta e extrema. Também 
 aqui carece ostensivamente de sentido tal pretensão, face à matéria de facto 
 provada. Desde logo porque o arguido não estava possuído por qualquer emoção 
 violenta, muito menos compreensível ou relevante que o impelissem a disparar 
 letalmente contra a ofendida. Pelo contrário verifica-se que se deslocou, 
 pensadamente, de Lisboa a Viseu, localizou a vítima, arrombou o apartamento da 
 casa da amiga onde se refugiara, levou-a sob a ameaça de uma arma a sair de casa 
 e a dirigir-se até ao seu automóvel onde pretendia obrigá-la a entrar (e onde 
 tinha, além de outras armas, um par de algemas prontas para a receber). Sendo 
 certo que em todo este percurso a ofendida nada fez que pudesse desencadear, em 
 termos de normalidade, a reacção do arguido. Mesmo a reacção da vítima a pedir 
 socorro foi de autodefesa e não de confronto com o arguido de forma a poder 
 tê-lo exaltado. Aproximando a arma da cabeça dela a apontando à zona temporal, 
 visando uma zona vital do corpo da ofendida. Mais não fazendo, aliás, do que 
 cumprir o anúncio que lhe fizera já anteriormente, pelo telemóvel. Revelando 
 assim requintada obstinação, frieza de ânimo e sangue frio, tal como conclui a 
 decisão recorria, cuja argumentação jurídica não é rebatida. Concordamos 
 inteiramente com este raciocínio. Só faltou analisar a hipótese de crime de 
 ofensas à integridade física graves do art. 144.º do CP. Porém, a base do 
 raciocínio é a mesma. O que está provado é que o arguido agiu com intenção de 
 causar a morte da assistente e não de a ofender corporalmente, ainda que 
 provocando-lhe as consequências previstas nas diversas alíneas desse artigo e, 
 nomeadamente, perigo para a vida.
 Por conseguinte, está arredada a hipótese de ofensas à integridade física em 
 qualquer das modalidades aventadas pelo recorrente.
 
 10.7. Vejamos agora a questão da qualificação do crime.
 O recorrente quer ver afastada a circunstância da frieza de ânimo. Porém, fá-lo 
 sempre debaixo da sua peculiar e frustre perspectiva: através da impugnação da 
 decisão de facto.
 Ora, a matéria de facto assente não deixa margem para dúvidas quanto à 
 verificação de circunstâncias que coincidem com o exemplo-padrão da alínea i) do 
 n.º 2 do art. 132.º do CP, como judiciosamente observa a decisão recorrida, numa 
 correcta interpretação da factualidade provada.
 A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a definir frieza de ânimo como 
 o agir «de forma calculada, com imperturbada calma, revelando indiferença e 
 desprezo pela vida» (Acórdão de 14/7/2004, Proc. n.º 1889/04 – 3ª, Sumários dos 
 Acórdãos do STJ, n.º 83, p. 78); comportamento traduzido num agir de «modo frio, 
 indiferente ao valor da vida da vítima (…) revelando uma forte intensidade da 
 vontade criminosa» (Acórdão de 23/2/2005, Proc. n.º 4302/04 – 3ª, Sumários, n.º 
 
 88, p. 108); «firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa» 
 
 (Acórdão de 10/3/2005, Proc. n.º 224%05 – 5ª, Sumários, n.º 89, p. 102). O 
 Comentário Conimbricense do Código Penal, por seu turno, define a frieza de 
 
 ânimo como a «firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução, indiciada 
 pela sua persistência durante um apreciável lapso de tempo e, como tal, 
 reveladora de uma forte intensidade da vontade criminosa» (Tomo I, p. 39). Ora, 
 a forma como o recorrente agiu e que se deixou descrita nos seus traços mais 
 impressivos traduz as características apontadas pela jurisprudência e pela 
 doutrina. Na verdade, o arguido agiu, em todos os momentos da sua actuação, como 
 se tivesse o privilégio do domínio absoluto sobre a assistente, que não teria 
 outra forma de viver senão submeter-se-lhe à sua despótica vontade. A assistente 
 quis acabar com a curta relação de namoro que mantivera com o arguido; porém, 
 este, não se conformando, passou a perseguir a assistente de forma que se pode 
 dizer “totalitária”, telefonando-lhe, remetendo-lhe mensagens pelo telemóvel, 
 ameaçando-a de que “tinha a sentença feita”, perseguindo-a por todo o lado, 
 jurando que a havia de matar, batendo-lhe, ameaçando a própria mãe dela, 
 obrigando-a a entrar para dentro do seu carro e algemando-a, transportando-a à 
 força para Lisboa e mantendo-a sem liberdade, obrigando-a a ter com ele relações 
 sexuais. Por fim, dirigiu-se a casa de uma amiga, onde ela se encontrava 
 refugiada, levando consigo o revólver de marca “Taurus”, descrito na matéria de 
 facto, e obrigando a assistente a sair de casa dessa amiga sob ameaça de arma, 
 que manteve sempre empunhada e encostada ao seu abdómen, pretendeu introduzi-la 
 no carro. Quando se encontrava próximo deste, a assistente teve uma inesperada 
 reacção, pedindo socorro, e o arguido não hesitou em desferir um tiro, apontando 
 a arma à sua cabeça e atingindo-a na zona parietal direita. Depois, efectuou um 
 segundo tiro, atingindo-a no abdómen. Toda esta actuação está interligada e 
 denota o propósito do arguido, formado há muito, de, literalmente, se apropriar 
 da assistente, como se fosse um objecto seu, ainda que em caso extremo de recusa 
 dela, a tivesse que matar, como vinha anunciando e ameaçando, praticando actos 
 que pura e simplesmente a reduziam a uma ”coisa”. Ora, tudo isto cabe no 
 conceito de frieza de ânimo, tal como ficou acima definido e se encontra 
 elencado na alínea i) do n.º 2, do art. 132.º do CP. Sendo, no entanto, o art. 
 
 132.º um tipo de culpa qualificador que articula um critério generalizador – o 
 contido no n.º 1 – com um critério especializador, enunciado através de 
 exemplos-padrão contidos no n.º 2, mutuamente implicantes, de forma que, tendo 
 de ocorrer uma situação que possa enquadrar-se num dos exemplos-padrão ou em 
 circunstâncias que lhes sejam estruturalmente análogas, não basta que elas se 
 verifiquem, sendo ainda necessário que, por intervenção do critério da culpa, se 
 possa dizer que a circunstância ocorrida se traduziu numa especial 
 censurabilidade ou perversidade do agente. Ora, no caso, também não há dúvida de 
 que toda a acção do recorrente se traduziu numa censurabilidade acrescida, pois 
 que, formando com antecedência o propósito de matar, persistindo nele por 
 considerável lapso de tempo, agindo da forma calculada que ficou assinalada, 
 demonstrou uma especial intensidade na vontade de praticar o crime – razão e 
 fundamento da qualificação –, revelando aspectos particularmente desvaliosos 
 quer da acção, quer da sua própria personalidade, traduzidos estes, por exemplo, 
 na forma implacável como levou o seu intento até ao fim. Assim, a integração do 
 homicídio no tipo qualificado não merece censura. 
 
 10.8. Medida da pena.
 No que se refere a esta, o arguido começa por contestar a decisão de facto, no 
 que tange a não se ter dado como provado o bom comportamento anterior. Invoca 
 depois a confissão de alguns factos, o que não podia deixar de ser inferido pelo 
 exame crítico das provas; antecedentes criminais; circunstâncias de 
 relacionamento concreto entre o arguido e a vítima, criticando o fundamento de 
 prevenção geral invocado e referindo a propósito a violação do art. 6.º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem; tempo passado pelo arguido na prisão e 
 comportamento irrepreensível do arguido. A medida da pena tem necessariamente de 
 situar-se, pelo que diz respeito ao crime de violação, no âmbito do art. 164.º, 
 n.º 1 do CP, cuja pena abstracta vai de 3 a 10 anos de prisão, e, no caso do 
 crime de homicídio, dentro da moldura penal correspondente ao crime de homicídio 
 qualificado tentado, previsto e punido pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, 
 aliena i) do CP, ou seja, 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses, em 
 ambos os casos na redacção vigente ao tempo da prática dos factos, mas sem 
 alterações sensíveis na redacção introduzida pelas alterações da Lei n.º 59/07, 
 de 4 de Setembro. 8.1. A determinação da pena concreta, como se sabe, obedece a 
 parâmetros rigorosos, que têm como elementos nucleares de referência a prevenção 
 e a culpa, tudo nos termos dos números 1 e 2 do art. 71.º do CP. Ao elemento 
 prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se 
 buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade 
 primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes 
 a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a 
 vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: 
 a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). Ao elemento 
 culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no 
 facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua 
 radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se 
 que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de 
 prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais 
 exigências. Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens 
 jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um 
 ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja 
 suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a 
 valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites 
 devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial 
 positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As 
 Consequências Jurídicas do Crime). Quer isto dizer que as exigências de 
 prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se 
 inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é 
 definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na 
 culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão 
 actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de 
 socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, 
 evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do 
 agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., 
 p. 231).
 Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena 
 são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal 
 enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da 
 prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena 
 de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.
 O recurso foi interposto da decisão da Relação para o STJ, funcionando este com 
 a sua vocação essencial de tribunal de revista, pois a revisão da pena aplicada 
 traduz-se na aplicação de matéria de direito. Os poderes cognitivos do STJ, como 
 se sabe, abrangem, no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos 
 factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a 
 questão do limite ou da moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no 
 quadro da prevenção, e também o quantum da pena, ao menos quando se mostrarem 
 violadas regras da experiência ou quando a quantificação operada se revelar de 
 todo desproporcionada (Cf. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 19). A decisão 
 recorrida acolheu a fundamentação do tribunal de 1.ª instância, e este, por seu 
 turno, explanou a propósito o seguinte: Foi elevado o grau de ilicitude com que 
 o arguido actuou em relação a todos os factos, pela manifesta superioridade 
 física e de meios com que agiu em relação às vítimas dos mesmos e pela 
 persistência da actividade delituosa que demonstrou em relação a uma delas (a 
 BB) que durou cerca de 10 meses.
 Foram gravíssimas as lesões sofridas pela vítima BB e desastrosas as 
 consequências que delas lhe advieram.
 Com efeito, sendo ela à data uma jovem alegre e sem mazelas físicas, solteira, 
 com perspectivas, legítimas, de alcançar a felicidade plena, vê esse sonho posto 
 em causa pela actuação do arguido, seja porque a nível profissional, no futuro, 
 a incapacidade permanente ( de 53% ) de que ficou portadora lhe poderá limitar o 
 campo de oportunidades, seja porque deixou de poder contar com a sua beleza – 
 que toda a mulher gosta de exibir perante os outros – ao ter de conviver o resto 
 da sua vida com a desfiguração do rosto que por virtude das lesões sofridas 
 passou a apresentar, com todos os traumas e inibições que definitivamente daí 
 lhe advêm e tudo a afectar profundamente a sua auto-estima e auto-confiança e a 
 causar-lhe desgosto.
 Foi intensa a energia criminosa com que o arguido actuou em relação a todas as 
 situações, manifestada com especial acuidade no caso dos tiros que desferiu 
 contra a pessoa da demandante BB, quer pela pluralidade dos disparos efectuados 
 contra esta, quer pelas zonas do corpo da mesma por ele visadas, com especial 
 realce para o disparo efectuado próximo e na direcção da cabeça da vítima BB, 
 agindo, por isso, com dolo directo.
 A motivação subjacente à maioria dos factos revela que o arguido é dotado de uma 
 personalidade violenta, egoísta e egocêntrica, que se afere pelo desprezo dos 
 meios empregues e da vontade das vítimas em prol da satisfação do seu único 
 interesse, designadamente, ao pretender manter, com recurso a meios violentos e 
 apenas por vontade própria e contra a vontade manifestada da BB, uma 
 relacionamento amoroso que já só ele queria e que sabia ter deixado de 
 interessar a esta, evidenciando, ainda, traços de uma personalidade dominadora e 
 possessiva, ao subjugar aquela como se fosse coisa sua pela forma patenteada na 
 factualidade provada, com recurso à força física e a intimidações psicológicas.
 A favor do arguido propendem, apenas, as suas condições de vida, nos aspectos 
 familiares, desempenho e competência profissional e reputação perante aqueles 
 que lhe são próximos, a sua confissão em relação a alguns dos factos, ainda que 
 de pouco valor contributivo para a descoberta da verdade - já que o arguido 
 confessou apenas os factos que o Tribunal não poderia deixar de inferir do exame 
 crítico das provas carreadas para os autos e à luz da experiência comum, e nem 
 sequer assumiu a intenção de disparar aquando do segundo tiro com que veio a 
 atingir a vítima BB, refugiando-se num disparo acidental -, e, ainda, o seu 
 manifestado arrependimento, patenteado no propósito de reparar as consequências 
 de alguns dos crimes, ao depositar a quantia de € 98 para pagamento dos estragos 
 causados na porta da casa da mencionada DD, ao ressarcir o demandante EE dos 
 danos por este sofridos, e ao adiantar por conta da indemnização peticionada 
 pela lesada BB a quantia, ainda que módica, de € 2.500,00, apesar de na posição 
 por si assumida nos autos a fls. 1320 deixar antever algum fingimento na atitude 
 de adiantamento desta última quantia ao alegar sentimentos de vingança por parte 
 da demandante BB, postura que não pode deixar de salientar-se como reveladora de 
 que não interiorizou a desconformidade da sua conduta face à lei e a gravidade 
 das consequências dos actos praticados, o que, conjugado, também com o facto do 
 arguido na sua contestação se escudar num estado de perturbação das suas 
 faculdades aquando dos factos, que, sem êxito, tentou provar na audiência de 
 julgamento, retira alguma seriedade ao arrependimento por si propalado.
 Os antecedentes criminais do arguido, ainda que por crime de diferente natureza 
 jurídica e menor gravidade propendem contra ao mesmo, embora com pouco pendor 
 agravativo.
 Por fim, não são de desprezar as razões de prevenção a nível geral, dado o 
 crescendo de violência passional no nosso país que os media vêm noticiando.
 Termos em que, adequadas à culpa do arguido e sobretudo de molde a dar 
 satisfação às prementes exigências de retenção, de defesa do ordenamento 
 jurídico e da paz social em tal sorte de crimes sem deixar de lado as 
 necessidades de ressocialização do arguido, se julgam adequadas as seguintes 
 penas:
 
 (…)
 
 - pela prática, como autor material, de um crime de violação, p. e p. pelo Art. 
 
 164º Nº1 do C. Penal, a pena de 4 ( quatro ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão;
 
 (…)
 
 - pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado na 
 forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, nº 1, al.s a) e b), 
 
 131º e 132º Nº1 e 2 i) do C. Penal, a pena de 10 ( dez ) anos de prisão;
 
 (…) Estas considerações merecem acolhimento, por acertadas. É de destacar que a 
 confissão dos factos não tem grande relevo, como se referiu na decisão da 1.ª 
 instância, e que o arrependimento, em relação aos crimes de violação e 
 homicídio, não tem também praticamente valor, pelas razões apontadas. Quanto aos 
 antecedentes criminais, foi bem referido pelo tribunal de 1.ª instância que, 
 tendo o arguido uma condenação por condução sem carta, tal circunstância tem 
 pouco pendor agravativo. Todavia, o arguido pretende ir mais longe, pois 
 contesta que não se tenha dado como provado o bom comportamento anterior. Tal 
 matéria, porém, como já foi assinalado, diz respeito à matéria de facto, ou 
 seja, à interpretação e valoração da prova produzida, o que arreda tal questão 
 dos poderes cognitivos deste STJ (Quantas vezes será necessário afirmá-lo?). Por 
 conseguinte, não se provou o bom comportamento anterior do arguido. Quanto à 
 singularidade da pessoa em concreto e, em particular do relacionamento entre o 
 arguido e a assistente, já vimos que toda a factualidade provada conflui no 
 sentido de agravar a sua responsabilidade, tanto no domínio da ilicitude, como 
 no da culpa e também do ponto de vista da prevenção (geral e especial). No que 
 diz respeito ao facto de o fundamento avançado no capítulo da prevenção geral – 
 
 “o crescendo de violência passional no nosso país que os media vêm noticiando” – 
 constituir «uma violação crassa de quanto estabelece, desde logo, o art. 6.º, 
 n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem», não vemos como tal possa 
 suceder. Se o recorrente se quer referir ao facto de os juízes deverem ser 
 independentes e não julgarem de acordo com a comunicação social, estamos 
 inteiramente de acordo, mas, com tal afirmação, o tribunal não quis significar 
 essa imbricação da justiça com os media, mas tão-só referir um facto objecto de 
 notícia – o crescendo de violência passional – e, através disso, aferir a 
 relevância desse factor na prática de certos crimes, o que sem dúvida tem 
 reflexos a nível das preocupações da comunidade social e, por aí, na percepção 
 das necessidades comunitárias relativamente ao debelamento dessa criminalidade. 
 Mas só nesse aspecto, pois quanto aos factores de que depende a determinação 
 concreta da pena e, nomeadamente, o critério da prevenção geral, o juiz (neste 
 caso, o tribunal) manteve a sua autonomia, desde logo expressa em critérios 
 jurídicos que são independentes dos critérios de valoração da comunicação 
 social. O facto de o arguido ter já um tempo considerável de prisão preventiva 
 também não é factor, só por si, com relevância na determinação concreta da pena. 
 De resto, o arguido, até se evadiu da prisão onde se encontrava e praticou, 
 nesse acto, alguns dos crimes por que foi condenado. Releve-se o facto de, 
 segundo o Relatório Social revelar «competências pessoais e profissionais» e 
 dispor de uma rede de apoio familiar e comunitário capazes de funcionarem como 
 elementos protectivos e facilitadores do seu ajustamento e reinserção social”. 
 Tendo em conta todo este contexto, as penas fixadas para o crime de violação e 
 para o crime de homicídio, não se mostram exageradas, sendo certo que o STJ só 
 deve intervir correctivamente nesta matéria do quantum da pena, se esta se 
 mostrar claramente desajustada em face das regras gerais da experiência comum, o 
 que não é o caso. Improcede, pois, o recurso quanto às penas parcelares. 10.9. 
 Cúmulo jurídico. Estabelecendo a lei que na determinação da pena única as 
 balizas a atender são, por um lado, a mais elevada pena parcelar, que forma o 
 limite mínimo da moldura penal do concurso, e a soma das penas concretamente 
 fixadas para os vários crimes, que constitui o limite máximo, é dentro destas 
 
 «balizas» que aquela terá de ser encontrada (art. 77.º, n.º 2 do CP).
 No caso, o limite mínimo é constituído por 10 anos de prisão e o limite máximo, 
 por 25 anos de prisão (por imposição legal). Na fixação da pena única, sendo 
 embora de levar em conta os critérios de determinação da medida da pena que 
 incidiram sobre cada um dos crimes singularmente tomados, há que atender 
 sobretudo e de modo específico aos factos globalmente considerados, em conjunto 
 com a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1 do CP).
 Ora, o recorrente cometeu, num determinado período, uma série de crimes, onde 
 sobressaem a coacção grave, o sequestro, a ameaça, a violação de domicílio, 
 detenção ilegal de arma de fogo, resistência e coacção sobre funcionário, 
 violação e homicídio. A tónica dominante é-nos dada pela componente de violência 
 contra as pessoas, atingindo bens como a liberdade de locomoção, a liberdade de 
 determinação sexual, a vida.
 Dada a proximidade dos bens jurídicos em causa, todos eles de carácter 
 eminentemente pessoal, e o número de crimes praticados, bem pode dizer-se que o 
 recorrente manifestou uma personalidade agressiva e uma. certa tendência para um 
 tipo de crimes violentos.
 Bem certo que o recorrente tem uma certa juventude (precisamente 28 anos) e que 
 a prática dos aludidos crimes se deveu a razões de carácter passional, mas em 
 que manifestou tendências violentas, com a redução do outro a uma “coisa” e não 
 hesitando em recorrer a todos os métodos para conseguir os seus fins egoístas. É 
 um começo de vida pouco auspicioso, mas também não se poderá afirmar de ânimo 
 leve que a actuação por ele manifestada, «numa avaliação da personalidade – 
 unitária – do agente, (...) é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente 
 mesmo uma «carreira») criminosa» e não a uma «pluriocasionalidade que não radica 
 na personalidade do agente» (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As 
 Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, p. 291). Bem pode 
 suceder que toda essa criminalidade se inscreva numa determinada fase de vida, 
 que futuramente será ultrapassada, o que será indiciado pela vivência prisional, 
 marcada pela «penosidade e ansiedade face às repercussões que toda a situação 
 tem acarretado para si e para a família e face às implicações que a (…) 
 condenação (…) introduzirá na sua vida», como se acentua no Relatório Social, 
 que também põe em destaque, as suas competências pessoais e profissionais e a 
 rede de apoio familiar e comunitária de que dispõe, «capazes de funcionarem como 
 elementos protectivos e facilitadores do seu ajustamento e reinserção social.»
 Deste modo, cremos que a pena única fixada peca por uma certa excessividade, 
 sendo mais adequado fixar-lhe a pena conjunta em 14 anos de prisão, uma pena 
 suficientemente expressiva da reprovação global que merece a sua conduta.
 Assim, quanto a este aspecto, o recurso merece provimento.
 
 (...)”.
 
  
 
  
 
 2.3 – Na sequência, o arguido interpôs recurso para este Tribunal ao abrigo do 
 disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, delimitando o seu objecto nos 
 seguintes termos:
 
  
 
 “(...)
 
 1)           É inconstitucional interpretação do artigo 400º, nº 1, alínea c), 
 do artigo 434º, do 410º, nº 3, do artigo 123º, nºs 1 e 2, e dos artigos 363º e 
 
 364º do Código de Processo Penal no sentido de que as deficiências graves da 
 gravação de praticamente todos os depoimentos fundamentais prestados na 
 audiência de discussão e julgamento, comprovadas na própria transcrição 
 constante dos autos, se tratam de mera irregularidade e não merecem apreciação 
 pelo Supremo Tribunal de Justiça, por resultarem violados a garantia do próprio 
 duplo grau de jurisdição, o cerne dos direitos e garantias fundamentais de 
 defesa do arguido, e a equidade processual, ou seja, o consagrado nos artigos 
 
 20º, nº 4, 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, tal como no 
 artigo 6º nºs 1 e 3, alínea b), e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem, e ainda nos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos 
 do Homem.
 
 2)           É ilegal e inconstitucional admitir-se validade ao julgamento 
 quando este não foi, em depoimentos fundamentais, correctamente gravado, 
 impossibilitando o arguido o direito a impugnar e ver efectivamente reapreciada 
 a decisão proferida sobre a matéria de facto, por violação dos artigos 363º, 
 
 364º, 399º, 410º, nº 3, e do próprio artigo 428º do Código de Processo Penal, 
 evidenciando-se a violação do artigo 20º, nº 4, 32º, nºs 1 e 2 da Constituição 
 da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 3, alínea b), e 13º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, nº 1, da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
 3)           É ilegal e inconstitucional aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea 
 d), para que remete o artigo 315º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, no 
 sentido de limitar o arguido – como o foi – a cinco testemunhas abonatórias das 
 
 20 arroladas em contestação, tal como é inconstitucional interpretação do artigo 
 
 434º daquele mesmo diploma legal no sentido de não merecer aquele atropelo à Lei 
 apreciação em sede de recurso, atento dele resultar preclusão indevida das 
 garantias de defesa do arguido e persistir evidente violação do princípio da 
 presunção de inocência, ou seja, por violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, 
 nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como da equidade e 
 igualdade processuais previstas no artigo 6º, nºs 1, 2 e 3, alínea b), da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda de quanto resulta dos artigos 
 
 10º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
 4)           É inconstitucional entendimento dos artigos 434º e 410º, nº 2, do 
 Código de Processo Penal, vertido no Acórdão recorrido, no sentido de vedar ao 
 arguido o exercício efectivo do direito fundamental de recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça de acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação 
 sobre os vícios previstos naquele segundo preceito legal, quando esses mesmos 
 vícios resultam do próprio acórdão do Tribunal da Relação na apreciação que faz 
 sobre a prova e na sua decisão sobre a matéria de facto provada, por violação 
 dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República 
 Portuguesa, tal como do artigo 6º, nº 1, e 13º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem.
 
 5)           Interpretação e aplicação do princípio constante do artigo 127º do 
 Código de Processo Penal admitindo-se que o Julgador possa, de forma patente nos 
 acórdãos condenatórios, proceder a uma valoração puramente subjectiva da prova 
 para suprir insuficiência de elementos probatórios e possa, sem fundamento 
 concreto e objectivo, contrariar ou desatender na sua decisão factos objectivos 
 cientificamente atestados são inconstitucionais, por violação do artigos 32º, 
 nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 
 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como do artigo 11º da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
 6)           Fazer depender uma apreciação efectiva da suscitada violação do 
 princípio in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência de uma 
 efectiva consideração dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de 
 Processo Penal, a que, por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça não procede 
 por entender ser bastante o recurso em sede de matéria de facto para o Tribunal 
 da Relação, ainda que persistam, como suscitado, aqueles vícios no acórdão 
 desta, constitui violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nº 1 e 2, da 
 Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 2, e 13º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 8º e 11º da Declaração 
 Universal dos Direitos do Homem.
 
 7)           Dar-se como provado facto, em desfavor do arguido, com base em 
 desconhecimento ou dúvidas das testemunhas constitui violação do princípio da 
 presunção de inocência e, assim, do artigo 32º, nº 2, da Constituição da 
 República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem e dos artigos 10º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem.
 
 8)           É inconstitucional interpretação do artigo 349º do Código Civil e 
 do artigo 125º do Código de Processo Penal no sentido de se socorrer o Tribunal, 
 na falta de qualquer elemento probatório objectivo e concreto nesse sentido, de 
 apenas uma presunção para condenar o arguido por determinado facto, por violação 
 do artigo 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do 
 artigo 6º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 
 
 10º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
 
  
 
 2.4 – Por despacho, de 13 de Agosto de 2008, o relator, no tribunal a quo, 
 considerou o recurso inadmissível, não o tendo admitido.
 
             Essa decisão encontra-se fundamentada do seguinte modo:
 
  
 
 “Não admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. 
 Na verdade, quanto às pretensas deficiências da gravação, o recorrente não 
 indicou o sentido com que, na decisão recorrida, foram interpretadas as normas 
 do Código de Processo Penal cuja aplicação redundou em inconstitucionalidade, 
 por violadora de normas e princípios constitucionais, nomeadamente o direito de 
 defesa. Mais precisamente: em que é que o considerar-se a deficiência da 
 gravação como simples irregularidade, devendo ser arguida nos termos e prazo do 
 art. 123.° do CPP (o que ele não fez), afronta o aludido direito de defesa. 
 Além disso, o recorrente invoca violação do duplo grau de jurisdição, quando 
 esse duplo grau foi garantido, pelo que a sua alegação é manifestamente 
 improcedente. 
 Relativamente à limitação de testemunhas, este Tribunal não conheceu da questão, 
 por dizer respeito a questão interlocutória. Além disso, tendo sido suscitada e 
 decidida durante a audiência de julgamento, o recorrente não reagiu, deixando 
 transitar em julgado a respectiva decisão. 
 Com respeito aos vícios do art. 410.°, n.º 2, o recorrente também não explicitou 
 em que sentido é que a interpretação feita colide com qualquer norma ou 
 princípio constitucional, sendo certo que foi assegurado o duplo grau de 
 jurisdição em matéria de facto. 
 Em relação ao art. 127.°, o recorrente também não explicitou em que sentido é 
 que a decisão recorrida adoptou uma interpretação dessa norma que infringisse as 
 normas ou princípios constitucionais. Para além de que o que ele impugna é a 
 própria decisão, com a qual está em discordância. 
 O mesmo se verifica em relação à pretensa violação do princípio in dubio pro 
 reo. 
 Relativamente à pretensa violação do art. 349.° do Código Civil e 125.° do 
 Código de Processo Penal, o recorrente igualmente põe em cheque a decisão 
 recorrida e não qualquer interpretação de norma substantiva ou adjectiva que 
 tenha violado norma ou princípio constitucionais. 
 Por todas estas razões sumariamente expostas o recurso não é admissível”.
 
  
 
  
 
           2.5 – Discordando desse despacho, o arguido reclamou nos termos supra 
 descritos, deixando consignada a argumentação que se transcreve:
 
  
 
 “1º Os mesmos juízos de ilegalidade e inconstitucionalidade que justificaram a 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão de 15 de Julho 
 da 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça haviam sido suscitados quer no 
 recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra do Acórdão de 30 de 
 Março de 2007 do 1º Juízo Criminal de Viseu, quer no recurso interposto do 
 Acórdão de 28 de Novembro de 2007 do Tribunal da Relação de Coimbra para o 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 
 2º O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça mereceu parcialmente 
 procedência, com redução da pena única de prisão ao arguido de 16 para 14 anos 
 de prisão, mas persistiram os mesmos juízos atentatórios da Constituição da 
 República Portuguesa, tal como da própria Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem, tornando inevitável a sua submissão à apreciação do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
 3º Pelo despacho ora sob reclamação, proferido em 13 de Agosto de 2008, a 5ª 
 Secção do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso para o Tribunal 
 Constitucional do seu Acórdão de 15 de Julho de 2008, referindo, sumariamente, 
 relativamente a todos e cada um dos juízos cuja inconstitucionalidade tem vindo 
 sempre a ser suscitada, que o arguido não indicou, no requerimento de 
 interposição do recurso, em que medida as normas em causa colidem, na 
 interpretação e aplicação feitas e mantidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, 
 com preceitos e princípios constitucionais.
 
  
 
 4º Os juízos são os que se seguem, como constantes do requerimento de 
 interposição de recurso, que respeitou os requisitos previstos nos artigos 70º e 
 
 75º-A da lei do Tribunal Constitucional, não podendo o arguido concordar com os 
 argumentos do Supremo Tribunal de Justiça para a rejeição do recurso, pelas 
 razões que passa a expor.
 
 5º As violações de preceitos e princípios constitucionais afiguram-se-nos 
 flagrantes, sendo logo o primeiro entendimento cuja inconstitucionalidade tem 
 vindo a ser suscitada, mas sempre mantido, da maior gravidade, porque 
 profundamente atentatório das garantias elementares de defesa e da equidade 
 processual num Estado de Direito.
 
  
 
 9)       É inconstitucional interpretação do artigo 400º, nº 1, alínea c), do 
 artigo 434º, do 410º, nº 3, do artigo 123º, nºs 1 e 2, e dos artigos 363º e 364º 
 do Código de Processo Penal no sentido de que as deficiências graves da gravação 
 de praticamente todos os depoimentos fundamentais prestados na audiência de 
 discussão e julgamento, comprovadas na própria transcrição constante dos autos, 
 se tratam de mera irregularidade e não merecem apreciação pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça, por resultarem violados a garantia do próprio duplo grau de 
 jurisdição, o cerne dos direitos e garantias fundamentais de defesa do arguido, 
 e a equidade processual, ou seja, o consagrado nos artigos 20º, nº 4, 32º, nºs 1 
 e 5, da Constituição da República Portuguesa, tal como no artigo 6º nºs 1 e 3, 
 alínea b), e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda nos 
 artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 10)   É ilegal e inconstitucional admitir-se validade ao julgamento quando este 
 não foi, em depoimentos fundamentais, correctamente gravado, impossibilitando o 
 arguido o direito a impugnar e ver efectivamente reapreciada a decisão proferida 
 sobre a matéria de facto, por violação dos artigos 363º, 364º, 399º, 410º, nº 3, 
 e do próprio artigo 428º do Código de Processo Penal, evidenciando-se a violação 
 do artigo 20º, nº 4, 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, tal 
 como do artigo 6º, nºs 1 e 3, alínea b), e 13º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem.
 
  
 
 6º Rejeitou o Supremo Tribunal de Justiça o recurso para o Tribunal 
 Constitucional nesta parte com o fundamento de que:
 
 “... quanto às pretensas deficiências da gravação, o recorrente não indicou o 
 sentido com que, na decisão recorrida, foram interpretadas as normas do Código 
 de Processo Penal cuja aplicação redundou em inconstitucionalidade, por 
 violadora de normas e princípios constitucionais, nomeadamente o direito de 
 defesa.”
 
  
 
 7º Ora, salvo o muito e devido respeito, o teor do requerimento de interposição 
 de recurso, supra transcrito, é preciso, dando pleno cumprimento ao disposto no 
 artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
 8º Para mais, quer no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra do Acórdão 
 condenatório de 1ª Instância, proferido em 30 de Março de 2007 pelo 1º Juízo 
 Criminal de Viseu, quer no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão 
 de 28 de Novembro de 2007 do Tribunal da Relação de Coimbra foi suscitada a 
 mesma questão, persistindo neste processo violação grave da Constituição da 
 República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 
  
 
 9º As deficiências gravíssimas da gravação da audiência de discussão e 
 julgamento neste caso, constatadas e comprovadas nos autos (cassetes e própria 
 transcrição), persistem como questão gravíssima, que, embora tenha sido 
 suscitada logo no recurso para o Tribunal da Relação, não foi considerada.
 
  
 
 10º Estranha-se que se diga ainda, no próprio despacho sob reclamação, que, 
 sendo inaudíveis todas as perguntas de praticamente todos os depoimentos 
 prestados em audiência (desde logo de todos os depoimentos das testemunhas de 
 acusação, ofendida incluída), foi garantido ao arguido o efectivo duplo grau de 
 jurisdição.
 
  
 
 11º Não se trata de inaudição de uma ou duas perguntas, tão pouco de um ou dois 
 depoimentos de menor (conclusão em si relativa) importância, mas sim, neste 
 caso, com flagrante e comprovada maior gravidade, de TODOS os depoimentos das 
 testemunhas de acusação.
 
  
 
 12º O duplo grau de jurisdição e o direito fundamental de defesa não podem ser 
 mera ilusão, sendo evidente, neste caso, com persistência da prova nos autos 
 
 (cassetes e transcrição) que o arguido se viu ilegalmente – e com indiferença 
 
 –coarctado gravemente no direito a impugnar e ver efectivamente reapreciada a 
 decisão sobre a matéria de facto.
 
  
 
 13º Perguntar-se-á como foi possível ao Tribunal da Relação de Coimbra uma 
 reapreciação da decisão sobre a matéria de facto face à ausência/inaudição da 
 prova testemunhal produzida em julgamento.
 
  
 
 14º Limitou-se o Tribunal da Relação a pronunciar-se sobre esta questão dizendo 
 que se conseguem deduzir quais fossem as perguntas em falta, todas inaudíveis, 
 mesmo que a respostas como “Sim”, “Não”, “Talvez”, “Não vi isso”.
 
  
 
 15º Ou seja, entendeu o Tribunal da Relação que uma efectiva reapreciação da 
 decisão sobre a matéria de facto, para mais estando em causa acusações graves 
 como a de homicídio qualificado na forma tentada, coacção grave e até violação e 
 sequestro, se basta com presumir, adivinhar perguntas e, com estas, o exacto 
 sentido e teor das respectivas respostas de todas as testemunhas.
 
  
 
 16º Como compreenderão V. Ex.ªs, esta questão afigura-se-nos muito grave, 
 atentatória do direito fundamental de defesa, com preclusão da própria garantia 
 do duplo grau de jurisdição, persistindo nos autos uma transcrição em que as 
 perguntas do Tribunal Colectivo, do Magistrado do Ministério Público, do 
 mandatário do arguido e do mandatário da ofendida se resumem constantemente a 
 meras reticências.
 
 17º No Acórdão de 15 de Julho de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça 
 pronunciou-se sobre a questão referindo que se trata de mera irregularidade e, 
 com visto no próprio despacho sob reclamação, desconsiderando as deficiências 
 gravíssimas da gravação do julgamento para efeitos de garantia do duplo grau de 
 jurisdição e exercício efectivo do direito de defesa pelo arguido.
 
 18º Não podemos concordar com tal entendimento, como levado à consideração e à 
 apreciação do Tribunal Constitucional no requerimento de interposição de 
 recurso.
 
  
 
 19º Entende o Supremo Tribunal de Justiça que a inaudição de algumas respostas e 
 de todas as perguntas em praticamente todos os depoimentos prestados em 
 audiência se trata de mera irregularidade e que, assim sendo, deveria ter sido 
 suscitada pelo arguido no próprio acto ou, se a este não tivesse o arguido 
 assistido, nos três dias úteis seguintes a contar daquele em que tivesse sido 
 notificado para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele 
 praticado, nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal.
 
  
 
 20º Como poderia o arguido, que esteve presente e representado por mandatário 
 nas várias sessões de julgamento, antecipar, adivinhar ou prever que a gravação 
 não estava a ser ou ficaria correctamente feita?!
 
  
 
 21º Se se entende que se trata de mera irregularidade a deficiência grave a este 
 ponto da gravação, sendo o regime a aplicar o do artigo 123º do Código de 
 Processo Penal, como podia o arguido, presente no acto, em boa verdade e 
 coerência, suscitar gravação deficiente em curso?
 
  
 
 22º Até nisto, e salvo o devido respeito, se evidencia a incoerência do 
 entendimento em causa, justificando interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional pela afronta ao cerne do direito de defesa do arguido, ao lhe ser 
 recusado o próprio duplo grau de jurisdição em matéria de facto. 
 
  
 
 23º Acresce que do nº 2 do artigo 123º do Código de Processo Penal resulta 
 também poder o Tribunal ordenar oficiosamente a reparação de qualquer 
 irregularidade – se assim consideram a falta da devida documentação da audiência 
 e da prova – no momento em que da mesma tomasse conhecimento, quando ela afectar 
 o valor do acto praticado.
 
  
 
 24º As deficiências graves da gravação, com falta de documentação de quase toda 
 a prova, resultam dos autos e foram suscitadas no recurso interposto para o 
 Tribunal da Relação, a que o Senhor Procurador do Tribunal Judicial de Viseu 
 respondeu, mas sem que fosse reparada a dita mera irregularidade.
 
  
 
 25º Nenhum valor tem o julgamento quando a prova produzida não foi gravada, não 
 se ouve, vedando ao arguido o exercício efectivo do direito de defesa e ver 
 efectivamente reapreciada a decisão sobre a matéria de facto.
 
  
 
 26º Para melhor ilustrar o caso em apreço, importa referir que, para maior 
 gravidade, como levado, com o mesmo pormenor, ao conhecimento e à apreciação do 
 Tribunal da Relação, tal como do Supremo Tribunal de Justiça, as cópias das 
 gravações magnetofónicas da audiência de discussão e julgamento, apesar de logo 
 solicitadas, apenas foram facultadas pelo Tribunal Judicial de Viseu à actual 
 mandatária do arguido em 10 de Abril de 2007, dez dias após a prolação do 
 Acórdão condenatório de 30 de Março de 2006.
 
  
 
 27º Ficou o arguido, objectivamente, com menos de 6 dias (e, isto, porque o 
 termo do prazo peremptório ocorrido de 15 dias terminava a um sábado, 14 de 
 Abril de 2007) para preparar o recurso e, assim, desde logo gravemente limitado 
 no exercício do seu direito fundamental de defesa, com violação de quanto se 
 encontra consagrado no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República 
 Portuguesa e, com muita precisão, no artigo 6º, nº 3, alínea b), da Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem, como direito mínimo do arguido com vista a 
 assegurar a equitatividade processual (dispor de meios e tempo para preparação 
 da sua defesa).
 
  
 
 28º Por alguma razão, prevê já o actual Código de Processo Penal, expressamente, 
 que as cópias da gravação do julgamento deverão ser cedidas pelo Tribunal de 1ª 
 Instância num prazo máximo de 48 horas, sendo, para mais, hoje o prazo para 
 recurso sobre a matéria de facto dada como provada de 30 dias, em vez dos 15 
 dias à data.
 
  
 
 29º Ouvidas as cópias da gravação do julgamento, deparámos com graves 
 deficiências, que, inevitavelmente, comprometiam a impugnação e possibilidade de 
 reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, como levado, com 
 pormenor na descrição e identificação dos depoimentos, à consideração do 
 Tribunal da Relação.
 
  
 
 30º Como referido e resulta provado nos autos, as deficiências existentes em 
 algumas das cassetes e em todos os depoimentos fundamentais resultam em se 
 ouvirem, por vezes, as respostas dos depoentes, mas nunca as perguntas do 
 Tribunal, Ministério Público e mandatários, o que torna, obviamente, impossível 
 perceber e contextualizar aquelas respostas, que muitas vezes, se limitam a um 
 
 “sim”, “não”, “talvez”, “não vi”, ou seja, muitas vezes apenas confirmação ou 
 negação de perguntas que, como bem se vê na própria transcrição, não se ouvem e 
 conhecem minimamente.
 
  
 
 31º O visionamento da transcrição tornou-se imperioso atendendo ao facto de o 
 Senhor Procurador de 1ª Instância ter vindo invocar, em resposta ao recurso para 
 o Tribunal da Relação, ser perfeitamente audível e estar totalmente gravada a 
 prova em audiência, para surpresa de quem, nas cópias efectuadas forçosamente 
 pelo próprio Tribunal de Viseu, nada ouvia, deparando, inclusive, com ausência 
 total de gravação de depoimentos e sessões de julgamento, como pormenorizado e 
 concretizado no recurso.
 
  
 
 32º Ora, pese embora se confirmem afinal na transcrição as deficiências 
 gravíssimas na gravação como descritas nos recursos, deparou o arguido, na 
 pessoa na sua mandatária, ao visionar aquela transcrição efectuada pelo 
 Tribunal, com a existência de 20 cassetes de gravação de julgamento, e não 
 apenas as 15 cassetes que o Tribunal Judicial de Viseu facultara ao arguido, 
 como sendo a totalidade da gravação solicitada.
 
  
 
 33º Não podíamos deixar de referir tais factos perante V. Ex.ªs, pois bem 
 ilustram a gravidade maior da forma como o arguido foi indevida e ilegalmente 
 limitado no exercício do direito fundamental de recurso, no cerne do exercício 
 do seu direito elementar de defesa, saindo comprometida, neste caso, com 
 persistência nas decisões proferidas, as garantias e a equidade processual 
 indispensáveis à própria realização de Justiça.
 
  
 
 34º Já no recurso do arguido para o Tribunal da Relação referíamos que, atenta a 
 deficiente gravação, não havia forma possível de se saber o que era dito pelo 
 Tribunal e ao que exactamente estavam a responder as testemunhas e as próprias 
 alegadas ofendidas, ficando assim na ausência e desconhecimento dos elementos de 
 prova que sempre tinha e tem o arguido direito a que sejam reapreciados, em 
 respeito pelas suas garantias fundamentais de defesa.
 
  
 
 35º Estava e está em causa a garantia do duplo grau de jurisdição e o cerne dos 
 direitos e garantias de defesa do arguido, como consagrados no artigo 32º, nº 1 
 e nº 5 da Constituição da República Portuguesa, tal como, visivelmente, no 
 artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 
  
 
 36º Como levado à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da 
 Relação diminuiu a importância da própria gravação da prova em julgamento 
 referindo, no seu Acórdão de 28 de Novembro de 2007, que:
 
 “é na prova produzida oralmente em audiência que o Tribunal recorrido forma a 
 sua convicção, constituindo o registo, apenas, um meio de controlo do julgamento 
 efectuado com base na oralidade e imediação. (...) trata-se de cópias fornecidas 
 ao recorrente, extraídas dos originais gravados durante a audiência, durante a 
 qual não foram suscitadas quaisquer dúvidas sobre a gravação efectuada”
 
  
 
 37º Como também se referiu perante o Supremo Tribunal de Justiça, no recurso 
 interposto daquele Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, atentas aquelas 
 conclusões sobre a questão em apreço, parecia tal Tribunal demitir-se a priori 
 de uma verdadeira e efectiva reapreciação da prova e matéria de facto, reduzindo 
 a gravação da prova em audiência a um mero registo e meio de controlo do 
 julgamento, a que nada haverá, à partida, a apontar.
 
  
 
 38º E, a entender-se que as comprovadas falhas graves deveriam ser suscitadas 
 durante a audiência de julgamento, como poderia e conseguiria o arguido nessa 
 altura antecipar que a gravação viria a constatar-se ter sido mal feita?!
 
 39º Foi também levada à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça a 
 inconsistência e contradição da conclusão do Tribunal da Relação sobre esta 
 questão, quando começa por referir que toda a prova está perfeitamente gravada e 
 que não há defeito que inquine o recurso da matéria de facto, para logo depois 
 dizer que: 
 
 “De qualquer forma o recorrente apenas refere que são imperceptíveis algumas 
 
 “perguntas” formuladas. O que é diferente das “respostas” dadas a essas 
 perguntas. Sendo certo que são as declarações e não as perguntas prestadas que 
 constituem meios de prova. E embora algumas das perguntas formuladas não estejam 
 efectivamente transcritas, elas resultam perfeitamente perceptíveis das 
 correspondentes respostas dadas às perguntas.”
 
  
 
 40º Ou seja, como se evidencia, que a garantia do duplo grau de jurisdição se 
 basta com adivinhar perguntas e o exacto teor de respostas a perguntas que não 
 se ouvem.
 
  
 
 41º Ainda para melhor precisar o caso e a gravidade da questão em apreço, como 
 referido, com pormenor, no recurso para a Relação e para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, resultando da transcrição requerida ao 1º Juízo Criminal de Viseu e 
 efectuada por entidade credenciada para o efeito, não se ouvem minimamente as 
 perguntas em todo o interrogatório, tal como o exercício do contraditório, a: 
 
 1.                                                BB (cassetes 3, 4 e 5)
 
 2.                                                HH (cassete 6)
 
 3.                                                II (cassete 7)
 
 4.                                                JJ (cassete 7)
 
 5.                                                LL (cassete 8)
 
 6.                                                MM (cassete 8)
 
 7.                                                NN (cassetes 8 e 9)
 
 8.                                                OO (cassete 9)
 
 9.                                                PP (cassete 9) 
 
 10.                                            Agente da PSP QQ Aparício 
 
 (cassete 10)
 
 11.                                            RR (cassete 11)
 
 12.                                            SS (cassete 11) 
 
 13.                                            TT (cassetes 11 e 12), todas 
 testemunhas de Acusação
 
  
 
 42º Não se trata de deficiência pequena e inócua, mas sim de deficiência grave 
 da gravação de praticamente todos os depoimentos - todos os das ofendidas e 
 testemunhas de acusação em que se baseou o 1º Juízo Criminal do Tribunal 
 Judicial de Viseu para condenar o arguido.
 
  
 
 43º Como já dizíamos supra e foi referido perante o Supremo Tribunal de Justiça, 
 
 é do senso e lógica comuns e resulta da gravação e respectiva transcrição nos 
 autos que “sim”; “não”, “talvez”, “não sei se foi assim”, “não foi isso que vi”, 
 
 “não me pareceu”, “baixou-se”, etc não constituem resposta ou declaração 
 perceptível sem que se ouça e perceba a respectiva pergunta.
 
 44º Como resultava expressamente do recurso interposto nessa matéria perante o 
 Tribunal da Relação de Coimbra, o recorrente fê-lo com as maiores limitações – 
 invocadas ponto a ponto e desde o início – e porque o erro notório, a 
 contradição e a insuficiência para a matéria de facto dada como assente decorria 
 do próprio Acórdão de 1ª Instância, tal como agora do Acórdão do Tribunal da 
 Relação, que seguiu na íntegra o que Viseu decidiu, na impossibilidade evidente 
 de proceder a uma efectiva reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
 
  
 
 45º A deficiência grave da gravação para efeitos de reapreciação da matéria de 
 facto em recurso determina a repetição inevitável do julgamento para garantia do 
 direito fundamental de defesa, em prol da realização de Justiça num processo 
 equitativo.
 
  
 
 46º Está em causa a garantia do duplo grau de jurisdição e o cerne dos direitos 
 e garantias de defesa do arguido, tal como a equidade processual, com violação 
 dos artigos 20º, nº 4, 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, 
 tal como no artigo 6º nºs 1 e 3, alínea b), e 13º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem, e ainda nos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem.
 
  
 
 47º Suscitadas perante o Supremo Tribunal de Justiça tal questão de direito e a 
 afronta que o entendimento vertido e seguido no próprio Acórdão do Tribunal da 
 Relação de Coimbra consubstancia à Constituição da República Portuguesa, 
 limitou-se o Tribunal ora reclamado a repetir que a deficiência grave da prova 
 em julgamento comprovada nos autos se reconduz a uma mera irregularidade, a 
 suscitar nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal, ou seja, pelo 
 arguido presente em julgamento, antecipando este, assim, como pudesse, a 
 constatação de uma deficiente gravação/documentação da audiência e da prova.
 
  
 
 48º O teor do requerimento de interposição de recurso é preciso no entendimento 
 cuja inconstitucionalidade é suscitada perante o Tribunal Constitucional e 
 sempre tem vindo a ser suscitada nos autos, atento o que deles resulta e o teor 
 das decisões proferidas a propósito.
 
  
 
 49º No despacho sob reclamação, refere o Supremo Tribunal de Justiça a fim de 
 rejeitar o recurso para o Tribunal Constitucional que o duplo grau de jurisdição 
 foi garantido, o que, com visto, sempre foi posto, justamente e de forma 
 consistente, em causa pelo arguido, seja perante o Tribunal da Relação, seja 
 perante o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 
 50º  É a garantia do duplo grau de jurisdição e a plenitude das garantias de 
 defesa do arguido que estão, desde logo, em causa face ao entendimento de que 
 deficiências graves na gravação da prova em julgamento não relevam para uma 
 efectiva reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e o exercício efectivo 
 do direito de recurso, sendo mera irregularidade, de importância menor.
 
  
 
 11)   É ilegal e inconstitucional aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea d), 
 para que remete o artigo 315º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, no 
 sentido de limitar o arguido – como o foi - a cinco testemunhas abonatórias das 
 
 20 arroladas em contestação, tal como é inconstitucional interpretação do artigo 
 
 434º daquele mesmo diploma legal no sentido de não merecer aquele atropelo à Lei 
 apreciação em sede de recurso, atento dele resultar preclusão indevida das 
 garantias de defesa do arguido e persistir evidente violação do princípio da 
 presunção de inocência, ou seja, por violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, 
 nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como da equidade e 
 igualdade processuais previstas no artigo 6º, nºs 1, 2 e 3, alínea b), da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda de quanto resulta dos artigos 
 
 10º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 51º Consta dos autos que das 20 testemunhas arroladas na contestação só cinco 
 prestaram declarações, pese embora todas aquelas 20 tenham sido previamente 
 indicadas aos factos. 
 
  
 
 52º Já o Tribunal da Relação dizia, no Acórdão de 28 de Novembro de 2007, que se 
 tratou tão somente de dar cumprimento do disposto no artigo 315º, nº 4, do 
 Código de Processo Penal, ou seja, convite ao arguido para indicar quais das 20 
 que arrolou seriam tão somente abonatórias.
 
  
 
 53º Se assim foi, menos se compreende como o arguido tenha ficado sim, 
 peremptoriamente, limitado a essas 5 testemunhas, ou seja, como a descoberta da 
 verdade e boa decisão da causa ficaram, a final, limitadas a 5 testemunhas das 
 
 20 indicadas pelo arguido aos factos.
 
  
 
 54º Remeteu o Tribunal da Relação o problema – constatado – para o mandatário 
 constituído à data, dando a crer, como resulta também do Acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça recorrido, que, se em plena audiência de julgamento, foram 
 violadas garantias e direitos constitucionais do arguido, tal como os direitos 
 humanos, e o mandatário nada disse na altura, o problema ficaria como que 
 sanado.
 
  
 
 55º Mas o Tribunal rege-se, na função maior de julgar, por princípios 
 fundamentais, como o da descoberta da verdade material, para boa e justa decisão 
 da causa.
 
  
 
 56º Será, assim, atentatório da própria Constituição da República Portuguesa 
 considerar-se que, se os direitos humanos e fundamentais do arguido foram 
 violados pelo Tribunal, o problema ficou sanado por o arguido não ter reagido à 
 data, como se o interesse na descoberta da verdade e na realização de Justiça 
 fosse apenas do arguido, que não minimamente do próprio Tribunal.
 
  
 
 57º Determinar-se que o arguido desse cumprimento ao disposto no artigo 283º, nº 
 
 3, alínea d), indicando quais, das 20 testemunhas arroladas na contestação, 
 iriam depor apenas em abono do arguido é coisa bem distinta do que sucedeu, 
 reduzindo-se, ilegalmente, a defesa do arguido a 5 testemunhas abonatórias e não 
 chamando a audiência as 15 restantes testemunhas arroladas na contestação e 
 notificadas para comparecer, para esclarecimento dos factos e descoberta da 
 verdade.
 
  
 
 58º A questão, porque de direito, legalidade, constitucionalidade e respeito 
 pela equidade processual, foi levada à apreciação do Supremo Tribunal de 
 Justiça, mas, como consta do despacho sob reclamação, este não a apreciou.
 
  
 
 59º Entende o Supremo Tribunal de Justiça que se trata de questão que não lhe 
 cabe conhecer, mas é uma questão de direito e legalidade, sendo que a 
 inconstitucionalidade do entendimento sobre a limitação da prova testemunhal de 
 defesa a 5 testemunhas foi suscitada, persiste o mesmo entendimento nos autos, 
 cabendo ora ao Tribunal Constitucional apreciar a sua pertinência.
 
  
 
 60º Não concordamos, assim, com a rejeição do recurso também nesta parte pelo 
 Tribunal recorrido porque foram cumpridos todos os requisitos previstos no 
 artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, explicitando o recorrente o 
 entendimento legal cuja inconstitucionalidade foi suscitada perante o Supremo 
 Tribunal de Justiça.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
 12)   É inconstitucional entendimento dos artigos 434º e 410º, nº 2, do Código 
 de Processo Penal, vertido no Acórdão recorrido, no sentido de vedar ao arguido 
 o exercício efectivo do direito fundamental de recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça de acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação sobre os 
 vícios previstos naquele segundo preceito legal, quando esses mesmos vícios 
 resultam do próprio acórdão do Tribunal da Relação na apreciação que faz sobre a 
 prova e na sua decisão sobre a matéria de facto provada, por violação dos 
 artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República 
 Portuguesa, tal como do artigo 6º, nº 1, e 13º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem.
 
  
 
 61º Refere o Tribunal recorrido e ora reclamado que foi assegurado o duplo grau 
 de jurisdição ao arguido.
 
  
 
 62º Como supra exposto, evidencia-se, neste processo, que tal não sucedeu.
 
  
 
 63º A prova produzida em julgamento não está devidamente documentada, tendo o 
 arguido sido, ilegal e inconstitucionalmente, impedido de efectivamente impugnar 
 a decisão sobre a matéria de facto e vê-la efectivamente reapreciada pelo 
 próprio Tribunal da Relação de Coimbra.
 
  
 
 64º No próprio recurso interposto para o Tribunal da Relação suscitou o arguido 
 esse impedimento, pormenorizando, ponto por ponto, a ausência de documentação 
 dos elementos de prova carreados para os autos em julgamento, para efeitos de 
 uma efectiva impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e da 
 sua condenação por via do expediente fundamental de recurso.
 
  
 
 65º Persiste, neste caso e processo concretos, com evidência e prova na própria 
 gravação da prova produzida em julgamento e na respectiva transcrição, uma 
 violação grosseira dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 2 da Constituição 
 da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nº 1, e 13º da Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, nº 1, da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 66º O Tribunal da Relação deu simplesmente como incensurável a decisão sobre a 
 matéria de facto e a condenação do arguido em 1ª instância, colando a esta a sua 
 decisão e considerando irrelevante o pleno e efectivo conhecimento da prova 
 produzida em julgamento.
 
  
 
 67º Praticamente todos os depoimentos das testemunhas de acusação, ofendida 
 incluída, são inaudíveis em todas as perguntas feitas e, assim, no exacto teor 
 das respostas.
 
  
 
 68º Afigura-se-nos inédito que, ainda assim, em situação tão grave, não se tenha 
 determinado a repetição do julgamento para a devida documentação de toda a 
 prova, com vista a assegurar ao arguido o seu legítimo direito de defesa e o 
 exercício efectivo do direito de recurso.
 
  
 
 69º O Tribunal da Relação não pôde conhecer verdadeiramente a prova produzida, 
 mas isso foi considerado irrelevante e, ainda assim, proferido Acórdão, que, na 
 impossibilidade de uma efectiva reapreciação do caso, se bastou com uma mera 
 colagem ao decidido em 1ª instância.
 
  
 
 70º Ora, assim sendo e comprovada que está nos autos a ausência da devida 
 documentação da audiência de discussão e julgamento, com maior gravidade neste 
 caso, não deixa de nos surpreender que se continue a insistir ter sido 
 assegurado o duplo grau de jurisdição.
 
  
 
 71º O arguido não teve direito a uma efectiva reapreciação da decisão sobre a 
 matéria de facto e da sua condenação por uma 2ª instância.
 
  
 
 72º Concluiu o Supremo Tribunal de Justiça, na página 31 do Acórdão recorrido, 
 que:
 
 “...pretendendo interpor-se recurso de acórdão final do tribunal colectivo (ou 
 de júri, na redacção actual) quanto à matéria de facto, seja por via da 
 impugnação da apreciação e valorização da prova produzida, seja por meio da 
 alegação de vícios do art. 410.º, nº 2, tal recurso há-de ser dirigido ao 
 Tribunal da Relação, que é uma instância que aprecia matéria de facto e de 
 direito, ao invés do STJ que aprecia explosivamente matéria de direito. A 
 decisão da 2ª instância é definitiva quanto a tal matéria, não podendo 
 reeditar-se no recurso para o STJ as razões que fundaram a alegação desses 
 vícios para a Relação e que já foram apreciadas.”
 
  
 
 73º Sucede que, neste caso, com evidência e prova nos próprios autos, a Relação 
 demitiu-se de efectivamente reapreciar a decisão sobre a matéria de facto, fosse 
 de que forma fosse, sendo demonstração maior disso a indiferença expressa para 
 com o facto de a prova produzida em julgamento não estar devidamente documentada 
 para seu conhecimento e para uma real e verdadeira reapreciação.
 
  
 
 74º O arguido não teve no Tribunal da Relação uma 2ª instância para efectiva 
 reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e da sua condenação.
 
  
 
 75º E, ainda assim, invoca o Supremo Tribunal de Justiça que foi garantido o 
 duplo grau de jurisdição e a decisão (ou falta de pronúncia e decisão efectivas) 
 da Relação é definitiva.
 
  
 
 76º O Tribunal da Relação limitou-se a dar como assente a decisão de 1ª 
 instância e, por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça invoca que o arguido 
 pôde recorrer para o Tribunal da Relação, como se o direito a um recurso 
 efectivo se bastasse com a ilusão dele.
 
 77º O arguido começou a suscitar a impossibilidade de exercer efectivamente 
 direito de recurso e, com este, o seu legítimo direito de defesa no próprio 
 recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra.
 
  
 
 78º Parece continuar a ser indiferente, neste caso, que o arguido veja 
 minimamente assegurado o direito fundamental de defesa.
 
  
 
 79º Peca o processo por falta de equidade e garantias de defesa ao arguido, 
 indispensáveis que são à própria realização de Justiça.
 
  
 
 80º Defende e recomendava o Supremo Tribunal de Justiça, em notas de reflexão 
 imediatamente anteriores à entrada em vigor das alterações últimas ao Código 
 Penal e ao Código de Processo Penal[1]:
 
 “Assunção do pressuposto de que o direito de recurso constitui uma garantia 
 constitucional de defesa, e um corolário da garantia de acesso ao direito e aos 
 tribunais mas deve subordinar-se a uma desígnio de celeridade associado à 
 presunção de inocência e à descoberta da verdade material”, reforçando que “O 
 processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso 
 
 (Constituição, garantias de processo criminal, art. 32º, nº 1)”
 
 81º Mais fez constar, avisadamente, o Supremo Tribunal de Justiça, nas mesmas 
 notas de reflexão:
 
 “constatação de que ainda estamos longe, na prática, do efectivo recurso da 
 matéria de facto que a revisão de 1998 visou consagrar deslocando para as 
 Relações, com amplos poderes de cognição nesta matéria, a competência para a 
 apreciação dos recursos das decisões do tribunal colectivo”, que veio a ser 
 reforçada “com a documentação alargada da prova e a apreciação das gravações 
 pelas Relações”.
 
 “A experiência do STJ com múltiplas anulações de decisões das Relações por 
 insuficiente decisão da questão de facto, com refúgio nos princípios da livre 
 apreciação da prova da oralidade e da imediação, como obstáculos ao efectivo 
 grau de jurisdição em matéria de facto, devem alertar-nos para esse problema 
 real.”
 
  
 
 82º No Acórdão recorrido, pág. 31, o Supremo Tribunal de Justiça invoca, 
 aplicando-o ao caso concreto, que:
 
 “Recente jurisprudência do STJ tem considerado que a norma do art. 410º do CPP 
 deve ser interpretada restritivamente, não sendo aplicável aos recursos 
 referidos na alínea d), do artigo 432º. Parece-nos acertada esta orientação, 
 pois, se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410.º 
 e houver razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do 
 processo, a relação deve desde logo proceder à sua renovação. Acresce que tendo 
 havido documentação da prova, o tribunal da relação pode também decidir com base 
 na prova documentada, o que o STJ não pode fazer por não ter poderes de decisão 
 em matéria de facto.”
 
  
 
 83º Tal entendimento tem como pressupostos a garantia de recurso efectivo para a 
 Relação em sede de matéria de facto e, como visto e é evidente, a própria 
 documentação da prova para uma efectiva e real decisão da Relação sobre aquela 
 matéria.
 
  
 
 84º Daí que, no despacho sob reclamação, o Supremo Tribunal de Justiça tenha 
 invocado, como fundamento para rejeitar o recurso para o Tribunal 
 Constitucional, que “foi assegurado o duplo grau de jurisdição em matéria de 
 facto”.
 
  
 
 85º Mas tal não sucedeu e a prova disso persiste evidente nos autos, sendo que, 
 ao mesmo tempo que alegadamente declara o Tribunal reclamado ter sido assegurado 
 o duplo grau de jurisdição, não contesta a falta da devida documentação da 
 audiência e da prova.
 
  
 
 86º Neste caso concreto, a decisão de facto bastou-se com o entendimento e a 
 apreciação dos elementos de prova em 1ª instância, sem direito a um efectivo 
 segundo grau de jurisdição, sem direito a um efectivo recurso em sede de matéria 
 de facto.
 
  
 
 87º O Supremo Tribunal de Justiça não se pronuncia nos termos do artigo 410º, nº 
 
 2, apesar de, com evidência nos autos, não ter sido assegurado, por via do 
 recurso para a Relação, o duplo grau de jurisdição em sede de decisão sobre a 
 matéria de facto.
 
  
 
 88º É esse o entendimento com que não concordamos, como explícito no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, supra 
 transcrito, por dele resultar violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 
 e 2 da Constituição da República Portuguesa, tal como dos artigos 6º, nº 1, e 
 
 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, 
 nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 13)   Fazer depender uma apreciação efectiva da suscitada violação do princípio 
 in dubio pro reo e do princípio da presunção de inocência de uma efectiva 
 consideração dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo 
 Penal, a que, por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça não procede por 
 entender ser bastante o recurso em sede de matéria de facto para o Tribunal da 
 Relação, ainda que persistam, como suscitado, aqueles vícios no acórdão desta, 
 constitui violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nº 1 e 2, da Constituição 
 da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 2, e 13º da Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 8º e 11º da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem.
 
 89º Dá-se aqui como reproduzido tudo quanto foi levado à Vossa consideração 
 sobre os pontos anteriores e a forma como foi comprovadamente recusado ao 
 arguido, neste caso e processos concretos, o duplo grau de jurisdição em sede de 
 apreciação e decisão sobre a matéria de facto.
 
  
 
 90º Refere o Tribunal recorrido e ora reclamado, na página 40 do Acórdão de 15 
 de Julho de 2008, que:
 
 “o recorrente, ao levantar a questão da violação do princípio in dubio pro reo, 
 fá-lo mais uma vez como forma de encapotadamente atacar a apreciação e valoração 
 da prova produzida feitas pelas instâncias.”
 
  
 
 91º E remete o Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação feita da prova em 
 
 1ª instância e a suposta reapreciação da mesma pela Relação – aliás, como refere 
 o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação limitou-se efectivamente a 
 
 “acolher” por inteiro a fundamentação e a decisão de 1ª instância.
 
  
 
 92º O arguido não teve um processo equitativo e conforme às garantias de defesa 
 consagradas na Constituição da República Portuguesa e na Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem.
 
  
 
 93º A audiência de julgamento e prova ali produzida, alvo de apreciação e 
 decisão na e para a condenação em 1ª instância, não foi devidamente documentada, 
 sendo as deficiências da gravação de maior relevo e gravidade neste caso.
 
 94º Suscitadas e arguidas essas deficiências graves, comprovadas nos autos, 
 perante o Tribunal da Relação, este limita a sua pronúncia a uma inevitável 
 colagem à decisão de 1ª instância, como se com esta se bastassem aquelas 
 garantias de defesa do arguido em Portugal.
 
  
 
 95º O Supremo Tribunal de Justiça invoca a apreciação da prova e a decisão sobre 
 a matéria de facto feitas pelo Tribunal da Relação, ou seja, remete para aquilo 
 que consubstancia sim ausência de pronúncia e de reapreciação efectiva da 
 decisão sobre a matéria de facto e a condenação do arguido.
 
  
 
 96º Persiste a agrava-se neste processo a violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 
 
 32º, nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, 
 nºs 1 e 2, e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 8º e 
 
 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 14)   Interpretação e aplicação do princípio constante do artigo 127º do Código 
 de Processo Penal admitindo-se que o Julgador possa, de forma patente nos 
 acórdãos condenatórios, proceder a uma valoração puramente subjectiva da prova 
 para suprir insuficiência de elementos probatórios e possa, sem fundamento 
 concreto e objectivo, contrariar ou desatender na sua decisão factos objectivos 
 cientificamente atestados são inconstitucionais, por violação do artigos 32º, 
 nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 
 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda do artigo 11º da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 97º Salvo o devido respeito, não vemos por que o Tribunal recorrido rejeita, em 
 primeira mão, o recurso para o Tribunal Constitucional também nesta parte, com o 
 argumento de que não foi explicitado no requerimento de interposição de recurso, 
 da forma transcrita, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que considera 
 inconstitucional.
 
  
 
 98º O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional 
 distingue-se da posterior alegação, cingindo-se aos requisitos previstos nos 
 artigos 70º e 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
 99º Como resulta do despacho sob reclamação, o Supremo Tribunal de Justiça não 
 contesta que resulte do Acórdão recorrido o entendimento supra transcrito, 
 suscitado quer no recurso para o Tribunal da Relação, quer no recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça e, ainda assim, mantido.
 
  
 
 100º O Tribunal ora reclamado fundamenta a rejeição do recurso para o Tribunal 
 Constitucional dizendo que o recorrente “não explicitou em que sentido é que a 
 decisão recorrida adoptou uma interpretação dessa norma que infringisse as 
 normas ou princípios constitucionais.”
 
  
 
 101º Mas bastará atentar no teor do requerimento de interposição de recurso para 
 se notar que o recorrente explicitou qual o exacto entendimento vertido no 
 Acórdão recorrido que considera inconstitucional e submete à apreciação do 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 
 102º Refere o Tribunal recorrido e ora reclamado que o que o recorrente pretende 
 
 é impugnar a própria decisão, ou seja, que o recorrente não concorda é com a 
 decisão.
 
  
 
 103º Ora, é evidente que se o recorrente considera determinado juízo e 
 entendimento vertidos na decisão inconstitucionais, e os submete ao Tribunal 
 Constitucional, não concorda com a decisão.
 
  
 
 104º O recorrente não concorda com a decisão nesse entendimento nela vertido.
 
  
 
 105º Nem podia, obviamente, concordar, se considera consubstanciar violação da 
 Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 106º E o entendimento em causa havia sido suscitado perante o Supremo Tribunal 
 de Justiça, que, no Acórdão recorrido, o considerou “arbitrário” e que “a 
 invocação da violação do art. 32º, nº 1 da Constituição é meramente 
 emblemática”.
 
  
 
 107º Estranhamos que, num processo e caso como o ora em apreço, em que se 
 considerou irrelevante a própria falta da devida documentação da audiência e da 
 prova produzida, se possa dizer que a violação do artigo 32º, nº 1, da 
 Constituição é meramente emblemática.
 
  
 
 108º O processo em causa é sim emblemático de violação grosseira do artigo 32, 
 nº 1, da Constituição da República Portuguesa, tal como, entre o mais, do artigo 
 
 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
 
  
 
 109º O entendimento em causa é preciso, está explícito no requerimento de 
 interposição de recurso e resulta do teor do Acórdão recorrido, proferido pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça em 15 de Julho de 2008.
 
  
 
 110º Apreciando o teor daquele Acórdão, páginas 35 a 38, com reprodução, a que o 
 Supremo Tribunal de Justiça anui, das conclusões da Relação de Coimbra, que, por 
 sua vez, consistem numa anuência acrítica à decisão de 1ª instância, não deixa 
 de se evidenciar uma valorização puramente subjectiva da prova para suprir 
 insuficiência de elementos probatórios, ao mesmo tempo que, da mesma forma 
 puramente subjectiva e até tendenciosa, porque sem fundamento concreto e 
 objectivo, se contrariou ou desatendeu na decisão de facto elementos objectivos 
 cientificamente atestados.
 
  
 
 111º É o que se passou com a surpreendente e profundamente injusta prática do 
 crime de violação de que o arguido vinha acrescidamente acusado pela ofendida, 
 sua ex-namorada, e por que acabou mesmo condenado, à semelhança da prática do 
 crime de sequestro enquanto viveram juntos, contra tudo quanto é compreensível e 
 aceitável pelo homem médio minimamente atento.
 
  
 
 112º O Tribunal recorrido cita, a propósito do princípio da livre apreciação da 
 prova, na página 34 do Acórdão de 15 de Julho de 2008, o Acórdão do TC nº 
 
 1165/96, de 19 de Novembro:
 
 “…este princípio não é absoluto, e não se confunde com apreciação arbitrária, 
 discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador 
 deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de 
 avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente 
 susceptíveis de motivação e controlo”
 
  
 
 113º Refere ainda, na página 33, com referência às palavras do Prof. Figueiredo 
 Dias (in Direito Processual Penal, Vol. I, 1974, págs. 202 e ss), que:
 
 «Perante tal princípio da livre apreciação da prova, “uma das funções primaciais 
 de toda a sentença (maxime, da pena) é a de convencer os interessados do bom 
 fundamento da decisão. As considerações feitas dão exigência de que as 
 comprovações judiciais sejam sempre motiváveis.”»
 
  
 
 114º Ora, de forma alguma isto sucede neste caso e processo.
 
 115º A condenação do arguido por crimes como o de violação e o de sequestro da 
 sua ex-namorada enquanto namoraram não consegue impor-se como compreensível e 
 justa à própria comunidade, pois assenta em considerações que atentam seriamente 
 contra a lógica e o senso comuns, tecidas contra a prova produzida, com 
 desconsideração tendenciosa de depoimentos e até de prova científica de relevo 
 para a boa decisão da causa, sem fundamento concreto, objectivo e isento para 
 tal.
 
  
 
 116º Não é uma condenação justa, coerente, e qualquer pessoa que tome e toma 
 contacto com a mesma e a sua fundamentação disso mesmo se apercebe.
 
  
 
 117º O homem médio minimamente atento estranha, inevitavelmente, as conclusões 
 judiciais perfeitamente inverosímeis, sem suporte probatório consistente, e que 
 tenham sido desconsiderados, sem que se indique razão plausível, elementos de 
 prova outros, até de cariz científico, ou considerados parcialmente apenas no 
 que pudesse desfavorecer o arguido e coadunar-se com a sua condenação.
 
  
 
 118º Mais grave se torna a forma como foi conduzido judicialmente o processo 
 quando até se negou ao arguido o próprio exercício efectivo do direito de 
 recurso, considerando-se irrelevante estar ou não a prova devidamente 
 documentada com vista a uma reapreciação da decisão de facto e da condenação do 
 arguido por 2ª instância.
 
  
 
 119º O Supremo Tribunal de Justiça começa por se pronunciar sobre em quanto deve 
 consistir e limitar-se o princípio e o poder de livre apreciação da prova, mas 
 quando incide e se pronuncia, na sua decisão, sobre a forma como foi exercido 
 aquele “poder do julgador” neste caso persiste o entendimento cuja 
 inconstitucionalidade é levada à Vossa apreciação.
 
  
 
 120º Mais se evidencia a adopção e persistência de entendimento atentatório da 
 Constituição quando o Supremo Tribunal de Justiça, a título de fundamento da sua 
 decisão e entendimento perfilhado neste caso, se refere ao que foi alegado e 
 suscitado a propósito pelo recorrente e reproduz a decisão do Acórdão do 
 Tribunal da Relação de Coimbra, anuindo à mesma.
 
  
 
 121º É que a decisão do próprio Tribunal da Relação é elucidativa de que foram 
 efectivamente desconsiderados e contrariados elementos de prova, no todo ou em 
 parte, sem fundamento objectivo e motivação plausível para o efeito.
 
  
 
 122º Da própria decisão do Tribunal da Relação, corroborando quanto e tudo o que 
 foi decidido em 1ª instância, consta uma apreciação puramente subjectiva, 
 indiferente a elementos de prova de cariz científico e depoimentos prestados por 
 testemunhas arroladas na contestação do arguido.
 
  
 
 123º O 1º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu extravasou efectivamente o “poder” 
 de livre apreciação da prova, evidenciando-se, neste caso, a discricionariedade, 
 condenando o arguido sem prova, contra a prova e desconsiderando elementos de 
 prova em quanto favorecessem a absolvição, desde logo no que respeita aos crimes 
 de coacção grave, de violação e de sequestro da namorada que vivia com o 
 arguido, convivendo com amigos e amigas deste, e a expensas do rapaz, mais novo 
 que ela.
 
  
 
 124º O Supremo Tribunal de Justiça socorre-se, como exemplo, da condenação por 
 violação, que, reitere-se, é perfeitamente aberrante, injusta, sem suporte em 
 qualquer prova científica, na lógica e senso comuns.
 
  
 
 125º Como resulta do próprio Acórdão recorrido, na pronúncia sobre a questão em 
 apreço, o rapaz foi condenado apenas com base nas declarações, em si 
 perfeitamente inverosímeis, da ofendida BB, que, por conta deste processo, 
 passou subitamente a vítima de violação por aquele que descreve em julgamento 
 como apenas um parceiro com quem tinha relações íntimas.
 
  
 
 126º No Acórdão recorrido para o Tribunal Constitucional, faz o Supremo Tribunal 
 de Justiça, pronunciando-se sobre a aplicação feita do artigo 127º na apreciação 
 da prova e condenação do arguido, ao que foi invocado, concretamente, em sede de 
 conclusões, pelo recorrente:
 
 56)                        Ao contrário do que referiu o Tribunal de Viseu – 
 ironizando, inclusive, despropositadamente a questão pertinente do uso e efeitos 
 dos anabolizantes – e o que refere agora o Tribunal da Relação, as oscilações da 
 libido, ou seja, falta de desejo, a atrofia e a impotência sexual, para além de 
 abundantemente publicitados a título de alerta, constam, com evidência, do 
 Relatório do Conselho Nacional de Antidopagem a fls. 736, tal como do 
 subsequente Partial Agreement in the Social and Public Health Filed, do Conselho 
 da Europa, a fls738 e ss, sendo tal prova documental técnica de apreciação 
 vinculada.
 
 57)                        Para além desses efeitos a nível do desempenho sexual 
 dos utilizadores de esteróides, constam também, como efeitos outros secundários 
 principais, hipertensão arterial e aumento de agressividade (vide mesmos 
 Relatório do Conselho Nacional de Andidopagem e Partial Agreement in the Social 
 and Public Health Field, a fls. 736 e ss), aos quais acresce, como é do senso 
 comum, o stress próprio de quem se dedica intensivamente, como era o caso do 
 arguido, a competições.
 
 58)                        O Julgador não pode impor decisão contrária a factos 
 cientificamente atestados e publicitados, sem sequer invocar fundamento 
 objectivo e lógico concreto para esse decisão, sendo, para mais, os factos em 
 causa de relevo maior para a boa decisão da causa, revelando-se, na sua 
 desconsideração, insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto.
 
  
 
 127º Considera o Supremo Tribunal de Justiça que pretende o recorrente fazer 
 desse Tribunal uma 3ª instância de apreciação de facto, mas o que 
 verdadeiramente está em causa, foi suscitado – e continua a ser, porque 
 justificado - é a forma como se deu aplicação ao artigo 127º do Código de 
 Processo Penal na apreciação da prova, extravasando em muito este princípio e 
 
 “poder” do julgador.
 
 128º O que estava e está em causa é uma questão de legalidade e 
 constitucionalidade no âmbito de um processo criminal, que o Supremo Tribunal de 
 Justiça acaba por desconsiderar, tratando-a como se se tratasse de pretensão de 
 reapreciação da prova.
 
  
 
 129º Mas o facto é que, ao fazê-lo, transcrevendo, para se pronunciar, o próprio 
 teor da decisão da Relação, veio reforçar a desconformidade da forma como os 
 Tribunais se socorreram do princípio da livre apreciação da prova neste processo 
 em desconformidade com os artigos 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos 
 do Homem, e ainda do artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 130º Como referido no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça acaba por, expressamente, admitir 
 entendimento e aplicação daquela norma legal em desconformidade com preceitos e 
 princípios constitucionais.
 
  
 
 131º Os efeitos dos esteróides anabolizantes foram debatidos em sede de 
 julgamento, em particular, a impotência sexual e oscilações da libido, ou falta 
 de desejo sexual, tendo o Senhor Procurador chegado a ironizar as dificuldades 
 de desempenho sexual do arguido comparando-o ao Popeye em plena audiência de 
 julgamento, enquanto interrogava uma das cinco testemunhas a que a defesa ficou 
 indevidamente limitada, que confirmou a perda de potência sexual com a 
 ingerência de esteróides para aumento de força física.
 
  
 
 132º O Supremo Tribunal de Justiça reproduz o que foi entendido pela Relação a 
 propósito da desconsideração infundada do Tribunal de 1ª instância de prova 
 científica carreada para os autos e discutida em julgamento - como a impotência 
 sexual e falta de desejo sexual como um dos principais efeitos secundários do 
 uso de esteróides anabolizantes pelo arguido, que competia regularmente na 
 modalidade de powerlifting.
 
  
 
 133º O arguido vinha acusado pela sua ex-namorada e companheira de a violar 
 quando tinham relações sexuais.
 
  
 
 134º Como consta do Acórdão recorrido, página 37, a final, na transcrição feita 
 do Acórdão do Tribunal da Relação, pronunciou-se este Tribunal sobre a 
 desconsideração daqueles factos de conhecimento público e cientificamente 
 provados nos autos, desde logo por via documental, da seguinte forma:
 
 «Ora o Tribunal deu como provado, neste âmbito, que “o arguido tomava 
 anabolizantes para obter melhores performances na actividade de powerlifting que 
 praticava” – cfr. Ponto IX 1 dos factos provados.
 Não tinha que se pronunciar sobre os possíveis efeitos secundários, não só 
 porque não foram alegados, mas também porque eram indiferentes para o 
 conhecimento da responsabilidade criminal do arguido.
 Aliás, alegando que tomava os anabolizantes “para obter melhores performances” 
 na actividade desportiva, não se vê como pudesse ter efeitos secundários para 
 outros efeitos também de ordem física.»
 
  
 
 135º Os efeitos secundários do uso de anabolizantes foram debatidos em audiência 
 de julgamento, pautando-se a mesma pelo princípio da descoberta da verdade 
 material, com vista à boa decisão da causa.
 
  
 
 136º Aliás, contrariamente ao entendimento vertido no Acórdão ora proferido, 
 referia o Supremo Tribunal Justiça, no Acórdão de 13/01/1999, Proc. nº 1126/98, 
 que consubstancia mesmo vício de insuficiência para a decisão sobre a matéria de 
 facto:
 
 “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da 
 discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre 
 da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados 
 todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela 
 acusação e pela defesa ou resultado da discussão da causa”
 
  
 
 137º O que foi entendido pelo próprio Tribunal da Relação, corroborando tudo 
 quanto possa ter sido decidido pelo Tribunal Judicial de Viseu, é que está ao 
 alcance do julgador contrariar directamente prova científica e desconsiderar, de 
 mote e decisão próprios, elementos probatórios que interessem à defesa e, acima 
 de tudo, à boa decisão da causa num processo equitativo.
 
 138º Ao mesmo tempo que se refere, de mote e decisão próprios, sem fundamento 
 objectivo, que a impotência sexual e falta de desejo do arguido enquanto 
 desportista de competição utilizador regular de esteróides anabolizantes nada 
 interessavam para se aferir da responsabilidade criminal do arguido, refere-se, 
 com igual transcrição no Acórdão recorrido para o Tribunal Constitucional, que:
 
 «…o tribunal também deu como não provado que “BB tivesse humilhado o arguido a 
 ponto de denegrir as suas capacidades sexuais perante amigos comuns” (…)
 Ora, para além da explicação dada pelo tribunal recorrido, para que se remete, 
 por reproduzida supra, não é credível, minimamente, que BB, conhecedora da 
 personalidade do arguido, se atrevesse a tal. Muito menos à frente dos amigos do 
 recorrente.
 A própria BB relata dois episódios, ocorridos em Maio, logo cerca de dois meses 
 após o início da relação, em que refere que o arguido a agrediu, factos que o 
 arguido acabou por reconhecer, embora dando explicação diferente para tais 
 comportamentos.
 Todo o conjunto da matéria de facto provada, desde logo a confessada pelo 
 arguido revelam uma personalidade autoritária e dominadora que não se coaduna de 
 modo algum com a atitude passiva do arguido, perante as alegadas afrontas que a 
 BB ousava lançar-lhe, como quiseram fazer crer as testemunhas UU e VV.”
 
  
 
 139º O Supremo Tribunal de Justiça vê nestes trechos da decisão da Relação 
 objectividade e divergência devidamente fundamentada a juízos e factos 
 científicos.
 
  
 
 140º Transcrevemo-lo perante V. Ex.ª pois o que dele resulta é o contrário, mais 
 justificando também os dois entendimentos legais infra, mantidos no Acórdão 
 recorrido, cuja inconstitucionalidade pretendemos levar à Vossa consideração, 
 sendo que sobre o segundo o Tribunal recorrido não se pronunciou.
 
  
 
 141º São desconsiderados os efeitos a toma de esteróides anabolizantes, de 
 conhecimento público e cientificamente demonstrados nos autos, porque 
 simplesmente se entendeu não terem interesse para a decisão sobre a matéria de 
 facto e a condenação do arguido, sem fundamento objectivo indicado para tal 
 entendimento, como bem se retira do Acórdão recorrido e trechos supra 
 transcritos.
 
  
 
 142º Os Tribunais arrogam-se poder escolher de entre a prova produzida a que 
 interesse e se melhor se coadune com a defesa da versão da ofendida e, assim, a 
 condenação do arguido.
 
  
 
 143º Ao mesmo tempo que se invoca, sem fundamento objectivo, o desinteresse da 
 impotência e falta de desejo sexual sofridos pelo arguido - que vinha acusado e 
 foi condenado por violação -, refere-se que as testemunhas arroladas na 
 contestação a que foi permitido depor em audiência falaram em afrontas e 
 comentários públicos que testemunharam por parte da ofendida BB ao arguido, de 
 cariz sexual, gozando e queixando-se das dificuldades deste no respectivo 
 desempenho sexual.
 
  
 
 144º Não há – nem podia haver – qualquer prova de que o arguido violasse a 
 ofendida quando tinha relações sexuais com ela, tendo os Tribunais se bastado 
 com o depoimento de BB e desconsiderado, sem fundamento qualquer objectivo, 
 prova científica de relevo e os depoimentos das testemunhas arroladas na 
 contestação com o argumento de que eram amigos do arguido e, por isso, à 
 partida, sem valor o que dissessem para esclarecimento dos factos.
 
  
 
 145º E assim, sem prova e contra a prova, foi este rapaz condenado até por 
 violação.
 
  
 
 146º Pura arbitrariedade, subjectividade, em afronta ao que se pretende seja um 
 processo equitativo, aos princípios da presunção de inocência e in dubio pro 
 reo, aos próprios propósitos de descoberta da verdade material e realização de 
 Justiça.
 
  
 
 147º Tal entendimento sobre a aplicação do artigo 127º do Código de Processo 
 Penal persiste no Acórdão recorrido, é mantido e evidencia-se no caso concreto e 
 condenação em apreço, pelo que, suscitado, o levamos à Vossa apreciação.
 
  
 
 15)        Dar-se como provado facto, em desfavor do arguido, com base em 
 desconhecimento ou dúvidas das testemunhas constitui violação do princípio da 
 presunção de inocência e, assim, do artigo 32º, nº 2, da Constituição da 
 República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem e dos artigos 10º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem.
 
  
 
 148º Da mesma forma, contrariamente ao que é referido no despacho objecto da 
 presente reclamação, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional é explícito e preciso no entendimento legal e judicial cuja 
 inconstitucionalidade é suscitada.
 
  
 
 149º O Tribunal recorrido não contesta que tal entendimento esteja patente no 
 Acórdão de 15 de Julho de 2008, antes fundamentando a rejeição do recurso para o 
 Tribunal Constitucional na falta de explicitação desse entendimento no 
 respectivo requerimento.
 
  
 
 150º Mas, como visto, o recorrente precisa exactamente qual é o entendimento que 
 pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, porque atentatório de 
 preceitos constitucionais, mencionando também expressamente de que preceitos se 
 trata e estarão em causa.
 
  
 
 151º Como já supra referíamos, o requerimento de interposição de recurso não se 
 confunde, como vem alertando o Tribunal Constitucional, com a alegação 
 posterior, após notificação para o efeito.
 
  
 
 152º O requerimento apresentado respeita o disposto nos artigos 70º e 75º-A da 
 Lei do Tribunal Constitucional, não havendo motivo para a sua imediata rejeição 
 pelo Tribunal recorrido.
 
  
 
 16)   É inconstitucional interpretação do artigo 349º do Código Civil e do 
 artigo 125º do Código de Processo Penal no sentido de se socorrer o Tribunal, na 
 falta de qualquer elemento probatório objectivo e concreto nesse sentido, de 
 apenas uma presunção para condenar o arguido por determinado facto, por violação 
 do artigo 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do 
 artigo 6º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 
 
 10º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 153º Nesta parte do requerimento de interposição de recurso, o Tribunal 
 recorrido invoca, como fundamento para rejeição do recurso, a final do despacho 
 de 13 de Agosto de 2008, que “o recorrente põe em cheque a decisão recorrida e 
 não qualquer interpretação de norma substantiva ou adjectiva que tenha violado 
 norma ou princípio constitucionais.”
 
  
 
 154º Tal não resulta do teor do requerimento de interposição de recurso, com 
 indicação precisa das normas legais e dos entendimento e aplicação das mesmas 
 cuja inconstitucionalidade tem vindo a suscitar, por violação de preceitos 
 constitucionais também devidamente mencionados.
 
  
 
 155º No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, foi invocada a forma como, 
 para condenação do arguido pela prática de violação, se socorreu o Tribunal 
 Judicial de Viseu de uma presunção., com completa anuência a este entendimento 
 por parte do Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão de 28 de Novembro de 
 
 2007.
 
  
 
 156º A decisão sobre a matéria de facto e condenação ao arguido consiste em:
 
 “4. Muitas vezes, no período em que o arguido conseguiu manter a BB consigo, na 
 zona de Lisboa, pelos meios referidos, obrigou-a a manter com ele relações de 
 cópula vaginal e anal, para além de a obrigar à prática de sexo oral, sendo 
 certo que a BB se opunha a tais práticas, só as suportando por receio de 
 consequências para a sua integridade física e mesma para a vida.
 
 5. Nas circunstâncias referidas, e designadamente em Novembro/Dezembro de 2004, 
 o arguido manteve relações sexuais com a BB, na referida residência, sempre 
 contra a vontade desta, relações sexuais essas às quais BB por vezes ofereceu 
 resistência, sendo que dessas vezes o arguido a agarrava com firmeza e utilizava 
 a força muscular, envolvendo-a com os braços para que ela não fugisse, 
 introduzia o pénis erecto na vagina, ânus ou boca, friccionando até ejacular, 
 suportando aquela BB idênticas práticas nas outras vezes por receio de 
 consequências para a sua integridade física e mesmo para a vida,
 
 6. O arguido ao obrigar a BB a entrar e a manter-se no seu carro para a 
 transportar para Lisboa, ao mantê-la fechada em casa e mesmo ao manter aquelas 
 referidas relações sexuais, agia sempre contra a vontade daquela, sabendo que 
 estava a privá-la indevidamente da sua liberdade física e de autodeterminação”
 
  
 
 157º Não há, como não podia haver, prova alguma objectiva, concreta e isenta de 
 que o arguido tenha alguma vez forçado a namorada a ter relações sexuais.
 
  
 
 158º Não foi produzida prova alguma, nem mesmo por via do depoimento da ofendida 
 BB em que a condenação se apoiou, que permitisse aquelas conclusões – e tal 
 pormenorização das mesmas - pelos Tribunais.
 
  
 
 159º A fundamentação em 1ª Instância da condenação por violação do arguido, não 
 contestada minimamente pelo Tribunal da Relação é a seguinte, como levada à 
 consideração do Supremo Tribunal de Justiça:
 
 “Assim sendo, e à luz das regras da experiência, não poderá deixar de 
 considerar-se absolutamente verosímil a versão da demandante trazida à audiência 
 de julgamento sobre o relacionamento sexual havido entre a mesma e o arguido, 
 forçado por este e contra a vontade daquela, já que não é razoável supor-se que 
 alguém colocado na situação da demandante – levada à força e contra a sua 
 vontade para determinados locais no contexto referido por ela e pelas 
 mencionadas testemunhas ( a algumas das quais também a demandante deu a saber 
 desse relacionamento sexual imposto pelo arguido e contra a sua vontade) – 
 chegado a tais locais se disponibilize a relacionar-se sexualmente com a pessoa 
 que lhe coarctou a liberdade para a colocar naquela situação, antes sendo  mais 
 plausível que, como até aí, a pessoa subjugada continue a resistir a esse 
 relacionamento sexual ou então a suportá-lo apenas e só por receio de mal maior, 
 para a sua integridade física ou para a vida, como referiu a demandante.”
 
  
 
 160º Evidencia-se que o Tribunal de Viseu e o Tribunal da Relação dão como 
 assente que o arguido violava a sua namorada considerando que da prática dos 
 crimes de coacção e de sequestro, que considerou provados, se presume que o 
 arguido também praticou o crime de violação.
 
  
 
 161º Como decorre da fundamentação dos Acórdãos de 1ª e 2ª instâncias, nem as 
 amigas íntimas ou mãe da demandante se referiram a qualquer tipo de problemas 
 sexuais no casal.
 
  
 
 162º E o que as testemunhas de defesa relataram, com precisão e pormenor, foi a 
 postura habitual e comentários depreciativos da demandante em público 
 relativamente ao desempenho sexual do arguido, dizendo que não chegava para ela. 
 
 
 
 163º Mesmo que ouvida a demandante, sem quaisquer reservas no que queira imputar 
 ao seu ex-namorado, como fez o Tribunal, não percebemos de onde retirou uma 
 conclusão, a título de facto provado, como:
 
 “…o arguido manteve relações sexuais com a BB, na referida residência, sempre 
 contra a vontade desta, relações sexuais essas às quais BB por vezes ofereceu 
 resistência, sendo que dessas vezes o arguido a agarrava com firmeza e utilizava 
 a força muscular, envolvendo-a com os braços para que ela não fugisse, 
 introduzia o pénis erecto na vagina, ânus ou boca, friccionando até ejacular, 
 suportando aquela BB idênticas práticas nas outras vezes por receio de 
 consequências para a sua integridade física e mesmo para a vida…”
 
  
 
 164º Esta conclusão é pura ficção, sem qualquer apoio e fundamentação que não 
 seja a já supra referida e transcrita condenação por presunção e, atento o 
 pormenor, considerações fantasiosas do próprio Tribunal, avançando com factos e 
 ideias que não foram sequer mencionados pela demandante.
 
  
 
 165º Não pretendíamos que fosse reapreciada a prova pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, mas sim que este Tribunal se pronunciasse sobre a condenação por via de 
 mera presunção que resulta quer do teor e fundamentação do Acórdão de 1ª 
 instância, quer do Acórdão do Tribunal da Relação.
 
  
 
 166º Mas, visto o Acórdão de 15 de Julho de 2008 do Supremo Tribunal de Justiça, 
 não há pronúncia efectiva sobre tal questão de direito, legalidade e afronta a 
 preceitos constitucionais.
 
  
 
 167º O Supremo Tribunal de Justiça considerou, nas páginas 17 a 22 do Acórdão 
 recorrido, que podia o arguido recorrer – como fez – para o Supremo Tribunal de 
 Justiça relativamente ao crime de violação.
 
  
 
 168º No entanto, no que ao mesmo respeita, apenas dele se socorreu na apreciação 
 da forma como os Tribunais interpretação e aplicaram o artigo 127º do Código de 
 Processo Penal desconsiderando e contrariando elementos probatórios de 
 apreciação vinculada, como o Relatório do Conselho Nacional de Antidopagem, a 
 fls. 736 dos autos, e o Partial Agreement in the Social and Public Health Field, 
 a fls. 738 e ss, que atestam – como deles expressamente resulta – a impotência 
 sexual e oscilações na libido do arguido, com falta de desejo sexual, enquanto 
 desportista de competição e utilizador regular de esteróides anabolizantes.
 
  
 
 169º Não se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em concreto, sobre a forma 
 como os Tribunais se socorreram de presunção para colmatar falta de prova que 
 permitisse condenar o arguido pela prática do crime de violação, atentando 
 contra o princípio da presunção de inocência.
 
  
 
 170º Presunção que resulta do próprio texto das decisões condenatórias 
 proferidas nos autos, como supra transcrito.
 
  
 
 171º Não há qualquer elemento probatório objectivo, concreto e consistente que 
 permita, em respeito pelos princípios da presunção de inocência e de in dubio 
 pro reo, concluir, muito menos presumir a prática do crime de violação e, com 
 isto, se entender ter-se prosseguido o fim da descoberta material e realização 
 de Justiça.
 
  
 
 172º Não só não há prova, como o Tribunal de Viseu desatendeu e decidiu mesmo 
 contra prova documental científica (que é, como não deixou de dizer o Tribunal 
 da Relação, de apreciação vinculada): caso dos relatórios suscitados, 
 solicitados e juntos aos autos, de que se destaca o Relatório do Conselho 
 Nacional de Antidopagem, atestando aquilo que, de resto, é facto público e 
 notório (“célebres”, como até refere o Supremo Tribunal de Justiça): a toma de 
 anabolizantes tem como efeitos secundários a hipertensão arterial e perturbações 
 da libido, ou seja,  impotência sexual e falta de desejo.
 
  
 
 173º O resultado é uma condenação injusta, tendo os Tribunais extravasado em 
 muito o “poder da livre apreciação da prova”, ao decidir contra ela, na falta 
 dela, com base em puras presunções e opiniões próprias, perfeitamente 
 insustentadas em termos probatórios.
 
  
 
 174º E tal interpretação legal e actuação judicial constituem violação do artigo 
 
 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, 
 nºs 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 10º e 11º, 
 nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
  
 
 175º É este o entendimento explicitado no requerimento de interposição de 
 recurso, que persiste nos autos, não tendo o próprio Supremo Tribunal de Justiça 
 se pronunciado efectivamente sobre ele.
 
  
 
 176º Não se compreende, pois, como rejeita o recurso para o Tribunal 
 Constitucional imputando ao recorrente falta de indicação – que tem sido 
 exaustiva desde o primeiro recurso para o Tribunal da Relação – do entendimento 
 que, nesta parte, afronta a Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
           2.6 – Já neste Tribunal, o representante do Ministério Público, pugnou 
 pelo indeferimento da reclamação, com base nas seguintes razões:
 
  
 
 “A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
 Assim, quanto às questões interlocutórias suscitadas em sede de alegada 
 deficiência das gravações e da limitação das testemunhas, não tem o reclamante 
 em consideração que o STJ, no acórdão recorrido não as apreciou sequer, por 
 entender que a decisão da Relação, proferida sobre a primeira, era irrecorrível 
 e que tinha transitado em julgado a decisão. Proferida em audiência de 
 julgamento, sobre a segunda – não aplicando, como é óbvio, as interpretações 
 expendidas, de forma, aliás, confusa, no requerimento de recurso.
 Quanto às questões ligadas à apreciação da prova, são obviamente desprovidas de 
 carácter normativo, não especificando ostensivamente o recorrente, a propósito 
 delas, qualquer critério ou interpretação normativa que o Supremo tenha aplicado 
 efectivamente à dirimição do caso”.
 
  
 
  
 
           2.7 – Na sequência, foi o reclamante notificado nos termos do disposto 
 nos artigos 3.º, n.º 3 e 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis 
 ex vi o disposto no artigo 69.º da LTC, para se pronunciar, querendo, no prazo 
 de 10 dias, sobre os fundamentos de inadmissibilidade do recurso invocados 
 naquele parecer, na parte em que os mesmos não sejam integralmente coincidentes 
 com os constantes do despacho reclamado.
 
  
 
           2.8 – Em resposta, o reclamante veio sustentar que:
 
           “(...)
 I- Da questão das comprovadas deficiências gravíssimas da gravação da prova 
 produzida em julgamento 
 
  
 
 1° Com atenção para com o teor preciso do Vosso despacho, devemos pronunciar-nos 
 sobre o primeiro juízo que se nos afigura inconstitucional e para o qual 
 pedimos, por gravidade maior na afronta a direitos humanos e processuais 
 fundamentais, a Vossa consideração. 
 
 2º Trata-se do entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a 
 questão de direito das falhas muito graves da gravação do julgamento e 
 consequente violação da garantia do duplo grau de jurisdição – como persiste 
 verdadeiramente provado nos autos, para todos os devidos e possíveis efeitos. 
 
 3º Importa precisar e reforçar os factos e decisões respeitantes a tal questão, 
 de tão grave que a mesma é, sem perder de vista o objectivo concreto desta 
 resposta, com referência ao Parecer do Exmo. representante do Ministério 
 Público. 
 
 4º Tem o arguido vindo a pedir a consideração dos Tribunais Superiores – 
 Tribunal da Relação de Coimbra e Supremo Tribunal de Justiça – para com a 
 inexistência da devida gravação de praticamente toda a prova testemunhal 
 produzida em audiência de discussão e julgamento, como comprovado nos autos 
 
 (cassetes magnetofónicas e própria transcrição). 
 
 5° As deficiências da gravação são muito graves, manifestas neste caso, com 
 consequente preclusão do efectivo duplo grau de jurisdição não tendo o arguido 
 podido exercer o seu direito fundamental de defesa e contar no seu processo com 
 uma verdadeira a efectiva reapreciação da decisão.
 
 6° É esta questão inultrapassável, que resulta dos próprios autos com toda a 
 evidência: atentas as deficiências de gravidade maior da gravação da prova 
 produzida em julgamento, o arguido não teve direito a um recurso efectivo da sua 
 condenação em 1ª instância; não viu, de forma alguma, asseguradas todas as 
 garantias de defesa como previsto na Constituição da República Portuguesa; não 
 teve um processo equitativo, com violação flagrante da própria Convenção 
 Europeia dos Direitos do Homem. 
 
 7° As cópias da gravação do julgamento foram facultadas à actual mandatária do 
 arguido pelo 1° Juízo do Tribunal Judicial de Viseu apenas em 10 de Abril de 
 
 2007, dez dias após ter sido proferido o Acórdão condenatório em 30 de Março de 
 
 2007, quando dispunha o arguido, à data, de quinze dias para interposição de 
 recurso (tudo o que também resulta objectivamente dos autos). 
 
 8° Detectadas, obviamente que após a sua audição, as deficiências gravíssimas da 
 gravação do julgamento, tal questão foi levada à apreciação do Tribunal da 
 Relação de Coimbra nos cinco dias remanescentes, contados do dia em que foi 
 facultada a própria gravação ao arguido, tendo o recurso sido apresentado já com 
 pagamento de muita atentos o escasso período de tempo deixado ao arguido para a 
 sua elaboração e interposição. 
 
 9° Para nossa inevitável e confessa surpresa, o Tribunal da Relação de Coimbra 
 manifestou-se sobre a questão referindo que o facto – comprovado nos autos – de 
 não se ouvirem minimamente quaisquer das perguntas feitas em Tribunal a 
 praticamente todas as testemunhas não impedia que se pronunciassem sobre a 
 decisão sobre a matéria de facto e a condenação do arguido pois o exercício 
 fundamental de defesa do arguido bastava-se com uma adivinhação/presunção pelo, 
 Tribunal de recurso daquelas perguntas. 
 
 10° E com esta adivinhação de perguntas a respostas que muitas vezes – como 
 resulta e obviamente que continuará a resultar das cassetes e transcrição 
 existentes nos autos – se resumiram a “Sim”, “Não”, “Não sei” e outras respostas 
 absolutamente incompreensíveis sem que se ouvisse a pergunta bastou-se o 
 Tribunal da Relação, simplesmente mantendo, como no seu entender irrepreensível, 
 tudo o que foi entendido e decidido em 1ª Instância. 
 
 11° Referia o Tribunal da Relação, na página 35 do respectivo Acórdão, que “é na 
 prova produzida oralmente em audiência que o Tribunal recorrido forma a sua 
 convicção, constituindo o registo, apenas um meio de controlo do julgamento 
 efectuado com base na oralidade e imediação.” 
 
 12º E mais referiu o Tribunal da Relação que, havendo como há deficiência 
 gravíssima na gravação da prova em audiência, “trata-se de cópias fornecidas ao 
 recorrente, extraídas dos originais gravados durante a audiência, durante a qual 
 não foram suscitadas quaisquer dúvidas sobre a gravação efectuada” 
 
 13° Ora, é, desde logo, objectivamente impossível conhecer das deficiências 
 graves de que poderá vir a pecar uma gravação enquanto a mesma está a ser feita. 
 
 
 
 14° Atento o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra sobre questão tão 
 grave e a consequente preclusão ao arguido de um efectivo recurso e duplo grau 
 as jurisdição, foi a questão levada à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, 
 cabendo dentro dos seus poderes de cognição, quer porque se trata de questão de 
 direito, quer atento o disposto no nº 3 do artigo 410°, do Código de Processo 
 Penal. 
 
 15° Foi pedido ao Supremo Tribunal de Justiça que, com referência ao 
 entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra plasmado no respectivo Acórdão, 
 fosse considerada e apreciada a forma corno foi seriamente coarctado este 
 arguido no legítimo e por demais justificado recurso em sede de matéria de 
 facto, recusando-se-lhe o próprio duplo grau de jurisdição. 
 
 16° O processo em causa é comum colectivo, pelo que era obrigatória, por Lei, 
 sua gravação, que competia, naturalmente, ao Tribunal assegurar, dando 
 cumprimento ao princípio geral constante do artigo 363° do Código de Processo 
 Penal. 
 
 17° As falhas da gravação são por demais graves, não tendo sequer sido possível 
 uma completa e devida transcrição, nos termos do nº 4 do artigo 412° do Código 
 de Processo Penal – como resulta, objectiva e comprovadamente, dos autos. 
 
 18° Pelas falhas e irregularidades da gravação e a consequente ausência e 
 desconhecimento de toda a prova produzida, tornou-se impossível para o arguido 
 impugnar devidamente a decisão sobre a matéria de facto, tal como para o 
 Tribunal da Relação efectivamente reapreciá-la, que não apenas depreender o que 
 foi verdadeiramente dito e dar, a priori e de todo o modo, como sempre certa a 
 decisão do Tribunal de 1ª Instância. 
 
 19° O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão da deficiência 
 grave da gravação do julgamento e consequente recusa ao arguido de um electivo 
 recurso e duplo grau de Jurisdição dizendo que: 
 
 “….constitui uma mera irregularidade sujeita à disciplina do artigo 123º do CPP, 
 e portanto devendo ser arguida pelo interessado no prazo aí estipulado”. (Página 
 
 22 e ss do Acórdão recorrido) 
 
 20º Considerou ainda o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 15 de Julho de 
 
 2008, que a questão das deficiências graves da gravação do julgamento e 
 suscitada afronta aos direitos e garantias fundamentais de defesa do arguido, 
 como consagrados na Constituição da República Portuguesa e na Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem, não consubstanciam questão de Direito que merecesse a sua 
 apreciação. 
 
 21° No despacho reclamado de 13 de Agosto de 2008, transcrito no Vosso douto 
 despacho, referiu o Supremo Tribunal de Justiça, como seu fundamento para a 
 rejeição do recurso para o Tribunal Constitucional nesta parte, que: 
 
 “...quanto às pretensas deficiências da gravação, o recorrente não indicou o 
 sentido com que, na decisão recorrida, foram interpretadas as normas do Código 
 de Processo Penal cuja aplicação redundou em inconstitucionalidade, por 
 violadora de normas e princ4oios constitucionais, nomeadamente o direito de 
 defesa. Mais precisamente: em que é que o considerar-se, a deficiência da 
 gravação corno simples irregularidade, devendo ser arguida nos termos do prazo 
 do art. 123° do CPP (o que ele não fez,), afronta o aludido direito de defesa. 
 Além disso, o recorrente invoca violação do duplo grau de jurisdição, quando 
 esse grau foi garantido, pelo que a sua alegação é manifestamente improcedente” 
 
 22° O Supremo Tribunal de Justiça, aqui recorrido, considera, pois, que a 
 deficiência da gravação do julgamento deveria ter sido suscitada no acto, no 
 julgamento, enquanto este decorria e aquela era feita, pelo arguido que a estava 
 presente, pois, no seu entender, é mera irregularidade, estando sujeita ao 
 regime do artigo 123° do Código de Processo Penal. 
 
 23° Como já referido, não é, desde logo, objectivamente possível ao arguido, 
 presente no julgamento, adivinhar, pressentir ou prever que a gravação em curso 
 não estava a ser bem feita e vida a pecar por falhas tão graves. 
 
 24° Mais considerou o Supremo Tribunal de Justiça, ao mesmo tempo que reconduziu 
 as falhas graves da gravação e a impossibilidade objectiva e inultrapassável dai 
 decorrente de exercício efectivo, real, do direito fundamental de recurso a 
 meras irregularidades, que o duplo grau de jurisdição foi assegurado. 
 
 25° A gravação e a transcrição constam dos autos, como estão, como foram feitas, 
 evidenciando-se a impossibilidade flagrante do arguido ter tido direito a uma 
 efectiva reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e a sua condenação, ou 
 seja, que não foram, de forma alguma, assegurados, neste caso, ao arguido um 
 recurso efectivo e um verdadeiro duplo grau de jurisdição – que não apenas a 
 ilusão de tais direitos elementares 
 
 26° Não se trata de mera irregularidade e, salvo o muito e sempre devido 
 respeito, nem sentido faz, pelo já exposto e quanto resulta do próprio artigo 
 
 123º do Código de Processo Penal, dizer se que o arguido teria que suscitar as 
 falhas da gravação no próprio julgamento, quando, como é óbvio, ainda as 
 necessariamente desconhecia e não podia sequer prever. 
 
 27° Trata-se de questão de Direito, de afronta a direitos e garantias 
 constitucionais, justificando a repetição que se pediu do julgamento. 
 
 28° É, de resto, o que tem vindo a ser decidido: em casos porventura nem tão 
 graves nas falhas/inaudição da gravação do julgamento, suscitada a questão em 
 recurso, é por vezes o próprio Tribunal recorrido que, atentas aquelas falhas, 
 imediatamente determina a repetição do julgamento ou dos depoimentos 
 prejudicados, com vista a que sejam asseguradas ao arguido todas as garantias 
 constitucionais de defesa, por via do expediente fundamental do recurso, e, 
 assim, a indispensável equidade processual 
 
 29° Com precisa atenção para com o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça no Acórdão de 15 de Julho de 2008, novamente mencionado no próprio 
 despacho reclamado, e atenta a maior gravidade deste questão de direito, que 
 contende seriamente com direitos humanos e processuais fundamentais, foi 
 inevitavelmente interposto recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
 30° Não podemos concordar com o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça no Acórdão recorrido, tendo levado à Vossa consideração e melhor decisão 
 a inconstitucionalidade e? afronta grave aos direitos humanos do arguido de: 
 
 “interpretação do artigo 4OOº, nº 1, alínea c), do artigo 434°, do 410° nº 3, do 
 artigo 123°, nºs 1 e 2, e dos artigos 363° e 364° do Código de Processo Penal no 
 sentido de que as deficiências graves de gravação de praticamente todos os 
 depoimentos fundamentais prestados na audiência de discussão e julgamento, 
 comprovadas na própria transcrição constante dos autos, se tratam de mera 
 irregularidade e não merecem apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, por 
 resultarem violados a garantia ao próprio duplo grau de jurisdição, o cerne aos 
 direitos e garantias fundamentais de defesa do arguido, e a equidade processual, 
 ou seja, o consagrado nos artigos 20°, nº 4, 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da 
 República Portuguesa tal como no artigo 6° nºs 1 e 3, alínea b), e 13° da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda nos artigos 8° e 11°, nº 1, da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem.” 
 
  
 e de 
 
  
 
 “Admitir-se validade ao julgamento quando este não foi, em depoimentos 
 fundamentais, correctamente gravado, impossibilitando o arguido o direito a 
 impugnar e ver efectivamente reapreciada a decisão proferida sobre a matéria de 
 facto, por violação dos artigos 363º, 364º, 399º,410º, nº 3, e do próprio artigo 
 
 20º, nº 4, 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, tal como do 
 artigo 6°, nºs 1 e 3, alínea b, e 13° da Convenção Europeia dos Direitos do 
 Homem, e ainda dos artigos 80 e 11°, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos 
 do Homem,” 
 
 31° Contrariamente ao que é referido pelo Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto 
 junto do Tribunal Constitucional, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 
 consta entendimento sobre a questão em apreço e é esse preciso entendimento que 
 levamos à apreciação, na sua inconstitucionalidade, do Tribunal Constitucional. 
 
  
 II— Da questão de direito da limitação indevida do rol de testemunhas 
 
  
 
 32° Também nesta parte devemos pronunciar-nos, atenta a motivação aduzida pelo 
 Exmo. Senhor representante do Ministério Público. 
 
 33° Refere o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto que o Supremo Tribunal de 
 Justiça não apreciou a questão da limitação indevida a cinco das vinte 
 testemunhas arroladas pelo arguido em Contestação, pelo que não poderá ser o 
 entendimento do Tribunal recorrido objecto de recurso para o Tribunal 
 Constitucional. 
 
 34º No requerimento de recurso invocou o arguido a ilegalidade e a 
 inconstitucionalidade de: 
 
 “Aplicação do artigo 283°, nº 3, alínea d), para que remete o artigo 315°, nº 4, 
 ambos do Código de Processo Penal, no sentido de limitar o arguido – como o foi 
 
 – a cinco testemunhas abonatórias das 20 arroladas em contestação como é 
 inconstitucional interpretação do artigo 434º daquele mesmo diploma legal no 
 sentido de não merecer aquele atropelo à Lei apreciação em sede de recurso, 
 atento dele resultar preclusão indevida das garantias de defesa do arguido e 
 persistir evidente violação do princípio da presunção de inocência[2], ou seja, 
 por violação dos artigos 20º, nºs 1 e 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, tal como da equidade e igualdade processuais previstas no artigo 6º, 
 nºs 1, 2 e 3, alínea b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda de 
 quanto resulta dos artigos 10º e 11º, nº 1, da Declaração universal dos Direitos 
 do Homem.”
 
  
 
 35º Afigura-se ao arguido inconstitucional o próprio entendimento do Supremo 
 Tribunal de Justiça de não merecer apreciação a questão em apreço e isso mesmo 
 deixou de ser suscitado perante o Tribunal Constitucional no recurso em apreço.
 
 36º Reiteramos e damos aqui por reproduzida a motivação da reclamação nessa 
 parte.
 
 37° Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que se trata de questão que não lhe 
 cabe conhecer, mas é uma questão, de direito, legalidade, constitucionalidade. 
 
 38° Determinar-se que o arguido desse cumprimento ao disposto no artigo 263°, nº 
 
 3, alínea d), indicando quais, das vinte testemunhas arroladas na contestação, 
 iriam depor apenas em abono do arguido é coisa bem distinta do que sucedeu, 
 reduzindo-se, ilegalmente, a defesa do arguido a cinco testemunhas abonatórias e 
 não chamando a audiência as quinze restantes testemunhas arroladas na 
 contestação e notificadas para comparecer, para esclarecimento dos factos e 
 descoberta da verdade. 
 
 39° O Tribunal rege-se, na função maior de julgar, por princípios fundamentais, 
 como o da descoberta da verdade material, para boa e justa decisão da causa. 
 
 40° Será, assim, atentatório da própria Constituição da República Portuguesa 
 considerar-se que, se os direitos humanos e fundamentais do arguido foram 
 violados pelo Tribunal, o problema ficou sanado por o arguido não ter reagido à 
 data, como se o interesse na descoberta da verdade e na realização de Justiça 
 fosse apenas do arguido, que não minimamente do próprio Tribunal. 
 
  
 III – Das questões ligadas à apreciação da prova 
 
  
 
 41º Nesta parte, verificamos que a motivação do Exmo. Senhor representante do 
 Ministério Público coincide, da mesma forma genérica, com os argumentos 
 constantes do despacho reclamado, pelo que, atento o Vosso douto despacho de 29 
 de Outubro de 2008, nada temos a acrescentar – antes apenas REITERAR quanto Vos 
 foi levado à consideração no recurso e na reclamação apresentada. 
 
 42° O requerimento de interposição de recurso afigura-se-nos preciso e conforme 
 ao que dele é exigido à luz da Lei do Tribunal Constitucional nos juízos cuja 
 inconstitucionalidade se submete à Vossa apreciação e à Vossa decisão, com 
 explicitação na reclamação apresentada das razões de discordância da rejeição do 
 recurso pelo Tribunal recorrido. 
 
 43° Apenas nos permitimos reforçar, em apelo aos habituais vigor e rigor do 
 Tribunal Constitucional na adequada e justa conformação de decisões judiciais 
 com valores e princípios maiores, tal como o respeito por direitos humanos, a 
 gravidade deste processo, em que, de forma elucidativa, se tem vindo a entender 
 ser até indiferente uma adequada gravação da prova com vista a que o arguido 
 pudesse ter e ver assegurados o seu direito de defesa e uma efectiva 
 reapreciação da sua condenação pelo Tribunal de recurso”.
 
  
 Perante o relatado, importa agora julgar.
 
  
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
  
 
             3 – Como é consabido, o objecto do recurso de fiscalização concreta 
 de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da 
 Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas se pode 
 traduzir numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão 
 recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento 
 normativo do aí decidido. 
 
             Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e 
 incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra 
 recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da 
 constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da 
 natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. José Manuel M. 
 Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e 
 actualizada, 2007, pp. 31 e segs), e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, 
 publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, 
 publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma 
 linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II 
 Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de 
 citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de 
 Outubro de 2000). 
 
             Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas se afigura possível 
 quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja 
 constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento 
 normativo do aí decidido. 
 
             Por esse motivo, tem a jurisprudência deste Tribunal sublinhado que 
 nada impede que, ao invés de se suscitar a inconstitucionalidade de um preceito 
 legal, se questione apenas um seu segmento ou uma determinada dimensão normativa 
 
 (cf., entre a abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 
 
 367/94 – publicado no DR II série, de 7 de Setembro de 1994 –: “ao suscitar-se a 
 questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, 
 apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça (…) esse 
 sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, 
 no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na 
 sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a 
 constituição”), contudo, em tal hipótese, é necessário que a norma que se coloca 
 
 à apreciação do Tribunal Constitucional tenha sido, efectivamente, aplicada in 
 casu com a interpretação que se entende inconstitucional (e que tenha 
 constituído a ratio decidendi do juízo proferido) – cf., nesse sentido, entre 
 outros, o Acórdão n.º 139/95, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 
 30.º volume, 1995, o Acórdão n.º 197/97, publicado no Diário da República, IIª 
 Série, n.º 299, de 29 de Dezembro de 1998 e, mais recentemente, o Acórdão n.º 
 
 214/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
 Concretizando, ainda, um outro aspecto do seu regime, cumpre acentuar que, sendo 
 o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído 
 por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não 
 pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em sim 
 própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios 
 constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito 
 infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no 
 que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado 
 
 às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
 
             Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos 
 para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de 
 normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da 
 Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub 
 species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais 
 tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação 
 
 (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este 
 Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in 
 concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não 
 incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a 
 conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo 
 ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade 
 normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II 
 Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por 
 exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 
 
 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, 
 publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
 
             A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos 
 recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações 
 normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência 
 Constitucional, 3, p. 8) que «É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – 
 embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito 
 legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende 
 controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e 
 específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do 
 juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na 
 sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a 
 aplicação do direito […]».
 
             Em suma, como se disse no Acórdão n.º 44/85, “saber se a norma era 
 ou não aplicável ao caso, ou se foi ou não bem aplicada – isso é da competência 
 dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional” (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, vol. 5, 1985, p. 408), aceitando o Tribunal como um dado a 
 interpretação-aplicação realizada pelas instâncias.
 
           Postas tais considerações, importa agora verificar do cumprimento dos 
 mencionados pressupostos do recurso de constitucionalidade, tendo em conta o 
 modo como os mesmos foram assumidos no despacho reclamado.
 
           Vejamos, então.
 
  
 
           3.1 – No seu requerimento de interposição de recurso, o recorrente 
 começa por colocar à apreciação deste Tribunal a fiscalização da conformidade 
 constitucional de duas “normas” referentes às alegadas deficiências da gravação 
 da audiência de discussão e julgamento em 1.ª Instância, sustentando que [a)] “é 
 inconstitucional [a] interpretação do artigo 400º, nº 1, alínea c), do artigo 
 
 434º, do 410º, nº 3, do artigo 123º, nºs 1 e 2, e dos artigos 363º e 364º do 
 Código de Processo Penal no sentido de que as deficiências graves da gravação de 
 praticamente todos os depoimentos fundamentais prestados na audiência de 
 discussão e julgamento, comprovadas na própria transcrição constante dos autos, 
 se tratam de mera irregularidade e não merecem apreciação pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça, por resultarem violados a garantia do próprio duplo grau de 
 jurisdição, o cerne dos direitos e garantias fundamentais de defesa do arguido, 
 e a equidade processual, ou seja, o consagrado nos artigos 20º, nº 4, 32º, nºs 1 
 e 5, da Constituição da República Portuguesa, tal como no artigo 6º nºs 1 e 3, 
 alínea b), e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda nos 
 artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem”, e que 
 
 [b)] “é ilegal e inconstitucional admitir-se validade ao julgamento quando este 
 não foi, em depoimentos fundamentais, correctamente gravado, impossibilitando o 
 arguido o direito a impugnar e ver efectivamente reapreciada a decisão proferida 
 sobre a matéria de facto, por violação dos artigos 363º, 364º, 399º, 410º, nº 3, 
 e do próprio artigo 428º do Código de Processo Penal, evidenciando-se a violação 
 do artigo 20º, nº 4, 32º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, tal 
 como do artigo 6º, nºs 1 e 3, alínea b), e 13º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem”.
 
           Confrontando o teor destas proposições, vertidas em juízos de 
 inconstitucionalidade, com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, na parte em 
 que se decidiu a matéria das alegadas deficiências das gravações, constata-se 
 efectivamente que “o recorrente não indicou o sentido com que, na decisão 
 recorrida, foram interpretadas as normas do Código de Processo Penal cuja 
 aplicação redundou em inconstitucionalidade (sublinhado aditado)”, dado que os 
 critérios definidos pelo recorrente não espelham o sentido normativo acolhido in 
 casu como ratio decidendi do julgado.
 
           Em relação à matéria em causa, cumpre referir, antes de mais, que, 
 apesar do Supremo Tribunal de Justiça ter começado por afirmar que “o arguido 
 não suscitou a irregularidade da deficiência das gravações nos termos e no prazo 
 do artigo 123.º do CPP, o que implicava a sanação da irregularidade, se a 
 houvesse”, o certo é que, do mesmo passo, considerando que a decisão do Tribunal 
 da Relação conhecera da questão e, partindo do pressuposto que dela conheceu 
 legalmente, decidiu-se que o juízo formulado naquela instância – segundo o qual 
 se concluiu que “não se verificou a existência de qualquer irregularidade de 
 gravação que possa inquinar a reapreciação da prova” – não comportava recurso 
 para o Supremo por irrecorribilidade fundada no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), 
 do Código de Processo Penal, tal como, de resto, se mostra vertido no segmento 
 decisório do Acórdão.
 
           Deste modo, estando em causa questões diferenciadas e com autónoma 
 concretização normativa, torna-se evidente que a indicação do sentido com que as 
 normas foram aplicadas apenas poderia fazer-se denunciando, por referência aos 
 diferenciados suportes normativos, a concreta dimensão em que aqueles foram 
 aplicados, ou seja, sindicando, na óptica do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do 
 Código de Processo Penal, a inconstitucionalidade da irrecorribilidade de 
 decisões interlocutórias que não ponham termo à causa, tendo em conta que a 
 decisão relativamente a esta matéria acabou por ser fundada na 
 
 “inadmissibilidade do recurso relativamente às questões interlocutórias”.
 
           Ora, esta específica dimensão normativa não foi controvertida a se 
 pelo recorrente que erigiu o recurso de constitucionalidade em torno de uma 
 
 “norma” que não constituiu ratio decidendi do julgado.
 
           Acresce ainda ao exposto que, na parte circunstancialmente em causa, o 
 recurso vem suportado num objecto inidóneo porque referido à qualificação 
 resultante da aplicação dos critérios legais e não, tout court, a esses 
 específicos fundamentos normativos, como transparece do facto do reclamante 
 controverter, apenas sob a forma de norma, a decisão na parte em que subsume as 
 deficiências de gravação ao elenco das irregularidades.
 
           De resto, esta conclusão não só abrange a norma supra referida em a), 
 como também o juízo de “ilegal[idade] e inconstitucional[idade]” que se imputa à 
 decisão projectada na “validade ao julgamento quando este não foi, em 
 depoimentos fundamentais, correctamente gravado, impossibilitando o arguido o 
 direito a impugnar e ver efectivamente reapreciada a decisão proferida sobre a 
 matéria de facto”, sendo evidente que o problema aí equacionado não é de 
 inconstitucionalidade normativa, mas de sindicância da decisão à qual o 
 reclamante atribui o referido resultado.
 
  
 
           3.2 – Iguais conclusões valem, mutatis mutandis, para a consideração 
 de que “é ilegal e inconstitucional aplicação do artigo 283º, nº 3, alínea d), 
 para que remete o artigo 315º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, no 
 sentido de limitar o arguido – como o foi – a cinco testemunhas abonatórias das 
 
 20 arroladas em contestação, tal como é inconstitucional interpretação do artigo 
 
 434º daquele mesmo diploma legal no sentido de não merecer aquele atropelo à Lei 
 apreciação em sede de recurso, atento dele resultar preclusão indevida das 
 garantias de defesa do arguido e persistir evidente violação do princípio da 
 presunção de inocência, ou seja, por violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, 
 nº 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (...)”.
 
           Também aqui é patente que o Supremo Tribunal não aplicou os referidos 
 critérios, por considerar irrecorrível a decisão da Relação sobre a matéria em 
 causa, nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de 
 Processo Penal, retendo, do mesmo passo, que sendo uma questão suscitada e 
 decidida durante a audiência de julgamento, o reclamante, não tendo reagido, 
 deixou transitar em julgado a questão.
 
           Por outro lado, também, neste caso, sempre, seria de concluir que, tal 
 como o reclamante definiu o objecto do recurso, a questão sindicanda não tem 
 natureza normativa, referindo-se outrossim à aplicação dos preceitos referidos 
 que se tem por ilegal e inconstitucional, o que se revela particularmente 
 evidente na parte em que se define o critério interpretativo extraído do artigo 
 
 434.º do Código de Processo Penal a partir do resultado subsuntivo-aplicativo, 
 sem explicitação do critério normativo que o possibilitou.
 
  
 
 3.3 – O reclamante considera também inconstitucional o “entendimento dos artigos 
 
 434º e 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, vertido no Acórdão recorrido, no 
 sentido de vedar ao arguido o exercício efectivo do direito fundamental de 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão proferido em recurso pelo 
 Tribunal da Relação sobre os vícios previstos naquele segundo preceito legal, 
 quando esses mesmos vícios resultam do próprio acórdão do Tribunal da Relação na 
 apreciação que faz sobre a prova e na sua decisão sobre a matéria de facto 
 provada, por violação dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 2 da 
 Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nº 1, e 13º da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e ainda dos artigos 8º e 11º, nº 1, da 
 Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
 
           Neste caso, tal como no decidido supra (ponto 3.1.), é patente que o 
 reclamante não definiu o objecto do recurso, por indicação do sentido com que, 
 na decisão recorrida, foram interpretadas as normas do Código de Processo Penal 
 cuja aplicação redundou em inconstitucionalidade.
 
           De facto, compulsando o teor do Acórdão do Supremo, chega-se à 
 conclusão de que o recurso interposto nesta parte não dizia respeito ao elenco 
 dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, “visa[ndo] 
 tão-só a reanálise e reinterpretação da prova produzida, com o pretexto de que o 
 tribunal a quo errou notoriamente na interpretação e valoração que fez dessa 
 prova, ou incorreu em contradição insanável ou ainda que a prova produzida é 
 insuficiente para a condenação (o que não corresponde, em nenhum caso, à 
 alegação dos erros-vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP)”.
 
           Daqui resulta que, na economia do decidido, os vícios alegados não se 
 reconduziam a qualquer uma das situações previstas no artigo 410.º, n.º 2, do 
 Código de Processo Penal, razão pela qual se julgou manifestamente improcedente 
 o recurso em matéria de facto sem que fosse feita aplicação da norma que o 
 reclamante considera inconstitucional.
 
           Por esse motivo, independentemente das considerações tecidas quanto à 
 interpretação acolhida, relativamente ao conhecimento dos vícios previstos na 
 referida norma, a ratio decidendi assumida pelo Supremo não se revela 
 coincidente ou compatível com a definição normativa constante do objecto do 
 recurso.
 
  
 
           3.4 – Considere-se, agora, a “interpretação e aplicação do princípio 
 constante do artigo 127º do Código de Processo Penal admitindo-se que o Julgador 
 possa, de forma patente, nos acórdãos condenatórios, proceder a uma valoração, 
 puramente, subjectiva da prova para suprir insuficiência de elementos 
 probatórios e possa, sem fundamento concreto e objectivo, contrariar ou 
 desatender na sua decisão factos objectivos cientificamente atestados são 
 inconstitucionais, por violação do artigos 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da 
 República Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem, tal como do artigo 11º da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem”.
 
           Quanto a esta questão, a mera leitura do que se deixou consignado nos 
 pontos 10.2 e 10.3 do aresto do Supremo bastaria para que se concluísse que, na 
 realidade, a “norma” que o reclamante pretende ver apreciada sub species 
 constitutionis acaba por reconduzir-se à mera crítica do julgado tendo em conta 
 as conclusões que aí se assumiram e que constituem o contra-pólo negativo do 
 
 “sentido” que o reclamante deixa transparecer do critério imputado ao artigo 
 
 127.º do Código de Processo Penal, não tendo o Tribunal admitido que o “o 
 julgador possa, de forma patente, nos acórdãos condenatórios, proceder a uma 
 valoração, puramente, subjectiva da prova, para suprir insuficiência de 
 elementos probatórios e possa, sem fundamento concreto e objectivo, contrariar 
 ou desatender, na sua decisão, factos objectivos, cientificamente, atestados”.
 
           É certo que, na perspectiva do reclamante, a aplicação vertida no 
 julgado conduzirá à proposição conclusiva com que definiu o objecto do recurso.
 
           Todavia, atentos os poderes de cognição deste Tribunal, essa matéria, 
 por exorbitar da esfera de controlo da constitucionalidade de normas, não é 
 susceptível de ser conhecida nesta sede.
 
           Assim sendo, entendendo-se que o reclamante não explicitou nem 
 reflectiu no critério em causa a dimensão normativa, efectivamente, aplicada à 
 dirimição do caso, improcede a reclamação nesta parte.
 
  
 
           3.5 – Como se disse, o reclamante considerou igualmente que “fazer 
 depender uma apreciação efectiva da suscitada violação do princípio in dubio pro 
 reo e do princípio da presunção de inocência de uma efectiva consideração dos 
 vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, a que, por 
 sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça não procede por entender ser bastante o 
 recurso em sede de matéria de facto para o Tribunal da Relação, ainda que 
 persistam, como suscitado, aqueles vícios no acórdão desta, constitui violação 
 dos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nº 1 e 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, tal como do artigo 6º, nºs 1 e 2, e 13º da Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem e dos artigos 8º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do 
 Homem”.
 
           Tal como se decidiu no despacho reclamado, é bem visível que tal 
 questão não tem qualquer conteúdo normativo, não se encontrando sequer 
 formalmente ancorada em qualquer preceito de direito positivo, daí resultando 
 que o reclamante apenas sindica a decisão judicial e não qualquer norma que lhe 
 esteja subjacente.
 
           Independentemente desta conclusão, não pode olvidar-se que o Supremo 
 Tribunal de Justiça (cf. ponto 10.4 da decisão recorrida) perfilhou nesta sede 
 um critério normativo que não coincide com o conteúdo apodado de 
 inconstitucional.
 
  
 
           3.6 – Idêntica conclusão vale, sem necessidade de ulteriores 
 explicitações, para a pretensão do reclamante relativamente ao controlo da 
 actividade das instâncias na medida em que se considera dado “como provado 
 facto, em desfavor do arguido, com base em desconhecimento ou dúvidas das 
 testemunhas constitui violação do princípio da presunção de inocência e, assim, 
 do artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 
 
 6º, nºs 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 10º e 
 
 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
 
           
 
           3.7 – Resta, por fim, considerar a admissibilidade do objecto do 
 recurso quanto à “interpretação do artigo 349º do Código Civil e do artigo 125º 
 do Código de Processo Penal no sentido de se socorrer o Tribunal, na falta de 
 qualquer elemento probatório objectivo e concreto nesse sentido, de apenas uma 
 presunção para condenar o arguido por determinado facto, por violação do artigo 
 
 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, tal como do artigo 6º, 
 nºs 1 e 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e dos artigos 10º e 11º, 
 nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem”.
 
           Tal como considerou o Tribunal a quo relativamente às discordâncias 
 manifestadas pelo reclamante relativamente à convicção alcançada pelas 
 instâncias, é patente que as conclusões retiradas por aquele não se encontram 
 acompanhadas pelas decisões jurisdicionais prolatadas nos autos nem pelos 
 critérios normativos aí mobilizados.
 
           Não tendo as instâncias sufragado qualquer critério normativo 
 coincidente com a definição aportada pelo reclamante – ou seja, no sentido de se 
 socorrer o Tribunal, na falta de qualquer elemento probatório objectivo e 
 concreto nesse sentido, de apenas uma presunção para condenar o arguido por 
 determinado facto –, não estão reunidos os requisitos para conhecer do objecto 
 do recurso quanto a esta parte.
 
           Importa, no entanto, esclarecer que a convicção de uma parte sobre o 
 sentido com que uma norma foi aplicada não basta para que o recurso de 
 constitucionalidade seja admitido.
 
           Na verdade, em casos como o presente – onde existe uma discrepância 
 acentuada entre o critério normativo consubstanciador da decisão e a norma que o 
 recorrente considera ter sido aplicada, em sentido contrário ao ocorrido –, é 
 legitimo concluir que se encontra posta em crise a própria decisão e não 
 qualquer critério normativo que traduza o oposto daquela.
 
           E, essa discordância para com o decidido, não pode ser manifestada por 
 uma visão subjectiva da norma, mas apenas colocando ao Tribunal Constitucional o 
 critério normativo efectivamente aplicado no juízo das instâncias, tal como é 
 exigido, a mais da natureza do recurso de constitucionalidade, pela necessidade 
 de se controverter a ratio decidendi normativa que justifica o juízo recorrido.
 
           In casu, não tendo o Tribunal a quo perfilhado o critério que se 
 considerou inconstitucional, falece esse pressuposto de admissibilidade do 
 recurso, sendo, igualmente, claro que o sentido que o reclamante tem por 
 inconstitucional acaba por traduzir-se, como se considerou no despacho 
 reclamado, num juízo valorador da decisão, propriamente dita, que não contende 
 com o suporte normativo da decisão que considerou provados os factos em que a 
 condenação se estribou sem apelo a qualquer “presunção” ou perante “a falta de 
 qualquer elemento probatório objectivo”.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
           4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 indeferir a presente reclamação.
 
  
 Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs.
 Lisboa, 19/11/2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos
 
 
 
 [1] http://www.stj.pt/nsrepo/cont/EJuridicos/Recursos%20STJ.pdf
 
 [2] Sublinhado nosso