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Proc. n.º 663/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. Relatório
 
                                  A. intentou, no Tribunal de Família e de 
 Menores e de Comarca do Barreiro, contra a Caixa Geral de Aposentações, “acção 
 declarativa de simples apreciação positiva”, pedindo que fosse “reconhecida e 
 declarada a autora na qualidade de titular do direito às prestações por morte 
 de B., com fundamento na vivência em união de facto com o falecido por período 
 superior a dois anos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 8.º, 
 n.ºs 1 e 2, do Decreto‑Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, artigos 2.º, 3.º e 4.º 
 do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, artigo 2020.º do Código 
 Civil e Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, as quais deverão ser suportadas pela 
 Caixa Geral de Aposentações”.
 
                                  Remetidos os autos ao Tribunal da Comarca de 
 Lisboa, por ser considerado o territorialmente competente (fls. 37), foi, por 
 sentença da 14.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, de 6 de Dezembro de 2002 
 
 (fls. 86 a 89), a acção julgada totalmente provada e procedente, “reconhecendo 
 
 à autora o direito a alimentos da herança do falecido B. e, uma vez que esta 
 herança é desprovida de bens, declarando que a autora está em condições de 
 solicitar à ré uma pensão de sobrevivência por óbito do falecido, e desde a data 
 do óbito”.
 
                                  A ré apelou desta sentença para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, sustentando, em síntese, que, nos termos do artigo 41.º, n.º 
 
 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 142/73, de 31 de Março, a pessoa que estiver nas condições do artigo 2020.º do 
 Código Civil só será considerada herdeira hábil, para efeitos de pensão de 
 sobrevivência, depois da sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos, 
 caso em que a pensão só será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em 
 que seja requerida, com a apresentação dos documentos necessários, incluindo 
 certidão da referida sentença – e não desde a data do óbito do contribuinte, 
 como decidiu a sentença apelada.
 
                                  O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 
 
 2 de Outubro de 2003 (fls. 129 a 137), julgou “a apelação improcedente, não 
 aplicando, porque materialmente inconstitucional, o artigo 41.º, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo 
 Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho, na parte em que dispõe que «a pensão 
 de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o 
 requeira...» e aplicando, antes, a regra decorrente do artigo 6.º do Decreto 
 Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro”, e alterou em parte a sentença 
 recorrida, declarando que “a pensão de sobrevivência a pagar à autora é devida a 
 partir do início do mês seguinte ao do óbito do beneficiário B., se for 
 requerida no prazo de seis meses posteriores ao trânsito em julgado da decisão 
 final deste processo, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação 
 do requerimento, se requerida após o decurso daquele prazo”.
 
                                  A ré interpôs recurso de revista para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, sustentando, em suma, que, nos termos do disposto no 
 artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a pensão de 
 sobrevivência só é devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o 
 interessado a requeira, não acarretando qualquer inconstitucionalidade a 
 existência de regimes diferentes no âmbito da protecção social portuguesa.
 
                                  Por acórdão de 22 de Abril de 2004 (fls. 157 a 
 
 173), o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento à revista, com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 “5. Lembremos, entretanto, o seguinte:
 
                  No seu recurso, a recorrente não põe em causa os pressupostos 
 do artigo 2020.º do Código Civil, relativamente à necessidade do direito a 
 alimentos – matéria que foi objecto de discórdia por parte do voto de vencido, 
 na Relação, e agora não releva, por não estar impugnada na revista [O problema 
 da constitucionalidade, ou não, do n.º 1 do artigo 40.º e do n.º 2 do artigo 
 
 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, enquanto fazem depender o 
 direito à pensão, entre o mais, de o companheiro sobrevivo provar a 
 impossibilidade de obtenção de alimentos da herança do companheiro falecido ou 
 dos próprios herdeiros do companheiro vivo, foi resolvido pela 
 inconstitucionalidade, através do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 
 
 88/2004, de 10 de Fevereiro de 2004, publicado no Diário da República, II Série, 
 de 16 de Abril de 2004, págs. 5962 e seguintes].
 
                  É por isso que o objecto de conhecimento da revista se limita a 
 saber a partir de que momento é devida a pensão de sobrevivência à 
 requerente/recorrida, que vivia em união de facto com o falecido, 
 funcionário/contribuinte.
 
                  A Caixa/recorrente responde: A pensão de sobrevivência é devida 
 só após a decisão que considere a autora herdeira hábil e lhe fixe o direito a 
 alimentos, e a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira.
 
                  Por sua vez, a decisão recorrida responde, dizendo que a pensão 
 de sobrevivência a pagar à autora é devida a partir do início do mês seguinte 
 ao do óbito do contribuinte, B., se for requerida no prazo de seis meses 
 posteriores ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, ou a partir 
 do início do mês seguinte ao da apresentação do requerimento, se requerida após 
 o decurso daquele prazo.
 
  
 
                  6. A Caixa Geral de Aposentações defende a sua posição, 
 socorrendo‑se do artigo 41.º, n.º 2 (de forma paralela ao que estabelece o 
 artigo 30.º, n.º 1) do Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março (Estatuto das 
 Pensões de Sobrevivência), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n° 
 
 191-B/79, de 25 de Fevereiro, ao dispor: «Aquele que, no momento da morte do 
 contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 2020.º, do Código Civil, 
 só será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, 
 depois de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos, e a pensão de 
 sobrevivência será devida, a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a 
 requeira, enquanto se mantiver o referido direito».
 
                  Já a decisão recorrida, tendo em consideração este preceito, 
 considera‑o materialmente inconstitucional, e substituído pela regra decorrente 
 do artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, que prevê que: 
 
 «A pensão de sobrevivência é atribuída a partir do início do mês seguinte ao do 
 falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao 
 trânsito em julgado da sentença, ou a partir do início do mês seguinte ao da 
 apresentação do requerimento, após decurso daquele prazo».
 
  
 
                  7. Haverá alguma razão para diferenciar a mulher do 
 contribuinte, da companheira?
 
                  Parece‑nos que sim, indo ao encontro das conclusões c), d) e e) 
 da recorrente. Vejamos em que aspecto.
 
                  Como se salientou já, o artigo 30.º, n.º 1, estabelece que a 
 pensão de sobrevivência é devida, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se 
 verificar o óbito do contribuinte ...; e o artigo 41.º, n.º 2, relega essa data 
 para depois da sentença que reconheça os pressupostos de aplicação do artigo 
 
 2020.º do Código Civil, para considerar, ou não, herdeiro hábil do (ou da) 
 contribuinte, a pessoa que com ele (ou ela) vivia em união de facto ou o 
 ex‑cônjuge dele (ou dela) divorciado.
 
                  Para o efeito de atribuição da pensão de sobrevivência, a lei 
 diferencia os herdeiros hábeis, por força de lei (artigo 40.º – cônjuge, filhos, 
 descendentes e ascendentes aí indicados); e o (a) ex‑cônjuge e a pessoa em união 
 de facto (artigo 41.º).
 
                  E diferencia porque o artigo 41.º exige, no n.º 2, para o 
 ex‑cônjuge e para a pessoa que viva em união de facto, a verificação, por 
 decisão judicial, da necessidade de reconhecimento judicial do direito de 
 receber alimentos do contribuinte, não os podendo obter de outrem com dever de 
 os prestar.
 
                  E só o considera herdeiro hábil, se a sentença reconhecer o 
 direito a alimentos, previsto pelo dito artigo 2020.º do Código Civil.
 
                  E só depois poderá requerer a pensão.
 
                  Vale assim uma diferença, qual seja, a de que, para o cônjuge, 
 a atribuição é automática, por lei; para o companheiro ou ex‑cônjuge, a 
 atribuição depende da verificação judicial da necessidade da prestação 
 alimentar.
 
                  Tudo parece certo, tem alguma lógica, vindo ao encontro das 
 conclusões da recorrente, como se disse acima.
 
                  Mas a diferença de situações de facto e a correspondente 
 valoração jurídica afigura‑se que devem acabar aqui.
 
                  É o que iremos ver.
 
  
 
                  8. Reconhecido judicialmente o direito a alimentos, perturba o 
 raciocínio, face ao indicado n.º 2 do artigo 42.º, que o artigo 6.º do Decreto 
 Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, acima transcrito, partindo do mesmo 
 pressuposto de necessidade de reconhecimento judicial de herdeiro hábil, venha 
 dizer que «A pensão de sobrevivência é atribuída, a partir do início do mês 
 seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses 
 posteriores ao trânsito em julgado da sentença ...».
 
  
 
                  9. Não se pode dizer que há um regime padrão, que é o da função 
 pública (podendo ser inconstitucional antes o regime geral da segurança social 
 
 – conclusão f)).
 
                  Parece mesmo ousada a afirmação e ausente de qualquer 
 racionalidade de solidariedade social, no plano constitucional, e como valor e 
 tarefa de Estado, em que este direito à segurança social é colocado (artigos 
 
 9.º, alínea d), e 63.º, n.º 1).
 
                  Bom é de ver que, na generalidade, morrendo o 
 titular/contribuinte, falha a participação deste nas despesas comuns com os 
 seus herdeiros hábeis (indicados pela ordem do artigo 40.º).
 
                  É então mister que a lei se preocupe, louvavelmente, em lhes 
 assegurar a sobrevivência, logo a partir do mês seguinte ao falecimento, porque 
 secou a fonte do rendimento que o contribuinte auferia e, com ele, lhes 
 proporcionava o bem estar ou qualidade de vida, possíveis.
 
                  A tal propósito, diz o ponto 2 do relatório preambular do 
 Decreto‑Lei n.º 142/73 que: «Impunha‑se rever o sistema e instituir um novo 
 regime que, para responder apropriadamente às necessidades dos servidores do 
 Estado, se alicerçasse numa concepção profundamente diversa de previdência ... 
 No âmbito do presente Estatuto, a pensão de sobrevivência surge como um 
 benefício que o Estado concede aos seus servidores, nos termos e limites da lei, 
 e que não depende da vontade dos interessados».
 
                  Ou seja, impõe‑se um regime de obrigatoriedade de inscrição, 
 por razões de protecção, previdência e segurança social dos funcionários e 
 agentes da Administração Pública, no mais lato sentido, que o regime facultativo 
 anterior não possibilitava.
 
                  (São conhecidas, aliás, situações de verdadeira miséria de 
 familiares muito próximos de funcionários falecidos, que, por não haver, então, 
 pensão de sobrevivência, passaram, nessa altura, a sobreviver de donativos de 
 amigos e colegas, depositados em conta aberta para tal finalidade!).
 
  
 
                  10. Ora, quando se trata de determinar o dia a partir do qual a 
 pensão de sobrevivência deve ser recebida, nas situações em que o direito a 
 alimentos depende da verificação judicial dos requisitos previstos pelo artigo 
 
 2020.º, n.º 1, do Código Civil, naturalmente que a data deve ser igual para 
 todos os beneficiários que tenham o direito judicialmente verificado.
 
                  Ou se aplica o regime da função pública (a indicada norma do 
 Estatuto da Aposentação), ou se aplica o artigo 6.º, também indicado, do Regime 
 Geral da Segurança Social.
 
                  É razoável que prevaleça a vontade do legislador manifestada em 
 
 último lugar. A vontade legislativa mais recente. (Por várias pistas de 
 reflexão: revogação tácita, ou expressa; ou substituição da vontade anterior; 
 ou, caso não se aplique a lei inovadora, poderá haver lugar a discriminações 
 negativas em relação a situações iguais anteriores – o que é susceptível de 
 gerar inconstitucionalidade material da previsão de norma anterior, porque fica 
 desfavorecida a situação que lhe corresponde, em relação à previsão e estatuição 
 da nova lei).
 
  
 
                  11. Várias vezes o problema tem sido levantado na 
 jurisprudência.
 
                  E sempre esta, de um modo geral, teve como prevalente a 
 disciplina do dito artigo 6.º, por considerar materialmente inconstitucional o 
 preceituado no artigo 41.º, n.º 2, transcrito, na parte em que fixa que «... a 
 pensão de sobrevivência, aí prevista, será devida em data posterior à sentença 
 que reconheça o direito alimentos ao companheiro (a) ou ex-cônjuge», enquanto 
 que o artigo 6.º fixa a mesma data, mas «... a partir do início do mês seguinte 
 ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores 
 ao trânsito em julgado da sentença que reconhece o direito a alimentos» [A mais 
 paradigmática em relação ao caso em apreço, é a que resulta do acórdão deste 
 Tribunal, proferido na revista n.º 798/01, de 31 de Maio de 2001 (Relator: 
 Conselheiro Araújo Barros). Com publicação na Colectânea de Jurisprudência, 
 encontrámos, o Acórdão da Relação de Évora, de 9 de Novembro de 2000 
 
 (Desembargadora Laura Leonardo – hoje, Conselheira), Ano XXV, Tomo V, 2000, 
 págs. 257/260].
 
                  É efectivamente aqui que não encontramos razões plausíveis para 
 explicar a diferença (significativa diferença) de datas de início do vencimento 
 da pensão de sobrevivência, para o exercício de direitos que são rigorosamente 
 iguais, relativamente: aos titulares do direito à pensão, aos pressupostos do 
 seu exercício e ao seu conteúdo patrimonial.
 
                  E sem esquecer – o que não é menos importante – que obedecem à 
 mesma necessidade social do beneficiário carente.
 
                  Tudo isto, consequentemente, quer se trate de ex‑cônjuge ou 
 
 «companheiro» do trabalhador, agente ou funcionário da Administração Pública, 
 quer se trate de um outro qualquer trabalhador da função privada, dependente ou 
 liberal.
 
                  O direito à igualdade material de tratamento do que é igual, 
 não consente, por isso, qualquer discriminação positiva a favor do direito 
 social à pensão de sobrevivência originado pelo exercício da função pública e 
 originado pelo exercício da função privada, relativamente à data de início de 
 vencimento da pensão.
 
                  Discriminar pela negativa, sem uma razão objectivamente 
 fundamentadora da diferença, seria usar de dois pesos e de duas medidas, para 
 ponderações e tamanhos exactamente iguais.
 
  
 
                  12. Afirmação que leva a duas últimas reflexões ainda no plano 
 constitucional.
 
                  A primeira reflexão: respeita à igualdade de tratamento de 
 todos os cidadãos perante a lei, como princípio ínsito (artigo 2.º) e expresso 
 
 (artigo 13.º) na Constituição da República.
 
                  Temos a consciência de que pouco, ou nada, haverá mais a dizer 
 que já não tenha sido dito, sobre o princípio da igualdade constitucional.
 
                  Lembraremos apenas que a igualdade real entre os portugueses, 
 quanto aos direitos económicos e sociais de que fala o artigo 9.º, alínea d), e 
 o sistema unificado da segurança social de que fala artigo 63.º, n.º 2, revelam 
 a manifestação de princípios tendenciais que vão fazendo o seu caminho, em 
 vista a uma efectividade relativa, já que a igualdade real – é intuitivo – não 
 existe, por razões inerentes à pessoa e à vida.
 
                  Mas a manifestação de tendência da igualdade possível (mesmo a 
 das oportunidades) reflecte uma preocupação constitucional que orienta o 
 legislador e o juiz num caminho, respectivamente, criativo e interpretativo, 
 que se faz pelo percurso gradualista, evitando a turbulência social grave, no 
 espaço do objectivamente possível, dos desafios constitucionais da igualdade de 
 todos os cidadãos perante a lei – ainda aqui, e ainda assim, como expressão de 
 um princípio maior que é o do merecimento e da dignidade da pessoa humana 
 
 (artigo 1.º da Constituição) [O Principio da Dignidade da Pessoa Humana 
 constitui o pórtico de todas as Constituições dos Estados membros da União 
 Europeia; da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 1.º); do Tratado 
 da União Europeia (artigo 6.º); como também surge logo no artigo 2.º – valores 
 da União – do Projecto da Constituição para Europa, que aguarda eventual 
 aprovação, no Conselho Europeu de Junho, a avaliar por notícias divulgadas pela 
 Comunicação Social (?)].
 
                  A essência do princípio da igualdade parte da necessidade de 
 verificação de comunhão ou núcleo comum existente entre objectos ou sujeitos 
 diversos; depende do carácter idêntico ou distinto dos seus elementos 
 essenciais [Sobre este e outros aspectos, com vasta referência doutrinal e 
 jurisprudencial, veja‑se Da Igualdade, Introdução à Jurisprudência, do Professor 
 Martim de Albuquerque, págs. 334/335, e as extensas notas (Livraria Almedina, 
 
 1993)].
 
                  Quanto a nós, exige‑se a mesma conformação do ôntico (essência 
 do ser) e a mesma modelação normativa do dever ser que se lhe reporta (dever ser 
 jurídico), justificados pela racionalidade axiológica comum.
 
                  Essência e conformação estas que são dirigidas, como atrás se 
 disse, ao legislador e ao intérprete, ou seja, a quem cria ou a quem aplica a 
 norma, referenciado sempre pela margem de liberdade de legislar e de julgar, 
 nos parâmetros definidos pela Constituição e pelos princípios em que se 
 inspira, para a época histórica a que se destina reger.
 
                  Há assim um primado de racionalidade constitucional imanente 
 que orienta um e outro dos agentes, criativos e aplicadores da lei.
 
                  Racionalidade que não suporta um certo grau de intolerabilidade 
 constitutiva da subversão da Justiça, sobretudo da Justiça distributiva, 
 quando há igualdade de situações, e diferença de modelações normativas 
 correspondentes, nos termos que vêm sendo reflectidos atrás.
 
                  O Professor Gomes Canotilho, ao que pensamos, traduz esta ideia 
 ao dizer que a igualdade constitucional remete para a essencialidade das 
 características com base nas quais merecem ou não igual tratamento jurídico 
 situações idênticas.
 
                  A segunda reflexão, há pouco deixada em aberto, é a seguinte, e 
 por brevitatis causa:
 
                  A solução preconizada pela recorrente, ao defender a aplicação 
 do regime geral da função pública (conclusões f), g) e h)), violaria o 
 princípio constitucional da proibição do retrocesso social, contido no trajecto 
 gradualista acima explicado [Sobre o princípio da proibição do retrocesso 
 social, ver, para citar a fonte mais recente, Professor Rui Medeiros, Direito 
 Constitucional – Capitulo IV, Direitos Fundamentais, catálogo português dos 
 direitos fundamentais (Lições da UCP, 2002/2003). Particularmente sobre a 
 possível radicação deste princípio na esfera jurídica dos particulares, veja‑se 
 a monografia do Professor Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na 
 Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, 2001, em especial págs. 391, ponto 
 
 3.5, e referências doutrinais ao tema, na nota 52 da mesma página].
 
                  De facto, este regime, no aspecto particular em consideração, 
 comparado com o estabelecido para a função privada, representaria um manifesto 
 retorno social, independentemente de desigualar situações idênticas, nos termos 
 que ficaram expostos.
 
                  Não consente a Constituição que, no âmbito de direitos 
 fundamentais ou análogos – artigos 16.º, 17.º e 18.º – em condições normais do 
 exercício do Poder, se volte para trás ou, no mínimo, se impeça «o Estado 
 Social» (artigos 2.º, 9.º, alínea d), e 63.º, n.º 3) de andar para a frente.
 
                  E era o que sucederia, se vingasse a tese da recorrente!
 
  
 
                  13. Ora, já vimos, em momento anterior, que o início de 
 vencimento do direito à pensão de sobrevivência do «companheiro» ou ex‑cônjuge, 
 reconhecido que foi por sentença transitada, não tem qualquer diferença, de 
 natureza, de titularidade, de afectação, de necessidade e de conteúdo 
 patrimonial, quando oriundo de um contribuinte da Segurança Social ou da Caixa 
 Geral de Aposentações.
 
                  Trata‑se de situações típicas de identidade, que não faz 
 qualquer sentido constitucional desigualar.
 
                  Em síntese, e ainda pela negativa, não se encontram fundamentos 
 de facto e da correspondente valoração que justifiquem um tratamento 
 diferenciado das duas situações atributivas do direito à pensão de 
 sobrevivência, que o ordenamento jurídico formalmente discrimina, quanto à data 
 de começo de vencimento da pensão, privilegiando uma, desfavorecendo a outra, 
 tratando desigualmente o que é essencialmente igual – o que não pode ser 
 consentido por um Estado de Direito, nem para tanto estaria legitimado o Juiz 
 
 (respectivamente, artigos 2.º e 204.º da Constituição).
 
                  Constituição que, assim sendo, independentemente desta análise, 
 também estabelece um princípio de impedimento do retrocesso social – que o Juiz 
 
 (e o Estado de Direito) não podem deixar, ainda, de ter em conta.
 
  
 
                  14. Que é como quem diz, que não encontramos motivos para mudar 
 o rumo da jurisprudência sobre esta matéria específica, relativa ao ponto 
 específico da data de inicio de prazo de vencimento da pensão de sobrevivência, 
 para as situações do tipo contemplado na presente revista.
 
                  Tanto mais que o legislador ordinário, manifestando‑se 
 claramente pelo progresso social (contra o dito retrocesso), tem vindo a dar os 
 tais sinais de evolução social, progressiva e gradualista, nesta área, alargando 
 o espaço de cobertura social da união de facto, particularmente agora, com a Lei 
 n.º 7/2001, de 11 de Maio, que refere expressamente o regime de segurança 
 social, a beneficio do «companheiro» sobrevivente (artigo 3.º, alínea e) – 
 
 «Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime 
 geral da segurança social e da lei»).”
 
  
 
                                  Contra este acórdão interpôs a ré recorrente 
 Caixa Geral de Aposentações recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo 
 do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de 
 Fevereiro (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da norma do 
 artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho, na dimensão cuja aplicação foi 
 recusada pelo acórdão recorrido, com fundamento em inconstitucionalidade.
 
                                  Neste Tribunal, a recorrente apresentou 
 alegações, que terminam com a formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
                  “1.ª – Entende a recorrente que não pode reconhecer‑se à autora 
 um direito cuja titularidade tem como pressuposto a aquisição da qualidade de 
 herdeira hábil previamente à verificação desta condição.
 
                  2.ª – Estabelecendo o n.º 2 do artigo 41.º do Estatuto das 
 Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, 
 que «2. Aquele que, no momento da  morte do contribuinte, estiver nas condições 
 previstas no artigo 2020.º do Código Civil, só será considerado herdeiro hábil, 
 para efeitos de pensão de sobrevivência, depois de sentença judicial que lhe 
 fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do 
 dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido 
 direito» (fim de citação), quer isto dizer que aquando da morte do pensionista 
 B., aquela que posteriormente se veio a apurar ser sua companheira não era ainda 
 herdeira hábil, pois, para que pudesse vir a ser como tal reconhecida, teve 
 ainda de recorrer aos tribunais a fim de obter uma sentença judicial que lhe 
 fixasse o direito a alimentos.
 
                  3.ª – Se a autora, ora recorrida, fosse, desde logo, 
 considerada herdeira hábil, estar‑se‑ia a dar por assente aquilo que o Tribunal 
 iria posteriormente apreciar.
 
                  4.ª – Não é por acaso que o legislador, no mencionado preceito 
 atrás transcrito, emprega expressamente a expressão «só» será considerado 
 herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, «depois» de sentença 
 judicial que lhe fixe o direito a alimentos.
 
                  5.ª – Mas o legislador não fica por aqui, pois na parte final 
 do mencionado preceito em análise diz também expressamente desde quando a 
 pensão é devida – a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, e 
 enquanto se mantiver o referido direito.
 
                  6.ª  Nada permitia que o STJ, no douto acórdão recorrido, 
 reconhecesse à autora o direito à pensão de sobrevivência desde o dia 1 do mês 
 seguinte ao óbito do pensionista, se requerido no prazo de seis meses a contar 
 do trânsito em julgado, ou do dia 1 do mês seguinte àquele em que fosse 
 requerido, nos demais casos.
 
                  7.ª – O douto acórdão recorrido reconheceu à autora o direito 
 ao recebimento da pensão de sobrevivência desde uma data em que a mesma ainda 
 não era herdeira hábil e que, portanto, ainda não era detentora de uma sentença 
 judicial que lhe fixasse o direito a alimentos.
 
                  8.ª – Àquele argumento, de ordem lógica, acresce um outro para 
 considerar que a norma do EPS não é materialmente inconstitucional: por que 
 razão não seria antes inconstitucional o regime da Segurança Social? O que leva 
 a considerar aquele como padrão a seguir? O acórdão não o esclarece.
 
                  9.ª – Inconstitucional seria se a norma do EPS tratasse 
 diferentemente subscritores da CGA na mesma situação de forma diferente. No 
 limite, a tese do acórdão leva a que possa existir apenas um regime de protecção 
 social no país. Os regimes especiais – com regras próprias (que têm de se 
 considerar no contexto do regime em que se inserem) – seriam todos 
 inconstitucionais.
 
                  10.ª – A inconstitucionalidade afere‑se pela violação da 
 Constituição, nunca pela «desconformidade» com outras normas de idêntica 
 dignidade aplicáveis a diferente universo pessoal. E o facto de o regime da CGA 
 ser, em determinados aspectos (poucos, como é sabido) menos favorável do que o 
 Regime Geral de Segurança Social não autoriza a desprezar as regras daquele em 
 favor de uma aplicação directa deste (sob pena de se deverem fundir – por via 
 jurisdicional – os dois regimes, aproveitando‑se, portanto, as partes de cada um 
 consideradas mais interessantes, como sendo neste caso uma taxa de contribuição 
 para a CGA inferior àquela que é devida na Segurança Social).
 
                  11.ª – Não pode pretender colocar‑se no mesmo plano realidades 
 inteiramente distintas: um regime de natureza estatutária, em que na 
 generalidade dos casos há apenas uma contribuição do trabalhador (de 10%), e 
 outro de carácter assistencialista em que a contribuição é repartida entre 
 empregador e trabalhador e atinge o valor global de 23,75%.
 
                  12.ª – O princípio da igualdade apenas impõe um tratamento 
 igual quando exista identidade de situações; ora, no caso, os regimes são 
 claramente diferentes, até no valor das prestações concedidas.
 
                  13.ª – Quanto ao alegado retrocesso social que a tese da 
 recorrente introduziria, importa recordar que para que pudesse existir recuo 
 se tornava necessário que alguma vez tivesse existido progresso. Ora, no âmbito 
 do regime da função pública, nunca existiu regra que mandasse atender a momento 
 anterior àquele em que o contribuinte deve considerar‑se herdeiro hábil para 
 efeitos de atribuição da pensão de sobrevivência a companheiros de contribuintes 
 falecidos. Não faz, pois, qualquer sentido convocar tal princípio.”
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Fundamentação
 
                                  Constitui objecto do presente recurso a questão 
 da constitucionalidade da norma do artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões 
 de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 31 de Março, na 
 redacção que lhe foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de Junho 
 
 (doravante designado por EPS), enquanto determina que a pensão de sobrevivência 
 a que tem direito a pessoa que viveu em união de facto com o funcionário 
 falecido, considerada herdeira hábil por sentença judicial que lhe fixou o 
 direito a alimentos, só é devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que 
 seja requerida.
 
                                  A orientação traçada no acórdão recorrido tem 
 sido seguida pela subsequente jurisprudência dos tribunais judiciais: cf., a 
 título exemplificativo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de 
 Março de 2007, P. 136/07 (em www.dgsi.pt/jstj); do Tribunal da Relação de 
 Lisboa, de 5 de Maio de 2005, P. 9951/05, de 15 de Dezembro de 2005, P. 
 
 10876/05, e de 20 de Junho de 2006, P. 1784/06 (em www.dgsi.pt/jtrl); do 
 Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Outubro de 2006, P. 1215/06 (em 
 
 www.dgsi.pt/jtrc); e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19 de Outubro de 
 
 2005, P. 1796/05 (em www.dgsi.pt/jtrg).
 
                                  A questão que constitui objecto do presente 
 recurso foi entretanto objecto de decisão do Tribunal Constitucional, que, no 
 Acórdão n.º 522/2006, julgou inconstitucional a norma em causa, 
 desenvolvendo‑se, para o efeito, a seguinte argumentação:
 
  
 
                  “2.2. Está em causa – e assim entramos na apreciação da questão 
 de fundo – a norma constante do artigo 41.º, n.º 2, do EPS (o Decreto‑Lei n.º 
 
 191‑B/79, de 25 de Junho, que conferiu à norma a redacção aqui em causa, foi 
 objecto da rectificação decorrente da Declaração publicada no Diário da 
 República, I Série, n.º 193, de 22 de Agosto de 1979). Esta norma, sob a 
 epígrafe «[e]x-cônjuge e pessoa em união de facto», dispõe o seguinte:
 
  
 
                  «Artigo 41.º
 
                  1 – (…)
 
                  2 – Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas 
 condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado 
 herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença 
 judicial que lhe fixe o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será 
 devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se 
 mantiver o referido direito.»
 
  
 
                  Desta norma interessa ao presente recurso, tão‑só, o segmento 
 
 (que se sublinhou na transcrição) respeitante ao momento a partir do qual a 
 pensão, devida àquele que já obteve a sentença judicial referida na primeira 
 parte do preceito, deve ser satisfeita, ou seja, o trecho que diz que tal pensão 
 vence a partir do dia 1 do mês subsequente àquele em que foi requerida.
 
                  
 
                  2.2.1. Trata‑se – a inconstitucionalidade deste trecho final do 
 n.º 2 do artigo 41.º do EPS – de questão com a qual o Tribunal Constitucional já 
 foi confrontado, mas relativamente à qual nunca chegou a tomar posição. Com 
 efeito, contrariamente ao que aqui (pela primeira vez) sucede, a prévia 
 apreciação da conformidade constitucional da primeira parte do artigo 41.º, n.º 
 
 2, sempre tem funcionado como obstáculo a que o Tribunal se pronuncie sobre a 
 questão (logicamente subsequente) do momento a partir do qual a pensão era 
 devida, já que todas essas situações anteriores resultaram no reenvio dos 
 respectivos processos para determinação do preenchimento das condições 
 previstas nessa primeira parte do n.º 2 do artigo 41.º do EPS (v., por todos, o 
 Acórdão n.º 644/2005, disponível, tal como os adiante indicados, em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
 
                  Ora, neste caso, a questão do direito à pensão de sobrevivência 
 por parte do «viúvo de facto» já foi resolvida, estando, por isso, ultrapassada, 
 não interferindo, contrariamente ao que até agora tem sucedido na jurisprudência 
 deste Tribunal, com a aplicação do trecho final da norma, que fixa o momento a 
 partir do qual a pensão é devida. Deixou, assim, de estar em causa – e trata‑se 
 de um elemento importante na subsequente indagação de constitucionalidade – uma 
 questão que convoque, para aferição do respeito pelo princípio da igualdade, 
 qualquer comparação dos regimes decorrentes do casamento e da união de facto [a 
 evolução do entendimento do Tribunal Constitucional, relativamente a esse 
 
 (outro) problema, pode ser apreciada numa leitura sequencial dos Acórdãos n.ºs 
 
 88/2004 (Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2004, pp. 5962/5967), 
 
 159/2005 (Diário da República, II Série, de 23 de Dezembro de 2005, pp. 
 
 18056/18062) e 614/2005 (Diário da República, II Série, de 29 de Dezembro de 
 
 2005, pp. 18116/18118)]. Trata‑se aqui, portanto, de comparar as situações de 
 quem, como sucede com a recorrida, já viu judicialmente reconhecidos os 
 pressupostos do direito à pensão de sobrevivência, por morte daquele com quem 
 viveu em união de facto, restando apenas determinar o momento a partir do qual 
 tal pensão é devida.
 
                 Sublinha‑se com esta caracterização um elemento específico que a 
 abordagem deste recurso, na perspectiva do princípio da igualdade, implica, 
 traduzido na convocação de um «par de comparação», distinto daquele que os 
 citados Acórdãos n.ºs 88/2004, 159/2005 e 614/2005 convocavam. Comparam‑se 
 aqui, interessa não o esquecer, situações sempre respeitantes à união de facto, 
 nas quais o controlo da observância do mencionado princípio só relaciona quem, 
 tendo vivido «[…] em união de facto há mais de dois anos» (artigo 1.º, n.º 1, da 
 Lei n.º 7/2001), obteve o reconhecimento judicial desse facto, enquanto 
 pressuposto específico do direito a receber a prestação consubstanciada na 
 pensão de sobrevivência.
 
                  
 
                  2.2.2. Tendo presentes estes elementos, importa avançar para a 
 concreta comparação que o princípio da igualdade neste caso pressupõe. Está em 
 causa, nos termos em que a decisão recorrida coloca a questão e sempre no quadro 
 geral da união de facto, relacionar a situação daqueles que, tendo adquirido o 
 direito a auferir uma pensão de sobrevivência por morte do respectivo cônjuge de 
 facto, se diferenciam, tão‑só, pela circunstância de essa pensão se gerar por 
 morte de um funcionário ou agente da Administração Pública (situação em causa no 
 presente recurso), ou por morte de um beneficiário do denominado Regime Geral da 
 Segurança Social.
 
                  No primeiro caso, definido judicialmente o direito à pensão, é 
 a mesma devida, nos termos da norma em apreciação, desde o dia 1 do mês seguinte 
 
 àquele em que tal pensão foi requerida. No segundo caso, gerado no âmbito do 
 Regime Geral, a mesma pensão – ou seja, a pensão adquirida com base em 
 pressupostos de facto substancialmente idênticos – é devida, nos termos do 
 artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, se requerida nos 
 seis meses posteriores ao trânsito da decisão judicial que reconheça tal 
 direito, «[…] a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do 
 beneficiário […]». Sendo distintos os momentos fixados em cada caso para o 
 começo das prestações (mais cedo relativamente aos beneficiários de pensão 
 gerada no Regime Geral), coloca‑se a questão da observância do princípio 
 constitucional da igualdade relativamente a quem, fora do quadro desse Regime 
 Geral, tenha actuado dentro de lapsos de tempo que conduziriam à primeira 
 hipótese prevista no artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94. É esta, 
 enfim, a questão de igualdade que aqui importa dilucidar.
 
                   
 
 2.2.2.1. Constitui jurisprudência assente e reiterada deste Tribunal a 
 caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP, como 
 proibição do arbítrio (cf. o Acórdão n.º 232/2003, publicado no Diário da 
 República, I Série‑A, de 17 de Junho de 2003, pp. 3514/3531). Com tal sentido, 
 nas palavras do Tribunal Constitucional, «[o] princípio [da igualdade] não 
 impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam 
 
 (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, ‘razoável, racional e 
 objectivamente fundadas’, sob pena de, assim não sucedendo, ‘estar o legislador 
 a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente 
 justificadas por valores constitucionalmente relevantes’ […]. Ponto é que haja 
 fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a 
 discriminação infundada […]» (Acórdão n.º 319/2000, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 18 de Outubro de 2000, pp. 16785/16786).
 Na sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado por Robert 
 Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370), o carácter arbitrário 
 de uma diferenciação legal decorre da circunstância de «[...] não ser possível 
 encontrar […] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou 
 que, de alguma forma, seja concretamente compreensível […]». Daí que «[n]ão 
 exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos 
 os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados 
 insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma 
 fundamentação justificativa da diferenciação […]. A máxima de igualdade implica, 
 assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais» 
 
 (Robert Alexy, ob. cit., p. 371).
 
                  
 
 2.2.2.2. Constitui aqui elemento de igualdade fáctica a circunstância, comum aos 
 dois termos da comparação, de o direito à pensão de sobrevivência ter sido 
 adquirido em função do reconhecimento judicial de uma situação de união de facto 
 com um beneficiário ou subscritor falecido. Este elemento, não expressando uma 
 situação de igualdade fáctica absoluta, já que compara pensões geradas no 
 chamado Regime Geral com pensões geradas no âmbito do Regime dos funcionários e 
 agentes da Administração Pública, permite, no entanto, a qualificação da 
 situação de ambos como essencialmente igual, isto em função de uma expressiva 
 preponderância de elementos comuns. De facto, apreciando os dois regimes (o 
 Geral e o da Administração Pública), constata‑se ocorrer em ambos, de forma 
 substancialmente idêntica, a projecção da «relação jurídica de segurança 
 social» (v. a caracterização desta em Ilídio das Neves, Direito da Segurança 
 Social, Coimbra, 1996, pp. 299/309) na situação de união de facto, expressando 
 esta (a união de facto), nos dois regimes e na base dos mesmos pressupostos, 
 
 «[…] a relação jurídica de vinculação, que assegura a ligação jurídica dos 
 interessados ao sistema […]» (Ilídio das Neves, obra citada., p. 308).
 
                  A este propósito cumpre sublinhar não colher o argumento – que 
 parece ser o único argumento da recorrente – segundo o qual um alegado (e 
 hipotético) «valor muito inferior» (conclusão 8.ª das alegações; cf. fls. 180) 
 das pensões pagas pelo Regime Geral justificaria a diferenciação decorrente da 
 norma ora em causa. Desde logo, porque o montante das pensões de sobrevivência 
 pagas nos dois regimes varia em função de elementos cuja multiplicidade e 
 coerência, dentro de cada um desses regimes, torna descabida uma comparação (dos 
 dois regimes) assente na variável «valor da pensão» (v., quanto ao cálculo das 
 pensões aqui em causa nos dois regimes, o artigo 28.º do EPS e os artigos 24.º e 
 
 25.º do Decreto‑Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, ex vi do disposto no artigo 
 
 1.º do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro). Por outro lado, tal 
 elemento («valor da pensão») deixa intocada a já referida expressiva 
 preponderância de elementos comuns, ou seja, não descaracteriza as duas 
 situações como sendo de igualdade essencial: em ambas se adquire o direito à 
 pensão com base nos mesmos pressupostos e através de procedimentos 
 substancialmente idênticos.
 
                  Nesta situação, que – repete‑se – é de igualdade naquilo que 
 expressa a essência relevante para a comparação, quaisquer especificidades do 
 chamado Regime Geral de Segurança Social, relativamente ao Regime de Segurança 
 Social dos funcionários e agentes da Administração Pública, porque referidas, 
 como já se indicou, a elementos não relevantes para esta comparação concreta, 
 perdem sentido e deixam de justificar, quanto à fixação do momento a partir do 
 qual a pensão é devida, um tratamento menos vantajoso, como o decorrente do 
 segmento final do n.º 2 do artigo 41.º do EPS, comparativamente ao artigo 6.º do 
 Decreto Regulamentar n.º 1/94. Não obstante, relativamente a essas (possíveis) 
 especificidades de cada um dos Regimes, sublinhar‑se‑á que o «programa 
 constitucional» assenta, neste domínio, na ideia de unificação do sistema de 
 segurança social – «[i]ncumbe ao Estado organizar […] um sistema de segurança 
 social unificado […]» (artigo 63.º, n.º 2, da CRP) – e que, em tal quadro, a 
 procura de soluções de igualdade não deixa de assumir uma espécie de «valor 
 reforçado» no plano da convergência entre os regimes de protecção social da 
 função pública e «[…] os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito 
 material, regras de formação de direitos e atribuição das prestações» (artigo 
 
 124.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, que estabelece as bases do sistema 
 de segurança social).
 
                  Da ausência de uma justificação relevante para a mencionada 
 diferenciação – e assim alcançamos uma conclusão – decorre a ofensa ao 
 princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP) e, consequentemente, 
 a correcção da recusa de aplicação da norma em causa por parte da decisão 
 recorrida. Resta, por isso, confirmá-la.”
 
  
 
                                  Reiterando o entendimento então perfilhado, 
 cumpre confirmar o juízo de inconstitucionalidade emitido pelo acórdão ora 
 recorrido.
 
                                  Apenas se acrescentará que, no sentido da 
 
 “preferência” pela regra do regime geral da segurança social apontam – e isto 
 independentemente da adesão que possam merecer as considerações tecidas no 
 acórdão recorrido a proibição do princípio da “proibição do retrocesso” – 
 fundamentalmente o reconhecimento de que essa regra integra a mais recente opção 
 do legislador e ainda a própria natureza “alimentar” da prestação em causa. Este 
 
 último aspecto foi especialmente salientado na Recomendação n.º 6/B/2006 do 
 Provedor de Justiça (www.provedor-jus.pt/recomendacoes.php), onde se consignou:
 
  
 
                  “13. Não há dúvida que o artigo 6.º do Decreto Regulamentar n.º 
 
 1/94, de 18 de Janeiro, estabeleceu um regime muito mais generoso do que o 
 preceito supra citado do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, tendo colocado 
 um ponto final na distinção entre cônjuges e unidos de facto, a partir do 
 momento em que estes se acham reconhecidos como herdeiros hábeis, por sentença 
 judicial transitada em julgado.
 
                  14. Já se viu, também, que as decisões jurisprudenciais mais 
 recentes, sobre esta matéria em concreto, não encontram razões atendíveis que 
 permitam justificar a diferença de datas de início do vencimento da pensão 
 
 (muitas vezes significativas), entre o regime público e o regime geral de 
 segurança social, para o exercício de direitos que são rigorosamente iguais.
 
                  15. Atenta a natureza das pensões de sobrevivência, cuja 
 finalidade é, para ambos os regimes (quer seja o da protecção social da função 
 pública, quer seja o do sistema de segurança social), a de compensar os 
 familiares/herdeiros hábeis do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho 
 determinada pela morte deste, também não se me vislumbram outras justificações 
 que possam estar na origem do estabelecimento de datas diferentes para o início 
 do vencimento das pensões.
 
                  16. Como bem refere Rita Lobo Xavier [In artigo intitulado 
 
 «Uniões de facto e pensão de sobrevivência. Anotação aos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional n.ºs 195/03 e 88/04», publicado na Jurisprudência 
 Constitucional, n.º 3, Julho‑Setembro de 2004, págs. 16 e ss.], «a atribuição da 
 pensão de sobrevivência está intimamente relacionada com as implicações 
 económicas da morte do beneficiário: os herdeiros hábeis terão de provar 
 determinados factos de onde resulte que a morte do beneficiário implicou uma 
 diminuição dos meios de subsistência».
 
                  17. Ora, nas situações em que esta prova já foi feita 
 judicialmente e os respectivos companheiro/companheira reconhecidos como 
 herdeiros hábeis, ou seja, em que se admitiu que os mesmos ficaram afectados nos 
 seus meios de sobrevivência pela perda de rendimentos do trabalho que o de cujus 
 auferia, não se vê por que razão a lei não lhes há‑de assegurar a pensão de 
 sobrevivência a partir do momento em que deixaram de contar com tais 
 rendimentos, isto é, a partir do início do mês seguinte ao do falecimento.
 
                  18. De facto, parece‑me demasiado oneroso, injusto e 
 desproporcional, fazer recair sobre os mesmos os prejuízos que podem advir da 
 morosidade na tramitação dos processos judiciais que, nos casos que me foram 
 relatados, ascenderam a cerca de dois anos, quando a mesma situação de 
 morosidade irreleva no caso do regime geral de segurança social.”
 
  
 
                                  3. Decisão
 
                                  Em face do exposto, acorda‑se em:
 
                                  a) Julgar inconstitucional, por violação do 
 princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa), a norma constante do trecho final do artigo 41.º, n.º 2, do 
 Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73, de 
 
 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 191‑B/79, de 25 de 
 Junho, na parte em que determina que a pensão de sobrevivência a que tenha 
 direito aquele que, no momento da morte do contribuinte, estiver nas condições 
 previstas no artigo 2020.º do Código Civil, será devida a partir do dia 1 do mês 
 seguinte àquele em que tal pensão tenha sido requerida, e não – como ocorre, nos 
 termos do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, para o regime geral 
 da segurança social – a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do 
 beneficiário, quando requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em 
 julgado da sentença que reconheça o respectivo direito; e, consequentemente,
 
                                  b) Negar provimento ao recurso, confirmando o 
 acórdão recorrido, na parte impugnada.
 
                                  Sem custas.
 Lisboa, 14 de Março de 2007.
 Mário José de Araújo Torres (Relator)
 Benjamim Silva Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos