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Processo nº: 1033/2006.
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra.
 
  
 
  
 
               1. Em 11 de Dezembro de 2006 o relator proferiu a seguinte 
 decisão: –
 
  
 
               “1. Tendo A. apresentado recurso da sentença exarada em processo 
 pendente no 3º Juízo do Tribunal de comarca das Caldas da Rainha e em que 
 figurava como réu no terceiro dia útil seguinte ao do final do prazo para a 
 respectiva interposição, foi notificado para proceder ao pagamento de multa.
 
  
 
               Em 6 de Outubro de 2003, veio o réu requerer dispensa de pagamento 
 da multa, alegando insuficiência económica, arrolando, para demonstração dessa 
 insuficiência, três testemunhas, que se comprometeu a apresentar. 
 
  
 
               A Juíza do indicado Juízo, por despacho de 10 de Outubro de 2003, 
 por um lado, determinou que o réu juntasse documento comprovativo das invocadas 
 situações de desempregados, dele solicitante e de sua mulher, e, bem assim, 
 cópia dos extractos bancários das contas de que fosse titular; por outro, 
 designou o dia 30 desse mês para a inquirição das testemunhas arroladas; ainda 
 por outro, ordenou que se solicitasse à autoridade policial informação sobre a 
 situação económica do peticionante.
 
  
 
    A autoridade policial veio informar que lhe não foi possível apurar essa 
 situação e, no designado dia 30 de Outubro de 2003, foi adiada, a requerimento 
 do réu, a inquirição das testemunhas.
 
  
 
    Em 14 de Maio de 2004, a citada Juíza proferiu despacho por via do qual, 
 considerando que os autos se encontravam, desde Outubro do ano anterior, a 
 aguardar que o réu juntasse documentos comprovativos da sua carência económica, 
 sendo que, por duas vezes, a pedido do mesmo, tinha sido prorrogado o prazo para 
 tal junção, veio a designar o sequente dia 16 de Junho para inquirição das 
 testemunhas.
 
  
 
    Nesse dia, não tendo comparecido qualquer das testemunhas arroladas, fez o 
 réu juntar aos autos requerimento por intermédio do qual vinha ‘aditar mais uma 
 testemunha ao rol’.
 
  
 
                 A citada Juíza, por despacho ditado para o auto de diligência, 
 indeferiu o requerido, dizendo que, sendo o «incidente» de dispensa de pagamento 
 de multa processual de qualificar como um «incidente atípico» da instância, ao 
 qual eram «de aplicar as regras» contidas nos artigos 303º e 304º do diploma 
 adjectivo civil, haveria que concluir-se que, nos termos do nº 1 daquele 
 primeiro preceito, não era admissível aditamento aos róis de testemunhas, ‘uma 
 vez que todos os meios de prova devem ser oferecidos com o requerimento onde se 
 suscita o incidente e com a respectiva resposta’.
 
  
 
    Deste despacho agravou o réu para o Tribunal da Relação de Lisboa, 
 formulando, na alegação adrede produzida, as seguintes «conclusões»: –
 
  
 
 ‘A – Em incidente suscitado por pedido de dispensa do pagamento de uma multa 
 processual, não foi admitido aditamento ao rol das testemunhas,
 B – E tal, com base numa interpretação estrita do artº 303 - nº 1 – C.P.C.
 C – Contudo, a jurisprudência dominante diz-nos que, nestes casos, o aditamento 
 ao rol é permitido, nomeadamente quando se trate de direitos com forte conotação 
 publicista, a provar.
 D – É esse o caso presente: direito de acesso a Juízo por parte de 
 desafortunado.
 E – Na verdade, a prova da insuficiência económica para pagamento de uma multa 
 processual que poderá dar lugar, não satisfeita, em último caso, à perda da 
 possibilidade de intervir no processo, está indissol[u]velmente ligada ao 
 princípio não discriminatório e da abertura universal dos tribunais a todas as 
 lides. (vide artº 13 e 20/1 da C.R.P.)
 F – Deste modo, será revogada a decisão recorrida e mandada ouvir a testemunha 
 indicada pel[o] recorrente.
 G – E a interpretação rígida neste contexto do citado artº 303 - nº 1 – C.P.C., 
 torna-o inconstitucional por afrontar os já referidos preceitos da 
 Constituição’.
 
  
 
                 Por acórdão tirado em 29 de Janeiro de 2006, o Tribunal da 
 Relação de Lisboa negou provimento ao agravo.
 
  
 
                 Foi a seguinte a fundamentação jurídica carreada a esse aresto: 
 
 –
 
  
 
 ‘(…)
 A questão suscitada pelo Agravante nos autos, a da isenção da multa, configura 
 uma intercorrência processual, à qual se aplicam as regras dos incidentes da 
 instância nos termos do artigo 302º do CPCivil. Daqui resulta que, no 
 requerimento em seja suscitada a questão incidental, tem a parte de, além do 
 mais, arrolar desde logo as testemunhas, e de harmonia com o preceituado no 
 artigo 303º, nº 1 do CPCivil, o que aliás o Agravante fez, tendo indicado duas 
 pessoas para serem ouvidas.
 Todavia, no segundo dia designado para a inquirição das mesmas, o Agravante, 
 requereu, através de fax, o aditamento ao rol de testemunhas, comparecendo à 
 hora designada, com a pessoa que indicara naquele mesmo fax, sendo certo que as 
 duas testemunhas que indicara no requerimento inicial não se encontravam 
 presentes. Efectivamente, o normativo inserto no artigo 303º, nº 1 do CPCivil é 
 de carácter injuntivo: as provas são indicadas, desde logo no requerimento em 
 que é suscitado o incidente.
 Todavia há que aplicar aos incidentes da instância, por analogia, as regras de 
 alteração e aditamento do rol de testemunhas em acção declarativa prevenidas nos 
 artigos 512º-A e 629º do CPCivil. 
 Ora, in casu, o requerimento para aditamento do rol de testemunhas – com o 
 pedido para audição de uma outra testemunha – foi feito no próprio dia da 
 diligência, o que a Lei não permite (admitindo que tal seja feito até vinte dias 
 antes da diligência), sendo certo que, no final, apenas essa testemunha estava 
 presente para ser inquirida.
 Tratou-se, tendo em atenção a aparência dos factos, de um novo rol de 
 testemunhas (as indicadas não se encontravam presentes e apenas estava presente 
 a que se pretendia aditar), o que se configura inadmissível tendo em atenção os 
 normativos supra enunciados. 
 Ora, é óbvio que a Lei não se compadece com estas situações, nem o despacho de 
 indeferimento é inconstitucional, não só porque não violou o princípio da 
 igualdade, nem o do acesso ao direito, pois este foi exercido pelo Agravante, só 
 que, não foi exercido em conformidade com a Lei processual vigente: não se lhe 
 negou o acesso à justiça, o que se lhe negou foi a pretensão em aditar uma 
 testemunha fora do momento processual estipulado para o efeito.
 Improcedem, assim, as conclusões de recurso.
 
 (…)’ 
 
  
 
                 Do acórdão de que parte se encontra extractada recorreu o réu 
 para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, 
 fazendo-o por intermédio de requerimento com o seguinte teor: –
 
  
 
 ‘A., notificado do douto acórdão de 29/06/2006, vem interpor recurso do mesmo 
 para o Tribunal Constitucional’.
 
  
 
                 Tendo a Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação de Lisboa 
 determinado a notificação do mandatário do réu para comprovar o cumprimento do 
 nº 1 do artº 229º-A do Código de Processo Civil, veio este solicitar, por 
 intermédio de requerimento manuscrito, cópia dactilografada do despacho 
 determinador da notificação, pretensão que foi deferida.
 
  
 
                 O recurso veio a ser admitido por despacho prolatado em 23 de 
 Novembro de 2006 pela aludida Desembargadora Relatora.
 
  
 
  
 
                 2. Porque esse despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do 
 artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso 
 não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma 
 Lei, a vertente decisão, por meio da qual se não toma conhecimento do objecto da 
 presente impugnação.
 
  
 
                 Num primeiro passo, anota-se que é de evidência que o 
 requerimento de interposição de recurso ora em apreço não obedece, de todo em 
 todo, aos requisitos ínsitos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da referida Lei nº 
 
 28/82.
 
  
 
                 Todavia, essa circunstância não conduz a que se tenha de lançar 
 mão do prescrito no nº 6 do mencionado artº 75º-A, já que uma tal actividade 
 representaria a prática de um acto inútil.
 
  
 
                 Na verdade, não se congregando, na situação sub specie, os 
 pressupostos do recurso – como a seguir se explicitará – a formulação do convite 
 nos termos do referido nº 6 do artº 75º-A não teria a virtualidade de «sanar» a 
 falta desses pressupostos, uma vez que os números 1 e 2 do mesmo artigo se 
 reportam, e tão só, aos requisitos do requerimento de interposição. O que vale 
 por dizer que, mesmo que, na sequência do convite, viesse a ser apresentado 
 requerimento que contivesse todos aqueles requisitos, ainda assim não se poderia 
 tomar conhecimento da impugnação em causa, por carência dos respectivos 
 pressupostos.
 
  
 
                 Isto dito, expor-se-ão, de seguida, as razões pelas quais se 
 entende que se não deve tomar conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 
                 Suposto que a impugnação em crise seja esteada na alínea b) do 
 nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 (e outra não se antevê como possível), mister é 
 que, precedentemente ao proferimento da decisão desejada impugnar perante este 
 
 órgão jurisdicional – no caso, essa decisão é consubstanciada no acórdão tirado 
 no Tribunal da Relação de Lisboa –, tenha sido impostada a questão da desarmonia 
 constitucional de determinada norma.
 
  
 
                 E, se esta é alcançada por via de um processo interpretativo 
 incidente sobre dado preceito ínsito no ordenamento jurídico 
 infra-constitucional, como, sem divergências, tem sido entendimento seguido por 
 este Tribunal, necessário é, de igual modo, que, antecedentemente à decisão 
 intentada recorrer, tenha sido devidamente delineada a norma que veio a ser 
 construída pelo dito processo interpretativo. Isto é: porque o nº 2 do artº 72º 
 da Lei nº 28/82 comanda que a questão de inconstitucionalidade tem de ser 
 suscitada de modo processualmente adequado, se se postar uma situação em que é 
 colocada em causa uma norma que veio a ser atingida por meio de uma dimensão ou 
 sentido interpretativos tomados sobre determinado preceito concreto, recai sobre 
 o recorrente o ónus de definir quais esses sentido ou dimensão que reputa como 
 contrários à Lei Fundamental (cfr., a título de exemplo, por entre muitas outras 
 decisões tomadas por este Tribunal, os Acórdãos números 269/94, 178/95, 
 publicados, o primeiro, na II Série do Diário da República de 18 de Junho de 
 
 1994, e, o segundo, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º volume, 1118 e 
 segs., 605/2005, este disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 
                 Ora, como bem deflui das transcritas «conclusões» formuladas na 
 alegação de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa, o réu nunca indicou 
 qual o concreto sentido interpretativo que, na decisão então agravada, foi 
 conferido ao nº 1 do artº 303º do Código de Processo Civil, e sentido esse que, 
 na sua perspectiva, seria desarmónico com a Constituição.
 
  
 
                 A isto há, todavia, que aditar, e com relevo, que o aresto 
 tomado no Tribunal da Relação de Lisboa não se limitou, tocantemente àquele 
 preceito, a adoptar o mesmo sentido interpretativo que foi seguido no despacho 
 então agravado.
 
  
 
                 Efectivamente, aquele acórdão, contrariamente até ao despacho 
 então impugnado, veio a aceitar que eram de aplicar por analogia aos incidentes 
 da instância as regras de alteração e aditamento do rol de testemunhas, tais 
 como se encontram estatuídas referentemente à acção declarativa. Só que, na 
 
 óptica da Relação de Lisboa, o aditamento em causa fora apresentado a destempo.
 
  
 
                 Torna-se, assim, patente que o normativo que o réu pretenderia 
 pôr em causa do ponto de vista da sua conformidade constitucional no recurso de 
 agravo nem sequer foi dessa sorte aplicado no acórdão de 29 de Junho de 2006.
 
  
 
                 Pelo que, neste particular, é de concluir que falta o 
 pressuposto do recurso consistente na aplicação, na decisão querida submeter ao 
 veredicto do Tribunal Constitucional, da norma que se questionou.
 
  
 
                 Em face do que se deixa dito, não se toma conhecimento do 
 objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, 
 fixando-se em seis unidades de conta a taxa de justiça, sem prejuízo de, não 
 havendo pagamento voluntário, se atentar no benefício de apoio judiciário de que 
 o mesmo desfrutará.”
 
  
 
                                  Da transcrita decisão reclamou o réu, o que fez 
 por meio de requerimento manuscrito em que se escreveu: –
 
  
 
                  “A., vem requerer que a questão decidida sum[a]riamenmte seja 
 decidida por acórdão da conferência, devendo V. Exªs formularem o convite nos 
 termos do nº 6 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, para o recorrente expor a sua 
 interpretação da questão, revogando a decisão sumária.”
 
  
 
                                  Ouvida sobre a reclamação, a autora Companhia 
 de Seguros B., S.A., não veio efectuar qualquer pronúncia.
 
  
 
                                  Cumpre decidir.
 
  
 
  
 
                                  2. Independentemente da questão que se poderia 
 suscitar no sentido de saber se uma reclamação deduzida nos termos em que o foi, 
 isto é, sem que tivessem sido carreados quaisquer fundamentos que alicerçassem 
 as razões da discordância com a decisão de 11 de Dezembro de 2006, poderia ser 
 admissível (cfr. o Acórdão deste Tribunal nº 293/2001, disponível em www. 
 tribunalconstitucional.pt), o que é certo é que não lobriga o Tribunal quaisquer 
 motivos que infirmem o juízo de não conhecimento do objecto do recurso ínsito 
 naquela decisão.
 
  
 
                                  A isto é, ainda, de aditar que, se se ancorar a 
 atenção no referido na parte final da peça processual reclamatória, o que se 
 torna inquestionável é que, de todo, não foi com esteio na consideração de que o 
 requerimento de interposição não continha os elementos exigidos pelo nº 2 do 
 artº 75º-A da Lei nº 28/82 que se alcançou o mencionado juízo de não 
 conhecimento.
 
  
 
                                  Termos em que se indefere a reclamação, 
 condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça 
 em vinte unidades de conta, sem prejuízo de, não havendo pagamento voluntário, 
 se atentar no benefício de apoio judiciário desfrutado pelo mesmo.
 Lisboa, 5 de Fevereiro de 2007
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Artur Maurício