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Processo n.º 307/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Por acórdão de 11 de Janeiro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu 
 negar provimento ao recurso interposto por A. da decisão do Tribunal da Relação 
 de Coimbra que, no âmbito do processo comum colectivo n.º 272/99.1TBLRA, 
 confirmou a decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria que o havia 
 condenado como autor do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo 
 artigo 132.º, n.º 2, al. c), do Código Penal de 1982, na pena de 8 anos de 
 prisão (sendo que, ao abrigo do disposto no art.º 8.º, n.º 1, alínea d), da Lei 
 n.º 15/94, de 11 de Maio, lhe foi declarado perdoado um sexto da pena, ou seja, 
 
 16 meses de prisão). Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a 
 decisão recorrida. Pode ler-se nesse aresto, para o que ora importa:
 
 «[…]
 VII
 Nos termos do art.º 434.º do CPP, e sem prejuízo do disposto no art.º 410.°, 
 n.ºs 2 e 3, o recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de 
 direito. 
 No que respeita à primeira das questões enunciadas em V, importa distinguir: 
 A fixação factual levada a cabo pelas instâncias, na medida em que se apoiou em 
 convicção ou mesmo presunção natural; 
 A fixação factual na vertente em que para se alcançar se observaram ou não 
 observaram normas jurídicas que tinham que se observar. 
 No primeiro caso, estamos em sede factual e, consequentemente, imune à 
 sindicância deste STJ. 
 Mas no segundo, não obstante se aludir a fixação factual, estamos perante 
 questões de direito (Assim, já escreveu este tribunal que “pretendendo o 
 recorrente que o Supremo Tribunal indague ... se o tribunal recorrido deu 
 cobertura a um procedimento ilegal na formação da convicção a que chegou, não 
 está a pedir que se aprecie matéria de facto, antes a ilegalidade do processo da 
 sua aquisição – Ac. de 15.1.2004 – CJ STJ, XII, 1, 170 – podendo ver-se no mesmo 
 sentido, em www.dgsi.pt, a fundamentação 7.ª do Ac., também deste tribunal, de 
 
 15.1.2004). 
 Sendo matéria de direito, nada obsta ao seu conhecimento pelo STJ. 
 VIII
 De acordo com o art.º 412.°, n.ºs 3 e 4, na parte que agora nos interessa, 
 quando seja impugnada a matéria de facto: 
 Há-de o recorrente indicar: 
 Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; 
 As provas que impõem decisão diversa da recorrida. 
 Aquele n.º 3 alude ainda a transcrição, mas esta – embora, sem dúvida face ao 
 Ac. Uniformizador de 16.1.2003, publicado no Diário da República, I-A, de 30.1., 
 a cargo do tribunal – só teria que vir a lume após a motivação com impugnação da 
 matéria de facto ou, noutros entendimentos, após requerimento a manifestar essa 
 intenção. 
 Temos, pois, três etapas que importa não confundir, sendo de afastar, 
 nomeadamente, a confusão entre as duas primeiras e a terceira. Esta só pode 
 ganhar foros de realidade se observadas as duas primeiras. Não o sendo, não se 
 deve raciocinar sobre ela. 
 Por outro lado, não devemos perder de vista a “ratio legis” das alíneas a) e b) 
 daquele n.º 3 do art.º 412.°. 
 Visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar 
 vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em 
 referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria 
 de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que 
 teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua 
 totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes 
 preceitos. 
 IX
 Isto posto, atentemos no presente caso. 
 Na motivação do recurso da 1.ª instância para a Relação – pois é esse que 
 interessa para a presente questão – o recorrente não só não precisa, 
 convenientemente, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, 
 como não alude, concretizando, às provas com referência ao suporte técnico que 
 eram as cassetes. 
 Talvez se possa depreender que sustenta que o arguido empunhava a arma, que o 
 antagonista deitou a mão a esta e que ela se disparou então, sem que aquele 
 quisesse. Mas fá-lo de modo particularmente vago, quando tinha até os factos 
 enumerados e concisos e tinha também por aí o caminho facilitado para dizer o 
 que queria ou não queria a nível factual. O mesmo se passando relativamente à 
 demais matéria que põe em causa, sendo ainda certo que, conforme os factos 
 provados, a diferença de estaturas entre o arguido e a vítima não tem interesse. 
 
 
 Mas onde nos parece mais nítido o incumprimento é na necessidade de indicação 
 das provas. Limita-se a remeter para a gravação do depoimento da testemunha B., 
 aludindo ainda à confirmação da versão dela por parte do arguido, para depois 
 dizer “conforme se pode verificar pelas cassetes e da necessária transcrição das 
 mesmas” e referir, finalmente, o depoimento da testemunha C., sem qualquer 
 alusão ao suporte técnico. 
 Ou seja, seguiu o caminho que o legislador pretendeu evitar e a que nos 
 reportámos no número anterior a propósito da “ratio legis”. 
 X
 Pecando a motivação por inobservância destes elementos, seria possível o 
 entendimento de que a Relação devia convidar o recorrente a supri-los e só, na 
 ausência de suprimento, rejeitar, nesta parte, o recurso. 
 Decisões houve do TC que impuseram convite no sentido do suprimento da omissão 
 das menções a que aludem as várias alíneas do n.º 2 do art.º 412.° (Cfr-se, por 
 todos, o Ac., com força obrigatória geral, n.º 320/2002, de 9.7, que se pode ver 
 no sítio daquele tribunal). 
 Mas é o próprio Tribunal Constitucional que no acórdão n.º 140/2004, de 10.3 
 
 (também acessível em tal sítio), acentua a diferença relativamente ao 
 incumprimento do exigido pelo n.ºs 3, b), e 4 daquele art.º 412.°, indo para a 
 solução de que, no plano constitucional, não há que exigir o mencionado convite. 
 
 
 
 É que, enquanto as menções do n.º 2 respeitam à forma da motivação, as do n.º 3 
 situam-se na sua essência. Secundamos aqui as palavras que podemos ler em tal 
 aresto: 
 
 “As menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 
 
 412.° do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente 
 secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a 
 inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre 
 a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de 
 facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se 
 limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão 
 proferida sobre a matéria de facto”. 
 Este modo de ver as coisas não pode deixar de valer no campo da lei ordinária, 
 já que só se pode convidar a corrigir o que está mal cumprido e não o que tem de 
 se considerar incumprido. 
 Temos, então, que nada há a censurar no acórdão recorrido quando recusou nova 
 valoração probatória e considerou fixada a matéria de facto, tal como vinha da 
 
 1.ª instância. […]».
 Notificado do teor desse acórdão, o arguido/recorrente requereu a sua aclaração, 
 afirmando não entender “como se pode afirmar, como no mesmo se faz, que ‘a 
 Relação recusou a segunda atenuação especial, com base no art.º 72.º, n.º 3, do 
 CP agora vigente’, constante de fls. 16, quando tal não corresponde à verdade”, 
 sendo tal lapso “factor de peso na determinação da moldura da pena aplicável e, 
 consequentemente, na medida da pena”, e ainda que tal decisão padece de nulidade 
 por omissão de pronúncia “já que esse Venerando Tribunal não cuidou de apreciar 
 a questão da irregularidade arguida pelo arguido a propósito da falta de 
 transcrição das cassetes aquando da remessa do processo de 1.ª instância para o 
 Tribunal da Relação, arguição essa que constava também das conclusões do seu 
 recurso para o STJ”.
 
 2.Por acórdão tirado em conferência em 1 de Março de 2006, o Supremo Tribunal de 
 Justiça indeferiu o requerido, pelos seguintes fundamentos:
 
 «[…]
 III
 O pedido de aclaração reporta-se a dois pontos. 
 O primeiro por se entender que não corresponde à verdade a afirmação, feita no 
 acórdão, de que a Relação de Coimbra tenha recusado a segunda atenuação 
 especial, com base no art.º 72.°, n.º 3, do Código Penal agora vigente. 
 O segundo por se ter consignado no nosso acórdão que o arguido não impugnou a 
 matéria de facto. 
 IV
 Nem um nem o outro dos pontos tem apoio factual. 
 Assim, como se pode ver de folhas 777, o Tribunal da Relação consignou que “por 
 imperativo do n.º 3, deste mesmo artigo acabado de citar, só pode ser tomada em 
 conta uma única vez a circunstância que ... der lugar simultaneamente a uma 
 atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo”.
 Corresponde, pois, o afirmado no nosso acórdão, à realidade. 
 Mas, mesmo que não correspondesse, isso não bulia com a nossa decisão já que a 
 construção havida na segunda instância não nos vincula, como é evidente. 
 Por outro lado, nunca se consignou no nosso acórdão que o arguido não tenha 
 impugnado a matéria de facto no recurso da 1.ª para a segunda instâncias. O que 
 se considerou – e claramente – foi que ele a não tinha impugnado nos termos 
 exigidos pela lei de processo, o que é diferente. 
 V
 Entendendo-se, como se entendeu, que a impugnação da matéria factual não podia 
 ser conhecida pelo Tribunal da Relação em virtude da dita não observação das 
 normas processuais interessantes, ficou prejudicada a questão da correcção da 
 transcrição das cassetes. 
 Não tinha que ser conhecida e, deste modo, não se verifica a invocada nulidade».
 
 3.O arguido veio então interpor o presente recurso de constitucionalidade ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento 
 e Processo do Tribunal Constitucional, dizendo no requerimento de recurso:
 
 «1. O recurso é interposto ao abrigo da norma da alínea b) do n.º 1 do art.º 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15/11, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 
 
 143/85, de 26/11, pela Lei n.º 85/89, de 7/09, pela Lei n.º 88/95, de 1/09, e 
 pela Lei n.º 13-A/98, de 26/02. 
 
 2. Pretende o recorrente com o recurso ver apreciada pelo douto Tribunal 
 Constitucional a inconstitucionalidade material da norma do 412°, n.ºs 3, alínea 
 b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que a falta de 
 indicação, na motivação de recurso em que se impugne matéria de facto, das 
 menções exigidas nesses n.ºs 3 e 4, tem como efeito o não conhecimento desta 
 matéria, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais 
 deficiências. 
 
 3. Mais se deverá apreciar a inconstitucionalidade das mesmas normas quando 
 interpretadas no sentido de que a remissão para as cassetes nas quais constam os 
 depoimentos das testemunhas, de forma genérica, e sem identificação da rotação, 
 não satisfaz a exigência do n.º 4 do referido art.º 412.° do CPP. 
 
 4. Não podemos olvidar que nunca as cassetes, que contêm as declarações de 
 arguidos e testemunhas, são enviadas para o tribunal superior, juntamente com os 
 autos, sendo certo que naqueles apenas se aprecia, ou deveria apreciar, a 
 matéria de facto, com base nas transcrições das mesmas cassetes. 
 
 5. Não pode deixar, assim, de se entender ser de um preciosismo exagerado e de 
 todo injustificado pretender-se que o recorrente que pretenda recorrer também de 
 facto tenha de indicar as rotações das declarações a que se refere na sua 
 motivação de recurso. 
 
 6. Tal interpretação parece ter como único objectivo complicar o que é e deve 
 ser simples, dada a total inutilidade de tal remissão. 
 
 7. Ainda se o recorrente tivesse, antes de motivar o seu recurso, acesso à 
 transcrição das cassetes, até se compreenderia que tivesse de fazer a remissão 
 para o número das páginas de tal transcrição onde constassem as afirmações que 
 entendia terem sido mal apreciadas, agora, indicar rotações de cassetes que nem 
 sequer são presentes a quem aprecia o recurso?????? 
 
 8. E cabe aqui também perguntar porque é que se entende ser inconstitucional a 
 norma do n.º 2 do art.º 412.° do CPP, interpretada no sentido de que a falta de 
 indicação, nas conclusões da sua motivação, de qualquer das menções contidas nas 
 suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do 
 arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal 
 deficiência, e se não há-de ter entendimento semelhante quando está em causa não 
 a matéria de direito, mas a matéria de facto, ainda mais quando se trata de 
 fazer uma indicação que até é perfeitamente inútil. 
 
 9. Tendo presente a amplitude de que se deve revestir o direito de defesa do 
 arguido, consagrado no art.º 32.° da CRP, nunca o arguido deve ser impedido de 
 recorrer por uma mera questão formal e sem qualquer interesse, antes devendo, 
 quando muito, dar-se ao arguido a oportunidade de suprir tal deficiência. 
 
 10. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação e nas 
 conclusões do recurso penal ordinário interposto para o Supremo Tribunal de 
 Justiça.»
 Nas alegações que produziu no Tribunal Constitucional, o recorrente concluiu:
 
 «1. Pretende o recorrente com o recurso ver apreciada pelo douto Tribunal 
 Constitucional a inconstitucionalidade material da norma do 412.º, n.ºs 3, 
 alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que a 
 falta de indicação, na motivação de recurso em que se impugne matéria de facto, 
 das menções exigidas nesses n.ºs 3 e 4, tem como efeito o não conhecimento desta 
 matéria, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais 
 deficiências. 
 
 2. Mais se deverá apreciar a inconstitucionalidade das mesmas normas quando 
 interpretadas no sentido de que a remissão para as cassetes nas quais constam os 
 depoimentos das testemunhas, de forma genérica, e sem identificação da rotação, 
 não satisfaz a exigência do n.º 4 do referido art.º 412.º do CPP. 
 
 3. Não podemos olvidar que nunca as cassetes que contêm as declarações de 
 arguidos e testemunhas são enviadas para o tribunal superior, juntamente com os 
 autos, sendo certo que naqueles apenas se aprecia, ou deveria apreciar, a 
 matéria de facto, com base nas transcrições das mesmas cassetes. 
 
 4. Não pode deixar, assim, de se entender ser de um preciosismo exagerado e de 
 todo injustificado, pretender-se que o recorrente que pretenda recorrer também 
 de facto tenha de indicar as rotações das declarações a que se refere na sua 
 motivação de recurso. 
 
 5. Tal interpretação parece ter como único objectivo complicar o que é e deve 
 ser simples, dada a total inutilidade de tal remissão. 
 
 6. Ainda se o recorrente tivesse, antes de motivar o seu recurso, acesso à 
 transcrição das cassetes, até se compreenderia que tivesse de fazer a remissão 
 para o número das páginas de tal transcrição onde constassem as afirmações que 
 entendia terem sido mal apreciadas, agora, indicar rotações de cassetes que nem 
 sequer são presentes a quem aprecia o recurso?????? 
 
 7. E cabe aqui também perguntar porque é que se entende ser inconstitucional a 
 norma do n.º 2 do art.º 412.º do CPP, interpretada no sentido de que a falta de 
 indicação, nas conclusões da sua motivação, de qualquer das menções contidas nas 
 suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do 
 arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal 
 deficiência, e se não há-de ter entendimento semelhante quando está em causa não 
 a matéria de direito, mas a matéria de facto, ainda mais quando se trata de 
 fazer uma indicação que até é perfeitamente inútil. 
 
 8. Tendo presente a amplitude de que se deve revestir o direito de defesa do 
 arguido, consagrado no art.º 32.º da CRP, nunca o arguido deve ser impedido de 
 recorrer por uma mera questão formal e sem qualquer interesse, antes devendo, 
 quando muito, dar-se ao arguido a oportunidade de suprir tal deficiência. 
 
 9. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação e nas 
 conclusões do recurso penal ordinário interposto para o Supremo Tribunal de 
 Justiça. 
 
 10. Este Venerando Tribunal já por variadas vezes, como se disse, entendeu ser 
 inconstitucional rejeitar os recursos por não cumprimento do estabelecido no 
 art.º 412.º do CPP, sem que antes se dê ao recorrente a oportunidade de proceder 
 
 às devidas correcções, como, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 323/2003 e 320/2002. 
 
 
 
 11. Assim, mesmo por analogia, deverá decidir-se que é inconstitucional a 
 interpretação dos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do CPP, segundo a qual é de rejeitar 
 os recursos, não os conhecendo nessa parte, por não cumprimento de tais 
 normativos, sem que antes se dê oportunidade ao recorrente para proceder às 
 devidas correcções. 
 Deverá, pelo exposto 
 a) Julgar-se inconstitucional, por violação do art.º 32.º da Constituição da 
 República Portuguesa, a interpretação normativa do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do 
 Código de Processo Penal, segundo a qual deve ser rejeitado o recurso e se não 
 deve tomar conhecimento do recurso quanto à matéria de facto, quando a motivação 
 não contenha conclusões formuladas segundo aqueles preceitos, sem previamente se 
 facultar ao recorrente a possibilidade de suprir tal ou tais omissões;
 b) Julgar-se inconstitucional, por violação do art.º 32.º da Constituição da 
 República Portuguesa, a interpretação normativa do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do 
 Código de Processo Penal, no sentido de que a remissão para as cassetes nas 
 quais constam os depoimentos das testemunhas, de forma genérica, e sem 
 identificação da rotação, não satisfaz a exigência do n.º 4 do referido art.º 
 
 412.º do CPP e, consequentemente, 
 Determinar-se a baixa do processo para correcção das conclusões e transcrição da 
 prova gravada, assim se fazendo JUSTIÇA.»
 O Ministério Público, nas suas contra-alegações, suscitou a questão prévia do 
 não conhecimento do recurso, por falta de verificação dos seus pressupostos, 
 designadamente a suscitação, durante o processo, da inconstitucionalidade da 
 dimensão normativa que impugna, e a aplicação desta dimensão normativa, como 
 ratio decidendi, pelo tribunal recorrido.
 Notificado para, querendo, se pronunciar sobre a questão prévia assim suscitada, 
 veio o recorrente dizer: 
 
 «Queremos deixar desde já aqui expresso, com o devido respeito por opinião, 
 prática e entendimento contrários, que nos entristece que se pretenda sobrepor a 
 justiça formal à JUSTIÇA material, sejam quais forem as circunstâncias. 
 Mas, no caso em apreço, não nos parece que o MP tenha razão com o que alega, já 
 que o recorrente se vem batendo, desde que a questão surgiu, com o problema que 
 entendeu por bem, e espera-se, em boa hora, submeter à apreciação de V. Excias.
 
 É que, como se disse e resulta à saciedade do acórdão do STJ, o que se entendeu, 
 a nosso ver erradamente e violando preceitos constitucionais, foi que decidiu 
 não se ter satisfeito as exigências do art.º 412.º do CPP, por se não ter feito 
 referência ao suporte técnico. 
 Perdoe-se-nos a insistência, mas, de facto, resulta inequívoco do acórdão do STJ 
 que, tivesse a referência aos suportes técnicos sido feita com precisão, e tudo 
 se passaria de forma diferente. 
 Como dissemos, estamos habituados a lidar com pessoas, seres humanos, cidadãos, 
 e não apenas com papéis, pelo que o nosso entendimento de JUSTIÇA não pode nunca 
 ser dissociado da EQUIDADE e, logicamente, não aceitamos de bom grado que uma 
 pessoa possa ser privada da sua LIBERDADE sem sequer ser “olhada” como pessoa, 
 antes o sendo como um mero dossier. 
 
 É tempo de, ao invés de se “escudar” em meras questões formais, cuja apreciação, 
 por vezes, até é mais trabalhosa do que a análise da questão de fundo, seja esta 
 apreciada e a JUSTIÇA feita, ao invés de se argumentar com um “fez-se justiça” 
 
 (esta com letra necessariamente pequena. 
 Entendemos assim carecer de razão o MP, devendo esse Venerando Tribunal apreciar 
 a questão suscitada e decidir fazendo JUSTIÇA, ou seja, determinando que o 
 arguido seja notificado para suprir as alegadas e eventuais falhas formais».
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.Importa começar por tratar da questão prévia relativa ao não conhecimento do 
 recurso, suscitada pelo Ministério Público.
 No terceiro parágrafo da resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério 
 Público, o recorrente veio indicar pela primeira vez que “o que se entendeu, a 
 nosso ver erradamente e violando preceitos constitucionais, foi que decidiu não 
 se ter satisfeito as exigências do art.º 412.º do CPP, por não se ter feito 
 referência ao suporte técnico” (itálico aditado).
 Ora, não se pode tomar conhecimento da constitucionalidade de uma dimensão 
 interpretativa do artigo 412.º do Código de Processo Penal correspondente a esta 
 alegação, o que constituiria um alargamento do objecto do recurso a coberto de 
 uma resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério Público. Na verdade, a 
 referência a uma tal dimensão interpretativa não constava nem do requerimento de 
 interposição de recurso, nem das alegações, não tendo sido neles incluídas pelo 
 recorrente. E é sabido que o objecto do recurso fica, desde logo, delimitado por 
 aquele requerimento, conforme resulta do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 75º-A 
 da Lei do Tribunal Constitucional. A este respeito pode ler-se no Acórdão n.º 
 
 20/97 (Acórdão do Tribunal Constitucional, 36.º vol., pp. 193 e ss., e 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
 
 «(…)
 Escreveu-se recentemente no Acórdão deste Tribunal n.º 379/96, publicado no 
 Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1996, que “o requerimento de 
 interposição de recurso limita o seu objecto às normas nele indicadas (cfr. o 
 artigo 684º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, conjugado com o artigo 75º-A, n.º 1, deste lei), 
 sem prejuízo, obviamente, de esse objecto, assim delimitado, vir a ser 
 restringido nas conclusões da alegação (cfr. citado artigo 684º, n.º 3). O que 
 na alegação (recte, nas suas conclusões), o recorrente não pode fazer é ampliar 
 o objecto do recurso antes definido.” (No mesmo sentido, cfr. os Acórdãos n.º 
 
 71/92, 323/93, 10/95 e 35/96, publicados na II Série do Diário da República, de 
 
 18 de Agosto de 1992, de 22 de Outubro de 1993, de 22 de Março de 1995 e de 2 de 
 Maio de 1996, respectivamente).» (Cf. também, entre muitos, os Acórdãos deste 
 Tribunal n.os 641/99, 205/2002 e 215/2002, inéditos).
 Estamos, pois, no que diz respeito ao entendimento referido na resposta à 
 questão prévia, perante uma ampliação, não permitida por lei, do objecto do 
 recurso de fiscalização concreta de inconstitucionalidade, pelo que não se 
 conhecerá da questão a que se refere.
 
 5.Segundo o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, este 
 vem intentado ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do 
 Tribunal Constitucional, pretendendo-se a apreciação da inconstitucionalidade 
 das seguintes normas:
 a)        artigo 412.°, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que “a falta de indicação, na motivação de recurso em 
 que se impugne matéria de facto, das menções exigidas nesses n.ºs 3 e 4, tem 
 como efeito o não conhecimento desta matéria, sem que ao recorrente seja dada 
 oportunidade de suprir tais deficiências”;
 b)        artigo 412.°, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, 
 interpretado no sentido de que “a remissão para as cassetes nas quais constam os 
 depoimentos das testemunhas, de forma genérica, e sem identificação da rotação, 
 não satisfaz a exigência do n.º 4 do referido art.º 412.° do CPP”. 
 No final das alegações que apresentou junto deste Tribunal, o recorrente veio, 
 porém, dizer, em relação à primeira das referidas normas, que a interpretação 
 normativa que entende dever ser julgada inconstitucional é, não aquela, mas uma 
 outra “segundo a qual deve ser rejeitado o recurso e se não deve tomar 
 conhecimento do recurso quanto à matéria de facto, quando a motivação não 
 contenha conclusões formuladas segundo aqueles preceitos, sem previamente se 
 facultar ao recorrente a possibilidade de suprir tal ou tais omissões” (itálico 
 aditado).
 Importa apurar se se verificam os requisitos para se poder tomar conhecimento do 
 presente recurso, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 
 do Tribunal Constitucional.
 Como se sabe, são os seguintes esses requisitos: antes de mais, que a(s) 
 norma(s) jurídicas impugnada(s) tenha(m) sido aplicada(s) na decisão recorrida 
 como ratio decidendi; que o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade 
 dessa(s) norma(s) jurídica(s) durante o processo; e, ainda, que não seja 
 possível interpor recurso ordinário de tal decisão (cfr., entre muitos, por 
 exemplo, os Acórdãos n.ºs 114/89, 469/91 e 178/95, publicados, respectivamente, 
 no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1989, de 24 de Abril de 1992 
 e de 21 de Junho de 1995).
 Nas alegações de recurso indicou-se, como vimos, como objecto deste, a 
 apreciação da inconstitucionalidade da “interpretação normativa do artigo 412.º, 
 n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, segundo a qual deve ser rejeitado o 
 recurso e se não deve tomar conhecimento do recurso quanto à matéria de facto, 
 quando a motivação não contenha conclusões formuladas segundo aqueles preceitos, 
 sem previamente se facultar ao recorrente a possibilidade de suprir tal ou tais 
 omissões”, bem como da “interpretação normativa do artigo 412.°, n.ºs 3 e 4, do 
 Código de Processo Penal, no sentido de que a remissão para as cassetes nas 
 quais constam os depoimentos das testemunhas, de forma genérica, e sem 
 identificação da rotação, não satisfaz a exigência do n.º 4 do referido art.º 
 
 412.º do CPP”.
 Ora, a decisão do Supremo Tribunal de Justiça recorrida negou provimento ao 
 recurso fundamentando-se, entre o mais, no seguinte: 
 
 «(…)
 Na motivação do recurso da 1.ª instância para a Relação – pois é esse que 
 interessa para a presente questão – o recorrente não só não precisa, 
 convenientemente, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, 
 como não alude, concretizando, às provas com referência ao suporte técnico que 
 eram as cassetes. 
 
 (…).»
 
 [itálicos aditados]
 Basta analisar o trecho transcrito para reconhecer que assiste razão ao 
 Ministério Público quando afirma que a decisão recorrida se fundou, como ratio 
 decidendi, nas insuficiências detectadas, na impugnação da decisão proferida 
 sobre matéria de facto, no teor da motivação do recurso e não apenas nas 
 respectivas conclusões. Aquela norma é que funcionou como razão de decidir do 
 acórdão recorrido, e não qualquer norma, pretendida apreciar nesta sede, 
 reportada à falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso, das 
 menções contidas naqueles preceitos do Código de Processo Penal.
 Tal conclusão é de reiterar também a respeito da segunda das normas supra 
 enunciadas, que o recorrente pretende que este Tribunal aprecie, reportada à 
 forma de identificar a localização dos depoimentos gravados em cassetes, 
 indicando as rotações da cassete, por se poder afirmar que esta interpretação 
 normativa não foi sequer aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido. 
 Este assentou antes, como razão de decidir – que permaneceria intocada mesmo que 
 o Tribunal Constitucional pudesse julgar inconstitucional a citada interpretação 
 normativa –, na insuficiência da motivação do recurso quanto à necessidade de 
 indicação das provas, “sem qualquer alusão ao suporte técnico”.
 Não pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso.
 
 6.Cumpre notar, ainda, que, como diz o Ministério Público, é duvidoso que, mesmo 
 relativamente à dimensão normativa do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do 
 Código de Processo Penal, “interpretadas no sentido de que a falta de indicação, 
 na motivação de recurso em que se impugne matéria de facto, das menções exigidas 
 nesses n.ºs 3 e 4, tem como efeito o não conhecimento desta matéria, sem que ao 
 recorrente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências”, o recorrente 
 tenha suscitado a sua inconstitucionalidade durante o processo, nas alegações 
 que produziu perante o Supremo Tribunal de Justiça.
 Com efeito, o que se pode ler nessas alegações (tanto no seu teor como nas 
 conclusões) é que o recorrente pugnou pela necessidade de um convite a corrigir 
 e aperfeiçoar a motivação do recurso, impugnando o facto de assim não se ter 
 concretamente procedido (“Ao assim não se proceder, violou-se…”), sem enunciar 
 ou identificar uma dimensão ou interpretação normativa a que imputasse a 
 inconstitucionalidade.
 Recorde-se que, como o Tribunal Constitucional tem afirmado em jurisprudência 
 constante (v., por exemplo, o Acórdão n.º 178/95, in Diário da República, II 
 série, de 21 de Junho de 1995), impunha-se que o recorrente tivesse
 
 «(...) indicado (…) o segmento  de cada norma, a dimensão normativa de cada 
 preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que [tem] por violador da 
 Constituição. 
 De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara 
 e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in Diário da República, 
 
 2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma 
 certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa 
 interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme 
 com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o 
 tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários 
 daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em 
 causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental».
 Também por esta razão não poderia tomar-se conhecimento de uma dimensão 
 normativa do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, 
 relativa ao efeito preclusivo, sem convite para aperfeiçoamento, da falta de 
 indicação, na motivação de recurso em que se impugne matéria de facto, das 
 menções exigidas nesses n.ºs 3 e 4.
 A este propósito, diga-se, aliás, por fim, que a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional se vem orientando no sentido de “não julgar inconstitucional a 
 norma do artigo 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de Processo Penal, 
 interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso 
 em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida tem como 
 efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao 
 recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências” (assim, o 
 Acórdão n.º 140/2004, já citado na decisão recorrida e disponível em Acórdão do 
 Tribunal Constitucional, vol. 58.º, pp. 633 e ss., e em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso e 
 condenar o recorrente em custas, fixando em 15 (quinze) unidades de conta a taxa 
 de justiça.
 Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos