 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 729/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
 
 
      Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 A., S.G.P.S., S.A., recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão 
 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 31-1-2008, no processo nº 
 
 81/E/1999, da 3.ª Secção, da 5.ª Vara Cível de Lisboa, que confirmou decisão da 
 
 1.ª instância que negara provimento a pedido de substituição por caução de 
 medidas cautelares solicitadas por Afonso Fernandes Lourenço da Silva.
 Fundamentou esse recurso em oposição de acórdãos do Tribunal da Relação.
 
  
 O Desembargador Relator não admitiu o recurso por entender que o acórdão 
 indicado como fundamento não se encontrava em contradição com o acórdão 
 recorrido sobre a questão fundamental de direito.
 
  
 O recorrente reclamou deste despacho, tendo o Vice-Presidente do Supremo 
 Tribunal de Justiça indeferido a reclamação por decisão de 26-6-2008, com os 
 seguintes fundamentos:
 
 “Conforme o disposto no art. 687.º, n.º 1, do CPC, para os casos previstos no 
 citado art. 678.º, n.º 4 do CPC, ou seja, quando haja oposição de acórdãos, é 
 necessário indicar no requerimento de interposição de recurso, o acórdão 
 anterior da Relação que esteja em oposição com o acórdão recorrido, para que o 
 relator possa apreciar a verificação desse pressuposto legal, como se fez.
 Sucede, porém, que o acórdão da Relação de Lisboa de 08.04.2004, indicado como 
 acórdão-fundamento, não se apresenta como um acórdão definitivo, por dele se ter 
 interposto recurso para o S.T.J.
 Sendo assim, não pode suportar o fundamento do n.º 4 do ad. 678.º do CPC, que 
 pressupõe necessariamente um acórdão final, definidor de determinada situação 
 jurídica; e no caso concreto, o acórdão final é do Supremo Tribunal de Justiça.”
 
  
 O recorrente deduziu pedido de aclaração desta decisão, em que suscitou a 
 inconstitucionalidade da interpretação do artigo 678º, n.º 4, do C.P.C., 
 sustentada naquela decisão.
 
  
 O Vice-Presidente do S.T.J. indeferiu o pedido de aclaração, por despacho 
 proferido em 22-7-2008.
 
  
 A., S.G.P.S., S.A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos:
 
 “…notificada do douto despacho de 22.07.2008 que se pronunciou sobre o pedido de 
 aclaração do douto despacho de 26.06.2008, vem, nos termos do disposto no artigo 
 
 208º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 70º, n.º 1, alínea b), 
 n.ºs 2 e 3 e no artigo 72º, n.º 2, ambos da Lei do Tribunal Constitucional, 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
 A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional 
 aprecie é a constante do n.º 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil (na 
 versão dada pelo Decreto-lei n.º 38/2003 de 8 de Março) na interpretação dada 
 pelo Supremo Tribunal de Justiça, através do Excelentíssimo Conselheiro 
 Presidente, no despacho de 26.06.2008 e no despacho de 22.07.2008, de fls. 90 e 
 
 91, no sentido que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 fundado em oposição de acórdãos, quando o acórdão-fundamento proferido pelo 
 Tribunal da Relação não constituir decisão final, por ter havido recurso para o 
 STJ, mesmo que este tenha confirmado o acórdão fundamento, sendo que o 
 acórdão-fundamento só constitui decisão final se do mesmo não for admissível 
 recurso ordinário ou no caso de o ser, o mesmo não for interposto, transitando 
 assim em julgado.
 Tal interpretação da norma referida está em clara viciação dos princípios 
 fundamentais da igualdade e de tutela jurisdicional efectiva consagrados 
 respectivamente nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP), conforme já invocado no requerimento de aclaração apresentado pela ora 
 Reclamante, com data de entrada de 08.07.2008 (fls. 78 e ss.).”
 
  
 Em 7-10-2008 foi proferida decisão sumária neste Tribunal de não conhecimento do 
 recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
 
 “No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência 
 atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da 
 inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade 
 constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já 
 não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões 
 judiciais, em si mesmas consideradas.
 Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 
 
 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua 
 admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de 
 inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 
 
 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio 
 decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo 
 recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a 
 decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, 
 por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota 
 com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo 
 excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade 
 processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a 
 decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que 
 suscitasse então a questão de constitucionalidade, por a mesma ser de todo 
 imprevista, inesperada ou insólita.
 Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o 
 apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de 
 constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter 
 proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em 
 princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido 
 que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua 
 aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar 
 a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma 
 inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão 
 judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz 
 quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos 
 factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem 
 necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. 
 O recorrente pretende que se aprecie a constitucionalidade do n.º 4, do artigo 
 
 678.º, do C.P.C., interpretado no sentido que não é admissível recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, fundado em oposição de acórdãos, quando o 
 acórdão-fundamento proferido pelo Tribunal da Relação não constituir decisão 
 final, por ter havido recurso para o STJ, mesmo que este tenha confirmado o 
 acórdão fundamento, sendo que o acórdão-fundamento só constitui decisão final se 
 do mesmo não for admissível recurso ordinário ou no caso de o ser, o mesmo não 
 for interposto, transitando assim em julgado.
 Contudo, só suscitou esta questão de constitucionalidade perante o 
 Vice-Presidente do S.T.J., no requerimento de aclaração da decisão em que tal 
 interpretação foi adoptada como ratio decidendi da decisão recorrida, pelo que, 
 não foi suscitada adequadamente perante o tribunal recorrido a questão que se 
 pretende agora ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
 O recorrente teve oportunidade de o fazer no requerimento de reclamação do 
 despacho do Desembargador Relator que não admitiu o recurso para o S.T.J. e 
 era-lhe exigível que o fizesse, uma vez que a interpretação do n.º 4, do artº 
 
 678º, do C.P.C., sustentada na decisão recorrida não pode ser considerada 
 inesperada, imprevista ou insólita.
 Na verdade, não só a letra da lei comporta tal entendimento como o mesmo se 
 enquadra na finalidade apontada nos trabalhos preparatórios que conduziram à 
 introdução do tipo de recurso em causa do direito processual civil português. 
 
 (vide, efectuando uma resenha histórica da consagração deste tipo de recurso no 
 C.P.C. pela reforma de 1961, ANTUNES VARELA, na R.L.J., Ano 116, pág. 93 e 
 seg.). Escreveu Lopes Navarro, no relatório parcelar sobre os Projectos de 
 revisão do C.P.C., que conduziram à reforma de 1961, sobre os recursos 
 ordinários, relativamente à introdução deste tipo de recurso:
 
 “Pretende-se assim estabelecer jurisprudência obrigatória relativamente a 
 questões de direito que normalmente não podem ser apreciadas em recurso pelo 
 Supremo Tribunal” (In. “Projectos de revisão do Código de Processo Civil”, de 
 Lopes Navarro e Eduardo Coimbra, vol. II, pág. 78, da Edição Oficial de 1958).
 Perante este quadro era exigível ao recorrente que tivesse suscitado 
 antecipadamente a questão de constitucionalidade colocada no presente recurso ao 
 tribunal recorrido uma vez que era perfeitamente previsível a possibilidade da 
 sua adopção.
 Não o tendo feito, não pode ser conhecido o recurso interposto, por falta de 
 cumprimento de um requisito essencial, devendo ser proferida decisão sumária 
 nesse sentido, nos termos do artigo 78º - A, n.º 1, da LTC.
 
  
 A recorrente reclamou desta decisão com os seguintes argumentos:
 
 “II - DA (IM)PREVISIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO DADA PELO STJ À NORMA DO N.º 4 DO 
 ARTIGO 678º DO CPC 
 
 11. Primeiro, da doutrina citada na decisão sumária objecto da presente 
 reclamação para demonstrar a previsibilidade da interpretação em causa não 
 resulta, pelo menos de uma forma patente e muito menos expressa, o entendimento 
 defendido pelo STJ. 
 
 12. Mais no acórdão do STJ, funcionando em pleno, de 28.07.1981, objecto da 
 anotação de Antunes Varela (in RLJ, Ano 116, pp. 90 e ss.) citada pelo 
 Excelentíssimo Conselheiro Relator, a decisão não mereceu aprovação unânime dos 
 Conselheiros, por diversas razões. 
 
 13. Tem interesse para o caso, o voto vencido do Conselheiro Mário de Brito que 
 entendeu que “O motivo invocado no acórdão não impedia, a meu ver, o 
 prosseguimento do recurso. Na verdade o requisito constante do artigo 764.º do 
 Código do Processo Civil – «e dele não foi admitido recurso de revista ou de 
 agravo por motivo estranho à alçada do Tribunal» – é de exigir apenas quanto ao 
 acórdão recorrido, e não quanto ao acórdão indicado em oposição: – o preceito é, 
 aliás, claro neste sentido.” (in RLJ, Ano 116, pp. 93 - sublinhados nossos). 
 
 14. Ou seja, já na altura não era uma interpretação que encontrasse consenso no 
 STJ. 
 
 15. Acrescenta-se que, conforme referido por Lopes Navarro, ilustre Relator do 
 projecto de revisão do CPC, citado por Antunes Varela (in RLJ, Ano 116, pp. 90 e 
 ss.), a finalidade era “... estabelecer jurisprudência obrigatória relativamente 
 a questões de direito que normalmente não podem ser apreciadas em recurso pelo 
 Supremo Tribunal.” 
 
 16. De facto, na nossa humilde opinião, a admissibilidade de recurso com 
 fundamento na oposição de julgados entre um acórdão da Relação e outro de outra 
 Relação (proferido anteriormente), sobre a mesma questão fundamental de direito, 
 que tenha sido confirmado pelo STJ, não contraria a finalidade atrás referida. 
 Antes pelo contrário reforça-a, no sentido, de impedir a oposição de julgados 
 entre acórdãos da Relação divergentes e essencialmente com aqueles cujos 
 entendimentos foram corroborados pelo Tribunal Superior, que, de outro modo, 
 fugiriam ao conhecimento do STJ. Para atingir essa finalidade, é indiferente que 
 o acórdão fundamento seja ou não recorrível por razões estranhas à alçada da 
 Relação. 
 
 17. E, no caso dos presentes autos, tal questão é ainda mais irrelevante, 
 porquanto, no apenso do processo no âmbito do qual foi proferido o acórdão 
 fundamento (recurso de agravo n.º 6179/02 da Relação de Lisboa, processo n.º 
 
 2985/97- C da 5ª Vara Cível de Lisboa, 1ª Secção), correspondente ao incidente 
 de prestação de caução para substituição da providência cautelar decretada, era 
 ainda admissível o recurso para o STJ do acórdão da Relação que foi interposto 
 pelos requerentes dessa providência, ao abrigo do n.º 2 do art. 754º do CPC, na 
 redacção dada pelo DL n.º 180/96 de 25.09, ainda aplicável aos processos 
 pendentes à data do inicio da vigência do DL n.º 375-A/99 de 30.09, nos termos 
 do seu art. 8º, n.º 2. 
 
 18. Com o referido DL n.º 375-A/99 que alterou a redacção do n.º 2 do art. 754º 
 do CPC (decisões de que cabe agravo na 2ª instância), na redacção anterior ao DL 
 
 303/2007 de 30.08, deixaram de ser admitidos recursos para a 2ª instância de 
 acórdãos da relação proferidos no âmbito de incidentes. 
 
 19. Aos presentes autos do acórdão recorrido sobre o qual a ora Reclamante 
 interpôs recurso com fundamento na oposição de julgados já se aplica o n.º 2 do 
 art. 754º do CPC na redacção dada pelo DL n.º 375-A/99, ou seja, já não era 
 admissível recurso para o STJ. 
 
 20. Ou seja, se ao processo do qual resultou o acórdão fundamento fosse 
 aplicável o n.º 2 do art. 754º do CPC na redacção dada pelo DL n.º 375-A/99, não 
 se admitindo o recurso para o STJ, segundo a interpretação do STJ do n.º 4 do 
 art. 678º do CPC, já estariam reunidos todos os requisitos previstos no citado 
 preceito, designadamente, o facto de o acórdão fundamento ser um acórdão 
 definitivo e final. 
 
 21. O próprio STJ não tem aplicado, recentemente e pelo menos de uma forma 
 uniforme, a interpretação que defendem no despacho de 26.06.2008. 
 
 22. De facto no acórdão (STJ, de 14.06.2007, Processo: 07B1481, Relator 
 Conselheiro Pereira da Silva, disponível em www.dgsi.pt - sublinhado nosso), o 
 STJ concluiu que “Para a admissibilidade do recurso contemplado no art. 678º nº 
 
 4 do CPC, decorre flagrante de tal normativo, como já salientado, entre outros, 
 no acórdão de 24-05-07, por nós relatado, proferido nos autos de agravo 
 registados sob o n º 12/5/07-2, outra não sendo a tese defendida por Amâncio 
 Ferreira (cfr. “Manual dos Recursos em Processo Civil” 3ª Edição Revista, 
 Actualizada e Ampliada, pág. 104), impõe-se, entre outros, a verificação do 
 seguinte requisito: O “acórdão recorrido ser insusceptível de recurso ordinário 
 por motivo estranho à alçada do tribunal, a menos que, cumulativamente, também o 
 recurso não fosse admissível por razão de alçada”. 
 
 23. Deste modo, neste acórdão, o STJ não considerou que o requisito da 
 irrecorribilidade por motivo alheio à alçada do tribunal se aplicasse ao acórdão 
 fundamento, aplicando-o somente ao acórdão recorrido. 
 
 24. Refira-se ainda, conforme reconhecido por Antunes Varela, que não se 
 encontra plasmada na letra da lei tal interpretação, sendo explicito que a 
 expressão “... do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada 
 do tribunal...” se refere ao acórdão recorrido, não se podendo retirar do texto 
 do preceito em causa a extensão desta exigência ao acórdão fundamento. Pelo que 
 pela letra da lei não era previsível a interpretação dada pelo STJ. 
 
 25. Segundo, também a doutrina actual e maioritária não tem espelhado essa 
 interpretação defendida pelo STJ, sendo prova disso a ausência de referência à 
 suposta condição de o acórdão fundamento ter de ser um acórdão “definitivo” para 
 efeitos do recurso por oposição de julgados. 
 
 26. Os autores têm enumerado requisitos para a aplicação do n.º 4 do art. 678º, 
 dos quais não consta a necessidade de do acórdão fundamento não caber recurso 
 ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal. Exemplo disso é a enumeração 
 de requisitos que faz Fernando Amâncio Ferreira: 
 
  “Respinga-se do n.º 4 do art. 678.º impor-se a verificação dos seguintes 
 requisitos para a admissibilidade do recurso nele contemplado: 
 a) dois acórdãos da mesma ou de diferente relação em oposição sobre a mesma 
 questão fundamental de direito, verificando-se esta quando o núcleo da situação 
 de facto, à luz da norma aplicável, é idêntica em ambos eles, 
 b) o acórdão dito em oposição, o denominado acórdão-fundamento ser anterior e 
 haver transitado em julgado; 
 c) o acórdão recorrido ser insusceptível de recurso ordinário por motivo 
 estranho à alçada do tribunal, 
 d) a orientação perfilhada no acórdão recorrido não estar de acordo com a 
 jurisprudência anteriormente fixada pelo STJ, quer nos anteriores recursos para 
 o tribunal pleno (assentos), quer nos julgamentos de revista ou agravo ampliados 
 
 (acórdãos de fixação de jurisprudência).” 
 
 (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina 
 
 2000, pp. 84 e – sublinhado nosso) 
 
 27. Assim como José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes: 
 
 “O n.º 4 (cuja redacção foi alterada pelo DL 38/2003, que suprimiu a remissão 
 para os arts. 723- A e 732-B) admite a interposição de recurso de revista do 
 acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, proferido por qualquer 
 tribunal da relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não 
 caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a 
 orientação nele perfilhada estiver de acordo com jurisprudência já anteriormente 
 fixada pelo STJ.” 
 
 (José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código do Processo Civil 
 Anotado, Coimbra Editora 2003, p. 12 - sublinhado nosso) 
 
 28. Terceiro, no despacho da Relação de não admissão do recurso para o STJ com 
 fundamento na oposição de julgados, a Relação não aplicou o n.º 4 do art. 678º 
 do CPC de acordo com a interpretação feita pelo STJ no douto despacho de 
 
 26.06.2008. Efectivamente a Relação rejeitou o recurso com base em fundamentos 
 totalmente distintos do STJ, nomeadamente na distinção entre a questão 
 fundamental de direito e a fundamentação, presente nos dois acórdãos em causa. 
 
 29. Ora se a interpretação da norma em causa feita pela Relação fosse semelhante 
 
 à do STJ, na apreciação do recurso, aquele tribunal ter-se-ia limitado a 
 considerar que o acórdão fundamento não era um acórdão definitivo, sem se 
 debruçar nem apreciar o seu conteúdo para efeitos de determinação da existência 
 de oposição de julgados. 
 
 30. Ou seja, caso a Relação partilhasse da interpretação do STJ, teria ficado 
 pela análise dos “requisitos processuais” do recurso de oposição de julgados, 
 sem necessidade de ir além, designadamente, de proceder à análise do conteúdo 
 dos acórdãos para determinar a oposição de julgados. 
 
 31. Importa ainda ter em conta que a ora Reclamante sempre referiu que o acórdão 
 da Relação que constitui acórdão fundamento havia sido confirmado pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça, na sequência de recurso para este tribunal superior. 
 
 32. O que significa que já a Relação estava ciente que o acórdão fundamento 
 invocado pela ora Reclamante tinha sido objecto de um acórdão do STJ 
 confirmativo daquele. 
 Pelo que não se pode dizer que a interpretação feita pela Relação se deveu a 
 falta de informação quanto à natureza do acórdão fundamento. 
 
 33. Em suma, contrariamente à douta decisão sumária de que se reclama, a 
 interpretação no n.º 4 do art. 678º do CPC, cuja inconstitucionalidade se requer 
 que seja apreciada por este Venerando Tribunal, não é assim tão previsível ou 
 expectável, até porque nem foi a interpretação seguida pela Relação de Lisboa. 
 
 34. Mais, o recorrido, na sua resposta ao requerimento de interposição do 
 recurso com fundamento na oposição de julgados, (requerimento de 05.03.2008), 
 também não invocou a interpretação do STJ relativamente à norma do n.º 4 do art. 
 
 678º do CPC. 
 III - DO CRITÉRIO PARA DETERMINAR A (IM)PREVISIBILIDADE DE UMA INTERPRETAÇÃO 
 
 35. Para além disso, acresce que não poderá o requisito para que haja dispensa 
 do ónus de invocação atempada das questões de constitucionalidade, tal como 
 descrito no Acórdão n.º 232/94 (Tribunal Constitucional, Processo n.º 152/93, 
 Relator Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). “Esta dispensa só deverá ocorrer em casos de 
 interpretações judiciais de todo em todo anómalas ou imprevisíveis ou 
 insólitas, com as quais o operador do direito não poderia razoavelmente contar” 
 ser de tal maneira exigente que anule a própria possibilidade de dispensa, 
 tornando a prova de motivos para dispensa numa prova diabólica, devido a uma 
 exigência de prognose irreal. 
 
 36. Não se pretende criticar “... o entendimento que vem sendo dado pelo 
 Tribunal à expressão «durante o processo» faz recair sobre as partes o ónus de 
 considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas eventualmente 
 aplicáveis na decisão a proferir, por forma a poderem validamente recorrer para 
 o Tribunal Constitucional.” Acórdão n.º 232/94. (Tribunal Constitucional, 
 Processo n.º 152/93, Relator Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), nem tão pouco na parte em que afirma que “Não 
 pode, assim, invocar-se a mera «surpresa» na interpretação de certa norma para 
 justificar a dispensa.” Acórdão n.º 232/94 (Tribunal Constitucional, Processo 
 n.º 152/93, Relator Conselheiro Vítor Nunes de Almeida, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) 
 
 37. Pretende-se é demonstrar que tem que existir um equilíbrio, sem o qual se 
 criará flagrantes situações de injustiça ao subverter-se uma garantia 
 constitucional criada como um mecanismo de excepção, numa denegação de justiça 
 por requerer um imensurável juízo de prognose a cada passo processual. 
 
 38. Uma interpretação como a propugnada no Acórdão n.º 122/00 (Tribunal 
 Constitucional, Processo n.º 257/99, Relator Conselheiro Bravo Serra, disponível 
 em www.tribunalconstitucional.pt), afigura-se mais justa e equilibrada. Embora 
 baseando-se também noutros motivos para considerar dispensado o ónus da 
 suscitação da questão da inconstitucionalidade antes de proferida a decisão 
 final, acabou por aceitar que seria suficientemente inesperada uma interpretação 
 
 “...que não tem sido liquidamente sufragado pela jurisprudência dos nossos 
 tribunais da ordem dos tribunais judiciais, pelo sempre se poderá dizer que a 
 mesma não constitui um dado com que os operadores jurídicos, inequivocamente, 
 contem.” (Sublinhado nosso.) 
 
 39. Uma interpretação demasiado restritiva da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da 
 Lei do Tribunal Constitucional coarcta o direito de acesso à justiça (art. 20º 
 Constituição da República) sem justificação. 
 
 40. O n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa estabelece que 
 
 “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos 
 expressamente previstos na constituição, devendo as restrições limitar-se ao 
 necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos”. Ao exigir que recaia sob o cidadão o ónus de fazer um juízo de 
 prognose alargado ao ponto de se exigir que sejam equacionadas toda e qualquer 
 interpretação de uma norma jurídica que se pretende alegar, está a ser denegada 
 justiça por ser imposta uma tarefa, senão impossível, extremamente 
 desproporcional. 
 
 41. No presente caso é considerado como ónus do Recorrente um nível de 
 conhecimento que extravasa o exigível ao homem médio, ou ao jurista médio, pois 
 a este não pode ser exigível que conheça e domine opiniões de uma doutrina que 
 salvo a decisão do STJ, parece ter sido abandonada. 
 
 42. Tenha-se ainda em conta o defendido no Acórdão n.º 263/92 (Tribunal 
 Constitucional, Processo nº 118/92, relator Conselheiro Monteiro Diniz, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt “Na verdade, este tribunal tem vindo 
 a entender, num plano conformador da sua jurisprudência genérica sobre este 
 tema, que naqueles casos anómalos em que o recorrente é confrontado com uma 
 situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e 
 inesperada (isto é, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o 
 conteúdo e o sentido da decisão), não dispondo já de oportunidade processual 
 para suscitar a questão da constitucionalidade durante o processo, ainda assim 
 existirá o direito ao recurso de constitucionalidade (cfr. Os Acórdãos nºs 
 
 136/85 e 448/91, o primeiro, no Diário da República, II série, de 28 de Janeiro 
 de 1986, o segundo, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 398, pp. 222 e ss, e 
 o terceiro, de 11 de Fevereiro de 1992, ainda inédito)”. 
 
 43. Não se pode considerar no presente caso que um normal juízo de prognose, 
 considerasse possível a interpretação que foi dada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça. 
 
 44. Nos casos em que o Tribunal Constitucional recusou conhecer de recursos por 
 considerar que a interpretação da norma aplicada era previsível, (como nos 
 Acórdãos n.º 291/92, (Tribunal Constitucional, Processo nº 98/92, Relator 
 Conselheiro Ribeiro Mendes, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e n.º 
 
 57/91 (Tribunal Constitucional, Processo n.º 292/90, Relator: Conselheiro Mário 
 de Brito, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), ou foi considerado que a 
 interpretação cabia na letra do preceito, n.º 479/89 (Tribunal Constitucional, 
 Processo n.º 288/88, Relator Conselheiro Cardoso da Costa, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt)), ou que existia jurisprudência e doutrina 
 abundante sobre a questão em causa, não podendo o interessado ignorar, desde 
 logo, qual seria a interpretação da norma jurídica em causa. 
 
 45. Ora, no caso objecto de recurso, não é manifestamente essa a situação, 
 conforme ficou demonstrado. 
 
 46. Independentemente de tudo o que foi anteriormente exposto, é necessário 
 ainda ter em consideração que, por razões de estratégia processual e na mera 
 hipótese de a interpretação em causa ser previsível, não pode ser exigível que a 
 Recorrente suscitasse antes a inconstitucionalidade da interpretação em causa, 
 visto que, ao fazê-lo, estaria a dar argumentos à outra parte, bem como ao 
 tribunal, para a impugnação e o indeferimento da sua pretensão.”
 
  
 O recorrido prescindiu do direito de responder à reclamação.
 
  
 
                                                     *
 Fundamentação
 O recorrente defende que neste caso é dispensável a exigência da suscitação 
 prévia da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido por 
 entender que a posição sustentada na decisão recorrida não era previsível.
 Visando os recursos a apreciação de questões já decididas, compreende-se que, 
 como regra, se exija que apenas se possa interpor recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, relativamente a 
 questões anteriormente suscitadas perante o tribunal recorrido de modo a dar-lhe 
 oportunidade de se pronunciar sobre essas questões.
 Daí que só naqueles casos em que a interpretação normativa questionada e 
 perfilhada pela decisão recorrida se revela totalmente imprevisível e insólita, 
 sobre a qual seria perfeitamente desrazoável exigir ao recorrente um prévio 
 juízo de prognose relativo à sua aplicação, em termos de poder antecipar a sua 
 aplicação, é que se deve considerar dispensado o ónus da sua suscitação perante 
 o tribunal recorrido.
 Ora, cabendo a interpretação perfilhada pela decisão recorrida na letra da 
 disposição interpretada e sendo a mesma compatível com os objectivos perseguidos 
 com a introdução dessa disposição no Código de Processo Civil pela reforma de 
 
 1961, não é possível dizer que a mesma possa ser inesperada ou insólita.
 Pode não ser a melhor interpretação (e não cabe a este tribunal fazer tal 
 julgamento), mas era uma das interpretações possíveis e previsíveis, num juízo 
 de prognose.
 Reunindo a interpretação sustentada na decisão recorrida estas características, 
 era exigível que o recorrente a tivesse suscitado previamente perante o tribunal 
 recorrido, de modo a dar-lhe oportunidade de a poder apreciar.
 Não o tendo feito revela-se correcta a decisão de não conhecer o recurso por 
 falta de cumprimento deste requisito essencial do recurso de 
 constitucionalidade, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A., S.G.P.S., S.A., da 
 decisão sumária proferida neste Tribunal em 7-10-2008.
 
  
 
                                                     *
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, 
 ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 
 
 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
 Lisboa, 19 de Novembro de 2008
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos