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Processo n.º 402/08
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 I – Relatório
 
 1. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, vem A., SA – Sucursal Portugal reclamar da decisão sumária 
 proferida no âmbito dos presentes autos, concluindo nos seguintes termos:
 
 “1. Fundamenta-se a Decisão Sumária ora sob reclamação no facto de a matéria 
 objecto do recurso interposto para este Tribunal Constitucional já ter sido 
 anteriormente decidida e se entender que é de manter tal jurisprudência 
 anterior. 
 
 2. A Recorrente não desconhece tal jurisprudência anterior, tanto mais que a 
 mesma foi proferida no âmbito de um processo em que a Recorrente foi parte, mais 
 concretamente, no âmbito de um recurso interposto pelo Ministério Público de 
 Sentença proferida em 1.ª Instância que decidiu não aplicar as normas cuja 
 inconstitucionalidade se pretende ver novamente apreciada e, em consequência, 
 julgou procedente o recurso interposto pela aqui Recorrente da Decisão de 
 apreensão de bens da então IGAE. 
 
 3. Sucede que, com todo o respeito merecido, é firme convicção da Recorrente não 
 assistir razão à jurisprudência vertida no Acórdão n.° 358/2005 a Decisão 
 Sumária se reporta. 
 
 4. Com efeito, tanto a liberdade de iniciativa privada como o direito à 
 propriedade privada são direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades 
 e garantias e, sendo uma lei reguladora da concorrência quanto à utilização de 
 um evento público, condicionando a organização do mercado e a liberdade de 
 actuação das empresas, que vai mais além da simples defesa de patentes e 
 símbolos e denominações existentes, o Decreto-Lei n.° 86/2004 toca, no seu 
 
 âmbito de aplicação, naqueles dois direitos fundamentais. 
 
 5. O bem jurídico que o legislador do Decreto-Lei n.° 86/2004 pretendeu proteger 
 
 — as designações e símbolos do Campeonato Europeu de Futebol de 2004 — já se 
 encontra protegido por lei anterior àquele diploma, em concreto, no Código da 
 Propriedade Industrial, no Código dos Direitos de Autor e dos Direito Conexos e 
 no Código da Publicidade, como de resto resulta da interpretação do n.° 5 do 
 art. 5° do próprio Decreto-lei, que prevê a aplicação das normas daqueles 
 Códigos, o que permite desde logo imputar ao Decreto-Lei n.° 86/2004 um juízo de 
 violação do princípio da igualdade, vertido no art. 13° da C.R.P.. 
 
 6. O Decreto-Lei n.° 86/2004 prevê uma regulamentação especial para a situação 
 bastante concreta da realização do evento do Campeonato Europeu de Futebol de 
 
 2004 e fá-lo de forma indubitavelmente mais restrita do que já resultaria da 
 aplicação das normas gerais acima indicadas, através da previsão, nos arts. 4° e 
 
 5°, n.° 1, de um ilícito contra-ordenacional susceptível de abarcar uma 
 infinidade de situações, atenta a sua formulação tão genérica e a utilização de 
 conceitos completamente indeterminados. 
 
 7. O mencionado Diploma efectua, por conseguinte, uma efectiva restrição do 
 direito fundamental à iniciativa económica privada e do direito fundamental de 
 propriedade, acolhidos, respectivamente, nos arts. 61°, n.° 1 e 62°, n.° 1, 
 análogos aos direitos, liberdades e garantias, nos termos e para os efeitos do 
 art. 17°, bem como do direito à protecção legal contra quaisquer formas de 
 discriminação e do direito à liberdade e segurança, consagrados nos arts. 26°, 
 n.° 1 e 29°, n.° 1 e aplicáveis nos termos do art. 12°, n.° 2, todos da C.R.P., 
 sem que para tanto exista autorização constitucional. 
 
 8. Apesar da redacção do art. 2° do Decreto-Lei n.° 86/2004, o certo é que estão 
 manifestamente determinadas, por lei, as entidades que têm a seu cargo a 
 
 ‘organização, a promoção, a realização ou a gestão de bens, equipamentos ou 
 estruturas necessários a este evento desportivo’— a sociedade B., S.A. e a UEFA 
 
 — e, por conseguinte, gozam da reserva das designações e símbolos do B. e da 
 protecção que o Decreto-Lei n.° 86/2004 lhes pretende conferir. 
 
 9. Ou seja, as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias do 
 Decreto-Lei n.° 86/2004 que consagram um novo tipo de ilícito 
 contra-ordenacional não são gerais e abstractas como impõe o art. 18°, n.° 3 da 
 C.R.P., que, desta forma, foi violado. 
 
 10. O Decreto-Lei n.° 86/2004 não respeita, de todo, o princípio da proibição do 
 excesso que, estabelecido na parte final do art. 18°, n.° 2 da C.R,P., constitui 
 um limite constitucional à liberdade de conformação do legislador, antes 
 apresentando nos seus arts. 4° e 5°, n.° 1 verdadeiras normas penais em branco, 
 ao consagrar expressões como ‘utilização, directa ou indirecta, por qualquer 
 meio’; ‘sugira ou crie a falsa impressão’ ‘passível de criar um risco de 
 associação’ ‘utilização, directa ou indirecta’; ‘susceptível de criar a falsa 
 impressão’. 
 
 11. Efectivamente, as leis sancionatórias devem ser redigidas com a maior 
 clareza possível para que tanto o seu conteúdo como os seus limites se possam 
 deduzir, o mais exactamente possível, do texto legal, isto é, o tipo de 
 infracção deve estar suficientemente especificado, não sendo lícito o recurso à 
 analogia para definir infracções e deve estar determinado o tipo de sanção que 
 cabe a cada uma delas, razão pela qual viola também o Decreto-Lei n.° 86/2004 o 
 princípio da legalidade e da tipicidade protegido pelo art. 29° da C.R.P.. 
 
 12. Em termos de ponderação de interesses, o Decreto-Lei n.° 86/2004, criando 
 uma clara desigualdade no mercado, é desproporcional e desadequado. 
 
 13. Há ainda que salientar que, conforme ficou provado, a campanha promocional 
 da A. ora em questão começou a ser delineada e foi lançada muito antes da 
 entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 86/2004, o que toma retroactiva a aplicação 
 das normas restritivas aí consagradas, em violação do art. 2° do RGCO e do n.° 1 
 do art. 29° da C.R.P.. 
 
 14. Finalmente, o Decreto-Lei n.° 86/2004 não foi publicado no uso de qualquer 
 autorização legislativa, violando também o art. 165°, n.° 1, al. b) da C.R.P., 
 pelo que enferma, além de inconstitucionalidade material, com os fundamentos 
 supra indicados, de inconstitucionalidade orgânica. 
 
 15. Ao não concluir pela inconstitucionalidade material e orgânica dos arts. 4°, 
 
 50 e 7° do Decreto- Lei n.° 86/2004, violaram o Acórdão do Tribunal da Relação 
 de Coimbra e a Decisão Sumária de que ora se reclama os arts. 165°, n.° 1, al. 
 b) e 13°, 18°, 26°, 29°, 32°, n.° 10, 61°, 62° e 268° da C.R.P.” 
 
 2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
 
 “2. É de proferir decisão sumária ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, por se tratar de matéria já anteriormente decidida por este 
 Tribunal e se entender que é de manter tal jurisprudência anterior.
 Com efeito, no Acórdão n.º 358/2005, publicado no Diário da República, II Série, 
 de 20 de Outubro de 2005, não foram julgadas inconstitucionais, nas dimensões 
 que ora vêm impugnadas pela Recorrente, as normas dos artigos 4.º, e 5.º, do 
 Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril.
 Integrando o objecto do presente recurso as referidas normas, e, ainda, o artigo 
 
 7.º, do mesmo diploma, que determina a apreensão dos objectos em que se 
 manifeste a prática de uma contra-ordenação ali prevista, bem como os materiais 
 ou instrumentos que tenham sido predominantemente utilizados para essa prática, 
 o certo é que a questão de constitucionalidade ora em apreço coincide com a que 
 foi apreciada e decidida no aresto citado sendo, por conseguinte, tal 
 jurisprudência inteiramente transponível para os autos.
 Concluiu então o Acórdão n.º 358/2005 pela não inconstitucionalidade das normas 
 dos artigos 4.º, e 5.º, do Decreto-Lei n.º 86/2004 pelos fundamentos que se 
 passam a transcrever:
 
 ‘Analisemos, antes de mais, a questão da eventual violação do disposto no artigo 
 
 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição – a alínea d) deste preceito (como, 
 aliás, se refere na sentença recorrida) não está evidentemente em discussão, 
 atendendo a que o diploma em causa não respeita ao regime geral dos actos 
 ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo. 
 Ora, de acordo com aquela alínea b), ‘é da exclusiva competência da Assembleia 
 da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: 
 
 [...] b) direitos, liberdades e garantias’.
 As normas em apreciação constam de um diploma emitido pelo Governo sem 
 credencial parlamentar, pois que foi decretado nos termos da alínea a) do n.º 1 
 do artigo 198º da Constituição. Seria tal credencial exigível, por versarem as 
 normas em causa sobre direitos, liberdades e garantias?
 Os únicos direitos fundamentais que poderiam estar em causa – e a que se faz 
 alusão na sentença recorrida – são o direito de iniciativa económica privada 
 
 (artigo 61º, n.º 1, da Constituição) e o direito de propriedade privada (artigo 
 
 62º da Constituição). O Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril ‘estabelece o 
 regime de protecção jurídica a que ficam sujeitas as designações do Campeonato 
 Europeu de Futebol de 2004, abreviadamente designado por Euro 2004, e reforça os 
 mecanismos de combate a qualquer forma de aproveitamento ilícito dos benefícios 
 decorrentes daquele evento desportivo’ (artigo 1º). Ora, a aqui recorrida usou 
 tais designações precisamente no exercício de uma actividade económica privada.
 
 7.1.        Perspectivemos primeiro a questão à luz do direito de iniciativa 
 económica privada.
 Como salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição portuguesa anotada, 
 Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 620-621), o direito de iniciativa económica 
 privada consiste, num primeiro momento, na liberdade de estabelecimento, que é 
 
 ‘o direito de iniciar uma actividade económica; o direito de constituir uma 
 empresa; o direito, que pode ser individual e que pode ser institucional, de 
 organização de certos meios de produção para um determinado fim económico’ e, 
 num segundo momento, na liberdade de empresa, que é o ‘direito da empresa de 
 praticar os actos correspondentes aos meios e fins predispostos e de reger 
 livremente a organização em que tem de assentar’.
 As normas em apreciação não estão, como é evidente, conexionadas com a liberdade 
 de estabelecimento, nos moldes que ficaram descritos. Podem porventura afectar 
 apenas a liberdade de empresa, pois que, ao proibirem o uso de sinais associados 
 ao Euro 2004, interferem simultaneamente no modo de comercialização de certos 
 produtos e, por esta via, conformam o ‘direito da empresa de praticar os actos 
 correspondentes aos meios e fins predispostos’.
 Significará isto que as normas dos artigos 4º e 5º do Decreto-Lei n.º 86/2004, 
 de 17 de Abril, na medida em que de algum modo se prendem com a liberdade de 
 empresa, versam sobre as matérias a que alude o artigo 165º, n.º 1, alínea b), 
 da Constituição?
 A resposta deve ser negativa. 
 Na verdade, nem todas as matérias relacionadas com a liberdade de empresa se 
 inserem na competência legislativa reservada da Assembleia da República. 
 Seguramente não o são a matéria da publicidade nem a regulamentação global da 
 concorrência, diferentemente do que parece sustentar a sentença recorrida. 
 Assim, ainda que se aceite que as normas dos artigos 4º e 5º do Decreto-Lei n.º 
 
 86/2004, de 17 de Abril, interferem com a publicidade e com a disciplina da 
 concorrência, tais normas não podem ser qualificadas como normas atinentes a 
 direitos, liberdades e garantias, no sentido em que esta trilogia aparece 
 protegida no artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição. 
 Com efeito, as normas em apreço no presente recurso não versam directamente 
 sobre a liberdade de iniciativa económica privada. E, de todo o modo, este 
 Tribunal tem entendido que a lei a que se refere o artigo 61º, n.º 1, da 
 Constituição só tem que ser uma lei parlamentar ou parlamentarmente autorizada 
 no que se refere aos quadros gerais e aos aspectos garantísticos daquela 
 liberdade (veja-se o acórdão n.º 329/99, de 2 de Junho, publicado no Diário da 
 República, II Série, n.º 167, de 20 de Julho de 1999, p. 10576 ss).
 
 7.2.        Perspectivemos agora a questão à luz do direito de propriedade 
 privada (artigo 62º da Constituição). Dele decorre que ‘os particulares, sejam 
 pessoas singulares ou colectivas, gozam do direito de ter bens em propriedade e, 
 em geral, do direito de se tornar, por actos inter vivos ou mortis causa, 
 titulares de quaisquer direitos de valor pecuniário – direitos reais, direitos 
 de crédito, direitos materiais de autor, direitos sociais ou outros’ (Jorge 
 Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., p. 627).
 Será que as normas dos artigos 4º e 5º do Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de 
 Abril – especialmente as do artigo 4º –, na medida em que vedam a utilização de 
 certos sinais distintivos do comércio, afectam o direito de propriedade privada 
 daquele que os pretende utilizar e, consequentemente, deviam ter sido emitidas 
 ao abrigo de autorização legislativa, nos termos do artigo 165º, n.º 1, alínea 
 b), da Constituição?
 A resposta é negativa. Como o Tribunal Constitucional afirmou no já mencionado 
 acórdão n.º 329/99, embora o direito de propriedade possa ser qualificado como 
 direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, na reserva 
 parlamentar apenas se inclui o núcleo essencial do direito: e a esse núcleo 
 essencial não pertencem, por exemplo, os direitos de urbanizar, lotear e 
 edificar.
 No caso das normas ora em apreciação, não só o núcleo essencial do direito de 
 propriedade não é atingido, como o próprio direito de propriedade não é 
 atingido.
 Com efeito, a tutela constitucional do direito de propriedade não contempla a 
 possibilidade de usufruir, sem qualquer restrição, de um bem de natureza 
 patrimonial. E a tese que considera necessária a autorização parlamentar para a 
 regulação do uso de certos sinais associados ao Euro 2004 parte do pressuposto 
 de que qualquer pessoa é, por natureza, titular do direito de utilizar esses 
 sinais, representando a exigência de autorização uma regulação desse direito 
 preexistente. Ora a Constituição não tutela semelhante direito, quando protege a 
 propriedade. A autorização do uso de sinais distintivos do comércio não é 
 regulação de direito preexistente; a própria existência do direito decorre de 
 tal autorização. 
 Não pode, assim, considerar-se que as normas ora em apreciação violem o disposto 
 no artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição.
 
 8.           O que acabou de dizer-se significa também que – contrariamente ao 
 que se sustentou na decisão recorrida – as normas dos artigos 4º e 5º do 
 Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 de Abril, não representam qualquer restrição do 
 direito de propriedade, susceptível de ofender o disposto no artigo 62º da 
 Constituição. 
 Desnecessário se torna, portanto, averiguar se as normas questionadas se 
 conformam com os parâmetros constitucionais a que devem obedecer as restrições 
 do direito de propriedade.
 
 9.           E representarão as normas em causa uma restrição 
 constitucionalmente inadmissível do direito à iniciativa económica privada 
 
 (artigos 18º e 61º da Constituição)? 
 
 9.1.        A este respeito, é evidente que, na situação dos autos, o núcleo 
 essencial da iniciativa económica privada não foi afectado. Como assinala o 
 Ministério Público nas suas contra-alegações (supra, 3.; fls. 415-416), nada 
 impediu a recorrida de ‘exercer plena e livremente o objecto da sua actividade 
 comercial, colocando no mercado os géneros alimentícios que produzia: a única 
 restrição, decorrente das normas desaplicadas, incide sobre determinado limite 
 legal quanto ao conteúdo de certas e determinadas mensagens publicitárias ou 
 comerciais incluídas nos produtos transaccionados’.
 Ainda que se admitisse que, no caso, se está perante verdadeiras restrições, o 
 limite previsto no artigo 18º, n.º 3, parte final, da Constituição 
 encontrar-se-ia, assim, manifestamente verificado.
 Importa todavia assinalar, quanto a este ponto que, de acordo com o artigo 61º, 
 n.º 1, da Constituição, a iniciativa económica privada se exerce livremente nos 
 quadros definidos pela Constituição e pela lei.
 Ora, sendo o direito de iniciativa económica privada balizado, por natureza, por 
 esses quadros, é evidente que as normas ora em apreciação, mesmo a admitir-se 
 que constituam restrições, sempre encontrariam cobertura no disposto no próprio 
 artigo 61º, n.º 1. Ou seja: a asserção, constante da sentença recorrida, de que 
 
 ‘não se vislumbra qualquer autorização constitucional para essa restrição’ (fls. 
 
 375), do que decorreria a violação do disposto no artigo 18º, n.º 2, 1ª parte, 
 da Constituição, não pode aceitar-se, pois que a própria Constituição concebe a 
 liberdade de iniciativa económica privada como um direito que está sujeito, no 
 seu exercício, ao enquadramento legalmente definido (quanto a este ponto, 
 veja-se, por exemplo, o que o Tribunal Constitucional afirmou no acórdão n.º 
 
 474/89, publicado no Diário da República, II, n.º 25, de 30 de Janeiro de 1990, 
 p. 1025 ss).
 
 9.2.        Considera a sentença recorrida que não existe, no caso, ‘necessidade 
 de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, 
 porquanto os direitos que se pretendem salvaguardar já se encontravam tutelados, 
 de modo geral e abstracto, em outros diplomas legais, designadamente [em 
 diversas disposições, que enumera, do Código do Direito de Autor e dos Direitos 
 Conexos, do Código da Propriedade Industrial, do Código da Publicidade]’ (fls. 
 
 375 da sentença), o que redundaria em violação do disposto no artigo 18º, n.º 2, 
 
 2ª parte, da Constituição.
 Não pode igualmente aceitar-se este entendimento da decisão recorrida. As 
 condutas a que se referem as normas dos artigos 4º e 5º do Decreto-Lei n.º 
 
 86/2004, de 17 de Abril, não se encontram forçosamente previstas no Código da 
 Publicidade (na verdade, o artigo 5º, n.º 1, prevê expressamente a possibilidade 
 de a utilização dos sinais ter fins publicitários, o que significa que pode não 
 os ter), nem no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos ou no Código 
 da Propriedade Industrial, pois que tais normas não exigem o uso de um sinal 
 cujo direito de uso esteja atribuído a um terceiro.
 
 9.3.        Invoca depois a sentença recorrida que o Decreto-Lei n.º 86/2004 não 
 se configura como uma lei de carácter geral ou abstracto, não apenas porque 
 exclui do seu âmbito de aplicação determinadas entidades, em violação do 
 princípio da igualdade expresso no art. 13º da C.R.P., mas também porque viola 
 os princípios da legalidade e da tipicidade das contra-ordenações, visando 
 aplicar-se a situações concretas, cujo conteúdo não descreve com precisão, 
 pretendendo solucionar uma situação definida.
 No que diz respeito à violação do princípio da igualdade, é manifesta a 
 improcedência do argumento, já que a discriminação imputada às normas em causa, 
 a existir, não se apresenta como infundamentada ou carecida de suporte material 
 adequado: com efeito, a utilização de certas designações ou símbolos, 
 representativos do evento desportivo em causa, exclusivamente pelas respectivas 
 entidades organizadoras e patrocinadoras, surge como a contrapartida da sua 
 participação nos custos associados à organização, promoção e realização de tal 
 evento desportivo.
 Também não procede o argumento que consiste em atribuir carácter retroactivo às 
 normas dos artigos 4° e 5° do Decreto-Lei n.° 86/2004, em violação do artigo 29° 
 da Constituição. Com efeito, a tipificação das proibições constantes do artigo 
 
 4° é obviamente desprovida de natureza retroactiva. Tal norma apenas é aplicável 
 aos actos de utilização que tenham ocorrido após a vigência do diploma em que se 
 insere (18 de Abril de 2004). No caso dos autos, o que está em causa é o facto – 
 imputado à aqui recorrida – de, em dado momento, posterior à data da entrada em 
 vigor do diploma (concretamente, em 18 de Maio de 2004), estarem a ser 
 comercializados determinados produtos, em que eram utilizadas, de modo 
 ilegítimo, certas denominações ou símbolos.
 Não ocorre, pois, qualquer violação dos artigos 18º, n.º s 2 e 3, e 13º da 
 Constituição, nem dos artigos 29º e 32º, n.º 10, na parte em que estas 
 disposições constitucionais proíbem a retroactividade em matéria de 
 contra-ordenações.
 
 9.4.        Problema diferente do da retroactividade das normas ora em 
 apreciação (e, aliás, só lateralmente tratado na sentença recorrida: fls. 380, 
 in fine) seria o de saber se essas mesmas normas violam o princípio da 
 confiança. Na verdade, pode perguntar-se se a proibição delas constante frustrou 
 legítimas expectativas da recorrida, por lhe ter impedido, já após o lançamento 
 da campanha publicitária, o uso de certos símbolos e denominações.
 A resposta deve ser, também aqui, negativa: como, em síntese, refere o 
 Ministério Público, ‘«a restrição» constante do Decreto-Lei n.º 86/2004, de 17 
 de Abril, já tinha [...] a sua origem básica e matriz essencial em diploma legal 
 anteriormente editado [o Decreto-Lei n.º 268/2001, de 4 de Outubro], 
 limitando-se o Decreto-Lei n.º 86/2004 a explicitar e concretizar a «reserva» de 
 utilização proclamada em 2001, pelo artigo 10º, n.º 3, do citado diploma legal” 
 
 (fls. 419-420).
 
 10.         Considera ainda a sentença recorrida que as normas ora em apreciação 
 violam o disposto no artigo 26º da Constituição, na parte em que a todos 
 reconhece o direito à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação 
 
 (cfr. conclusão da sentença e fls. 371).
 Não se alcança, porém, a razão de ser de tal entendimento. De qualquer modo, se 
 ele se prende com a invocada violação do princípio da igualdade, valem aqui as 
 considerações anteriormente feitas a propósito de tal princípio.
 
 11.         Afirma-se na sentença recorrida que as normas ora em apreciação 
 violam o disposto no artigo 268º da Constituição (direitos e garantias dos 
 administrados).
 A sentença recorrida não fundamenta tal asserção, nem, aliás, se vê como podem 
 estas normas contrariar o artigo 268º da Constituição.
 
 12.         Finalmente, lê-se na sentença recorrida que ‘o Decreto-Lei em apreço 
 
 é inconstitucional nos seus artigos 4º e 5º por definir ilícitos 
 contra-ordenacionais mediante a utilização de conceitos vagos e indeterminados, 
 o que está em clara violação do art. 29º da C.R.P., como também a interpretação 
 efectuada pelos Inspectores do IGAE, no sentido de que qualquer menção a futebol 
 em publicidade estava vedada por virtude da entrada em vigor do DL n.º 86/2004, 
 de 17 de Abril, é inconstitucional por violação do art. 18º da C.R.P., 
 designadamente na sua vertente de proibição do excesso’ (cfr. fls. 387).
 A mencionada interpretação dos Inspectores do IGAE – que, aliás, a sentença 
 recorrida não reporta a qualquer preceito legal em concreto – não constitui 
 objecto do presente recurso de constitucionalidade, definido no respectivo 
 requerimento de interposição (fls. 393, supra, 2.), e, desde logo por esse 
 motivo, dela não se tomará conhecimento.
 Quanto à utilização de conceitos vagos e indeterminados nos referidos artigos 4º 
 e 5º, que a sentença recorrida censurou, é certo que o Tribunal Constitucional 
 vem considerando que ‘o princípio da tipicidade subentende a garantia 
 constitucional de uma especificação dos factos que integram o tipo legal de 
 crime, mostrando-se, nessa medida, avesso a definições vagas ou incertas que, 
 nomeadamente, permitam ou proporcionem a via analógica’. 
 A este propósito, ponderou-se no acórdão n.º 93/2001 (publicado no Diário da 
 República, II série, n.º 130, de 5 de Junho de 2001, p. 9479 ss):
 
 ‘[…]
 
 [...] o princípio da tipicidade subentende a garantia constitucional de uma 
 suficiente especificação dos factos que integram o tipo legal de crime, sendo, 
 como tal, avesso a definições vagas ou incertas que proporcionem ou admitam a 
 via analógica.
 Só que, se a norma deve ser formulada de modo ao seu conteúdo se poder impor 
 autónoma e suficientemente, permitindo um controlo objectivo na sua aplicação 
 individualizada e concreta (cfr. António Castanheira Neves, «O Princípio de 
 Legalidade Criminal. O seu problema jurídico e o seu critério dogmático», in 
 Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, Coimbra, 1984, pág. 
 
 334), nem sempre é possível alcançar uma total determinação – nem será, 
 porventura, desejável –, bastando que o facto punível seja definido com 
 suficiente certeza: a própria natureza da linguagem impede uma determinação 
 integral, sendo certo que pode representar-se negativamente uma enumeração 
 demasiado casuística, a multiplicar a eventualidade das lacunas e a dificultar a 
 determinação do que é essencial em cada caso.
 A este respeito, escreveu um autor nunca ser o caso concreto um puro facto, «mas 
 uma unidade de sentidos socialmente relevante, mais ou menos complexa e 
 normalmente integrados por elementos culturais difíceis de definir», de modo que 
 a descrição de previsão legal contém muitas vezes expressões que não se deixam 
 reduzir a conceitos precisos (cfr. José de Sousa e Brito, «A lei penal na 
 Constituição», in Estudos sobre a Constituição, vol. 2º, Lisboa, 1978, págs. 
 
 243/244).
 A necessidade de, na definição de crimes, se usar uma linguagem precisa e 
 delimitadora, com repúdio de preceitos abertos ou vagos, tem vindo a ser 
 jurisprudencialmente reconhecida, nomeadamente na matriz 
 jurídico-constitucional.
 Desde logo, a Comissão Constitucional reconheceu que o princípio do nullum 
 crimen sine lege seria inoperante se fosse dada ao legislador ordinário a 
 possibilidade de não determinar com um mínimo de rigor, através do tipo legal, o 
 facto voluntário a considerar punível, sem prejuízo de admitir a inviabilidade 
 de uma total determinação e a eventual contraprocedência de um demasiado 
 casuísmo (assim, o Parecer n.º 19/78, publicado in Pareceres da Comissão 
 Constitucional, 6º volume, Lisboa, 1979, pág. 89).
 Em linha consonante, o parecer n.º 32/80 (in Pareceres citados, 14º volume, 
 
 1983, pág. 60), após se interrogar sobre o grau admissível de indeterminação ou 
 flexibilidade normativa para os efeitos em causa, reconhece que uma relativa 
 indeterminação dos tipos legais de crime pode mostrar-se justificada, sem que 
 isso signifique violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.
 De igual modo vem ponderando o Tribunal Constitucional, como são exemplo os 
 acórdãos n.ºs 147/99, 168/99 e 179/99, inédito o segundo, publicados os demais, 
 no Diário da República, II Série, de 5 e 9 de Julho de 1999, respectivamente.
 Retira-se dos lugares jurisprudenciais citados que, não sendo possível a 
 determinação absoluta – o que a Doutrina igualmente corrobora – é 
 constitucionalmente compatível um certo grau de indeterminação.
 No citado acórdão n.º 168/99 escreveu-se, a certo passo:
 
 «Averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto 
 expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da 
 conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para 
 que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, 
 prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se 
 revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objecto de 
 punição, torna-se constitucionalmente ilegítima.».
 Reconhece-se a impossibilidade de uma pré-determinação integral, dada a dimensão 
 pragmática da linguagem jurídica, a intenção normativa das prescrições 
 jurídicas, a índole problemático-concreta do decisório juízo jurisdicional (A. 
 Castanheira Neves, loc. cit., pág. 377), para, no entanto, se concluir por se 
 pedir à norma penal, em síntese, «que obedeça a um grau de determinação 
 suficiente para não pôr em causa os fundamentos do princípio da legalidade».
 Assim, pode a modelação do tipo não dispensar o recurso a técnicas 
 exemplificativas que nem por isso, necessariamente, se pode considerar afrontada 
 a exigência constitucional da lege certa que o princípio da tipicidade implica.
 Decerto, a valoração jurídico-criminal dos comportamentos há-de ser formulada de 
 maneira tanto quanto possível precisa, de modo a não restarem dúvidas quanto aos 
 valores protegidos e à clara definição dos elementos da infracção, como se 
 ponderou, por exemplo, nos citados acórdãos n.ºs 179/99 e 383/00, ainda inédito.
 Ponto é que haja um «completamento normativo» (Maria Fernanda Palma, Direito 
 Penal – Parte Especial – Crimes contra as Pessoas, sumários policopiados, 
 Lisboa, 1983, pág. 49), de modo a que o critério decisivo para aferir do 
 respeito pelo princípio da legalidade «[...] residirá sempre em saber se, apesar 
 da indeterminação inevitável resultante da utilização desses elementos 
 
 (elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas e fórmulas gerais), 
 do conjunto da regulamentação típica deriva ou não uma área e um fim de 
 protecção claramente determinados», nas palavras de Jorge Figueiredo Dias 
 
 (Direito-Penal – Questões Fundamentais – A doutrina geral do crime, apontamentos 
 policopiados, 1996, pág. 173).
 
 […].’
 As considerações expendidas neste acórdão são transponíveis para o presente 
 caso. Com efeito, nem sempre é possível – nem será mesmo desejável – uma 
 determinação do tipo de tal modo acabada que se possa libertar de conceitos 
 
 ‘algo imprecisos’. Aliás, em certos casos, uma rigorosa enumeração casuística 
 poderia revelar-se contraproducente, dada a multiplicação de espaços lacunares 
 que inevitavelmente comportaria.
 Ora, a verificação de ‘uma relativa indeterminação tipológica’ não significa 
 violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, como o Tribunal 
 Constitucional sublinhou no acórdão n.º 338/2003 (publicado no Diário da 
 República, II série, n.º 245, de 22 de Outubro de 2003, p. 15922 ss). 
 De todo o modo, sempre terá de existir um mínimo de determinabilidade que 
 permita identificar os tipos de comportamentos descritos, na medida em que 
 integram noções correntes da vida social, aferidas pelos padrões em vigor. 
 Correspondem a essa exigência conceitos como ‘utilização, directa ou indirecta, 
 por qualquer meio’, ‘sugira ou crie a falsa impressão’, ‘passível de criar um 
 risco de associação’, ‘susceptível de criar a falsa impressão’, utilizados no 
 preceito em análise.
 Acolhem-se, assim, as considerações que, a este propósito, constam das 
 contra-alegações do Ministério Público (cfr. fls. 417-418): 
 
 ‘[…]
 No caso dos autos, não vemos que a «indeterminação» subjacente aos conceitos 
 legais seja sequer superior à que – quer no direito penal, quer no domínio das 
 contraordenações – o legislador utiliza frequentemente (veja-se, por exemplo, em 
 matéria conexa com a situação controvertida no presente processo a tipificação 
 do ilícito criminal de contrafacção, imitação ou uso ilegal de marca, constante 
 do artigo 323° do Código da Propriedade Industrial).
 Na realidade – e face ao bem jurídico tutelado – o elemento essencial do tipo 
 terá necessariamente a ver com a «confundibilidade» de certa marca ou sinal, 
 efectivamente utilizada pelo arguido, com determinado símbolo, representativo de 
 certa realidade ou evento, a valorar naturalmente em função da criação de uma 
 
 «falsa impressão» no destinatário da mensagem publicitária – pelo que não vemos 
 que a tipificação, apesar do seu carácter amplo e genérico, afecte a percepção, 
 pelos destinatários da norma, do núcleo essencial da conduta punível, do seu 
 conteúdo de desvalor a respeito da lesão ou colocação em perigo de bens 
 jurídicos.
 Por outro lado, é irrelevante o facto, notado pela sentença recorrida, de que o 
 grau de indeterminação da norma pode possibilitar uma conduta errónea ou abusiva 
 da Administração: estando asseguradas as garantias de defesa e o direito ao 
 recurso, tem naturalmente o arguido a plena possibilidade de fazer sindicar – e 
 corrigir judicialmente o eventual erro ou abuso cometido, fazendo repercutir na 
 interpretação da norma a correcta ponderação do valor ou bem jurídico tutelado.
 
 […].’.
 As normas em apreço não violam, pois, os princípios da tipicidade e da 
 legalidade consagrados no artigo 29º da Constituição.”
 
 3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentação
 
 4. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento.
 No caso em apreço, o Relator julgou ser de proferir decisão sumária por se 
 tratar de matéria já anteriormente decidida por este Tribunal.
 A lei permite o proferimento de decisões sumárias, em questões de 
 constitucionalidade consideradas simples, nomeadamente por se tratar de matéria 
 já anteriormente decidida por este Tribunal (cfr. artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei 
 do Tribunal Constitucional). 
 Assim sendo, o Relator pode simplesmente remeter para a fundamentação de 
 decisões anteriores (neste sentido, o Acórdão n.º 257/2000, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 No caso dos autos, a Reclamante desvaloriza a existência desta jurisprudência, 
 reafirmando a sua discordância com as anteriores decisões.
 Para além disso, e analisada a reclamação, não se detecta qualquer argumento 
 novo, em relação aos que foram considerados na decisão sumária reclamada. O que 
 se detecta é o inconformismo com a mesma decisão.
 Assim,
 III – Decisão
 
 5. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido de negar provimento ao recurso.
 Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 1 de Julho de 2008
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos