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Processo n.º 221/08
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
          Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 Relatório
 A Direcção Geral de Viação, por decisão proferida em 25 de Outubro de 2005, 
 aplicou a A., pela prática da infracção prevista no artigo 28.º, n.º 1, do 
 Código da Estrada, a sanção acessória da inibição de conduzir pelo período de 60 
 dias.
 Nesta decisão a descrição dos factos integrantes da referida contra-ordenação 
 foi efectuada por remissão para o respectivo auto de notícia, nos termos do 
 artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada, na redacção do Decreto-lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro.
 Esta decisão administrativa foi impugnada judicialmente, tendo no respectivo 
 processo (n.º 1858/06.5TASTB, do 2.º Juízo Criminal de Setúbal) sido proferida 
 sentença em 8-11-2007, que declarou a nulidade da decisão da autoridade 
 administrativa e de todos os actos processuais subsequentes e determinou a 
 devolução dos autos à autoridade administrativa para os fins tidos por 
 convenientes, nomeadamente a repetição da decisão administrativa, bem como actos 
 posteriores. 
 Para esse efeito, a referida sentença recusou a aplicação do disposto no n.º 4, 
 do artigo 181.º, do Código da Estrada, na redacção resultante do Decreto-lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro, com fundamento na sua inconstitucionalidade 
 orgânica.
 O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes 
 termos:
 
 “Pretende ver-se apreciada a constitucionalidade da norma estabelecida no ARTIGO 
 
 181.º. N.º 4 DO CÓDIGO DA ESTRADA (na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 
 
 44/2005, de 23 de Fevereiro), a qual estabelece, sob a epígrafe ‘Decisão 
 condenatória’ que “Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a 
 fundamentação a que se refere a alínea b,) do n.º 1 [A descrição sumária dos 
 factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão] pode ser 
 feita por simples remissão para o auto de notícia”; 
 
 3. Tal norma não foi aplicada por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, 
 alínea d) da Constituição da República Portuguesa, na qual se restringe que ‘é 
 da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre o regime 
 geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de 
 mera ordenação social e do respectivo processo, salvo autorização ao Governo, 
 para o que se teve em atenção a Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, que autorizou 
 o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, designadamente o que dispõe 
 no seu artigo 3.º”.
 
  
 O recorrente concluiu as suas alegações de recurso do seguinte modo:
 
 “1. Não estando em causa o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera 
 ordenação social, não carecia o Governo de prévia credencial parlamentar para 
 editar a norma do nº 4 do artigo 181º do Código da Estrada (versão aprovada pelo 
 Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro). 
 
 2. Termos em que não deverá ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade 
 orgânica formulado na decisão recorrida.”
 
  
 
                                                       *
 Fundamentação
 O Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, aprovado no uso da autorização 
 legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, alterou o Código 
 da Estrada, tendo o artigo 3.º daquele primeiro diploma aditado o artigo 181.º a 
 este Código, com a seguinte redacção:
 
 “Artigo 181.º
 Decisão condenatória
 
 1 - A decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter:
 a) A identificação do infractor;
 b) A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes 
 para a decisão; 
 c) A indicação das normas violadas;
 d) A coima e a sanção acessória;
 e) A condenação em custas.
 
 2 - Da decisão deve ainda constar que:
 a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente 
 impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias 
 
 úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a 
 coima; 
 b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência 
 ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples 
 despacho. 
 
 3 - A decisão deve conter ainda:
 a) A ordem de pagamento da coima e das custas no prazo máximo de 15 dias úteis 
 após a decisão se tornar definitiva; 
 b) A indicação de que, no prazo referido na alínea anterior, pode requerer o 
 pagamento da coima em prestações, nos termos do disposto no artigo 183.º 
 
 4 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se 
 refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de 
 notícia.”
 
  
 Na sentença recorrida recusou-se a aplicação do n.º 4 deste artigo, com o 
 argumento de que a respectiva matéria não se encontrava prevista na autorização 
 legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, pelo que a norma aí contida era 
 organicamente inconstitucional.
 O artigo 181.º, do Código da Estrada, incluindo o seu n.º 4, regula o conteúdo 
 obrigatório da decisão administrativa condenatória em matéria de 
 contra-ordenações estradais, integrando, pois, o âmbito do direito processual 
 contra-ordenacional.
 Na alínea d), do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., incluiu-se na reserva 
 relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o regime geral 
 de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo 
 processo.
 Conforme resulta da discussão havida na Comissão Eventual para a Revisão 
 Constitucional, ocorrida na sessão de 19-11-1981 (pub. no DAR, de 27-1-1982, 
 pág. 1 e 2), apenas se pretendeu incluir na referida reserva a competência para 
 legislar sobre as “grandes normas do processo contra-ordenacional”, podendo o 
 Governo moldar as regras secundárias deste processo, sem autorização da 
 Assembleia (vide, neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional n.º 56/84, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 3.º vol., 
 pág. 153, n.º 62/2003, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 55º vol., pág. 
 
 423, e n.º 629/2006, no D.R., II Série, de 3-1-2007, pág. 115).
 O Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, editado pelo Governo, sob 
 autorização legislativa (Lei n.º 24/82, de 23 de Agosto), assumiu a pretensão de 
 definir as normas primárias do regime de punição dos actos ilícitos de mera 
 ordenação social e do respectivo processo, tendo já sofrido as alterações 
 introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, e n.º 244/95, de 
 
 14 de Setembro, igualmente no uso de autorizações legislativas, e pela Lei n.º 
 
 109/2001, de 24 de Dezembro.
 No artigo 58.º deste diploma enunciou-se o conteúdo obrigatório da decisão 
 administrativa condenatória, nomeadamente a necessidade da mesma conter a 
 descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas (n.º 1, b)).
 Uma vez que esta exigência visa garantir os direitos de defesa do acoimado, 
 designadamente a possibilidade efectiva de impugnação judicial da decisão 
 administrativa, entende-se que tal norma se insere no mencionado regime geral, 
 cuja competência legislativa está reservada à Assembleia da República, não 
 podendo, pois, a mesma ser alterada por diploma emanado do Governo, sem 
 autorização parlamentar (vide, neste sentido, o acima citado acórdão n.º 
 
 62/2003).
 Mas esta exigência de conteúdo não se estende à forma pela qual ela deve ser 
 cumprida, desde que a forma escolhida não ponha em causa as finalidades visadas 
 com essa exigência – a possibilidade do acoimado conhecer quais os factos por 
 cuja prática lhe foi aplicada a coima e as respectivas provas.
 Ora, o artigo 181.º, n.º 4, do Código da Estrada, vem permitir que “não tendo o 
 arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea 
 b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia.”
 A fundamentação mencionada na alínea b), do n.º 1, deste artigo diz respeito “à 
 descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a 
 decisão.”
 Esta forma de fundamentação da decisão administrativa de aplicação duma coima, 
 no plano restrito da matéria de facto, continua a permitir que o acoimado tenha 
 um conhecimento perfeito e completo dos factos e das provas que foram 
 considerados para o condenar, uma vez que do auto de notícia devem constar “os 
 factos que constituem a infracção, o dia, a hora, o local  e as circunstâncias 
 em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade que a presenciou, a 
 identificação dos agentes da infracção e, quando possível, de, pelo menos uma 
 testemunha que possa depor sobre os factos”, (artigo 170.º, do C.E.), elementos 
 que são notificados ao arguido para este apresentar a sua defesa perante a 
 entidade administrativa competente para a aplicação da coima (artigo 175.º, do 
 C.E.).
 A fundamentação das decisões efectuada por remissão para outras peças do 
 processo é uma técnica que se tem vindo a introduzir nos mais diferentes regimes 
 processuais e que visa evitar o desperdício de tempo com a reprodução de textos 
 que já constam do processo onde a decisão é proferida, sem prejuízo do respeito 
 pelo dever de fundamentação e da sua cognoscibilidade pelo interessado.
 Assim, se o referido regime primário impõe que a decisão administrativa 
 condenatória indique os factos e as provas que fundamentam a aplicação da coima, 
 já a forma pela qual essa indicação pode ser feita, nomeadamente através de 
 remissão para outra peça processual donde conste essa descrição (v.g., auto de 
 notícia), escapa àquela normação primária, pelo que pode ser objecto de acto 
 legislativo do Governo, sem necessidade de autorização da Assembleia da 
 República (vide, neste sentido, o citado acórdão n.º 62/2003).
 Deste modo se conclui que o facto do disposto no n.º 4, do artigo 181.º, do 
 Código da Estrada, introduzido pelo Decreto-lei n.º n.º 44/2005, de 23 de 
 Fevereiro, não se revelar abrangido pelo texto da autorização legislativa 
 concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, não determina a sua 
 inconstitucionalidade, uma vez que respeita a matéria não incluída na reserva de 
 competência da Assembleia da República.
 Por este motivo, deve o presente recurso ser julgado procedente.
 
  
 
                                                     *
 Decisão
 Nestes termos decide-se:
 a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 181.º, n.º 4, do 
 Código da Estrada, na redacção resultante do Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de 
 Fevereiro;
 
  b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a 
 reformulação da decisão recorrida em conformidade com este julgamento.
 
  
 
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 Sem custas.
 
  
 
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 Lisboa, 19 de Junho de 2008
 João Cura Mariano
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos