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Processo n.º 943/05
 
 3.ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – Relatório
 
  
 
 1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, de 21 de Abril de 
 
 2004, foi o ora recorrente, A., condenado, como autor material de um crime de 
 abuso de confiança fiscal, na forma continuada, a uma pena de 2 anos de prisão, 
 suspensa por um período de 2 anos sob a condição de o arguido pagar ao Estado, 
 no referido prazo, o imposto liquidado e não pago.
 
  
 
 2. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu dela para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, tendo, a concluir a sua alegação, formulado as seguintes 
 conclusões:
 
 “1) Consumando-se o crime de abuso de confiança fiscal - com a formulação legal 
 vigente à data dos factos (art. 24° do DL n° 20-A/90 de 15/Janeiro, com a 
 redacção introduzida pelo DL n° 394/93 de 24/Novembro) - apenas com a 
 apropriação de verbas que tenham sido efectivamente recebidas a título de IVA e 
 não entregues à Administração Fiscal - não bastando a não entrega de verbas 
 liquidadas, tal como decorre actualmente do art. 105° da Lei n° 15/2001, de 
 
 5/Junho -, só é possível a condenação do arguido pelo cometimento de tal crime 
 perante provas inequívocas do recebimento por si de tais verbas, sob pena de se 
 violar aquele art. 24° do DL 20-A/90 e também os artigos 1° e 2° do Código 
 Penal, na medida em que tal corresponde a aplicar retroactivamente o regime do 
 actual artigo 106º da Lei n° 15/2001;
 
 2) A prova do recebimento não pode ser feita apenas pelo exame das contas 
 correntes junto das firmas clientes do arguido - donde conste a mera liquidação 
 de verbas do IVA - desacompanhado da verificação da existência de efectivos 
 pagamentos, mais a mais tendo presente a definição legal de conta corrente e sua 
 exigibilidade, constante dos artigos 344° e 350° do Código Comercial. Deve-se 
 pois concluir pela verificação de uma insuficiência para a decisão da matéria de 
 facto provada;
 
 3) Só a prova documental é bastante (artigos 364° e 786º e 787° do Código Civil) 
 para provar a entrega dos correspondentes valores ao arguido e a consequente 
 apropriação, sendo certo que o arguido até juntou prova documental contrária, ou 
 seja, de que não recebeu verbas liquidadas a título de IVA (cfr. alínea I) 
 supra), prova essa que não foi analisada nem sopesada. Verifica-se assim outra 
 vez um erro notório na apreciação da prova;
 
 4) Há uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão quando se dá 
 como não provado que o arguido tivesse emitido o total de 1282 facturas e 
 simultaneamente se dê por assente que as facturas emitidas pelo arguido aos seus 
 clientes foram por este pagas, sendo certo que os técnicos tributários, na 
 liquidação oficiosa a que procederam, consideraram justamente o total dessas 
 alegadas 1282 facturas cuja emissão o tribunal não considerou provada.
 
 5) Verifica-se outra insuficiência para a decisão da matéria de facto provada 
 quando o arguido é confrontado com um cálculo, a granel, por trimestre, de 
 montantes facturados e IVA não pago, sem qualquer discriminação das facturas, 
 com as respectivas datas de emissão, o cliente em nome de quem tivessem sido 
 emitidas e o respectivo montante, para se apurar, factura a factura, o eventual 
 IVA cobrado e não entregue;
 
 6) O arguido deve assim ser absolvido do crime de abuso de confiança fiscal uma 
 vez que as provas impõem uma decisão diversa da recorrida ou, no mínimo, 
 sugerem, pela incerteza, a aplicação do princípio “in dubio, pro reo”; 
 
 7) Esgotado que estava o poder jurisdicional com a prolação do primeiro Acórdão 
 proferido pelo Tribunal “a quo” - só alterável por via da correcção da sentença 
 
 (artigo 380º do CPP) - e considerando que nenhuma outra prova foi produzida 
 quando da reabertura da audiência, para além da prova documental oferecida pelo 
 arguido, pode-se concluir que a sentença, com a substancial reformulação 
 introduzida na fundamentação do crime de abuso de confiança fiscal, conheceu de 
 questões cuja apreciação lhe estava vedada, inquinando-a desta feita, e de novo, 
 com o vicio da nulidade (art. 379°, n° 1, al. c) do CPP).
 
 8) De harmonia com o art. 15° do RJIFNA (DL n° 20-A/90 de 15/Jan, alterado pelo 
 DL n° 394/93, de 24/Nov.), o presente procedimento acha-se extinto, por 
 prescrição, uma vez que sobre a prática do mesmo decorreram mais de cinco anos e 
 até mais de sete anos e meio.”
 
  
 
 3. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Janeiro de 2005, foi o 
 recurso julgado totalmente improcedente.
 
  
 
 4. Novamente inconformado o arguido pretendeu recorrer desta decisão para o 
 Supremo Tribunal de Justiça - já depois de, entretanto (acórdão de 27 de Abril 
 de 2005), ter sido negado provimento a um requerimento em que arguía a nulidade 
 daquele acórdão - não tendo o recurso sido admitido, por decisão do relator do 
 processo ainda no Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Julho de 2005.
 
  
 
 5. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal Constitucional, apresentando 
 para o efeito um requerimento com o seguinte teor: “[...], nos autos em tópico, 
 inconformado com os acórdãos proferidos (em 26/01/05 e em 27/04/05), vem deles 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70º da Lei nº 
 
 28/82 de 15 Nov. Assim, por estar em tempo e ter legitimidade, requer a admissão 
 do presente recurso com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo”.
 
  
 
 6. Por despacho do Relator do processo no Tribunal da Relação de Lisboa foi o 
 recorrente convidado a “dar integral cumprimento ao disposto no art. 75º-A da 
 Lei do Tribunal Constitucional”.
 
  
 
 7. Em resposta a esta solicitação o recorrente apresentou o seguinte 
 requerimento:
 
 “[...], nos autos em tópico, notificado para o efeito, vem esclarecer que, 
 inconformado com os Acórdãos proferidos (em 26/01/05 e em 27/04/05), vem deles 
 interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
 
 1- Ao abrigo do art. 70°, n. 1, al. b) e i) da Lei n° 28/82 de 15/Nov.
 a) tendo o recorrente suscitado, em sede de recurso, a excepção da prescrição do 
 procedimento penal, alicerçado no art. 15° do DL 20-A/90 de 15 de Janeiro 
 
 (RJIFNA), que estabelecia um regime especial em matéria de prescrição, não 
 contemplando actos interruptivos, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa 
 
 (TRL) não só considerou, ao arrepio desse regime legal sem lacunas, 
 subsidiariamente aplicável o regime geral do instituto estabelecido nos arts. 
 
 118° a 121° do Código Penal (CP), como aplicou, retroactivamente a factos 
 ocorridos até 1995, a redacção introduzida aos preceitos desse instituto por uma 
 lei posterior aos factos (a Lei 65/98), manifestamente mais desfavorável - já 
 que no teor do primitivo art. 120° do CP (a que corresponde actualmente, por 
 força daquela Lei, art. 121°), ainda que fosse aplicável, a interrupção e a 
 suspensão da prescrição só se verificava com a notificação do despacho de 
 pronúncia (dada a inexistência, à data dos factos, de instrução preparatória), 
 sendo certo que esse hipotético acto interruptivo só teria ocorrido mais de 5 
 anos após a prática do último acto alegadamente infractor.
 Ao não interpretar assim, o Venerando TRL não só violou garantias de defesa e do 
 processo criminal, como outrossim violou os princípios da legalidade, da 
 confiança e ainda o da irretroactividade da lei penal mais favorável.
 Tal inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento em que se arguiu a 
 nulidade do Acórdão do TRL, além de está em desconformidade com o anteriormente 
 decidido sobre a questão da irretroactividade da lei penal menos favorável pelo 
 Tribunal Constitucional (vide, entre outros, os Ac. 4121 de 15.07.93; 4268 de 
 
 28.10.93 e 4290 e 4292 de 03.11.93), constituindo no mínimo uma 
 inconstitucionalidade implícita.
 Consideram-se violados os arts. 2°, 20°, 29°, 32°, 204° e 205° da CRepP.
 b) O ora recorrente suscitou, igualmente em sede de recurso, a ilegalidade 
 
 (nulidade) do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1 a Instância, na medida em 
 que, depois de primeiramente anulada, em parte, pelo TRL, quando procedeu à 
 sanação do vício imputado, aproveitou, sem prévia notificação ao arguido, para 
 reformular e acrescentar fundamentos à parte da sentença não viciada e em 
 relação à qual estava esgotado o poder jurisdicional. Entende o recorrente que 
 tal procedimento viola o princípio da confiança e as suas garantias de defesa. 
 Tal ilegalidade foi suscitada na motivação de recurso e também no requerimento 
 em que arguiu a nulidade do Acórdão do TRL.
 c} Outra ilegalidade suscitada em sede de recurso e na arguição de nulidade do 
 Acórdão do TRL, resulta, em nosso entender, da interpretação dada ao art. 127° 
 do Código de Processo Penal (CPP}, em violação do disposto nos arts. 364°, 786° 
 e 787º do Código Civil (CC), quanto entende que o princípio da livre apreciação 
 da prova é pleno e não está vinculado aos requisitos do art. 364°, n. 1 do CC 
 para o qual a primeira parte daquele art. 127° do CPP remete. Afigura-se ao ora 
 Rcte. que do mesmo modo se violou assim o princípio da confiança, o da tutela 
 efectiva de direitos e as garantias de defesa ínsitos nos arts. 2°, 20°, 29° e 
 
 32° do CRepP .
 II - Ao abrigo do art. 70°, n. 1, al. g) da Lei n° 28/82 de 15/Nov.
 Conforme se pode ver do ponto 7 do Acórdão do Venerando TRL, ao fixar a 
 delimitação do recurso, este Tribunal entendeu que o Rcte. não deu cumprimento 
 ao disposto nos n.s 3 e 4 do art. 412° do CPP. E adianta: “... se o tivesse 
 feito teria, por certo, terminado a motivação pedindo que determinados factos, 
 considerados ou não provados pelo tribunal de 1ª instância, fossem julgados de 
 forma diferente por esta Relação...”. E acrescenta: '...Nesse caso, poderia este 
 tribunal, no uso dos poderes que lhe são conferidos. . . modificar a decisão 
 proferida sobre a matéria de facto. Porém, o recorrente, certamente por ter 
 confundido a impugnação da decisão de facto com a mera invocação dos vícios da 
 sentença, optou por esta última via...” Postas assim as coisas, verifica-se que 
 aquele tribunal, em lugar de facultar a oportunidade de suprir tal deficiência, 
 acabou por não conhecer da impugnação sobre a matéria de facto - e isto apesar 
 de o Rcte. ter concretamente impugnado, nas alíneas e) a k), m) e n) da 
 motivação, a matéria de facto.
 Violou assim aquele tribunal o decidido nesta matéria pelo Tribunal 
 Constitucional no seu Ac. n. 529/03 de 31/10/03, dessa forma pondo em causa a 
 garantia de acesso aos tribunais e de uma efectiva tutela dos direitos do 
 arguido, fulminando uma imperfeição formal com o não conhecimento da substância 
 e material idade do processo, violando do mesmo modo, além do mais, as garantias 
 de defesa do arguido e o seu direito a um julgamento justo.[...]”
 
  
 
 8. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao 
 abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, 
 na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão 
 sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na 
 parte relevante, o seu teor:
 
 “[...] Admitido o recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, cumpre, antes de 
 mais, decidir se pode conhecer-se do seu objecto, uma vez que tal decisão não 
 vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional). Ora, como vai ver-se já de seguida, é manifesto que, por mais 
 do que uma razão, não pode conhecer-se do seu objecto.
 
 9. O recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e i) do nº 1 do artigo 70º da 
 LTC.
 Refere o recorrente, em primeiro lugar, que o presente recurso vem interposto ao 
 abrigo das alíneas b) e i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional. 
 
 9.1. Ora, desde logo se verifica que a referência à alínea i) é, no contexto do 
 presente recurso, perfeitamente descabida, uma vez que é evidente que a decisão 
 recorrida não recusou aplicar qualquer “norma constante de acto legislativo, com 
 fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional”, nem aplicou 
 qualquer norma constante de acto legislativo “em desconformidade com o 
 anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional”, em relação 
 a qualquer suposta contrariedade com convenção internacional.
 
 9.2. Mas também é evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso na 
 parte em que o mesmo vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do referido 
 artigo 70º.
 Vejamos, sumariamente, porquê.
 
 9.2.1. O recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC visa submeter 
 
 à apreciação do Tribunal Constitucional a constitucionalidade de normas 
 jurídicas aplicadas pela decisão recorrida. Ora, nos presentes autos, basta 
 atentar no teor do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal 
 para se poder concluir que, manifestamente, o recorrente não imputa aí a 
 inconstitucionalidade a uma norma jurídica -- ou a uma sua dimensão normativa 
 perfeitamente identificada - mas, quando muito, às decisões judiciais anteriores 
 proferidas em primeira e em segunda instância. Para o demonstrar é suficiente 
 recordar aqui a parte do requerimento de interposição do recurso em que o 
 recorrente procura formular a questão de constitucionalidade que pretende ver 
 apreciada, onde se afirma: “ a) [...] Ao não interpretar assim, o Venerando TRL 
 não só violou garantias de defesa e do processo criminal, como outrossim violou 
 os princípios da legalidade, da confiança e ainda o da irretroactividade da lei 
 penal mais favorável. Tal inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento em 
 que se arguiu a nulidade do Acórdão do TRL [...]” (negrito aditado).
 Ora, constitui jurisprudência pacífica e sucessivamente reiterada que, estando 
 em causa a própria decisão em si mesma considerada, não há lugar ao recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade vigente em Portugal. Assim resulta 
 do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da Lei n.º 28/82 e 
 assim tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em inúmeras ocasiões. Na 
 verdade, ao contrário dos sistemas em que é admitido recurso de amparo, 
 nomeadamente na modalidade de amparo dirigido contra decisões jurisdicionais 
 que, alegadamente, violam directamente a Constituição, o recurso de fiscalização 
 concreta de constitucionalidade vigente em Portugal não se destina ao controlo 
 da decisão judicial recorrida, como tal considerada, como sucede quando a 
 discordância se dirige a esta última, mas, pelo contrário, ao controlo normativo 
 de constitucionalidade da norma aplicada.
 Assim sendo, como efectivamente é, não estando colocada a este Tribunal uma 
 questão de constitucionalidade normativa, tanto basta para que não possa, nesta 
 parte, conhecer-se do objecto do recurso.
 
 9.2.2. Acresce, ainda, que o recurso previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 70º 
 da LTC só pode ser interposto pela parte que tenha “de modo processualmente 
 adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida”, suscitado a 
 questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada (n.º 2 do 
 artigo 72º da LTC). Ora, basta ler os textos apresentados pelo recorrente para 
 concluir que, ao contrário do que este afirma, nenhuma questão de 
 constitucionalidade normativa foi colocada ao tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, nem sequer no “requerimento em que se arguiu a nulidade do Acórdão do 
 TRL”, uma vez que, aí, apenas se refere - coerentemente, aliás, com a ideia de 
 que é a decisão judicial que viola a Constituição - que a não apreciação da 
 questão pelo Tribunal de Relação “retira ao Rcte a garantia constitucional de 
 uma tutela efectiva dos seus direitos e de acesso aos tribunais, designadamente 
 a uma efectiva instância de recurso, ínsita no artigo 20º da CRepP.”
 Assim, também por este motivo, não é possível conhecer do objecto do recurso 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
 
 9.2.3. Finalmente, refira-se apenas que é igualmente descabida, num recurso 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC , a pretensão de 
 ver apreciada uma eventual ilegalidade, como parece decorrer das alíneas b) e c) 
 da parte I do requerimento acima transcrito, sendo certo, aliás, que nunca 
 estariam preenchidos, no caso concreto, quaisquer dos pressupostos que 
 permitiriam a este Tribunal conhecer, nos termos da alínea f) desse mesmo número 
 e artigo, de uma eventual ilegalidade normativa.
 
 10. O recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
 De acordo com o requerimento de interposição do recurso, já integrado com a 
 resposta ao convite para o seu aperfeiçoamento que foi formulado no Tribunal da 
 Relação de Lisboa, afirma o recorrente que o mesmo vem ainda interposto ao 
 abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC. No seu entendimento - tanto 
 quanto se consegue descortinar daquela peça processual - o disposto no artigo 
 
 412º, nº 3 e 4 do Código de Processo Penal teria sido aplicado pela decisão 
 recorrida com o sentido já anteriormente julgado inconstitucional por este 
 Tribunal no Acórdão nº 529/03.
 Mas, como se verá já de seguida, não é assim. Com efeito, a dimensão normativa 
 do artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal que foi julgada 
 inconstitucional no Acórdão nº 529/03 não coincide exactamente com a que foi 
 aplicada nestes autos pela decisão recorrida. É que, nos autos que deram origem 
 ao acórdão nº 529/03, o tribunal recorrido, para poder concluir que o recorrente 
 não havia impugnado a matéria de facto nos termos exigidos pelo artigo 412º, n.º 
 s 3 do Código de Processo Penal, havia ponderado apenas o teor das conclusões do 
 recurso, não considerando a própria motivação, de onde constavam efectivamente 
 as indicações alegadamente em falta nas conclusões.
 Ora, nos presentes autos, não é possível produzir idêntica afirmação. Em 
 primeiro lugar porque, diferentemente do que acontecia naqueles autos, nestes 
 não resulta do texto da decisão recorrida que, para poder concluir que a 
 recorrente não havia impugnado a matéria de facto nos termos exigidos pelo 
 artigo 412º, n.º s 3 do Código de Processo Penal, tenha sido ponderado apenas o 
 teor das conclusões do recurso. Em segundo lugar, porque lendo a motivação do 
 recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, dela resulta uma conclusão 
 contrária à que foi pressuposta pelo Acórdão n.º 529/03. Com efeito, 
 diferentemente do que foi possível afirmar partindo dos autos que deram origem a 
 este aresto, não pode agora igualmente concluir-se que na motivação (e não 
 apenas nas conclusões) de recurso apresentada perante o Tribunal da Relação de 
 Lisboa se encontram suficientemente indicados os elementos referidos nas várias 
 alíneas do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal. A situação presente 
 será, assim, próxima da julgada no acórdão n.º 140/2004, que decidiu “não julgar 
 inconstitucional a norma do artigo 412º, n.ºs 3, alínea b), e 4, do Código de 
 Processo Penal, interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas 
 conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele 
 exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do 
 recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais 
 deficiências” e diversa da julgada no do Acórdão n.º 529/03.
 Assim sendo, não havendo a perfeita coincidência que é exigida pela alínea g) do 
 nº 1 do art. 70º da LTC entre a dimensão normativa do artigo 412º, nº 3, do 
 Código de Processo Penal que foi julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 529/03 
 e a que foi efectivamente aplicada nestes autos, como ratio decidendi, pela 
 decisão recorrida, não pode, com fundamento nessa alínea, conhecer-se do objecto 
 do recurso.
 
 11. Pelo exposto, há que concluir não poder este Tribunal conhecer do presente 
 recurso, por, manifestamente, não estarem presentes os seus pressupostos de 
 admissibilidade.[...]”
 
  
 
 9. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 
 
 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta 
 nos seguintes termos:
 
 “I – Recurso com fundamento no art. 70º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/82 de 15/NOV.
 Tendo o recorrente suscitado, em sede de recurso, a excepção da prescrição do 
 procedimento penal, alicerçado no art. 15° do DL 20-A/90 de 15 de Janeiro 
 
 (RJIFNA), que estabelecia um regime especial em matéria de prescrição, não 
 contemplando actos interruptivo, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) 
 não só considerou, ao arrepio desse regime legal sem lacunas, subsidiariamente 
 aplicável o regime geral do instituto estabelecido nos arts. 118º a 121 o do 
 Código Penal (CP), como aplicou, retroactivamente a factos ocorridos até 1995, a 
 redacção introduzida aos preceitos desse instituto por uma lei posterior aos 
 factos (a Lei 65/98), manifestamente mais desfavorável 'já que no teor do 
 primitivo art. 120º do CP (a que corresponde actualmente, por força daquela Lei, 
 o art. 121°), ainda que fosse aplicável, a interrupção e a suspensão da 
 prescrição só se verificava com a notificação do despacho de pronúncia (dada a 
 inexistência, à data dos factos, de instrução preparatória), sendo certo que 
 esse hipotético acto interruptivo só teria ocorrido mais de 5 anos após a 
 prática do último acto alegadamente infractor.
 Tal matéria só foi conhecida na própria decisão proferida pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa, não sendo exigível ao Rcte. que previsse que aquele Venerando 
 Tribunal aplicasse aquele art. 15° do DL 20-A/90 de 15 de Janeiro RJIFNA em 
 termos desconformes com a Constituição e contra a jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional, violando garantias de defesa e do processo criminal, como 
 outrossim violou os princípios da legalidade, da confiança e ainda o da 
 irretroactividade da lei penal mais favorável.
 Tal inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento em que se arguiu a 
 nulidade do Acórdão do TRL. E se em termos formais já estava esgotado o poder 
 jurisdicional daquele tribunal, em termos funcionais, e porque a excepção da 
 prescrição pode e deve ser conhecida a todo o momento, por isso que se prende 
 directamente com as garantias de defesa do arguido, e porque a 
 inconstitucionalidade radica o próprio acórdão do Tribunal da Relação, 
 afigura-se ao Rcte. que é admissível o conhecimento da inconstitucionalidade 
 suscitada.
 II - Recurso com fundamento no art. 70º, n. 1, al. g) da Lei nº 28/82 de 15/Nov.
 Salvo o devido respeito, parece ao Rcte. que se mantêm válidas as razões que 
 fundamentaram o seu recurso para esse Venerando Tribunal, e que aqui se dão por 
 reproduzidas, uma vez que a decisão do Tribunal da Relação contraria a 
 jurisprudência desse Tribunal Constitucional.
 O Rcte. impugnou concretamente, nas alíneas e) a k), m) e n) da motivação, a 
 matéria de facto. Fê-lo de forma imperfeita, mas incorporou na motivação toda a 
 materialidade da impugnação da matéria de facto. Além disso, as conclusões 2, 3 
 e 4, em substância, mais não são do que impugnação da matéria de facto.
 A norma do art. 412°, n.s 3 e 4, quando interpretada no sentido de não facultar 
 ao recorrente a possibilidade de aperfeiçoar a motivação e conclusões do 
 recurso, põe em causa a garantia de acesso aos tribunais e de uma efectiva 
 tutela dos direitos do arguido, fulminando uma imperfeição formal com o não 
 conhecimento da substância e materialidade do processo, violando do mesmo modo, 
 além do mais, as garantias de defesa do arguido e o seu direito a um julgamento 
 justo.
 Foi com este sentido que o Rcte. interpôs o recurso para esse Tribunal 
 Constitucional.[...]”
 
  
 
 10. O Ministério Público, notificado da presente reclamação, disse o seguinte:
 
 “1. A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
 2. Na verdade – e como é óbvio, o reclamante não suscitou, durante o processo – 
 podendo perfeitamente tê-lo feito, - qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, susceptível de integrar objecto idóneo de um recurso de fiscalização 
 concreta interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 
 
 28/82.
 
 3. Por outro lado - e no que se refere ao recurso fundado na alínea g) do mesmo 
 preceito legal, a inexistência de coincidência normativa entre o precedente 
 jurisprudencial invocado e a aplicação feita ao caso dos autos inviabiliza 
 naturalmente tal via impugnatória.”
 
  
 Dispensados os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 III – Fundamentação
 
  
 
 11. Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de 
 conhecer do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do 
 artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por não ter sido colocada a este 
 Tribunal uma questão de constitucionalidade normativa, e por não ter o 
 recorrente suscitado, de modo processualmente adequado e perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível de 
 integrar o recurso que pretendeu interpor.
 
  
 O ora reclamante pretende contestar esta conclusão, limitando-se, porém, a 
 repetir o que afirmara no requerimento de resposta ao convite que lhe fora feito 
 pelo Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Lisboa e a acrescentar que 
 
 “tal matéria só foi conhecida na própria decisão proferida pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa, não sendo exigível ao Rcte. que previsse que aquele Venerando 
 Tribunal aplicasse aquele art. 15° do DL 20-A/90 de 15 de Janeiro RJIFNA em 
 termos desconformes com a Constituição”.
 
  
 Manifestamente, porém, sem qualquer razão. Na verdade, como já se demonstrou na 
 decisão sumária reclamada, em termos que não são minimamente abalados pela 
 presente reclamação, pelo que agora se reiteram, não só não foi colocada a este 
 Tribunal qualquer questão de constitucionalidade normativa, como também tal 
 questão não foi suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, 
 podendo e devendo sê-lo, não havendo na decisão proferida pelo Tribunal da 
 Relação de Lisboa nada de insólito ou de imprevisível.
 
  
 
 12. Considerou-se, ainda, naquela decisão, no que se refere ao recurso 
 interposto com fundamento na alínea g) do n.º 1 do artigo 70 da Lei do Tribunal 
 Constitucional, que, entre a dimensão normativa do artigo 412º, nº 3, do Código 
 de Processo Penal que foi julgada inconstitucional pelo Acórdão nº 529/03 e a 
 que foi efectivamente aplicada nestes autos, como ratio decidendi, pela decisão 
 recorrida, não havia a coincidência que é exigida pela referida alínea.
 
  
 O ora reclamante, contesta tal decisão, mas nada acrescenta em relação ao que 
 afirmara no requerimento de resposta ao convite que lhe fora feito pelo 
 Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Lisboa, e que foi já considerado 
 na decisão reclamada. Ora, nessa decisão foram claramente explicitadas as razões 
 pelas quais se entende que a dimensão normativa aplicada não coincide com a 
 julgada inconstitucional no acórdão n.º 529/03, as quais, por em nada terem sido 
 abaladas pela presente reclamação, agora se reiteram.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do recurso.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 
                                         Lisboa, 13 de Janeiro de 2006
 Gil Galvão
 Bravo Serra
 Artur Maurício