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Processo n.º 209/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. reclama da decisão sumária de fls. 1745 e segs., que decidiu não tomar 
 conhecimento do recurso de constitucionalidade por si interposto do acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça de fls. 1660 e segs., por a inconstitucionalidade 
 ter sido imputada, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, 
 não a uma norma, mas apenas à decisão judicial em si mesma. Pode ler-se na 
 fundamentação da decisão reclamada:
 
 “[…]
 Com efeito, diz o recorrente no requerimento de recurso que pretende ver 
 apreciada a constitucionalidade do disposto nos artigos 410.°, n.ºs 1 e 2, e 
 
 434.° do Código de Processo Penal, por entender que tais normas são violadoras 
 dos artigos 13.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que 
 
 «através destas normas legais [pode] fundamentar-se a não apreciação da matéria 
 de facto, quando o Tribunal da Relação não a aprecia, como sucede neste caso em 
 concreto».
 No entanto, compulsados os autos, verifica-se que, antes de esgotado o poder 
 jurisdicional do tribunal a quo nenhuma questão de constitucionalidade normativa 
 foi enunciada. Com efeito, a desconformidade com a Constituição foi sempre 
 invocada pelo recorrente (tanto nas suas alegações de recurso para o Tribunal da 
 Relação de Coimbra – fls. 1116 e ss. – bem como naquelas que dirigiu ao Supremo 
 Tribunal de Justiça, nomeadamente nas conclusões 227, 228, 229, 231 e 232 – fls. 
 
 1407 e ss.) como reportada ao «Acórdão recorrido» e à «decisão recorrida», que 
 violaria os artigos 208.º, 207.º, 13.º, 17.º, 27.º, 28.º, 29.º e 32.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Ou seja, a inconstitucionalidade de normas, nomeadamente dos artigos 410.°, n.ºs 
 
 1 e 2, e 434.° do Código de Processo Penal, não foi suscitada durante o 
 processo, entendido este último requisito, segundo a jurisprudência constante 
 deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o acórdão n.º 352/94, in Diário da 
 República, II série, de 6 de Setembro de 1994), «não num sentido meramente 
 formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da 
 instância)», mas «num sentido funcional», de tal modo «que essa invocação haverá 
 de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da 
 questão», «antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que 
 
 (a mesma questão de constitucionalidade) respeita», por ser este o sentido que é 
 exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em 
 via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o 
 tribunal recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o 
 Acórdão n.º 560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o 
 Acórdão n.º 155/95, in Diário da República, II, de 20 de Junho de 1995).
 Não é, pois, possível ao Tribunal Constitucional reapreciar um anterior juízo 
 formulado sobre essas normas, porque nenhum juízo chegou a haver, por nenhuma 
 questão de constitucionalidade de normas ter sido suscitada antes de esgotado o 
 poder jurisdicional do Tribunal recorrido. Limitou-se, assim, o Supremo Tribunal 
 de Justiça a dizer, quanto às pretensas inconstitucionalidades invocadas pelo 
 recorrente, que (a fls. 1552):
 
 «(…) Não se verifica, assim, a pretendida omissão de pronúncia sobre a questão 
 colocada, sendo ainda certo que a Relação decidiu, em recurso, questão 
 interlocutória que, nos termos assinalados, não pode ser sindicado no âmbito do 
 presente recurso (art.ºs 400.º, n.º 1, al. c), e 420.º, n.º 1, do CPP), não se 
 mostrando violado, assim, o disposto no art.º 268.º da Constituição da 
 República.»
 E a fls. 1554:
 
 «A conclusão a retirar é a de que nem a decisão da 1.ª Instância, nem a da 
 Relação – que se encontram suficientemente fundamentadas – enfermam de qualquer 
 nulidade, sendo inadmissível recurso da decisão da Relação, nos termos já 
 referidos.
 E daí decorre, também, que se não verifica a violação do disposto no artigo 
 
 268.º da Constituição da República.»
 E ainda a fls. 1556 que:
 
 «(…)
 Volta a tratar-se de acórdão proferido em recurso, pela Relação, que não põe 
 termo à causa e, nessa medida, fora dos poderes de sindicação do Supremo 
 Tribunal. Como já se disse, ‘a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, 
 quando se refere a decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, que não 
 tenham posto termo à causa, quer significar que a competência em razão da 
 hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe às Relações, 
 que decidem, em matérias interlocutórias, em última instância – quer seja 
 proferida em recurso, quer seja por ocasião de um recurso ou por intervenção 
 incidental directamente deferida pela lei’. (Ac. STJ de 16.02.05, Proc. n.º 
 
 4551/04)
 E, relembrando-se que a omissão da fixação do prazo não impediu que o arguido 
 tenha exercido o direito de contraditar o teor dos documentos em que se baseou o 
 requerimento de ‘alteração não substancial dos factos da acusação’, como 
 efectivamente exerceu (fls. 943), nenhum direito de defesa, constitucionalmente 
 garantido, foi preterido ou cerceado.
 
 [E anota-se que, quanto a outra nulidade – ou se se entender que a referida 
 nulidade não é abarcada nesses artigos (358.º, n.º 1, 359.º, n.º 1, e 120.º do 
 C.P.P.), sempre o mesmo é irregular, nos termos do artigo 123.º – o arguido 
 tomou a posição de não pretender apresentar qualquer prova, pelo que poderá 
 prosseguir a audiência de julgamento, nos termos que os Senhores Doutores Juízes 
 deliberarem. (fls. 817 e 818)].
 O recurso do arguido é, também neste ponto e à semelhança do anteriormente 
 decidido, rejeitado, não se verificando, igualmente aqui, violação de qualquer 
 preceito constitucional, designadamente, o do (genericamente invocado) art.º 
 
 32..º da Constituição.» (sublinhado nosso)
 E assim, porque não se está perante nenhuma daquelas situações excepcionais em 
 que o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar durante o 
 processo a questão de constitucionalidade (cfr. v. g. Acórdãos n.ºs 90/85, 
 
 439/91 e 80/92 publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 
 
 11 de Julho de 1985, de 24 de Abril de 1992 e de 18 de Agosto de 1992), 
 conclui-se que não está preenchido o requisito da suscitação de uma 
 inconstitucionalidade normativa durante o processo, indispensável ao 
 conhecimento do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.”
 O reclamante diz o seguinte, após transcrever na íntegra o teor do recurso de 
 constitucionalidade:
 
 “1) O reclamante tem o direito e a necessidade que este Venerando Tribunal 
 aprecie todas as questões postas no recurso;
 
 2) Tendo em conta as normas legais acima referidas, só Vossas Exas. Poderão 
 fazer justiça;
 
 3) O despacho reclamado fez uma errada interpretação e aplicação das normas 
 legais que têm aplicação ao caso em concreto.
 
 4) Tanto na 1ª instância, como na 2ª instância, e ainda no STJ foram cometidas 
 ilegalidades, nulidades e inconstitucionalidades;
 
 5) O recorrente só através deste meio pode ver satisfeita a justiça no seu caso 
 concreto;
 
 6) É este o Tribunal competente, não só para analisar e julgar as 
 inconstitucionalidades arguidas, bem como oficiosamente tomar conhecimento das 
 nulidades/ilegalidades indicadas em todos os requerimentos de recurso, incluindo 
 a decisão reclamada.”
 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal sustentou a manifesta 
 improcedência da presente reclamação, acrescentando:
 
 “Na verdade, a argumentação do reclamante em nada afecta os fundamentos da douta 
 decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do 
 recurso – radicando, aliás, na deficiente compreensão do objecto «normativo» dos 
 recursos de fiscalização concreta e dos poderes cognitivos conferidos a este 
 Tribunal Constitucional.”
 II. Fundamentos
 
 2.Adianta-se que a presente reclamação não pode obter provimento, por não abalar 
 os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada. 
 Como se sabe, e se afirmou na decisão reclamada, o objecto do recurso de 
 constitucionalidade no direito português não é a apreciação da conformidade com 
 a Constituição da decisão judicial recorrida em si mesma, mas apenas de normas, 
 ou dimensões normativas, sendo que, tratando-se do recurso previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que 
 se possa tomar conhecimento do recurso, que o recorrente haja suscitado, durante 
 o processo, a sua inconstitucionalidade perante o tribunal a quo. Se o 
 recorrente apenas questiona uma dada dimensão ou interpretação de uma norma, 
 deve precisar o sentido que pretende ver submetido à apreciação do Tribunal 
 Constitucional, de modo a que, se tal norma vier a ser julgada inconstitucional, 
 o Tribunal Constitucional a possa enunciar na decisão e que o tribunal recorrido 
 saiba qual o sentido da norma que não pode ser aplicado por desconforme com a 
 Constituição. Tal necessidade de individualização do segmento ou de enunciação 
 do sentido ou interpretação normativos que o recorrente reputa inconstitucional 
 
 é particularmente evidente quando o preceito ao qual se imputa a 
 inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários segmentos 
 normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, 
 susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas.
 Isto, aliás, não representa qualquer nova exigência não legalmente prevista, 
 antes resulta simplesmente do sentido e da função das regras contidas no artigo 
 
 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, bem como do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da 
 Lei do Tribunal Constitucional, como tem sido esclarecido por uma jurisprudência 
 firmemente estabelecida, e amplamente conhecida, deste Tribunal – cfr., por 
 exemplo, os arestos indicados no Acórdão n.º 116/2002 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), como, por ex., o Acórdão n.º 199/88 (in DR, II 
 Série, de 28 de Março de 1989), onde se escreveu:
 
 “[...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe 
 cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de 
 
 ‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de 
 inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade 
 constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de 
 uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem 
 por violador da lei fundamental.' (ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 
 
 178/95 – publicado no DR, II Série, de 21 de Junho de 1995 –, 521/95 e 1026/96, 
 inéditos).”
 Pode também ler-se no Acórdão deste Tribunal n.º 273/97, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt:
 
  “[…] 
 Impende sobre o recorrente o ónus de equacionar correcta e perceptivelmente a 
 questão, em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem essa questão, 
 claramente equacionada, a resolver. Ou seja, não lhe basta alegar uma 
 inconstitucionalidade normativa, mesmo que remetida para a norma ou princípio 
 eventualmente ofendido, competindo-lhe justificar minimamente a sua alegação: a 
 suscitação de uma questão de inconstitucionalidade não proporciona, por si só, a 
 abertura da via do recurso de constitucionalidade, implicando que, idónea e 
 adequadamente, a articule com um mínimo de suporte argumentativo.” 
 O reclamante, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, 
 pediu a apreciação da conformidade constitucional do disposto nos artigos 410°, 
 n.ºs 1 e 2, e 434° do Código de Processo Penal, uma vez que “através destas 
 normas legais [pode] fundamentar-se a não apreciação da matéria de facto, quando 
 o Tribunal da Relação não a aprecia, como sucede neste caso em concreto”.
 Durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal 
 a quo, o ónus de individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou 
 interpretação normativos que o recorrente reputa de inconstitucional não se 
 basta, porém, com considerações como a de que “o Acórdão recorrido viola o 
 disposto no artigo 410º do C.P.P., e que esse Venerando Tribunal pode apreciar 
 as questões postas em crise, nos termos desta disposição processual/legal” 
 
 (conclusão 224 das alegações de recurso para o tribunal recorrido - fl. 1453 dos 
 autos). Não se vislumbra, também,  nessas alegações qualquer referência à norma 
 do artigo 434º do Código de Processo Penal, sendo que o ora reclamante deveria 
 ter admitido em tempo útil que a decisão recorrida pudesse aplicar uma das 
 interpretações da norma do artigo 410º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, 
 com referência ao artigo 434º do mesmo Código, contrária aos seus interesses.
 A isto acresce que no nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental da 
 constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o modo 
 como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer 
 controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as 
 normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito, pelo que não colhem 
 considerações do reclamante tais como a de que “é este o Tribunal competente, 
 não só para analisar e julgar as inconstitucionalidades arguidas, bem como 
 oficiosamente tomar conhecimento das nulidades/ilegalidades indicadas em todos 
 os requerimentos de recurso, incluindo a decisão reclamada”, persistindo em 
 imputar o vício da inconstitucionalidade à própria decisão recorrida. No recurso 
 de constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e 
 pela Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da 
 constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação 
 enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada na decisão 
 recorrida.
 A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária reclamada.
 Custas pelo reclamante, com 20 ( vinte ) unidades de conta de taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 2 de Maio de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos