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Processo n.º 982/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                         Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                         1. Relatório
 
                         A Companhia de Seguros A., SA, requereu, em 4 de 
 Fevereiro de 2005, ao Tribunal do Trabalho de Bragança, a remição da pensão 
 fixada ao sinistrado B., alegando que a mesma se tornou obrigatoriamente 
 remível por ser inferior a seis vezes a remuneração mínima nacional garantida à 
 data da sua fixação e por se enquadrar no regime previsto no artigo 74.° do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção do Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, 
 de 23 de Setembro.
 
                         O representante do Ministério Público junto do referido 
 Tribunal pronunciou‑se, em 25 de Fevereiro de 2005, no sentido do indeferimento 
 do pedido, invocando o juízo de inconstitucionalidade da referida norma, 
 constante do Acórdão n.º 56/2005 do Tribunal Constitucional.
 
                         Por despacho judicial de 8 de Março de 2005 foi 
 determinado a notificação da seguradora e do sinistrado para se pronunciarem, 
 querendo, sobre a posição assumida pelo Ministério Público.
 
                         O sinistrado, por requerimento de 21 de Abril de 2005, 
 manifestou‑se no sentido do indeferimento da remição da pensão, preferindo que 
 a mesma continue a ser paga mensalmente. A seguradora não respondeu.
 
                         Por despacho do Juiz do Tribunal do Trabalho de 
 Bragança, de 15 de Julho de 2005, a remição da pensão foi indeferida, com a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
 “Nos termos dos artigos 33.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 
 
 56.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, 
 aplicável às pensões resultantes de acidentes ocorridos antes da sua entrada em 
 vigor, por força do disposto no artigos 41.º, n.º 2, alínea a), da Lei, passaram 
 a ser obrigatoriamente remíveis as pensões anuais devidas a sinistrados e a 
 beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis 
 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da 
 pensão e as devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, 
 por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
 Alinhamos com a posição expressa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 13 de Julho de 2004 (n.º convencional JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no 
 sentido de que a data da fixação da pensão não pode ser entendida como a data da 
 decisão judicial que a fixou, mas antes a data a partir da qual a pensão é 
 devida. Esta tese não colide, salvo melhor entendimento, com a uniformização de 
 jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão n.° 
 
 4/2005, publicado no Diário da República, I Série‑A, de 2 de Maio de 2005.
 Ora, o sinistrado está afectada de incapacidade permanente absoluta para o 
 trabalho habitual e a sua pensão foi fixada em 48 000$00 desde 14 de Maio de 
 
 1981, em consequência de incidente de revisão da incapacidade julgado 
 procedente (fls. 147). Tal valor era inferior a seis vezes a remuneração mínima 
 mensal garantida mais elevada estabelecida, à data, pelo Decreto‑Lei n.º 296/81, 
 de 27 de Outubro, que era de 10 700$00.
 Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à remição 
 obrigatória da pensão.
 Contudo, como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional, as normas dos 
 artigos 56.º, n.º 1, alínea a), e 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de 
 Abril, são inconstitucionais por violação do direito à justa reparação por 
 acidente de trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59.°, n.° 1, 
 alínea f), da Constituição, quando interpretadas no sentido de imporem a 
 remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30%.
 Transcreve‑se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n.° 56/2005 do 
 Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II Série, n.° 44, de 
 
 3 de Maio de 2005, doutamente relatado pelo Ex.mo Conselheiro Paulo Mota Pinto, 
 no qual se apreciou a inconstitucionalidade material do citado artigo 74.º do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, quando interpretado no sentido de abranger no conceito 
 de pensões de reduzido montante todas as pensões infortunísticas laborais, 
 incluindo nelas as situações de total ou elevada incapacidade permanente:
 
  
 
 «5. No Acórdão n.° 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 54.º, págs. 313‑321) escreveu‑se, a propósito, então, do artigo 56.° do 
 Decreto‑Lei n.° 143/99, que a ‘filosofia subjacente’ à remição obrigatória de 
 pensões prevista no seu n.º 1, segundo dois diferentes critérios – o do montante 
 diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de incapacidade laboral, 
 nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de pensões, prevista no seu 
 n.º 2, era:
 
  
 
 ‘[...] a de permitir que a compensação correspondente à pensão fixada ao 
 trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, não 
 impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter‑se em 
 capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a 
 permitida pela mera percepção de uma renda anual.
 Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma incapacidade diminuta, 
 a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o será em casos de maior 
 gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada a álea inerente, a 
 aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de incapacidade de 
 trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no montante da 
 pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir ou não a 
 remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.’
 
  
 Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela salvaguarda, no 
 n.° 2 do artigo 33.° da Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, de um limite máximo à 
 remição parcial em situações de ‘incapacidade igual ou superior a 30%’ (‘desde 
 que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da remuneração 
 mínima mensal garantida mais elevada’), e pela inexistência de previsão de ‘um 
 capital de remição’, no artigo 17.° da Lei n.º 100/97, para situações em que a 
 incapacidade fosse superior a 30%. (...).
 Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão recorrida 
 contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74.° do Decreto‑Lei n.º 
 
 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2.° do Decreto‑Lei n.º 382-A/99, e na 
 interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o Tribunal 
 Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, justamente, 
 o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade elevada, 
 
 ‘só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra 
 o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição 
 obrigatória, em casos como o sub judice’.
 Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da ponderação reiterada 
 pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/99 (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 43.º, págs. 597‑603), no qual se pode ler:
 
  
 
 ‘o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela 
 perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que 
 foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
 E, por isso, compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o 
 que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não 
 implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador 
 
 (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição 
 por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total 
 capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão 
 que lhe foi fixada – e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é 
 de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar 
 do tempo – possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em 
 finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção 
 de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência 
 digna a quem quer que seja.
 Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade 
 responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da 
 própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o 
 montante da pensão for reduzido.
 Outro tanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou 
 doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente 
 diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade 
 de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas 
 situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, 
 servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em 
 consequência da reduzida capacidade de trabalho.
 Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou actuaria 
 desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência então 
 compreende‑se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador‑Geral 
 Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de 
 aplicação do capital de remição”.
 Efectivamente, a aplicação de um capital – ainda que no momento em que essa 
 intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser 
 aleatória, comporta riscos. 
 E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em 
 maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador, 
 para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize 
 a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao 
 poder do trabalhador de pedir ou não a remição.’
 
  
 Neste Acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou‑se sobre a 
 conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas pensões 
 
 ‘a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis’, e julgou‑as 
 inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.°, n.º 
 
 1, 59.°, n.º 1, alínea f), e 63.°, n.º 3, da Constituição.
 No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está em causa a 
 limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo 
 da pensão, não seria mais compensador a efectivação da remição (que redundava – 
 disse-se –, ‘verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente 
 infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social 
 proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa reparação, 
 quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional [artigo 59.°, 
 n.° 1, alínea f), do diploma básico]’}, mas antes a limitação a continuar a 
 receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para todas as 
 pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais 
 permanentes que excedam 30%.
 Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda numa limitação 
 do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar a receber a 
 pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a receber –, a 
 qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tornaria precário e 
 limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de 
 acidente de trabalho ou doença profissional.
 
 6. (…)
 Pode, assim, concluir‑se, como nos acórdãos citados, que a remição total 
 obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma 
 pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 
 
 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição.»
 Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada valem 
 igualmente para o artigo 56.º, n.° 1, alínea a), quando interpretado no sentido 
 de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do 
 titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30% ou por morte, na medida em que, ao impor uma limitação ao 
 direito do sinistrado ou do beneficiário legal poder optar pela remição ou pelo 
 recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual, tal interpretação põe em 
 causa o principio constitucional do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional estabelecido no artigo 59.º, n.° 1, alínea f), 
 da Constituição.
 Pelo exposto, considerando que o sinistrado nestes autos declarou não aceitar a 
 remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, por violação 
 do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma resultante do artigo 
 
 56.º,  n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quando 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por 
 incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, e, 
 consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória da pensão fixada 
 nestes autos ao sinistrado B..”
 
  
 
                         É desta decisão que vem obrigatoriamente interposto, 
 pelo Ministério Público, o presente recurso, nos termos do artigos 70.º, n.º 1, 
 alínea a), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de 
 Fevereiro (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da norma do 
 artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quando 
 interpretado por forma a impor a remição obrigatória total, isto é, 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes superiores a 30% ou por morte.
 
                         O representante do Ministério Público no Tribunal 
 Constitucional apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
             “1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do 
 decidido no Acórdão n.º 56/2005, não se conforma com o princípio constitucional 
 da justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no 
 artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa o regime 
 que se traduz em impor ao trabalhador/sinistrado – contra a sua vontade 
 expressa no processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – 
 independentemente do seu montante pecuniário – visam compensar graus elevados – 
 superiores a 30% – de incapacidade laboral.
 
             2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas 
 anteriormente à vigência do Decreto‑Lei n.º 143/99 (previstas no artigo 74.°), 
 como às pensões decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma 
 legal, cuja remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56.º
 
             3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em 
 consequência da remição da pensão – certos trabalhadores receberem um capital 
 indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes 
 continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não 
 objecto de remição.
 
             4 – Porém, a norma constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador, 
 a remição obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais 
 permanentes superiores a 30%, ofende o princípio constitucional da justa 
 reparação de danos causados por acidentes laborais.
 
             5 – Termos em que deverá confirmar‑se o juízo de 
 inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.”
 
  
 
                         Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                         2. Fundamentação
 
                         Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, 
 era sustentável – face à situação de facto subjacente à decisão recorrida, 
 reportada a acidente de trabalho ocorrido em 18 de Junho de 1975 – que se 
 considerasse aplicável o disposto no artigo 74.º, e não directamente o 
 estatuído no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de 
 Abril.
 
                         No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi 
 expressamente recusada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela 
 decisão recorrida, pelo que é a questão da sua conformidade constitucional que 
 constitui objecto do presente recurso, embora circunscrita à dimensão 
 susceptível de aplicação ao caso concreto, isto é, enquanto determina a remição 
 obrigatória de pensões anuais devidas a sinistrados de acidentes de trabalho que 
 não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais 
 elevada à data da fixação da pensão, em casos em que do acidente resultou 
 incapacidade parcial permanente do sinistrado superior a 30%. Ficam, assim, 
 excluídas as dimensões normativas reportadas a situações em que o beneficiário 
 da pensão não seja o sinistrado e/ou aos casos em que ocorreu a morte do 
 sinistrado.
 
                         Relativamente à dimensão que constitui objecto do 
 presente recurso, há apenas que reconhecer que são para aqui inteiramente 
 transponíveis as considerações que levaram à emissão de juízos de 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa, da norma do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de 
 Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de 
 pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do 
 trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, 
 constantes do Acórdão n.º 56/2005 (cuja fundamentação foi transcrita na 
 sentença recorrida, em passagem reproduzida no precedente relatório) e das 
 Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, e que culminaram com a declaração, 
 com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade dessa norma constante do 
 Acórdão n.º 34/2006.
 
             Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em 
 vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores 
 devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do 
 respectivo labor, compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais 
 acentuada e, assim, não afecta significativamente a continuação do desempenho 
 da sua actividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão 
 que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada 
 com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser 
 aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a 
 mera percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir 
 qualquer subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa 
 estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a 
 capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir 
 salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de 
 complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da 
 reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no 
 momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta 
 riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição 
 significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos 
 arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo‑lhe a 
 assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna 
 precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando 
 vítimas de acidente de trabalho.
 
                         Assim, a remição total obrigatória – isto é, 
 independentemente da vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída 
 por uma incapacidade parcial permanente superior a 30% é inconstitucional por 
 violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no 
 artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
 
                         Resta consignar, relativamente aos Acórdãos n.ºs 
 
 379/2002, 21/2003 e 60/2003, citados na alegação do Ministério Público, que os 
 juízos de não inconstitucionalidade da norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), 
 do Decreto‑Lei n.º 143/99, neles emitidos, se reportaram apenas à alegada 
 violação do princípio da igualdade, tendo o Acórdão n.º 60/2003 reproduzido a 
 fundamentação do Acórdão n.º 379/2002, que, tal como o Acórdão n.º 21/2003, 
 incidiu sobre caso em que ocorrera a morte do sinistrado e o beneficiário da 
 pensão era um seu familiar, constituindo, assim situação diversa da ora em 
 apreço.
 
  
 
                         3. Decisão
 
                         Em face do exposto, acordam em:
 
                         a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, 
 n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 
 
 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada 
 no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias 
 atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos 
 casos em que estas incapacidades excedam 30%; e, consequentemente,
 
                         b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
 
                         Sem custas.
 Lisboa, 18 de Janeiro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Silva Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos