 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 718/07
 Plenário
 Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
 
                                                                                  
 Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I - RELATÓRIO
 
  
 
 1. Requerente e pedido
 
  
 O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira veio 
 requerer, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), a declaração, com força obrigatória geral, da 
 inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma contida no artigo 126.º da Lei 
 n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007).
 O preceito em questão estabelece, no quadro das relações financeiras entre o 
 Estado e as Regiões Autónomas, os montantes de que estas beneficiarão, durante o 
 ano económico de 2007, a título de transferência. É do seguinte teor:
 
 «Nos termos e para os efeitos do artigo 88.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de 
 Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º 48/2004, de 24 de Agosto, as 
 transferências para as Regiões Autónomas em 2007 são determinadas nos termos 
 seguintes:
 
  a) € 223 436 000 para a Região Autónoma dos Açores, sendo  € 167 436 000 a 
 título de solidariedade e € 56 000 000 do Fundo de Coesão;
 
  b) € 170 895 000 para a Região Autónoma da Madeira, sendo € 139 195 000 a 
 título de solidariedade e € 31 700 000 do Fundo de Coesão.»
 
  
 
 2. Fundamentos do pedido
 
  
 
 2. 1. De inconstitucionalidade
 
  
 O requerente alicerça o pedido de inconstitucionalidade nos seguintes 
 fundamentos:
 
  
 a) Violação do dever de solidariedade do Estado para com as Regiões Autónomas
 
  
 Invoca-se, em síntese, que foi violado o princípio constitucional da 
 solidariedade do Estado para com as Regiões Autónomas, ancorado nos artigos 
 
 225.º, n.º 2, 227.º, n.º 1, alínea j), e 229.º, n.º 1, da CRP, ao ser reduzido o 
 montante a transferir de 2006 para 2007 e que essa situação é «tanto mais 
 gritante e escandalosa quanto é certo por ela se acentuarem as disparidades 
 derivadas do carácter insular do território do arquipélago da Madeira».
 
  
 b) Violação do direito de audição das Regiões Autónomas
 
  
 A este respeito, é alegado um vício procedimental pelo facto de «a Região 
 Autónoma da Madeira não ter sido devidamente auscultada na instrução do 
 procedimento legislativo de elaboração da Lei do Orçamento do Estado para 2007», 
 o que configuraria a violação do direito de audição consagrado no artigo 229.º, 
 n.º 2, da CRP, e concretizado nos artigos 90.º e seguintes do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (doravante, EPA-RAM), 
 aprovado pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, e na Lei n.º 40/96, de 31 de 
 Agosto.
 Argui-se que um tal direito constitucional e legalmente consagrado não foi 
 respeitado no caso em apreço, «dado que a Assembleia da República, no decurso do 
 prazo concedido para a emissão de parecer por parte da Assembleia Legislativa da 
 Região Autónoma da Madeira e sem esperar por ele, inopinadamente efectuou a 
 votação na generalidade e iniciou a votação na especialidade da futura Lei do 
 Orçamento do Estado para 2007». E acrescenta-‑se que o «comportamento da 
 Assembleia da República infringiu por completo o núcleo essencial deste direito 
 de audição, ao não ter esperado pela emissão daquele parecer antes de começar a 
 tomar decisões sobre a configuração definitiva da Lei do Orçamento do Estado 
 para 2007, pondo em questão a utilidade daquele direito de audição».
 
  
 
  2. 2. De ilegalidade
 
  
 São apontados três fundamentos para a ilegalidade da norma em questão:
 
  
 a) Violação da norma do não retrocesso financeiro consagrada no Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira 
 
  
 Alega-se que foi desrespeitado o artigo 118.º, n.º 2, do EPA-RAM, o qual 
 estabelece que as verbas a transferir pelo Estado não podem ser inferiores ao 
 montante transferido pelo Orçamento do ano anterior multiplicado pela taxa de 
 crescimento da despesa pública corrente no Orçamento do ano respectivo, visto 
 que o montante agora transferido para a Região Autónoma da Madeira foi inferior 
 ao montante no ano anterior, tendo passado de        € 204 888 536, em 2006, 
 para € 170 895 000, em 2007.
 Argumenta-se que aquele preceito estatutário, configurando uma norma legal 
 imperativa mínima, de legalidade reforçada, impede que possa ser desvirtuada 
 pela lei que aprova o Orçamento do Estado, que é uma lei comum. E que a 
 obediência da lei orçamental às leis reforçadas decorre, também, da própria 
 força, procedimento, conteúdo e função dos estatutos político-administrativos e, 
 no caso, até está expressamente mencionada, dado que qualquer orçamento se deve 
 sujeitar às vinculações impostas por leis e contratos.
 Prosseguindo, o autor do pedido afasta o argumento de que «o único padrão 
 aferidor das relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas é o 
 constante da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, Lei Orgânica n.º 1/2007, de 
 
 19 de Fevereiro», por considerar, em suma, que «é a própria Lei de Finanças das 
 Regiões Autónomas a colocar-se num patamar inferior e complementar àquele que é 
 primariamente definido pela Constituição e logo a seguir por cada Estatuto 
 Político-Administrativo das Regiões Autónomas», o que resulta, nomeadamente, dos 
 artigos 1.º, 4.º e 59.º, n.º 1, alínea c), desta lei financeira.
 E conclui que «o mesmo raciocínio deve ser feito em relação a uma pretensa 
 justificação para a diminuição do valor transferido em 2007 por comparação com o 
 valor transferido em 2006 que se fundasse no artigo 88.º, n.º 2, da Lei do 
 enquadramento do Orçamento do Estado», por esta não ser uma lei reforçada em 
 relação aos Estatutos Político‑Administrativos, que sobre ela devem prevalecer 
 pela sua especificidade na regulação dos direitos regionais e, em especial, da 
 autonomia financeira regional.
 
  
 b) Violação da norma da Lei de enquadramento orçamental que apenas admite o 
 retrocesso nas transferências financeiras para as Regiões Autónomas em 
 circunstâncias excepcionais
 
             
 A norma cuja violação forneceria uma segunda razão de ilegalidade do artigo 
 
 126.º da Lei do Orçamento do Estado seria a contida no n.º 2 do artigo 88.º da 
 Lei de enquadramento orçamental, aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, 
 alterada e republicada pela Lei n.º 48/2004, de 24 de Agosto, nos termos da 
 qual, a redução das transferências do Orçamento do Estado, determinadas na lei 
 do Orçamento, dependem da verificação de circunstâncias excepcionais 
 imperiosamente exigidas pela rigorosa observância das obrigações decorrentes do 
 Programa de Estabilidade e Crescimento e dos princípios da proporcionalidade, 
 não arbítrio e solidariedade recíproca e carece de audição prévia dos órgãos 
 constitucionais legalmente competentes dos subsectores envolvidos.
 
             No entender do requerente, a quebra do não retrocesso em matéria de 
 transferências financeiras anuais do Estado para as Regiões Autónomas não 
 obedeceu às condições fixadas no n.º 2 do preceito.
 O carácter arbitrário da diminuição de verbas transferidas para a Região 
 Autónoma da Madeira seria evidenciado pelo confronto com o tratamento conferido, 
 nesta matéria, à Região Autónoma dos Açores: esta Região beneficiou de um 
 aumento da verba a transferir, que, de € 210 066 000, em 2006, passou para € 223 
 
 436 000, em 2007.
 
             Tal desigualdade de tratamento violaria «uma ideia de solidariedade 
 recíproca, neste caso entre as próprias Regiões Autónomas e o Estado», atentando 
 também contra a identidade de estatuto jurídico-político das duas regiões, do 
 ponto de vista constitucional.
 A redução seria ainda desproporcionada «porque se pretende cumprir os objectivos 
 do Programa de Estabilidade e Convergência à custa das transferências para as 
 Regiões Autónomas, quando é manifesto que o próprio Estado – o primeiríssimo 
 destinatário desses apertados critérios e que deveria dar o exemplo – não mostra 
 capacidade de os cumprir, bastando dizer, para o justificar, que para 2007 e em 
 relação a 2006, as despesas de funcionamento do Estado aumentam 9,4%, as 
 despesas correntes do Estado sobem 3,1%, o serviço da dívida aumenta 16% e os 
 encargos financeiros da dívida pública aumentam 8,1%».
 
  
 c) Falta de base legal prévia na determinação do montante a transferir em 2007 
 para a Região Autónoma da Madeira
 
  
 No que respeita a este último fundamento do pedido de declaração de ilegalidade, 
 o cerne da questão é o facto de «ter sido erroneamente determinado o montante da 
 verba a transferir para a Região Autónoma da Madeira por aplicação da Lei das 
 Finanças das Regiões Autónomas então vigente».
 Invoca o requerente que «a Lei das Finanças das Regiões Autónomas na altura em 
 vigor – a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro – determinava como método de cálculo 
 da verba a transferir do estado para as Regiões Autónomas o constante do seu 
 art. 30.º, n.º 2. […] Simplesmente, não foi esse o método seguido, mas um 
 qualquer outro método sem qualquer respaldo em lei que no momento se aplicasse». 
 
 
 Esse método não poderia, designadamente, corresponder àquele que veio a ser 
 posteriormente acolhido pela nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas, 
 entretanto aprovada, uma vez que a norma em apreço, como todo o Orçamento do 
 Estado para 2007, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2007, enquanto que a Lei 
 Orgânica n.º 1/2007, que aprovou a nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas, 
 apenas foi publicada em 19 de Fevereiro de 2007, pelo que a sua aplicação ao 
 caso constituiria uma retroactividade inadmissível e violaria o princípio da 
 tutela da confiança, «aplicável aos indivíduos como às instituições, constante 
 do artigo 2.º da Constituição Portuguesa».
 
  
 
 3. Resposta do autor da norma
 
  
 Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei 
 do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República apresentou 
 uma defesa do exercício das suas competências, rejeitando a alegação de ter sido 
 violado o direito constitucional e legal de audição das Regiões Autónomas. No 
 que respeita a todos os outros fundamentos de inconstitucionalidade e 
 ilegalidade invocados pelo requerente, deu por reproduzido o parecer da Comissão 
 de Orçamento e Finanças relativo à Proposta de Lei n.º 99/X, o qual considerara 
 que essa Proposta «preenche as condições para subir a Plenário da Assembleia da 
 República para apreciação na generalidade».
 Como prova da observância do direito de audição das Regiões Autónomas, o 
 Presidente da Assembleia da República forneceu a datação precisa dos passos mais 
 relevantes do procedimento legislativo conducente à aprovação da Lei do 
 Orçamento do Estado de 2007.
 Desse circunstanciado relato, há a destacar, no que à Região Autónoma da Madeira 
 interessa, que a Proposta de Lei n.º 99/X foi enviada, por via electrónica, ao 
 Presidente da Assembleia Legislativa Regional dessa Região Autónoma, em 8 de 
 Novembro de 2006. Essa Proposta foi votada, na generalidade, no dia seguinte, 
 tendo a discussão na especialidade, pelo Plenário da Assembleia da República, 
 decorrido nos dias 29 e 30 de Novembro de 2006. Neste último dia, após o 
 encerramento da discussão na especialidade, processou-se a votação, também na 
 especialidade, pelo Plenário, tendo a votação final global ocorrido na mesma 
 data.
 
             Em face destes dados, entende o Presidente da Assembleia da 
 República que não é correcto considerar extemporâneo o pedido de parecer, como 
 fez a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, alegando que este 
 
 «não aproveitaria à Assembleia da República em nenhum efeito».
 Citando jurisprudência da Comissão Constitucional e do Tribunal Constitucional, 
 afirma que o direito de audição incide sobre normas específicas da Proposta, e 
 não sobre a globalidade do diploma, pelo que a audição pode ser desencadeada 
 antes do início da discussão na especialidade.
 Conclui que «o Presidente da Assembleia da República não violou qualquer direito 
 de audição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira que, 
 querendo, poderia ter enviado o seu parecer sobre a Lei do Orçamento do Estado 
 no prazo de 15 dias, prazo que decorre do artigo 6º da Lei nº 40/96, de 31 de 
 Agosto, uma vez que o seu contributo, conforme se provou, ainda viria em tempo 
 para poder ser analisado no debate na especialidade que decorreu vinte e um dias 
 após o pedido de consulta».
 
  
 
 4. Memorando
 
  
 Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal 
 Constitucional, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação 
 do Tribunal, cumpre agora decidir em harmonia com o que então se estabeleceu.
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
             5. Questão prévia quanto à legitimidade do requerente
 
  
 Nos termos do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP, os 
 presidentes das Assembleias Legislativas das regiões autónomas podem requerer ao 
 Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas, com 
 força obrigatória geral, quando o pedido “se fundar em violação dos direitos das 
 regiões autónomas”.
 Este pressuposto está realizado, no caso vertente, pelo que, no que se refere às 
 duas questões de constitucionalidade suscitadas, não se suscitam dúvidas quanto 
 
 à legitimidade do requerente.
 No que toca à declaração de ilegalidade, aquela norma restringe a legitimidade 
 para a requerer das entidades nela mencionadas, entre as quais os presidentes 
 das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, a pedidos que se fundem “em 
 violação dos respectivos estatutos”.
 Há que indagar, pois, se as normas invocadas como fundamento da ilegalidade da 
 norma contida no artigo 126.º da Lei n.º 53-A/2006 possuem natureza estatutária.
 Quanto à regra do não retrocesso financeiro, é patente que ela se inscreve no 
 EPA-‑RAM estando contida no seu artigo 118.º De um ponto de vista formal, não 
 pode, pois, negar-se que esta norma é susceptível da qualificação habilitante do 
 requerimento de declaração de ilegalidade apresentado.
 Já o mesmo se não diga do disposto no artigo 88.º, n.º 2, da Lei de 
 enquadramento orçamental. Ainda que este diploma seja uma lei de valor 
 reforçado, com valência paramétrica da legalidade das normas constantes das Leis 
 anuais do Orçamento (artigo 106.º, n.º 1, da CRP), a verdade é que ele não cai 
 dentro da esfera de legitimidade restringida, quanto a iniciativas de 
 fiscalização abstracta da legalidade, consagrada na alínea g) do n.º 2 do artigo 
 
 281.º da CRP.
 
  Encontra-se subtraída à legitimidade dos órgãos enumerados nesta alínea 
 qualquer pedido de declaração de ilegalidade que não apresente o fundamento aí 
 mencionado. É manifesto que tal é o caso presente.
 Idêntico juízo merece o último dos fundamentos de ilegalidade invocados, 
 concernente à falta de base legal prévia na determinação do montante a 
 transferir em 2007 para a Região Autónoma da Madeira.
 Das considerações do requerente, no que ao vício de ilegalidade estritamente diz 
 respeito, pode deduzir-se que, na sua óptica, esse vício resulta de um facto 
 negativo: a não aplicação do critério consagrado na Lei n.º 13/98, de 24 de 
 Fevereiro – a Lei de Finanças das Regiões Autónomas vigente à data da aprovação 
 da Lei do Orçamento do Estado para 2007.
 Cingindo-nos, pois, à apreciação da ilegalidade decorrente da aplicação de «um 
 qualquer outro método» de transferência financeira que não o consagrado na Lei 
 de Finanças Regionais de 1998, é também de primeira evidência que a respectiva 
 declaração não poderia ser requerida pelo Presidente da Assembleia Legislativa 
 da Região Autónoma da Madeira, pela razão simples de que aquela Lei não integra 
 o estatuto desta região.
 
 É de concluir, em face do que fica dito, que, por falta de legitimidade do 
 requerente, este Tribunal não pode conhecer do pedido de declaração de 
 ilegalidade, na parte em ele se funda na violação do artigo 88.º, n.º 2, da Lei 
 de enquadramento orçamental, e na falta de base legal prévia na determinação do 
 montante a transferir em 2007 para a Região Autónoma da Madeira. 
 
  
 
 6. Da alegada inconstitucionalidade por violação do direito, constitucional e 
 legal, de audição das Regiões Autónomas
 
  
 Nos termos do artigo 229.º, n.º 2, da CRP, «os órgãos de soberania ouvirão 
 sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões 
 autónomas, os órgãos de governo regional».
 No plano infraconstitucional, o mesmo direito é consagrado na Lei n.º 40/96, de 
 
 31 de Agosto, cujo artigo 2.º, n.º 1, reza assim:
 
 «A Assembleia da República e o Governo ouvem os órgãos de governo próprio das 
 Regiões Autónomas sempre que exerçam poder legislativo ou regulamentar em 
 matérias da respectiva competência que às Regiões digam respeito». 
 O artigo 89.º, n.º 1, do EPA-RAM praticamente reproduz este preceito.
 Mas, embora o requerente filie o seu direito em todas estas disposições, é 
 evidente que, sendo alegado um vício de inconstitucionalidade, apenas a norma 
 constitucional pode servir de parâmetro de aferição.
 E, em face do teor do artigo 229.º, n.º 2, da CRP, nenhuma dúvida se pode 
 suscitar de que, quanto à norma sobre que especificamente incide o pedido de 
 declaração de inconstitucionalidade – o artigo 126.º da Lei do Orçamento do 
 Estado – estão preenchidos os pressupostos aplicativos do referido preceito 
 constitucional. A Lei do Orçamento do Estado é da competência da Assembleia da 
 República (artigo 161.º, alínea g), da CRP) e a norma em questão estabelece o 
 montante das transferências financeiras entre o Estado e as regiões autónomas da 
 Madeira e dos Açores. Trata-se, pois, indiscutivelmente, de uma disposição que 
 se situa no núcleo central da previsão constitucional do dever de audição.
 Mas, no caso vertente, o que se questiona não é a omissão de cumprimento desse 
 dever, pois o órgão legiferante tomou a iniciativa de ouvir os órgãos regionais. 
 O que o requerente argui é que o momento em que o fez inutilizou por completo a 
 eficácia prática do parecer a emitir sobre a matéria.
 Em seu entender, a Assembleia da República deveria «ter esperado pela emissão 
 daquele parecer antes de começar a tomar decisões sobre a configuração 
 definitiva da Lei do Orçamento do Estado para 2007». Como não foi isso que se 
 passou, uma vez que a Proposta foi enviada já em fase de aprovação, aquele órgão 
 de soberania «infringiu por completo o núcleo essencial deste direito de 
 audição».
 Para se avaliar se esta arguição procede, recordemos os factos e as datas da sua 
 verificação, correlacionando-as com o faseamento do processo legislativo 
 parlamentar.
 De acordo com o Regimento da Assembleia da República (aprovado pela Resolução da 
 Assembleia da República n.º 4/93, de 2 de Março, com as alterações posteriores, 
 então em vigor), este processo atravessa três fases. Começa com a discussão e 
 aprovação na generalidade (n.º 1 do artigo 158.º), a que se segue a discussão e 
 votação na especialidade, em comissão (artigo 159.º), salvo avocação pelo 
 Plenário (artigo 164.º), finalizando com a votação final global (artigo 165.º).
 Apurou-se que a discussão na generalidade da Proposta de Lei n.º 99/X se iniciou 
 no dia 7 de Novembro de 2006, prolongando-se pelos dois dias seguintes. A 
 votação na generalidade teve lugar no último desses dias, a 9 de Novembro. Na 
 sequência da aprovação na generalidade, baixou à Comissão de Orçamento e 
 Finanças, para discussão e votação na especialidade. 
 A Proposta de Lei foi enviada ao Presidente da Assembleia Legislativa da Região 
 Autónoma da Madeira em 8 de Novembro de 2006. Tendo seguido por via electrónica, 
 
 é de presumir que foi recebida nesse mesmo dia.
 O Relatório da discussão e votação na especialidade foi publicado no Diário da 
 República de 29 de Novembro de 2006. Nos dias 29 e 30 desse mês decorreu a 
 discussão na especialidade, pelo Plenário da Assembleia da República. Após o 
 encerramento da discussão, foi também no dia 30 de Novembro que teve lugar a 
 votação na especialidade e a votação global final, pelo Plenário.
 Retira-se destes dados que a consulta à Assembleia Legislativa da Região 
 Autónoma da Madeira ocorreu quando já estava em curso a discussão na 
 generalidade, um dia antes da respectiva votação, mas 21 dias antes do início do 
 debate que antecedeu a votação final global.
 
 É o momento da consulta e o prazo disponível para o órgão regional se pronunciar 
 que levam a questionar a observância do dever de audição da Assembleia 
 Legislativa Regional. 
 Para aferirmos se o procedimento adoptado corresponde ao cumprimento perfeito 
 daquele dever, há que atentar se ele preservou ou não o sentido útil da 
 imposição constitucional. O que, naturalmente, só acontecerá, como se afirma no 
 Acórdão n.º 670/99, «se puder considerar-se alcançado o objectivo com que a 
 Constituição consagra tal dever. Ou dito de outra forma, se a Região Autónoma, 
 através dos órgãos competentes, tiver disposto do tempo necessário para se 
 pronunciar cabalmente sobre as questões que lhe respeitam e se o parecer que 
 eventualmente houvesse sido emitido ainda poderia ser considerado na sua 
 aprovação final, por ser conhecido na Assembleia da República em tempo útil».
 Idêntica orientação se pode colher no Acórdão n.º 130/2006: «Entende o Tribunal 
 que – sob pena de se esvaziar o direito de audição, convertendo a 
 obrigatoriedade de audição numa formalidade sem sentido útil – a oportunidade da 
 pronúncia do titular do direito deve situar-se numa fase do procedimento 
 legislativo adequada à ponderação, pelo órgão legiferante, do parecer que aquele 
 venha a emitir, com a possibilidade da sua directa incidência nas opções da 
 legislação projectada».
 Determinante para o resultado da aplicação deste critério, nos casos como o sub 
 iudice, é a prévia definição do objecto e extensão do dever de audição. De 
 facto, se for de entender que esse dever incide sobre todas as normas do 
 Orçamento do Estado, na sua globalidade, para apreciação dos seus “princípios e 
 sistema”, forçoso é concluir liminarmente que ele foi desrespeitado: sendo essa 
 matéria objecto do debate e votação na generalidade, é manifesto que à 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira não terá sido dada 
 oportunidade de sobre ela se pronunciar, em tempo útil.
 Já o mesmo se não dirá (ou não se dirá de forma imediata) na hipótese inversa, 
 de o dever de audição abranger apenas as normas do Orçamento do Estado 
 respeitantes à Região Autónoma, pois então ganha sentido a tese de que a fase 
 relevante do processo legislativo é a da discussão e votação na especialidade. 
 Não é a primeira vez que se apresenta neste Tribunal a questão do objecto do 
 dever de audição dos órgãos regionais, quando está em causa o Orçamento do 
 Estado. E firmou-se como jurisprudência constante, que aqui se reafirma, a de 
 que o direito de audição não tem por objecto o Orçamento do Estado, na sua 
 totalidade, abrangendo tão-somente, dos seus preceitos, aqueles que lhes digam 
 especificamente respeito. 
 
  Como se afirma no já citado Acórdão n.º 670/99:
 
 «Seguro é que a Lei do Orçamento do Estado, globalmente considerada, não é, 
 manifestamente, uma “questão” respeitante às Regiões Autónomas, ou, em especial, 
 
 à Região Autónoma da Madeira. Melhor dizendo, nem todas as suas normas se podem 
 considerar respeitantes às Regiões Autónomas, no sentido relevante». A razão 
 deste entendimento pode buscar-se no Parecer n.º 26/78 da Comissão 
 Constitucional, aí se podendo ler que está em causa «uma lei que, pela sua 
 natureza e pelo seu objecto, se destina a todo o País, sem excepção de regiões 
 ou parcelas».
 Justifica-se, assim, plenamente, no caso da presente lei do orçamento, a 
 distinção entre a globalidade da proposta e as normas especificamente 
 respeitantes às regiões autónomas, limitando às segundas o dever de audição das 
 regiões autónomas.
 O que, por sua vez, leva a que se conclua que o simples facto de já se ter 
 iniciado o debate na generalidade, quando a comunicação para audição foi 
 emitida, não acarreta, contrariamente ao alegado, qualquer desrespeito daquela 
 exigência constitucional. É verdade que, nesse momento, se encontram já “a 
 consumar-se votações irreversíveis” – as concernentes aos princípios gerais 
 informadores das opções do orçamento −, como se alega no pedido do Presidente da 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Simplesmente, essas 
 votações decidem matéria que não é respeitante às regiões autónomas, no sentido 
 relevante para a aplicação do artigo 229.º, n.º 1, da CRP.
 O momento em função do qual se há-de ajuizar se ao órgão regional foi dada 
 oportunidade efectiva de se pronunciar em tempo útil é outro: é o início do 
 debate na especialidade, no âmbito do qual serão discutidas as normas sobre que 
 incide o dever de audição, só então podendo ser considerada a pronúncia sobre 
 elas eventualmente emitida pelo órgão consultado. Nesse momento, as questões 
 sobre as quais os órgãos regionais têm o direito de ser ouvidos – o conteúdo das 
 normas que especificamente respeitam às regiões autónomas – ainda estão em 
 aberto, pelo que a decisão definitiva pode ser influenciada pelo parecer 
 formulado pelos órgãos regionais.
 Desta forma se dá cumprimento ao que o Acórdão n.º 130/2006 justificadamente 
 considera exigível:
 
 «O cabal exercício do direito de audição pressupõe, assim, que, além de um prazo 
 razoável para o efeito, ele se exerça (ou possa exercer) num momento tal que a 
 sua finalidade (participação e influência na decisão legislativa) se possa 
 atingir, tendo sempre em conta o objecto possível da pronúncia.»
 O que importa, como condição infringível da compatibilidade constitucional dos 
 termos em que foi dado cumprimento ao dever de audição, é que a consulta se faça 
 com a antecedência suficiente sobre aquela data, por forma a propiciar ao órgão 
 regional o tempo necessário para um estudo e ponderação das implicações, para os 
 interesses regionais, dos preceitos em causa.
 
 É este último ponto que cumpre agora apreciar.
 A questão gira em torno de saber sobre o que deve entender-se, para este efeito, 
 como um prazo razoável, padrão normativo a que o Tribunal tem lançado mão, nesta 
 matéria, desde o Acórdão n.º 403/89.
 
 É sempre espinhosa a tarefa de concretização e quantificação precisa de um 
 critério normativo indeterminado, de base teleológica.
 A Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto, ao regular o direito de «audição dos órgãos de 
 governo próprio das Regiões Autónomas», não hesitou em lançar mãos a essa 
 tarefa. Fê-lo no seu artigo 6.º, neste termos:
 
 «Os pareceres devem ser emitidos no prazo de 15 ou 10 dias, consoante a emissão 
 do parecer seja da competência respectivamente da assembleia legislativa 
 regional ou do governo regional, sem prejuízo do disposto nos estatutos 
 político-administrativos das Regiões Autónomas ou de prazo mais dilatado 
 previsto no pedido de audição ou mais reduzido, em caso de urgência.»
 Como não faz sentido que o legislador submeta os órgãos regionais a um ónus de 
 cumprimento impossível, ou gravosamente pesado, é manifesto que, no seu 
 entender, aqueles prazos são suficientes para o exercício cabal do direito de 
 audição. Mas, muito embora se trate de uma concretização qualificada, ela não 
 tem o valor firme de um parâmetro de constitucionalidade, como oportunamente 
 adverte o Acórdão n.º 529/2001. De todo o modo, o que não pode negar-se é que 
 aqueles prazos têm um forte valor indicativo de compatibilidade constitucional, 
 pois, pelo menos na generalidade das situações, eles propiciam um lapso de tempo 
 objectivamente apropriado à participação efectiva – e não meramente formal – dos 
 
 órgãos regionais no processo legislativo. Em condições de normalidade, e tendo 
 sempre em conta o objecto da pronúncia, esses prazos permitem alcançar a 
 finalidade que levou à consagração constitucional do dever de audição – o ponto 
 de vista valorativo verdadeiramente decisivo para ajuizar do cumprimento desse 
 dever.
 Ora, no caso vertente, verifica-se que a Proposta de Lei n.º 99/X foi enviada à 
 Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em 8 de Novembro de 2006, 
 tendo-se dado início ao debate e votação na especialidade no dia 29 do mesmo 
 mês. Aquele órgão dispôs, pois, de 21 dias para se pronunciar. Tendo presente o 
 
 âmbito circunscrito da audição, é de entender que a Assembleia da República 
 respeitou integralmente o dever consagrado no artigo 229.º, n.º 1, da 
 Constituição da República.
 
  
 
 7. Da alegada inconstitucionalidade por violação do dever de solidariedade do 
 Estado para com as regiões autónomas 
 
  
 
 É também invocada, para fundar a inconstitucionalidade do artigo 126.º da Lei do 
 Orçamento do Estado, a violação do dever de solidariedade do Estado para com as 
 regiões autónomas.
 O simples modo de formulação deste fundamento de inconstitucionalidade enfatiza 
 a subjectivação da solidariedade, entendida isoladamente como fonte de uma 
 relação entre o Estado e as regiões autónomas, no quadro da qual o primeiro 
 assume uma posição debitória, uma vinculação a prestações financeiras, em 
 benefício das segundas. 
 Ora, as referências da nossa Lei Básica a essa ideia regulativa perspectivam-na, 
 mais amplamente, como um princípio norteador da acção do Estado, tendo em conta 
 o todo nacional e o conjunto das populações que o integram. No campo valorativo 
 dessa ideia, e na realização dos objectivos programáticos que dela se inferem, 
 projecta-se seguramente uma intenção normativa de equilibrada ponderação e 
 satisfação, no âmbito de todo o território nacional, das aspirações de bem-estar 
 de todos os portugueses. 
 A solidariedade como factor integrativo da comunidade nacional é uma concepção 
 que transparece claramente dos próprios enunciados normativos presentes no 
 quadrante da autonomia regional. É assim que a cooperação dos órgãos de 
 soberania e dos órgãos regionais, «visando, em especial, a correcção das 
 desigualdades derivadas da insularidade» (artigo 229.º, n.º 1), se inscreve nas 
 finalidades genéricas do reconhecimento da autonomia das regiões, como 
 instrumento do «reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre 
 todos os portugueses» (artigo 225.º, n.º 2). Em consonância, a participação das 
 regiões nas receitas tributária do Estado deve ser estabelecida «de acordo com 
 um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional» (alínea j) do n.º 1 
 do artigo 227.º). 
 No Acórdão n.º 11/2007, cujo entendimento aqui se retoma, assinala-se que «o 
 princípio, dito da solidariedade nacional, não pode ser perspectivado por forma 
 a dele se extrair uma só direccionalidade, qual seja a da solidariedade 
 representar unicamente a imposição de obrigações do Estado para com as Regiões 
 Autónomas, pois que, sendo uma das tarefas fundamentais do Estado a de promover 
 o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, 
 inter alia, o carácter ultraperiférico dos Açores e da Madeira (cfr. alínea g) 
 do artigo 9.º da Constituição), visando a autonomia das Regiões, a par da 
 participação democrática dos cidadãos, do desenvolvimento económico-social e da 
 promoção e defesa dos interesses regionais, o reforço da unidade nacional e dos 
 laços de solidariedade de todos os portugueses (n.º 2 do artigo 225.º), torna-se 
 inequívoco que, neste ponto, não poderão deixar de ser ponderados também os 
 interesses das populações do território nacional no seu todo, consequentemente 
 aqui se incluindo as próprias populações do território “historicamente definido 
 no continente europeu”».
 A ideia de solidariedade coenvolve a de reciprocidade, sob pena de se negar a si 
 própria. Não pode ser de sentido único, pelo que qualquer pretensão específica 
 de apoio, em correcção de assimetrias e desigualdades, deve sempre dispor-se à 
 permanente consideração de pretensões e necessidades concorrentes de outros 
 sectores da comunidade nacional.
 Como «indicador de sentido e de medida» dos programas de acção estadual, na sua 
 dimensão objectiva de parâmetro constitucional de decisões políticas, o 
 princípio solidarístico impõe a ponderação mutuamente reflexiva e a gradação de 
 interesses, nacionais e regionais, contrastantes. Só assim o Estado cumpre 
 adequadamente a tarefa fundamental que lhe cabe de promoção da «igualdade real 
 entre os portugueses» (alínea d) do artigo 9.º da CRP) e do «desenvolvimento 
 harmonioso de todo o território nacional» (alínea g) do mesmo artigo).
 O que não obsta, antes impõe, (a)o atendimento das particularidades das regiões 
 autónomas, decorrentes da insularidade e da localização ultraperiférica, em 
 obediência a comandos constitucionais explicitados na 2.ª parte da alínea g) do 
 artigo 9.º e no artigo 229.º, n.º 1.
 Mas, mesmo as decisões que se fundam nesta específica dimensão parcelar e 
 territorialmente situada do princípio da solidariedade não podem ser tomadas com 
 abstracção de outros objectivos constitucionalmente legitimados. Ainda que a 
 situação justificativa de medidas de apoio específicas, por assentar em factores 
 de ordem geográfica, seja dotada de permanência, a manifestação concreta da 
 solidariedade para com as regiões autónomas, em cada momento histórico, não pode 
 ser imune às variáveis conjunturais e às exigências que delas decorrem, no 
 contexto do todo nacional.
 Não se infere, designadamente, do princípio da solidariedade, em qualquer das 
 suas projecções, uma imperatividade, de cunho apriorístico, de deveres 
 prestacionais com um conteúdo mínimo rigidamente prefixado. Há que respeitar as 
 competências políticas próprias da Assembleia da República, a quem cabe, em 
 matéria orçamental, ajuizar anualmente da melhor distribuição de meios 
 financeiros escassos. E nisso vai reconhecida uma larga margem de liberdade de 
 conformação legislativa, de acordo com o princípio democrático.
 Sem esquecer as causas estruturais específicas de carências que afectam as 
 populações das regiões autónomas, é à escala global de toda a comunidade 
 nacional que devem ser apreciados e comparativamente correlacionados os níveis 
 de necessidades e a disponibilidade de recursos para as satisfazer.
 Daí que transferências financeiras passadas não forneçam uma medida 
 jurídico-‑constitucionalmente vinculativa de um montante mínimo de 
 transferências futuras, em termos de ficar vedada qualquer redução, em 
 detrimento de uma região. Para além das flutuações económico-financeiras gerais 
 e da prossecução dos objectivos de política nacional neste campo traçados, há 
 que valorar actualizadamente a evolução económica e social de cada região, para 
 definir a justa medida, em cada exercício orçamental, da actuação do princípio 
 de solidariedade.
 Não basta, pois, invocar a redução de verbas transferidas para a Região Autónoma 
 da Madeira, ainda quando acompanhada de uma alteração de sentido inverso, no que 
 se refere à Região Autónoma dos Açores, para fundar a violação daquele 
 princípio. Independentemente do juízo que, em termos de apreciação política, 
 essa opção mereça, do estrito ponto de vista da conformidade constitucional só 
 uma redução manifestamente irrazoável e arbitrariamente desproporcionada se 
 mostraria incompatível com os parâmetros que decorrem da Lei Fundamental.
 Entende o Tribunal que esse limiar não foi ultrapassado, pelo que não deve ser 
 julgado inconstitucional, com este fundamento, o artigo 126.º da Lei do 
 Orçamento de Estado de 2007. 
 
  
 
 8. Da alegada ilegalidade por violação da regra do não retrocesso financeiro 
 consagrada no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, 
 aprovado pela Lei nº 130/99, de 21 de Agosto
 
  
 A cláusula de não retrocesso consta da norma contida no n.º 2 do artigo 118.º 
 
 (transferências orçamentais) do EPA-RAM, a qual é do seguinte teor:
 
 «Em caso algum, as verbas a transferir pelo Estado podem ser inferiores ao 
 montante transferido pelo Orçamento do ano anterior multiplicado pela taxa de 
 crescimento da despesa pública corrente no Orçamento do ano respectivo.»
 Vem arguido que a Lei do Orçamento do Estado, ao determinar um montante de 
 transferência financeira, para 2007, inferior ao do ano anterior, viola aquela 
 norma estatutária, norma de legalidade reforçada, que não pode ser desvirtuada 
 por uma lei comum, como o é a lei orçamental.
 Em abono desta tese, desenvolvem-se considerações tendentes a demonstrar a 
 prevalência hierárquica de cada Estatuto Político-Administrativo das Regiões 
 Autónomas sobre a Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei Orgânica n.º 
 
 1/2007, de 19 de Fevereiro) e sobre a Lei de enquadramento orçamental (Lei n.º 
 
 91/2001, de 20 de Agosto). 
 Importa reconhecer, na verdade, que uma definição rigorosa da natureza e âmbito 
 normativo dos Estatutos das Regiões Autónomas é determinante do juízo a emitir 
 sobre o facto de o n.º 2 do artigo 118.º do EPA-RAM não ter sido obedecido. 
 A Constituição não nos indica, pela positiva, quais as matérias que devem 
 constituir objecto de reserva de lei estatutária. Mas daí não pode concluir-se 
 que ganham necessariamente essa qualidade, à margem de qualquer predicado 
 material objectivo do seu conteúdo, todas as normas que constam dos Estatutos, 
 por simples decorrência dessa formal localização sistemática. 
 Essa conclusão já foi rejeitada, com toda a clareza, pelo Acórdão n.º 162/99, em 
 doutrina plenamente acolhida e desenvolvida pelo Acórdão n.º 567/2004.
 Pode ler-se neste último aresto:
 
 «Todavia, o âmbito dessa reserva de estatuto não se determina em função do 
 conteúdo concreto de um estatuto vigente; não ocorre violação da “reserva de 
 estatuto” sempre que uma norma o contrarie. Escreveu-se no mesmo Acórdão n.º 
 
 162/99:
 
 “Não basta, pois, que uma determinada norma conste de um estatuto regional para 
 que a sua alteração por um decreto-lei importe violação da reserva de estatuto 
 
 […] Essa violação só existirá se essa norma constante do estatuto pertencer ao 
 
 âmbito material estatutário – ou seja: se ela regular questão materialmente 
 estatutária.”
 Ora, fora da reserva de estatuto está necessariamente “o regime de finanças das 
 regiões autónomas” – alínea t) do artigo 164.º da Constituição – e nomeadamente 
 a matéria das “relações financeiras entre a República e as regiões autónomas” – 
 n.º 3 do artigo 229.º da Constituição –, que é matéria reservada à competência 
 legislativa da Assembleia da República.»
 Compete a este órgão de soberania definir, em cada ano, na Lei do Orçamento do 
 Estado, o montante a transferir para os Açores e para a Madeira. Por isso mesmo, 
 no artigo 106.º, n.º 3, alínea e), da CRP, se determina que a proposta de 
 Orçamento seja acompanhada de relatórios sobre «as transferências de verbas para 
 as regiões autónomas».
 Não pode, pois, uma regra formalmente integrada nos Estatutos impor um limite 
 aos poderes parlamentares de fixação do montante das verbas a transferir, 
 restringindo a competência da Assembleia da República para efectuar os 
 ajustamentos anuais que entenda justificados.
 A tese contrária implicaria uma constrição da competência parlamentar na 
 regulação das relações financeiras entre o Estado central e as regiões autónomas 
 que não estaria constitucionalmente sufragada.
 Por isso mesmo, é seguro concluir que, seja qual for o significado a atribuir 
 aos termos literais da proibição peremptória de retrocesso, cominada no n.º 2 do 
 artigo 118.º do EPA-RAM, esta norma não pode prevalecer-se de um estatuto que 
 não possui – o de integrante da reserva material de estatuto – para suplantar o 
 regime instituído por uma Lei do Orçamento do Estado.
 Daí que o facto de o comando contido naquela norma não ter sido observado não 
 representa uma violação estatutária, inexistindo a ilegalidade que daí 
 decorreria.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a)                          Não conhecer, por falta de legitimidade do 
 requerente, do pedido de declaração de ilegalidade do artigo 126.º da Lei n.º 
 
 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007), na parte em ele se 
 funda na violação do artigo 88.º, n.º 2, da Lei de enquadramento orçamental, e 
 na falta de base legal prévia na determinação do montante a transferir em 2007 
 para a Região Autónoma da Madeira; 
 b)                          Não declarar a inconstitucionalidade nem a 
 ilegalidade da norma contida no artigo 126.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de 
 Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).
 
  
 Lisboa, 21 de Novembro de 2007
 Joaquim Sousa Ribeiro
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Benjamim Rodrigues
 João Cura Mariano
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Ana Maria Guerra Martins
 Vítor Gomes (com declaração anexa)
 Carlos Pamplona de Oliveira (com declaração)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
             Apesar de acompanhar o acórdão quanto à conclusão de que a norma em 
 apreciação não enferma de ilegalidade por violação da regra consagrada no n.º 2 
 do artigo 118.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da 
 Madeira, não perfilho inteiramente a fundamentação contida no n.º 8 do acórdão 
 para recusar ao parâmetro invocado a força jurídica específica das normas 
 estatutárias. E, no caso presente, nem é apenas pelas reservas que, noutra 
 ocasião, já sumariamente expus ao entendimento do Tribunal que, de um modo geral 
 e sem distinção, nega consequências invalidantes à inclusão em lei de valor 
 reforçado pelo procedimento de normas que constitucionalmente não devam ser 
 sujeitas a tal procedimento ou forma externa (cfr. declaração de voto aposta ao 
 acórdão n.º 428/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de 
 Setembro; desenvolvidamente, carlos blanco de morais, As Leis Reforçadas – As 
 leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das 
 relações ente actos legislativos, pág. 914 e segs.) e que valem de modo 
 especialmente intenso relativamente aos Estatutos das regiões autónomas, face ao 
 seu especial valor paramétrico. Com efeito, essa inclusão traduz-se na 
 preterição frontal da forma legislativa constitucionalmente prescrita para 
 regular a matéria. A regra de não retrocesso contida no n.º 2 do artigo 118.º do 
 Estatuto respeita às “relações financeiras entre a República e as regiões 
 autónomas ” que o n.º 3 do artigo 229.º expressamente reserva para a lei a que 
 se refere a alínea t) do nº 1 do artigo 164.º da Constituição, como o acórdão 
 salienta. Com a sujeição expressa da regulação da matéria a este acto 
 legislativo, que aliás reveste a forma de lei orgânica (n.º 2 do artigo 166.º), 
 a Constituição pretendeu subtrair as relações financeiras entre o Estado e as 
 regiões autónomas à rigidificação inerente à sua inserção nos estatutos 
 político‑administrativos, evitando a restrição aos poderes da Assembleia da 
 República que adviria da sua atracção para o âmbito dos estatutos (cfr. n.º 4 do 
 artigo 226.º). Deste modo, parece-me que, em vez de a considerar meramente 
 irrelevante o Tribunal deveria ter recusado ex officio aplicação à norma 
 estatutária por violação do n.º 3 do artigo 229.º da Constituição – desvio de 
 forma –, por essa via improcedendo a arguição de ilegalidade da norma orçamental 
 submetido à apreciação quanto ao fundamento de violação da referida regra da 
 proibição do retrocesso financeiro.
 
   Vítor Gomes
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Acompanho a decisão tomada pelo Tribunal e, genericamente, a sua fundamentação. 
 Todavia, quanto ao Ponto 8. do Acórdão, divirjo do entendimento de que é 
 possível ultrapassar a norma contida no n.º 2 do artigo 118º do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira por via da simples 
 desqualificação da sua natureza de norma estatutária, mas sem a confrontar 
 directamente com o n.º 3 do artigo 229º da Constituição. O certo, porém, é que a 
 referida norma estatutária se mostra abertamente desconforme com este preceito 
 constitucional, o que implicaria, a meu ver, um juízo de inconstitucionalidade, 
 formulado a título incidental, que melhor habilitaria o Tribunal a desconsiderar 
 a norma e, por esta via, a solucionar o problema.
 Quanto à definição do objecto do dever de audição das regiões, entendo que a 
 jurisprudência do Tribunal anterior à revisão constitucional de 2004 deve ser 
 lida à luz do novo figurino de competências legislativas das regiões; com 
 efeito, não me parece possível continuar a defender que o citado dever se 
 reporta apenas aos preceitos que digam 'especificamente' respeito à regiões. A 
 redacção conferida ao artigo 228º da Constituição pela 6ª revisão constitucional 
 impõe um entendimento mais amplo desse dever; o de que 'as questões respeitantes 
 
 às regiões autónomas' – como diz o n.º 3 do artigo 229º –, também abrangem as 
 matérias que os Estatutos regionais incluem na competência legislativa de cada 
 uma das regiões. Deste modo, afigura-se-me que, para solucionar este tipo de 
 problema, não é mais possível adoptar um critério fundado apenas na incidência 
 especifica da norma, sem ter em atenção a matéria que regula e a verificação de 
 que ela se inclui, ou não, na competência legislativa regional. 
 Finalmente, quanto ao dever de solidariedade do Estado para com as regiões: a 
 Constituição impõe um dever especial de cooperação, visando 'a correcção das 
 desigualdades derivadas da insularidade' (artigo 229º n.º 1). Este comando 
 permite compreender, na sua justa dimensão, o dever de solidariedade nacional 
 que, no que concerne às regiões autónomas, se explicita no artigo 225º n.º 2 da 
 Constituição. Sendo certo que, como se afirma no Acórdão, a solidariedade é um 
 
 'factor integrativo da comunidade nacional', já não será, no caso, tão certo que 
 
 'a ideia de solidariedade coenvolve a de reciprocidade', pois estamos perante 
 uma realidade em que, reconhecidamente, as partes não são iguais, uma vez que a 
 insularidade constitui, por si só, um factor de debilidade.
 
             
 Carlos Pamplona de Oliveira