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Processo n.º 627/04
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
   
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
   
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que 
 são recorrentes a A., S. A. e a Região Autónoma dos Açores e recorrida a 
 Comissão de Trabalhadores da A., S. A., foi interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Abril de 2004. 
 Este Tribunal recusou a aplicação do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, e 
 dos estatutos da A., anexos ao Decreto-Lei nº 276/00, de 10 de Novembro, na 
 parte em que revogam, expressa (Decreto-Lei nº 558/99) e tacitamente (estatutos) 
 os normativos do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril e dos anteriores 
 estatutos, que consagravam a participação de representantes dos trabalhadores 
 nos órgãos sociais da A., por enfermarem de inconstitucionalidade por acção, na 
 medida em que infringem os artigos 89º e 54º, nº 5, alínea f), da Constituição 
 da República Portuguesa.
 
  
 
 2. A Comissão de Trabalhadores da A., S. A. propôs, no Tribunal Judicial de 
 Ponta Delgada, acção contra a A. e a Região Autónoma dos Açores, pedindo, 
 nomeadamente, que fosse reconhecido aos trabalhadores da A. o direito de terem 
 um representante nos órgãos sociais da empresa (Conselho de Administração e 
 Conselho Fiscal). Proferido saneador-sentença, que julgou a acção procedente, as 
 ora recorrentes apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a 
 decisão recorrida.
 Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, esta instância decidiu 
 conceder parcialmente a revista, condenando as rés a reconhecerem o direito dos 
 trabalhadores a terem um seu representante no Conselho de Administração da A., 
 considerando que ficaram provados pelas outras instâncias os seguintes factos:
 
  
 
 “1º. A autora é o órgão representativo dos trabalhadores da A. e desde 1989 
 promoveu sucessivamente à eleição de representantes dos trabalhadores para o 
 Conselho de Administração, designando também um representante para o Conselho 
 Fiscal.
 
 2°. Assim, em 17 de Agosto de 2000, foi eleito pelos trabalhadores um 
 representante dos trabalhadores para o Conselho de Administração da A., o qual 
 foi empossado pelo Senhor Secretário Regional da Economia em 10 de Outubro de 
 
 2000.
 
 3°. E passou a exercer funções até ao passado dia 9 de Dezembro; nesta data, 
 reuniu a Assembleia Geral da sociedade, tendo aí sido deliberado eleger os 
 membros dos órgãos sociais.
 
 4°. Destes órgãos não consta qualquer representante dos trabalhadores da A..
 
 5°. Esta deliberação foi tomada com a presença e voto do único sócio da A., a ré 
 Região Autónoma dos Açores.
 
 6°. Antes da deliberação referida, a autora contactou o Governo Regional dos 
 Açores, através do Director Regional do Orçamento e Tesouro, e comunicou-lhe que 
 indicava, para fazer parte do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal da 
 Sociedade Anónima, os mesmos trabalhadores que haviam sido eleitos para o 
 Conselho de Administração e para a Comissão de Fiscalização cessantes”.
 
  
 Para o que agora releva, importa destacar o seguinte da fundamentação jurídica 
 constante do acórdão: 
 
  
 
 “2ª Questão:
 A participação dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas pertencentes ao 
 Estado ou a outras entidades públicas é referida nos art.ºs 89° e 54° n° 5 al. 
 f), da Constituição da República Portuguesa.
 Redacção do art.º 89°:
 
 ‘Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação 
 efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão’.
 Redacção do art.º 54° n° 5 al. f):
 
 ‘Constitui direito das Comissões de Trabalhadores promover a eleição de 
 representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes 
 ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei’.
 Este último preceito não confere directamente aos trabalhadores o direito de 
 integrar os órgãos sociais das empresas do Estado ou outras entidades públicas, 
 antes pressupõe a existência de tal direito e, partindo desse pressuposto, 
 atribui à Comissão de Trabalhadores o direito de promover a eleição dos 
 respectivos representantes para os aludidos órgãos sociais.
 
 É aquele art.º 89° que consagra a participação efectiva dos trabalhadores na 
 gestão das empresas públicas. Este preceito está inserido na Parte II da C.R.P., 
 dedicada à organização económica do Estado.
 
 É nesta parte da nossa Lei Fundamental que é garantida a coexistência de três 
 sectores de propriedade dos meios de produção, o sector público, o privado e o 
 cooperativo e social, definindo-se que o sector público é constituído pelos 
 meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras 
 entidades públicas (art.º 82 da C.R.P.).
 Este art.º 89° da C.R.P. não é directamente aplicável e muito menos 
 imediatamente exequível, pelo que necessita da mediação do legislador ordinário 
 para tal.
 Já o art.º 54° da C.R.P. está inserido no Título II da C.R.P., que define o 
 regime dos direitos, liberdades e garantias (art.º 17° da C.R.P.).
 Segundo o art. 18° da C.R.P. os preceitos constitucionais respeitantes aos 
 direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as 
 entidades públicas e privadas, constituindo normas preceptivas.
 Dentro destas normas preceptivas, os Constitucionalistas distinguem, ainda, as 
 normas completas e imediatamente exequíveis das incompletas e inexequíveis sem a 
 mediação da lei ordinária. Aquele art. 54° n° 5 al. f) pertence a este último 
 grupo, como inequivocamente resulta do respectivo texto, última parte, onde se 
 remete para a lei ordinária (Constitui direito das Comissões de Trabalhadores 
 promover a eleição de representantes dos trabalhadores para órgãos sociais de 
 empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da 
 lei).
 Com isto pretende-se mostrar que, mesmo para quem entenda ser o art.º 54° n° 5 
 al. f) da C.R.P. a consagrar o direito dos trabalhadores a integrar os órgãos 
 sociais das empresas do sector público, o resultado é o mesmo, pois também este 
 preceito precisa da mediação da lei ordinária para se tornar exequível.
 Decide-se, pois, esta 2ª questão no sentido da necessidade da concretização da 
 norma constitucional pelo legislador ordinário para que o direito dos 
 trabalhadores se torne exequível.
 
 3ª Questão:
 As instâncias entenderam que os trabalhadores tinham o direito de ter um 
 representante nos órgãos sociais da ré A., quer por aplicação directa do 
 preceito constitucional, como fez a 1ª instância, quer por imposição da lei 
 ordinária concretizadora do texto constitucional, a Lei 46/79, de 12 de 
 Setembro, art.ºs 30° e 31º, como parece ter feito o Tribunal da Relação.
 Já vimos que os preceitos constitucionais, só por si, não chegam para 
 fundamentar a procedência da acção.
 A invocação dos preceitos constitucionais, complementada com os art.ºs 30° e 31º 
 da Lei 46/79, como parece ter feito o Tribunal da Relação, já o seria, caso se 
 conclua que esta lei é aplicável à situação, que é a lei concretizadora do texto 
 constitucional.
 Esta lei teve por objectivo regular a constituição das comissões de 
 trabalhadores, como resulta do n° 3 do seu art.º 1º.
 Os referidos art.ºs 30° e 31º, que aludem aos representantes dos trabalhadores 
 nos órgãos sociais das empresas do sector empresarial do Estado, remetem a 
 concretização do direito dos trabalhadores a estarem aí representados para os 
 estatutos das respectivas empresas.
 
 É efectivamente nas leis de base do sector empresarial do Estado e demais 
 entidades públicas e nos estatutos das empresas a ele pertencentes que devemos 
 buscar a complementaridade da norma constitucional.
 O DL 260/76, de 8 de Abril, veio definir os princípios fundamentais a que devem 
 obedecer os estatutos das empresas públicas, como se afirma no n° 2 do 
 respectivo preâmbulo.
 Nos seus art.ºs 8° n° 1 e 10° n° 5 consagra-se a participação de representantes 
 dos trabalhadores no Conselho Geral e na Comissão de Fiscalização.
 O DL 490/80, de 17 de Outubro, extinguiu A A., S.A.R.L. e criou, em sua 
 substituição, a empresa pública A. E.P..
 Em anexo a este DL foram publicados os estatutos pelos quais se passou a reger a 
 empresa pública acabada de criar, A., E.P. .
 No art. 4° n° 1 al. g) destes estatutos diz-se que o Conselho Geral é 
 constituído, entre outros, por dois representantes dos trabalhadores da empresa.
 No seu art.º 7° n° 3 refere-se que um dos vogais do Conselho de Gerência será o 
 representante dos trabalhadores da empresa.
 No seu art.º 11º, nºs 1 e 2, consagra-se que um dos três membros da Comissão de 
 Fiscalização será indicado pelos trabalhadores da empresa.
 Antes da publicação deste diploma legal foram ouvidos os órgãos do Governo 
 Regional dos Açores, em cumprimento do preceituado pelo n° 2 do art.º 229° da 
 C.R.P., como resulta da leitura do seu preâmbulo.
 Contrariamente ao defendido pela ré Região Autónoma dos Açores, o legislador 
 ordinário concretizou o direito de participação dos trabalhadores nos órgãos 
 sociais da A., E.P..
 Aliás, consta da matéria de facto provada que a autora, desde 1989 promoveu 
 sucessivamente a eleição de representantes dos trabalhadores para o Conselho de 
 Administração, designando também um representante para o Conselho Fiscal (nº 1 
 dos factos provados).
 Houve concretização da norma constitucional pelo legislador ordinário e houve 
 acatamento pela ré da prescrição legal, desde 1989 até 9 de Dezembro de 2000.
 O DL 260/76 foi expressamente revogado pelo DL 558/99, de 17 de Dezembro, 
 conforme art.º 40° n° 1, deste diploma.
 O DL 276/2000 transformou a A., E.P., em sociedade anónima, com a denominação 
 A., S.A., pertencendo à Região Autónoma dos Açores todas as suas acções.
 Foram publicados em anexo a este DL os novos estatutos da A., S.A..
 Tanto aquele DL como estes estatutos não contemplam a participação dos 
 trabalhadores nos órgãos sociais da A., S.A., revogando o DL 260/76 e os 
 estatutos publicados em anexo ao DL 490/80, de 17 de Outubro.
 Ultrapassada a 3ª questão, com a conclusão de que houve concretização da norma 
 constitucional pela lei ordinária, passemos à análise da 4ª questão.
 
 4ª Questão:
 O art.º 5° do DL 558/99, de 17 de Dezembro, diz que “Além do Estado, apenas 
 dispõem de sectores empresariais próprios as Regiões Autónomas, os Municípios e 
 as suas Associações, nos termos de legislação especial, relativamente à qual o 
 presente diploma tem natureza supletiva”.
 Não foi publicada legislação especial para fixar o regime do sector empresarial 
 da Região Autónoma dos Açores, pelo que a A., S.A., se disciplina pelo regime 
 supletivo, o estabelecido pelo DL 558/99, e pelos estatutos.
 Este DL 558/99 e os estatutos da ré A., anexos ao DL 276/00, de 10 de Novembro, 
 na parte em que revogam, expressa (DL558/99) e tacitamente (estatutos) os 
 normativos dos DL 270/76 e dos anteriores estatutos, que consagravam a 
 participação de representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais da A., 
 enfermam de inconstitucionalidade por acção, na medida em que infringem os 
 art.ºs 89° e 54° n° 5 al. f) da C.R.P. (art. 277° nº1 da C.R.P.).
 Não há inconstitucionalidade por omissão, pois não há omissão das medidas 
 legislativas para tornar exequível a participação de representantes dos 
 trabalhadores nos órgãos sociais da A., S.A., mas antes a publicação de 
 legislação revogatória de leis que já a consagravam.
 A recusa do Tribunal a aplicar normas, face à sua inconstitucionalidade, conduz 
 naturalmente à repristinação dos preceitos que tais normas pretendiam revogar, 
 por falta de apetência das normas inconstitucionais para produzirem o efeito 
 revogatório. Cremos ser este o princípio que decorre do preceituado pelo art.º 
 
 282° n° 1 da C.R.P. .
 Sendo, assim, aplicam-se à situação em análise os art.ºs 8° n° 1 e 10° n° 5 do 
 DL 260/76 e os art.ºs 4° n° 1 al. g), 7° n° 3 e 11º nºs 1 e 2 dos estatutos da 
 ré A., publicados em anexo ao DL 490/80, pelo que os trabalhadores da A., 
 representados pela autora, têm direito a terem um seu representante no Conselho 
 de Administração daquela.
 
 5ª Questão:
 A comissão de fiscalização, prevista nos estatutos da A., E.P. (artº 3° n° 1 al. 
 c) como um dos seus órgãos sociais, foi substituída nos actuais estatutos da A., 
 S.A., por um fiscal único, nos termos do DL 26-A/96, de 27 de Março, deixando de 
 possuir aquela categoria, reservada apenas à Assembleia Geral e ao Conselho de 
 Administração (art°. 6° nos 1 e 5 dos estatutos anexos ao DL 276/00).
 A intenção de entregar a auditoria contabilística e financeira das empresas 
 públicas a profissionais fora já anunciada no n° 5 do preâmbulo do DL 260/76, de 
 
 8 de Abril.
 Tendo o fiscal único deixado de ser um dos órgãos sociais da ré A., S.A., não 
 tem qualquer justificação a pretensão da autora em ter um representante dos 
 trabalhadores a fiscalizar as contas daquela, pelo que, nesta concreta matéria, 
 têm razão as rés, impondo-se a concessão parcial da revista”.
 
  
 
 3. A A. e a Região Autónoma dos Açores interpuseram recurso deste acórdão para o 
 Tribunal Constitucional, tendo a primeira concluído as alegações apresentadas da 
 seguinte forma:
 
  
 
 “1ª -Tendo nascido como uma sociedade anónima de direito privado, a A. passou a 
 ter, por força do DL n.º 490/80, de 17 de Outubro, o estatuto de empresa 
 pública, sendo-lhe como tal aplicável o regime jurídico das EP'S (DL n.º 260/76, 
 de 8 de Abril), integrando a partir de então o sector público regional dos 
 Açores.
 
 2ª - Sendo a A. uma empresa pública criada pelo Estado, a revogação do DL n.º 
 
 260/76 pelo DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro e a sua aplicação à A., implicou a 
 transformação desta através do DL n.º 276/2000, de 10 de Novembro em sociedade 
 anónima de capitais públicos, com a consequente transferência para a Região 
 Autónoma dos Açores da totalidade do seu capital social.
 
 3ª - Pelo DL n.º 490/80 a A., EP passou a ter no órgão de gerência, entre um 
 presidente e três vogais, um vogal eleito pelos trabalhadores e na comissão de 
 fiscalização, entre os seus três membros, um representante dos trabalhadores.
 
 4ª - A partir de 1989, enquanto foi empresa pública, e até à aprovação do DL n.º 
 
 276/2000 e dos novos estatutos anexos, os trabalhadores da A. [Comissão de 
 Trabalhadores] indicaram representantes seus para integrarem os conselho de 
 gerência e comissão de fiscalização.
 
 5ª - Os arts. 80° e 82° da CRP estabelecem como um dos princípios da organização 
 económica-social o da coexistência dos três sectores de propriedade dos meios de 
 produção: público, privado e cooperativo e social, prevendo-se no art. 89°, 
 preceito constitucional que verdadeiramente deve ser convocado, a participação 
 dos trabalhadores na gestão do sector público (princípio da cogestão).
 
 6ª - No que toca ao controle de gestão das empresas do sector público, o art. 
 
 54°, n.º 5, alínea f), da CRP, norma introduzida pela Revisão Constitucional de 
 
 1982, consagra a eleição dos representantes dos trabalhadores para os órgãos 
 sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas como 
 um direito das comissões de trabalhadores.
 
 7.ª- Diferentemente do suposto na douta decisão recorrida, o DL n.º 260/76, na 
 sua versão originária em vigor em 1999 e revogada pelo DL n.º 558/99, não 
 regulava nem previa a existência de representantes dos trabalhadores no conselho 
 de gerência, prevendo embora que da composição do órgão de fiscalização fizesse 
 parte um membro indicado pelos trabalhadores da empresa e um revisor oficial de 
 contas.
 
 8ª - Só dois anos após a Primeira Revisão Constitucional (1982) é que o DL n.º 
 
 29/84, de 20 de Janeiro aditou ao art. 8° da referida lei-quadro uma norma (n.º 
 
 3) sobre o representante dos trabalhadores no conselho de administração ao mesmo 
 tempo que continuava a prever a integração de um representante dos trabalhadores 
 na comissão de fiscalização (art. 10°, n.º 3).
 
 9ª - Porém, todas estas alterações, nomeadamente o aditamento do novo n.º 3 do 
 art. 8° do DL n.º 260/76, vieram a ser declaradas formalmente inconstitucionais, 
 com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 117/86.
 
 10ª - O problema fulcral reside na falta de regulamentação legal da cogestão no 
 que toca às sociedades comerciais de direito privado, sejam elas de capitais 
 integralmente públicos, de capitais maioritariamente públicos ou controladas por 
 entes públicos e até mesmo sociedades mistas ou de capitais exclusivamente 
 privados.
 
 11ª - A propósito da transformação de empresas públicas em sociedades anónimas, 
 com alienação de uma parte minoritária do capital social a entidades públicas ou 
 privadas, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 108/88, entendeu que não 
 era contrária à Constituição tal transformação, devendo as sociedades de 
 capitais mistos ser reconduzidas ao sector da economia com o qual tivessem maior 
 
 “parentesco”, o que permitiu a reprivatização de grande número de empresas 
 nacionalizadas.
 
 12ª - O DL n.º 558/99 veio operar a revisão do quadro jurídico das empresas 
 públicas caracterizado pela profunda desactualização da regulamentação de 1976, 
 considerando dois tipos distintos de empresa pública: as sociedades comerciais 
 de capitais públicos e as entidades públicas com natureza empresarial (EPE'S).
 
 13ª - Por força do disposto no art. 5° do DL n.º 558/99, não existindo 
 legislação especial relativamente às empresas públicas das Regiões Autónomas, a 
 A. regula-se pelo regime supletivo do DL n.º 558/99, que revogou o DL n.º 260/76 
 
 (art. 40°, n.º 1).
 
 14ª - O referido artigo 5° foi desaplicado pelo douto Acórdão recorrido, com 
 fundamento em inconstitucionalidade material, na parte em que revoga 
 expressamente os normativos do DL n.º 260/76 e dos anteriores estatutos, que 
 consagravam a participação de representantes dos trabalhadores nos órgãos 
 sociais da A., com fundamento na violação dos arts. 89° e 54°, n.º 5, al. f) da 
 CRP.
 
 15ª - Com o DL n.º 276/2000 o conselho de administração da A. passou a ser 
 composto por três ou cinco administradores, deixando de prever-se a existência 
 de um representante dos trabalhadores, não se impondo, embora também não se 
 proibindo, que um desses administradores fosse escolhido pelos trabalhadores da 
 A..
 
 16ª - De igual modo deixou de haver conselho fiscal e reconheceu-se a 
 possibilidade de instituir para a nova sociedade anónima o sistema de fiscal 
 
 único, nos termos do DL n.º 26-A/96, de 7 de Março, sem que com isso se 
 considerasse haver inconstitucionalidade material.
 
 17ª - Tal ausência de norma impositiva não gera qualquer inconstitucionalidade 
 por acção, diferentemente do que sustenta o Supremo Tribunal de Justiça.
 
 18ª - Foi igualmente desaplicado no douto Acórdão recorrido o art. 12°, n.º 2 
 dos novos estatutos da A., anexos aos DL n.º 276/2000, na parte em que revoga 
 tacitamente os normativos do DL n.º 260/76 e dos anteriores estatutos, que 
 consagravam a participação de representantes dos trabalhadores nos órgãos 
 sociais da A..
 
 19ª - Porém, o aludido Acórdão está viciado por um erro de direito manifesto, na 
 medida em que supõe que se achavam em vigor o n.º 3 do art. 8° e o n.º 3 do art. 
 
 10° do DL n.º 260/76 (na redacção introduzida pelo DL n.º 29/84) até à revogação 
 desse diploma pelo art. 40°, n.º 1, do DL n.º 558/99, quando tais normas foram 
 declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 117/86.
 
 20ª - A tese do Supremo Tribunal de Justiça foi anteriormente sustentada pelo 
 Provedor de Justiça B. que apresentou um pedido de fiscalização abstracta de 
 constitucionalidade ao Tribunal Constitucional sobre algumas normas do DL n.º 
 
 12/90, de 6 de Janeiro (que transformou a C., EP numa sociedade de capitais 
 exclusivamente públicos), que não foi objecto de apreciação pelo Tribunal 
 Constitucional por inutilidade superveniente (Acórdão n.º 152/2001).
 
 21ª - A inexistente regulamentação legal da cogestão no que toca às sociedades 
 comerciais de direito privado reside na dificuldade em prever formas de 
 participação dos trabalhadores quando as pessoas colectivas públicas 
 empresariais têm a forma societária, estando regidas pelo Código das Sociedades 
 Comerciais, porquanto o modelo legal de órgãos sociais não prevê as 
 especificidades de um regime de cogestão, limitando-se a disciplinar a situação 
 em que um trabalhador da sociedade seja designado para exercer cargos sociais, 
 quanto um regime de cogestão tem de prever, entre outras, regras sobre 
 responsabilidade destes administradores, a sua forma de eleição e a sua 
 destituição.
 
 22ª - Não sendo, por isso, possível afirmar que o silêncio dos estatutos da A. 
 traduz uma violação do art. 89° da Constituição ou que é possível adaptar o 
 disposto no art. 31° da Lei n.º 46/79 ao modelo societário acolhido pelo DL n.º 
 
 276/2000.
 
 23ª - O art. 54°, alínea f), da CRP limita-se a consagrar um direito de natureza 
 procedimental que, ainda que directamente aplicável, não é imediatamente 
 exequível, carecendo de mediação legislativa.
 
 24ª - O art. 89° da CRP carece igualmente da mediação do legislador ordinário.
 
 25ª - E se é possível aceitar que o art. 31° da Lei n.º 46/79, carecendo embora 
 de regulamentação complementar, contém uma regulamentação mínima no que toca às 
 empresas públicas (hoje, EPE’S), o mesmo já não se poderá dizer face à forma 
 societária regulada pelo Código das Sociedades Comerciais ou por legislação 
 comunitária, pelo que, na falta de legislação geral sobre a cogestão nas 
 sociedades comerciais e no silêncio do DL n.º 276/2000, não é possível à 
 Comissão de Trabalhadores da A. exigir que haja um administrador representante 
 dos trabalhadores no respectivo conselho de administração.
 
 26ª - Poderá haver inconstitucionalidade por omissão relativamente à falta de 
 representantes dos trabalhadores nos conselhos de administração ou nas direcções 
 das sociedades de capitais públicos, mas não inconstitucionalidade por acção; 
 uma coisa são os estatutos de uma EP, outra os estatutos de uma sociedade 
 anónima, ainda que aprovados por decreto-lei, sendo certo que a tal sociedade 
 anónima se aplica de pleno o disposto no Código das Sociedades Comerciais, 
 nomeadamente o regime de eleição e destituição dos administradores, a sua 
 responsabilidade perante a sociedade, sócios e terceiros.
 
 27ª - Na lógica da sua decisão quanto ao conselho de administração, o douto 
 Acórdão recorrido é manifestamente incoerente ao decidir pela concessão parcial 
 da revista no que toca à pretensão da Comissão de Trabalhadores da A. em ter um 
 representante dos trabalhadores no órgão de fiscalização, isto porque depois de 
 terem sido inconstitucionalizadas, com força obrigatória geral, as normas do n.º 
 
 3 do art. 8° e o n.º 3 do art. 10° do DL n.º 260/76, na redacção introduzida 
 pelo DL n.º 20/84, tornou a vigorar a norma do n.º 5 do art. 10° do DL n.º 
 
 260/76 (versão originária) a qual impunha que um dos membros da comissão de 
 fiscalização fosse indicado pelos trabalhadores da empresa e o art. 30°, n.º 2, 
 da Lei n.º 46/79, por sua vez, remetia para os estatutos da empresa a indicação 
 do número de trabalhadores a eleger e o órgão social competente, os quais 
 previam que um dos membros da comissão de fiscalização seria indicado pelos 
 trabalhadores da empresa.
 
 28ª - Não se percebendo por que razão o DL n.º 26-A/96, aplicável às sociedades 
 de capitais públicos, deveria ser acatado in casu, enquanto lei geral, face a 
 uma lei especial que corporizava um direito constitucional fundamental, no 
 entender do Supremo Tribunal de Justiça.
 
 29ª - Se um decreto-lei não podia eliminar, na aprovação dos estatutos de uma 
 sociedade anónima de capitais públicos sucessora de uma antiga empresa pública, 
 a regra de que um dos membros do conselho de administração tinha de ser 
 necessariamente um trabalhador, escolhido pelo conjunto de trabalhadores da 
 empresa, também não poderia criar ex novo um fiscal único revisor oficial de 
 contas.
 
 30ª - A justeza do entendimento aqui manifestado sai reforçada pela opção do 
 legislador constante da recente legislação publicada em regulamentação ao Código 
 do Trabalho (Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), em que apenas se consagra a 
 possibilidade de eleição pela comissão de trabalhadores de representantes dos 
 trabalhadores para os órgãos sociais relativamente às entidades públicas 
 empresariais, nada se dispondo para as sociedades anónimas de capitais públicos 
 porquanto a estas se aplica de pleno o disposto no Código das Sociedades 
 Comerciais.
 
 31ª - Não há, assim, qualquer inconstitucionalidade, devendo o recurso proceder 
 e ser revogado o douto Acórdão do STJ, na parte impugnada”.
 
  
 Nas alegações, a Região Autónoma dos Açores apresentou as conclusões que se 
 seguem:
 
  
 
 “1. A alínea f) do n.º 5 do artigo 54.º da Constituição da República é uma norma 
 não exequível por si mesma, carecendo, por isso, de intervenção legislativa, 
 como claramente resulta da expressão ‘nos termos da lei’, incluída no final do 
 preceito, sendo o artigo 89.º da Constituição da República por seu lado, uma 
 norma programática.
 
 2. Tratando-se de direitos que se encontram sob expressa reserva de lei, 
 enquanto não forem adoptadas as medidas legislativas necessárias para que o 
 direito atribuído pela norma constitucional – designadamente a alínea f) do n.º 
 
 5 do artigo 54.º – se torne exequível, dela não pode retirar-se, ao contrário do 
 que, aparentemente, se sustenta no Acórdão recorrido, qualquer pretensão 
 judicialmente exercitável, dirigida contra empresas abrangidas no âmbito da 
 disposição constitucional ou contra as entidades que detenham essas mesmas 
 empresas.
 
 3. Isto equivale a dizer que a alínea f) do n.º 5 do artigo 54.º da Constituição 
 da República, mesmo tendo presente o disposto nos artigos 17.º e l8.º da Lei 
 Fundamental, não é susceptível de impor, por si só, quer à A. quer à Região 
 Autónoma dos Açores, aqui recorrente, na qualidade de accionista única daquela 
 sociedade, a obrigação de prever e admitir a representação dos trabalhadores nos 
 seus órgãos sociais, o que só será exigível a partir do momento em que aquela 
 alínea seja objecto de concretização (ou densificação) por parte do legislador 
 ordinário.
 
 4. Por outro lado, mesmo que se admita que a alínea f) do n.º5 do artigo 54.º da 
 Constituição da República já tinha sido objecto de concretização legislativa 
 através do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril – que aprovou o regime das 
 empresas públicas e que foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 29/84, de 20 de 
 Janeiro –, e do Decreto-Lei n.º 490/80, de 17 de Outubro – que aprovou os, 
 estatutos da A., E.P. – o certo é que tal concretização não constitui matéria 
 irreversível, não ficando, por isso, o legislador ordinário impedido de a rever 
 ou, mesmo, de a revogar.
 
 5. Numa sociedade aberta e democrática, não é admissível que o legislador fique, 
 de forma irreversível, ‘atado’ a soluções legislativas adoptadas em momento 
 anterior, designadamente em momento em que as circunstâncias eram totalmente 
 diferentes das actuais, reclamando, por isso, ponderação e soluções específicas.
 
 6. A liberdade de conformação do legislador, que tanto vigora aquando da 
 concretização do preceito constitucional como, ao contrário do que sustenta o 
 Acórdão recorrido, aquando da ponderação da alteração/revisão de tal 
 concretização ‘originária’, permitem, obviamente, a revogação dos diplomas 
 referidos no artigo anterior, sem que, com isso, se incorra em qualquer 
 inconstitucionalidade por acção”.
 
  
 
 4. A Comissão de Trabalhadores da A., S. A. contra-alegou, concluindo que:
 
  
 
 “1. O artº 54°, n° 5, alínea f) da CRP, confere às Comissões de Trabalhadores o 
 direito de promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos 
 sociais das empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos 
 termos da lei;
 
 2. O artº 54°, n° 5, alínea f) da CRP, carece de intervenção do legislador 
 ordinário, para o tornar exequível;
 
 3. Existe essa concretização da norma constitucional pela lei ordinária, maxime, 
 pelos artigos 30° e 31º da Lei 46/79, de 12 de Setembro;
 
 4. A Lei 46/79, de 12 de Setembro, teve por objectivo regular a constituição das 
 Comissões de Trabalhadores;
 
 5. Os art.ºs 30° e 31° da Lei 46/79, de 12 de Setembro, remetem a concretização 
 do direito dos trabalhadores a estarem representados nos órgãos sociais do 
 sector empresarial do Estado, para os estatutos das respectivas empresas;
 
 6. Os estatutos da A.-E.P., publicados em anexo ao DL 490/80, de 17 de Outubro, 
 visando exactamente dar cumprimento ao disposto nos artºs 30° e 31° da Lei 
 
 46/79, de 12 de Setembro, consagravam no seu artº 7°, n.º 3 que, um dos vogais 
 do Conselho de Gerência será o representante dos trabalhadores da empresa, e no 
 n.º 2 do art. 11º, que um dos três membros do Conselho de Fiscalização deve ser 
 indicado pelos trabalhadores da empresa;
 
 7. Posteriormente, e do mesmo modo, o n.º 2 do art. 5°, e n.º 3 do art. 10°, 
 ambos do Decreto Legislativo Regional n.º 2/88/A, de 5 de Fevereiro, vieram 
 disciplinar a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais da empresa A.;
 
 8. Desde 1989 e até 17 de Agosto de 2000, foram eleitos e nomeados 
 representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais da empresa A., que se 
 mantiveram em funções até 9 de Dezembro de 2000;
 
 9. Os actuais estatutos da A. SA, aprovados pelo DL 276/2000, de 10 de Novembro, 
 nada dizem sobre a matéria de participação dos trabalhadores nos órgãos sociais 
 da empresa;
 
 10. Da mesma forma, o DL 558/99, de 17 de Dezembro, diploma que regula o novo 
 regime do sector empresarial do Estado, nada refere quanto à participação dos 
 trabalhadores nos órgãos sociais das empresas pertencentes ao Estado;
 
 11. Todavia, o facto de, quer os actuais estatutos da A. S.A., quer do diploma 
 que actualmente regula o sector empresarial do Estado, nada preverem em matéria 
 de participação dos trabalhadores nos seus órgãos sociais, não significa que 
 tenha sido derrogada a Lei 46/79, que impõe essa participação, nem que tenham 
 sido derrogados os preceitos constitucionais, em concreto, o art. 89° e o art. 
 
 54° n.º 5 al. f), da CRP;
 
 12. Isto apenas significa que quer Constituição, quer a Lei da Comissão de 
 Trabalhadores, à partida, não estará a ser respeitada;
 
 13. Por tal, o direito constitucionalmente consagrado mantém-se, como não 
 poderia deixar de ser; da mesma forma se devem manter os estatutos A., que sendo 
 omissos nesta parte, terão que ser complementados quer pela Constituição, quer 
 pela Lei n.º 46/79;
 Sem prescindir,
 
 14. A simples omissão, nos estatutos da A. S.A., de matéria respeitante à 
 participação dos trabalhadores nos seus órgãos sociais, por si só, não significa 
 inconstitucionalidade;
 
 15. Pois, através de uma leitura dos actuais estatutos, conforme à Constituição 
 e convocados todos os elementos normativos vigentes e, não apenas o concreto 
 diploma que omite a regulamentação do exercício de um direito atribuído pela 
 Constituição, desnecessário se torna, o recurso a qualquer juízo de 
 
 (in)constitucionalidade;
 A não se entender assim, sempre se dirá que,
 
 16. O recurso de constitucionalidade não tem por objecto a decisão judicial em 
 si mesma, mas apenas na parte em que ela não aplicou uma norma por motivo de 
 inconstitucionalidade ou aplicou uma norma alegadamente inconstitucional;
 
 17. Não basta que um Acórdão afirme que uma determinada norma é 
 inconstitucional, para que seja permitido o recurso para o Tribunal 
 Constitucional;
 
 18. É igualmente necessário que a norma (des)aplicada, tenha interesse para a 
 causa e que o tribunal, por a considerar inconstitucional, se recuse (ou se deva 
 recusar) a aplicar;
 
 19. O recurso para o Tribunal Constitucional só se justifica se a resolução da 
 questão de constitucionalidade for relevante para a decisão da questão de fundo;
 
 20. Ora, no caso sub judice, a(s) norma(s) desaplicada(s) pelo Supremo Tribunal 
 de Justiça, com fundamento na sua inconstitucionalidade por acção, pouco relevo 
 apresentam para a resolução do caso sujeito à sua apreciação;
 
 21. Basta ver que, o Tribunal da Relação de Lisboa, lançando mão dos mesmos 
 preceitos que estão a ser objecto de constitucionalidade, não suscitou qualquer 
 necessidade de aferição da sua constitucionalidade;
 De qualquer modo,
 
 22. A circunstância actual de os trabalhadores da A. não disporem do fundamental 
 direito de se fazerem representar nos órgãos sociais daquela empresa, de 
 capitais exclusivamente públicos, tão só se deve a um acto, provindo, ora do 
 legislador ordinário, ora do Governo Regional dos Açores, com a publicação de 
 legislação revogatória de leis que anteriormente consagravam aquele direito;
 
 23. Com efeito, a revogação das leis que anteriormente consagravam o direito dos 
 trabalhadores da A. a estarem presentes e representados nos órgãos sociais 
 daquela empresa resultou, não de uma inércia, ou desinteresse, por parte do 
 legislador ordinário - em não adoptar as medidas legislativas necessárias para 
 conferir plena exequibilidade àquele direito -, mas antes, se deveu, a uma 
 acção, por parte do mesmo legislador;
 
 24. Daí que, os estatutos da A. S.A., anexos ao DL 276/00, de 10 de Novembro, na 
 parte em que revogam, expressa (DL 558/99) e tacitamente (estatutos) os 
 normativos dos DL 260/76, e dos anteriores estatutos, que consagravam a 
 participação de representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais da A., 
 enfermam de inconstitucionalidade por acção, na medida em que infringem os arts. 
 
 89° e 54° n.º5, al. f) da CRP (art. 277 da CRP);
 
 25. E, em consequência, de o Tribunal dever recusar a aplicação de normas, face 
 
 à sua inconstitucionalidade, devem ser repristinados os preceitos que tais 
 normas pretendiam revogar;
 
 26. Como tal, devem repristinar-se os arts. 8° n.º 1 e 10° n.º 5, do DL 260/76, 
 de 8 de Abril, bem como, os arts. 4° n.º 1, al. g); art. 7° n.º 3 e 11 ° ns. 1 e 
 
 2 dos estatutos da A., publicados em anexo ao DL 490/80, ou, mais concretamente, 
 o n.º 2 do art. 5° e n.º 3 do art. 10°, ambos do Decreto Legislativo Regional 
 n.º 2/88/A, de 5 de Fevereiro;
 
 27. As alegações de recurso não se destinam nem podem ser aproveitadas para 
 apresentar factos novos”.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. O Supremo Tribunal de Justiça recusou a aplicação do Decreto-Lei nº 558/99, 
 de 17 de Dezembro, e dos estatutos da A., aprovados pelo Decreto-Lei nº 
 
 276/2000, de 10 de Novembro, com fundamento em inconstitucionalidade, por 
 violação dos artigos 89º e 54º, nº 5, alínea f), da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP). O primeiro, na medida em que o artigo 40º deste diploma revoga 
 o Decreto-Lei nº 260/76, concretamente os artigos 8º, nº 1, e 10º, nº 5, que 
 dispõem sobre a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais de empresas 
 públicas; os segundos, na medida em que revogam, tacitamente, os estatutos 
 aprovados pelo Decreto-Lei nº 490/80, de 17 de Outubro, concretamente os artigos 
 
 4º, nº 1, alínea g), 7º, nº 3, e 11º, nºs 1 e 2, que prevêem esta mesma 
 participação.
 No presente recurso de constitucionalidade importa decidir se, como defendem as 
 recorrentes, está em causa o não cumprimento da Constituição por omissão das 
 medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas 
 constitucionais invocadas como parâmetro (artigo 283º, nº 1, da CRP); ou se, 
 como se escreve na decisão recorrida, “não há inconstitucionalidade por omissão, 
 pois não há omissão das medidas legislativas para tornar exequível a 
 participação de representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais da A., S.A., 
 mas antes a publicação de legislação revogatória de leis que já a consagravam”. 
 
 É o seguinte o teor das normas constitucionais que o Supremo Tribunal de Justiça 
 considerou violadas:
 
  
 
 “Artigo 89º
 
 (Participação dos trabalhadores na gestão)
 
  
 Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação 
 efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão.
 
  
 Artigo 54º
 
 (Comissão de trabalhadores)
 
  
 
 1.        (…).
 
 5. Constituem direitos das comissões de trabalhadores:
 a) (…).
 f) Promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais 
 de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da 
 lei”.
 
  
 
 2. Sobre a necessidade de relacionar estas duas normas pronunciou-se já o 
 Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 415/89 (Diário da República, II Série, de 
 
 15 de Setembro de 1989), muito embora o tenha feito perante uma outra redacção 
 do artigo correspondente ao actual artigo 89º (artigo 90º, nº 3), sem que daí 
 resulte, no entanto, qualquer alteração quanto à forma de relacionar este artigo 
 com o 54º, nº 5, alínea f) (assim, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição 
 Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, 2005, anotação ao artigo 54º, ponto 
 XII). Pronunciou-se nos seguintes termos:
 
  
 
 “A alínea f) do artigo 55.º da Constituição [alínea f) do nº 5 do artigo 54º] 
 dispõe que constitui direito das comissões de trabalhadores «promover a eleição 
 de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas 
 pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei».
 Este preceito constitucional tem de ser intimamente relacionado com o do n.º 3 
 do artigo 90.º [artigo 89º], onde se estabelece que «as unidades de produção 
 pertencentes ao Estado e a outras pessoas colectivas públicas devem evoluir para 
 formas de gestão que assegurem uma participação crescente dos trabalhadores», na 
 medida em que a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos 
 sociais das empresas do sector público constitui, no fundo, uma concretização 
 deste princípio”.
 
  
 Apesar de se tratar de um direito dos trabalhadores que se inscreve na Parte I, 
 Direitos e deveres fundamentais, do Título II, Direitos, liberdades e garantias 
 dos trabalhadores, da CRP e de, consequentemente, gozar do regime e força 
 jurídica consagrados nos artigos 17º e 18º (Acórdãos nºs 117/86 e 218/89, Diário 
 da República, I Série, de 19 de Maio de 1986 e de 9 de Março de 1989), o 
 Tribunal não deixou também de assinalar, naquele mesmo Acórdão, que
 
  
 
 “o direito consagrado no artigo 55.º, a1ínea f) [artigo 54º, nº 5, alínea f)], 
 tem de ser regulado por lei, designadamente para o efeito de determinar quais os 
 
 órgãos sociais efectivamente abrangidos e qual o número de representantes dos 
 trabalhadores a eleger (…)”.
 
  
 Acolhe-se aqui o anteriormente sustentado no Acórdão do Tribunal Constitucional 
 nº 90/84 (Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 1985), a propósito 
 do que se dispõe no artigo 27º, nº 5, da CRP:
 
  
 
 “(…) não podendo duvidar-se de que a garantia em causa se inclui nessa categoria 
 de direitos fundamentais [direitos, liberdades e garantias], haveria, 
 consequentemente, de beneficiar de todo o respectivo regime (cf. art. 17.º, 
 ainda da Constituição). Sendo assim – acrescentar-se-ia –, não poderão os 
 tribunais escudar-se na falta de lei para deixar de reconhecê-la a quem dela 
 pretenda prevalecer-se: têm a Constituição, pelo que lhes cumprirá, sim, 
 torná-la efectiva, suprindo a lacuna legal através do recurso aos meios, em 
 geral, admitidos para tanto (v. g., os do art. 10.º do Código Civil).
 A objecção está longe, porém, de ser decisiva e insuperável, como aparenta. É 
 que, mesmo sem discutir o princípio, tem de reconhecer-se que a possibilidade de 
 suprimento de omissões legislativas, inclusive em sede de direitos, liberdades e 
 garantias, pelo modo acabado de indicar, sofre necessariamente limites (sobre o 
 ponto, cf., nomeadamente, Jülicher, Die Verfassungsbescbeschwerde gegen Urteile 
 bei gesetzgeberischem Unterlassen, Berlin, 1972, pp. 40 e segs., e entre nós as 
 formulações cautelosas de Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação 
 do Legislador, Coimbra, pp. 320 e segs. e 481).
 Sofre, desde logo, um limite imposto pela «natureza das coisas», por assim 
 dizer, e que é o das possibilidades do próprio ordenamento jurídico, no quadro 
 do qual tem de mover-se o juiz, ou, considerada a questão de outro ângulo, o 
 limite às possibilidades do próprio poder ou função judicial. Tal sucederá, v. 
 g., com as omissões ocorrentes no domínio de direitos fundamentais cujo 
 exercício pressuponha necessariamente uma estrutura organizatório-institucional 
 mais ou menos complexa, que o legislador ainda não edificou. Posto isto, poderia 
 logo perguntar-se se não seria justamente esse o caso da garantia do art. 27.º, 
 n.º 5, da Constituição.
 Mas, além do referido, sofre a faculdade de suprimento judicial de omissões 
 legislativas um outro limite, que é o das situações em que a Constituição deixa, 
 deliberada e intencionalmente, dependente do legislador – dito de outro modo: em 
 que remete para o legislador – a efectivação de um certo princípio ou do direito 
 por este reconhecido. Trata-se de princípios relativamente aos quais, atentas as 
 suas implicações e a complexidade da sua concretização, o legislador 
 constitucional entende impor-se uma nova ponderação normativa, complementar da 
 que ele próprio fez, mas da qual não quis tirar (ou permitir que se tirassem) 
 logo todas as possíveis consequências. Ou seja trata-se de hipóteses em que, 
 pelo facto de a concreta conformação do princípio exigir a consideração de 
 diferentes tópicos ou pontos de vista e uma delicada ponderação de soluções e 
 resultados, a Constituição comete a respectiva incumbência ao órgão 
 primariamente vocacionado e legitimado para a tarefa política de reelaborar e 
 desenvolver a ordem jurídica. O que significa que, ao fazê-lo, o legislador 
 constitucional não apenas atribui ao legislador ordinário um específico encargo, 
 mas, verdadeiramente, lho reserva. Numa hipótese destas, se por ventura a 
 matéria respeitar a «Direitos, liberdades, e garantias», o que teremos, pois, é 
 uma restrição introduzida pelo próprio legislador constitucional, à cláusula 
 geral da aplicabilidade directa do art. 18.º, n.º 1”.
 
  
 
 3. Pressuposta a necessidade de medidas legislativas para tornar exequíveis 
 aquelas normas constitucionais, importa agora avaliar se, por um lado, tais 
 medidas existem e, por outro, caso a resposta seja negativa, se tais medidas 
 legislativas já existiram no ordenamento jurídico, o que se prende directamente 
 com a questão de saber se, no caso em apreço, se trata de uma questão de 
 inconstitucionalidade por omissão ou, antes, de inconstitucionalidade por acção 
 
 (cf. infra ponto 4.).
 
 3.1. Na falta de legislação especial, já que a Lei nº 58/98, de 18 de Agosto – 
 Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais – não se aplica às 
 empresas das regiões autónomas (artigo 1º), à A., sociedade de capitais 
 públicos, aplica-se o Decreto-Lei nº 558/99 (artigos 5º e 7º). Este diploma, que 
 estabelece o regime jurídico do sector público empresarial do Estado e das 
 empresas públicas, não contempla qualquer norma sobre a participação dos 
 trabalhadores nos órgãos sociais deste tipo de empresas, não obstante a Lei nº 
 
 47/99, de 16 de Junho, que autorizou o Governo a legislar sobre aquele regime, 
 ter previsto (alínea g) do artigo 3º), quanto à extensão da legislação a 
 aprovar, o estabelecimento das modalidades e condições da participação dos 
 trabalhadores na gestão ou no controlo da actividade das empresas (conclui pela 
 omissão Coutinho de Abreu, “Privatização de empresas públicas e 
 empresarialização pública”, Miscelâneas, nº 3, p. 73). 
 Por seu turno, os estatutos da A., aprovados pelo Decreto-Lei nº 276/2000, não 
 prevêem qualquer disposição sobre aquela participação nos seus órgãos sociais 
 
 (assembleia geral e conselho de administração). Devendo destacar-se, ainda, que 
 a Lei nº 35/2004, de 29 de Julho – diploma que regulamenta a Lei nº 99/2003, de 
 
 27 de Agosto, que aprova o Código do Trabalho e revoga a Lei nº 46/79, de 12 de 
 Setembro (Lei das comissões de trabalhadores) – prevê apenas regras para a 
 eleição dos representantes dos trabalhadores nos órgãos das entidades públicas 
 empresariais (artigo 362º), omitindo qualquer referência expressa às outras 
 empresas que integram o sector empresarial do Estado e, nomeadamente, às 
 sociedades constituídas nos termos da lei comercial, agora também consideradas 
 empresas públicas (artigo 3º do Decreto-Lei nº 558/99).
 
 3.2. Porém, anteriormente à entrada em vigor destes diplomas, o Decreto-Lei nº 
 
 260/76 (alterado pelos Decreto-Lei nº 353-A/A, de 29 de Agosto de 1977, 
 Decreto-Lei nº 25/79, de 19 de Fevereiro, Decreto-Lei nº 519-S/79, de 28 de 
 Dezembro, Decreto-Lei nº 271/80, de 9 de Agosto, Decreto-Lei nº 29/84, de 20 de 
 Janeiro, e Lei nº 16/90, de 20 de Julho), que estabelece as bases gerais das 
 empresas públicas, previa a participação dos trabalhadores em órgãos sociais 
 destas empresas: no conselho geral e na comissão de fiscalização (artigos 8º, nº 
 
 1, e 10º, nº 5), segundo a redacção primitiva do diploma; e no conselho de 
 administração e na comissão de fiscalização (artigos 7º, 8º e 10º), por força 
 das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 29/84, não obstante o Tribunal 
 Constitucional ter declarado “a inconstitucionalidade com força obrigatória 
 geral da norma contida no artigo 1º do Decreto-Lei nº 29/84, de 20 de Janeiro, 
 na parte em que dá nova redacção aos artigos 8º, nº 3, e 10º, nºs 2 e 3 – quanto 
 a este último artigo apenas na medida em que abrange o representante dos 
 trabalhadores –, do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, por violação do artigo 
 
 57º, nº 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa” (Acórdão nº 
 
 117/86, Diário da República, I Série, de 19 de Maio de 1986),
 Por outro lado, os estatutos da A., E. P., que fazem parte integrante do 
 Decreto-Lei nº 490/80, de 17 de Outubro, previam a participação dos 
 trabalhadores em todos os órgãos sociais da empresa – artigo 4º, nº 1, alínea 
 g), quanto ao conselho geral, artigo 7º, nº 3, relativamente ao conselho de 
 gerência, e 11º, nº 2, no que diz respeito à comissão de fiscalização. 
 Posteriormente e já depois daquela declaração de inconstitucionalidade, a 
 participação dos trabalhadores da empresa passou a ser no conselho de 
 administração (artigo 5º, nº 2) e na comissão de fiscalização (artigo 10º, nº 3) 
 
 – os órgãos sociais obrigatórios, a partir das alterações, já referidas, 
 introduzidas pelo Decreto-Lei nº 29/84 –, por força do Decreto Legislativo 
 Regional nº 2/88/A, de 5 de Fevereiro, que aprova os novos estatutos da A., E. 
 P.
 
  
 
 4. Verifica-se, assim, que, no passado, a lei concretizava, relativamente às 
 empresas públicas, o direito consagrado no artigo 54º, nº 5, alínea f), da CRP, 
 regulando “os órgãos sociais efectivamente abrangidos e qual o número de 
 representantes dos trabalhadores a eleger” (Acórdão do Tribunal Constitucional 
 nº 415/89, já citado), ao passo que, no presente, a lei é completamente omissa, 
 no que diz respeito às mesmas empresas públicas. 
 Do confronto entre o então disposto no Decreto-Lei nº 260/76, no Decreto-Lei nº 
 
 490/80 e no Decreto Legislativo Regional nº 2/88/A e o agora consagrado no 
 Decreto-Lei nº 558/99 e no Decreto-Lei nº 276/2000 resulta que o não cumprimento 
 dos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 89º da CRP se verifica não propriamente por 
 haver omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis estas 
 normas constitucionais (artigo 283º da CRP), mas antes porque foram revogadas 
 disposições legais que tornavam tais normas exequíveis. Com a consequência de as 
 alterações legislativas ocorridas terem feito emergir uma inconstitucionalidade 
 por omissão, o que já configura uma questão de inconstitucionalidade por acção, 
 que este Tribunal pode apreciar em sede de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade (artigo 280º da CRP). 
 Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 509/02 (Diário da 
 República, I Série, de 12 de Fevereiro de 2003), a propósito da “necessidade de 
 harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio 
 dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador”, 
 
  
 
 “onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e 
 concreta, de tal sorte que seja possível ‘determinar, com segurança, quais as 
 medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade’ (Acórdão nº 
 
 474/02, ainda inédito), a margem de liberdade do legislador para retroceder no 
 grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer 
 na estrita medida em que a alteração legislativa pretendida não venha a 
 consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão”.
 
  
 
  
 De resto, já anteriormente se havia sustentado, no Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 39/84 (Diário da República, I Série, de 5 de Maio de 1984), o 
 seguinte:
 
  
 
 “Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e 
 determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura 
 constitucional, em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas, quando desfaz 
 o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma 
 garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca 
 no plano da própria inconstitucionalidade por acção.
 Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa – a 
 criação de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem jurídica –, 
 então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção 
 directa da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o 
 que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. Quando, por 
 exemplo, em cumprimento do artigo 101.º, n.º 2, da Constituição da República 
 Portuguesa, que ordenava a extinção do regime de colonia, este veio a ser 
 efectivamente extinto, o Estado não pode, posteriormente, vir a revogar a 
 extinção da colonia e a restaurar essa figura. Se o fizesse, incorreria em 
 violação positiva do artigo 101.º da Constituição da República Portuguesa (…).
 Existem no nosso ordenamento meios para impedir o legislador de legislar em 
 certas matérias que lhe estejam vedadas; mas não existem para forçá-lo a 
 legislar nos casos em que lhe é imposto que o faça. Estas normas da Constituição 
 têm assim uma eficácia assaz menor do que as outras, dependendo, em última 
 análise, da boa vontade do legislador ordinário. Todavia, produzem um efeito, ao 
 menos indirecto, notabilíssimo. Elas prescrevem uma via a seguir à legislação 
 ordinária; não conseguem constranger juridicamente o legislador a seguir essa 
 via, mas compelem-no pelo menos a não seguir uma via diferente. Seria 
 anticonstitucional a lei que dispusesse de maneira contrária à que a 
 Constituição ordena. E, além disso, uma vez dada execução à norma 
 constitucional, o legislador ordinário não pode retornar sobre os seus passos 
 
 [autor citado, Diritto Costituzionale, 11.ª ed., Milão, 1956. pp. 405-406; 
 itálico acrescentado].
 A questão é tudo menos desconhecida para a doutrina constitucional portuguesa, 
 onde a solução da inconstitucionalidade é igualmente adoptada.
 Assim, J. J. Gomes Canotilho, na sua obra Constituição Dirigente e Vinculação do 
 Legislador (Coimbra. 1983), após distinguir também vários níveis de relevância 
 jurídica dos direitos sociais («dimensão subjectiva», «dimensão programática» e 
 
 «dimensão igualitária») e depois de afirmar que essa «dimensão subjectiva» 
 resulta, além do mais, da «radicação subjectiva de direitos através da criação 
 por lei, actos administrativos, etc., de prestações, instituições e garantias 
 necessárias à concretização dos direitos constitucionalmente reconhecidos», 
 conclui pela irreversibilidade dessa concretização (aliás num enquadramento 
 teórico mais vasto):
 
 É neste segundo sentido que se fala de direitos derivados a prestações 
 
 (assistência social, subsídio de desemprego, etc.) que significam o direito de 
 judicialmente ser reclamada a manutenção do nível de realização e de se proibir 
 qualquer tentativa de retrocesso social [ob. cit., p. 374; itálico no original].
 No mesmo sentido vai Jorge Miranda, que, num texto tão concludente quanto 
 prudente – com a particularidade de se referir precisamente a uma hipótese igual 
 ao caso de que trata o presente acórdão –, escreveu:
 Maiores dúvidas provocará a revogação de lei que dê exequibilidade a certa norma 
 constitucional sem ser acompanhada da emissão de nova lei (v. g. a revogação 
 pura e simples da lei sobre o serviço nacional de saúde). Haverá 
 inconstitucionalidade material do acto revogatório em virtude de produzir uma 
 omissão? Poderá supor-se que sim: o legislador tem, certamente, a faculdade de 
 modificar qualquer regime legislativo; o que parece não ter é a faculdade de 
 subtrair supervenientemente a qualquer norma constitucional a exequibilidade que 
 tenha adquirido [autor citado, Manual de Direito Constitucional, vol. 1, tomo 
 II, Coimbra, 1981. p. 670; itálico acrescentado] (…).
 Impõe-se a conclusão: após ter emanado uma lei requerida pela Constituição para 
 realizar um direito fundamental, é interdito ao legislador revogar essa lei 
 repondo o estado de coisas anterior. A instituição, serviço ou instituto 
 jurídico por ela criados passam a ter a sua existência constitucionalmente 
 garantida. Uma nova 1ei pode vir alterá-los ou reformá-los, nos limites 
 constitucionalmente admitidos, mas não pode vir extingui-los ou revogá-los (…).
 Se uma lei, que veio dar execução a uma norma constitucional que a exigia, 
 colmatando assim uma omissão inconstitucional, for revogada por outra, que, 
 desse modo, repõe a anterior situação de inexecução da norma constitucional e de 
 omissão inconstitucional, então a revogação ofende directamente a Constituição e 
 consubstancia uma inconstitucionalidade por acção”.
 
  
 Na doutrina portuguesa mais recente, Paulo Otero, a propósito dos “principais 
 mecanismos constitucionais de natureza orgânica e material de efectivação e 
 garantia do Estado de bem-estar”, destaca, entre os “princípios materiais 
 resultantes da Constituição e ordenadores do direito ordinário”, “o princípio da 
 proibição de revogação simples (ou não substitutiva) de norma ordinária 
 implementadora de preceito constitucional não exequível por si mesmo”, 
 referindo, expressamente, aquele Acórdão de 1984 (Vinculação e Liberdade de 
 Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado, Coimbra Editora, 1998, p. 
 
 21 e s. e, especialmente, nota 42); Jorge Pereira da Silva formula, 
 relativamente ao “poder revogatório para criar ou recriar situações de 
 inconstitucionalidade por omissão”, o princípio da proibição de recriar omissões 
 inconstitucionais, defendendo que:
 
  
 
 “De facto, não há grandes dúvidas de que a revogação integral de uma lei 
 constitucionalmente devida acarreta a inconstitucionalidade por acção da própria 
 lei revogatória. É certo que esta lei só enferma de tal desvalor na medida em 
 que, fazendo renascer uma situação de incumprimento de um dever específico de 
 actuação legislativa, está na origem de uma inconstitucionalidade por omissão. 
 Por outras palavras, embora tenha sido a lei revogatória a desencadear uma 
 situação de vazio normativo constitucionalmente inadmissível, do ponto de vista 
 dos valores jurídicos negativos tudo se passa em sentido inverso, assumindo a 
 inconstitucionalidade da lei revogatória (inconstitucionalidade por acção) 
 natureza consequente em relação à referida situação de vazio normativo 
 
 (inconstitucionalidade por omissão). No entanto, é igualmente verdade que, na 
 situação em análise, o legislador não está apenas a ‘não fazer algo’ imposto 
 pela Constituição, como é próprio das omissões legislativas. O legislador está 
 antes a ‘desfazer’ e, mais precisamente, está a ‘desfazer algo’ que era e é 
 prescrito pela Constituição. Por isso, a lei revogatória, que consubstancia o 
 acto de desfazer, não é fiscalizável (enquanto geradora de uma 
 inconstitucionalidade) por omissão, mas sim por via de acção” (Dever de legislar 
 e protecção jurisdicional contra omissões legislativas, Lisboa, Universidade 
 Católica, 2003, p. 245 e ss., especialmente pp. 282 e ss. e 286).
 
  
 
 5. A conclusão a que se chega em face do exposto – o artigo 40º, nº 1, do 
 Decreto-Lei nº 558/99 e o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 276/2000, são 
 inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 
 
 89º da CRP, na medida em que o primeiro revoga os artigos 8º e 10º do 
 Decreto-Lei nº 260/76 e o segundo revoga, de forma tácita, os artigos 5º e 10º 
 do Decreto Legislativo Regional nº 2/88/A – em nada é prejudicada pela 
 circunstância de a empresa pública A., E. P., criada pelo Decreto-Lei nº 490/80, 
 se ter transformado em sociedade anónima, com a denominação abreviada de A., A., 
 S. A., ou A. (cf. artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 276/2000).
 Com efeito, não vale aqui o argumento de que quanto às denominadas “sociedades 
 de capitais públicos”, constituídas em conformidade com a lei comercial e que já 
 antes integravam o sector empresarial do Estado (cf. os artigo 48º, nº 2, do 
 Decreto-Lei nº 260/76 e 1º do Decreto-Lei nº 26-A/96, de 27 de Março, e, para 
 uma referência a esta realidade, Ferreira de Almeida, Propriedade dos meios de 
 produção, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1982, p. 20 e 
 s., e Coutinho de Abreu, loc. cit., p. 64 e s.), não estava, anteriormente ao 
 Decreto-Lei nº 558/99, prevista qualquer forma de participação dos trabalhadores 
 nos seus órgãos sociais, o que afastaria, consequentemente, qualquer hipótese de 
 inconstitucionalidade por acção. Apesar de o disposto no artigo 89º da CRP 
 abranger “todas as unidades de produção pertencentes ao Estado ou a outras 
 entidades públicas (regiões autónomas, municípios, etc.), qualquer que seja o 
 seu estatuto, seja ele o de empresa pública, propriamente dita (organizada nos 
 termos do Decreto-Lei nº 260/76, de 8-4), seja o de outro tipo de empresa 
 
 (empresa de capitais públicos, etc.), seja, mesmo, de serviço administrativo 
 directo ou indirecto” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República 
 Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1993, anotação ao artigo 90º, ponto II, e, 
 no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 415/89, já citado), a 
 verdade é que nunca foi editada legislação sobre a participação dos 
 trabalhadores nos órgãos sociais das sociedades de capitais públicos, muito 
 embora tenha havido recomendações no sentido de dever ser colmatada tal omissão 
 
 (assim, Mário Raposo, “Sobre a intervenção dos trabalhadores nos órgãos sociais 
 de sociedades de capitais maioritariamente públicos”, Revista do Ministério 
 Público, Ano 13º, 1992, nº 49º, p. 95 e ss., e, expressamente no sentido da 
 violação das normas constitucionais, Coutinho de Abreu, Da empresarialidade. As 
 empresas no direito, Almedina, 1996, p. 159 e ss.). Omissão legislativa que se 
 tornou ainda mais notória, a partir do momento em que houve a transformação de 
 empresas públicas em sociedades anónimas, nos termos do disposto no Decreto-Lei 
 nº 84/88, de 20 de Julho, o que levou mesmo a pedidos de declaração de 
 inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de diplomas que procederam a 
 tais transformações, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 
 correspondentes aos actuais 54º, nº 5, alínea f), e 89º da CRP, (cf. Acórdão nº 
 
 415/89, já citado, e 152/2001, Diário da República, II Série, de 17 de Maio de 
 
 2001). 
 E não vale o argumento de que quanto às sociedades de capitais públicos, 
 constituídas anteriormente ao Decreto-Lei nº 558/99, não estava prevista 
 qualquer forma de participação dos trabalhadores nos seus órgãos sociais, porque 
 com a transformação da A., E. P. em A., S. A., em 2000, esta não deixou de ser 
 empresa pública, à luz do novo regime jurídico das empresas públicas. Com 
 efeito, segundo o disposto nos artigos 2º, 3º e 23º do Decreto-Lei nº 558/99, 
 consideram-se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei 
 comercial (…) e as designadas entidades públicas empresariais. As primeiras 
 passam a integrar o conceito de empresa pública, enquanto as segundas sucedem às 
 empresas públicas anteriormente reguladas no Decreto-Lei nº 260/76, que as 
 definia, logo no artigo 1º, como empresas criadas pelo Estado, com capitais 
 próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, para a exploração de 
 actividades de natureza económica ou social, tendo em vista a construção e 
 desenvolvimento de uma sociedade democrática e de uma economia socialista e 
 empresas nacionalizadas (sobre esta evolução do conceito de empresa pública, 
 cf., António Pinto Duarte, “Notas sobre o conceito e o regime jurídico das 
 empresas públicas estaduais”, Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial 
 do Estado, Almedina, 2000, p. 65 e ss., Luís Morais, “As relações entre o Estado 
 e as empresas públicas na sequência da aprovação do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 
 de Dezembro”, Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado, 
 Almedina, 2000, p. 91 e ss., e Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, 
 vol. I, Almedina, 2002, p. 245 e ss., )
 Assim, na medida em que o novo regime jurídico das empresas públicas e os novos 
 estatutos da empresa pública A., S. A. deixaram de prever a participação dos 
 trabalhadores nos órgãos sociais deste tipo de empresas há que concluir pela 
 violação dos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 89º da CRP.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a)        Julgar inconstitucional o artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 558/99, 
 de 17 de Dezembro, enquanto revoga os artigos do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de 
 Abril, que prevêem a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais de 
 empresas públicas, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 
 
 89º da Constituição da República Portuguesa;
 b)        Julgar inconstitucional o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 276/2000, 
 de 10 de Novembro, enquanto aprova os novos estatutos da A., S. A. e revoga os 
 anteriores, na parte em que prevêem a participação dos trabalhadores nos órgãos 
 sociais desta empresa pública, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, 
 alínea f), e 89º da Constituição da República Portuguesa;
 c)        Confirmar a decisão recorrida no que ao juízo de inconstitucionalidade 
 diz respeito.
 
  
 Custas pela recorrente A., S. A., face à isenção da recorrente 
 
 Região 
 Autónoma dos Açores, fixando-se em 20 ( vinte ) unidades de conta a taxa de 
 justiça.
 
  
 Lisboa, 17 de Janeiro de 2006
 
  
 Maria João Antunes
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira - vencido conforme declaração que junto.
 Rui Manuel Moura Ramos – vencido, nos termos da declaração de voto junta
 Artur Maurício
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Votei vencido por não poder concordar com a aplicação ao caso presente do 
 chamado princípio da proibição do retrocesso, por força do qual se considerou 
 que o legislador ordinário não teria margem de liberdade para retroceder no grau 
 de concretização legislativa já alcançado no domínio do que se entendeu ser o 
 direito dos trabalhadores da empresa em participar na administração da A., SA.
 Considero, ainda, seguro que a Constituição, nos seus artigos 54º n.º 5 alínea 
 f) e 89º, invocados no aresto, não estabelece qualquer regra de natureza 
 imperativa – ainda que não exequível por si mesma, como ali se diz – da qual 
 decorra a obrigação de o legislador ordinário manter a participação de 
 representantes dos trabalhadores na administração daquela empresa. Recordo que a 
 A., SA resultou da transformação da A., EP, empresa pública regional criada pelo 
 Decreto-Lei n.º 490/80 de 17 de Outubro, que, por sua vez, resultara da 
 transformação da A., S.A.R.L., concessionária dos transportes aéreos na Região 
 Autónoma dos Açores, cujos accionistas eram a D., EP e a Região Autónoma dos 
 Açores. 
 Os estatutos da D., EP previam, efectivamente, a participação de representantes 
 de trabalhadores nos seus órgãos de gestão, designadamente no 'conselho geral' 
 
 (dois representantes dos trabalhadores), no 'conselho de gerência' (um 
 representante dos trabalhadores) e na 'comissão de fiscalização' (um elemento 
 indicado pelos trabalhadores). Mas, ao impor esta participação, o legislador não 
 estava a dar 'exequibilidade' aos artigos 54º n.º 5 alínea f) e 89º da 
 Constituição, pois nem sequer invocou ou, de alguma maneira, fez apelo a tais 
 preceitos – que, em minha opinião, manifestamente se não aplicam ao caso –, 
 antes estava a estabelecer uma vinculação primária, aliás, totalmente legítima, 
 como penso resultar claramente do disposto no artigo 2º do Decreto-Lei n.º 
 
 490/80 de 17 de Outubro e no n.º 2 do artigo 3º dos citados estatutos anexos a 
 este diploma.
 Por outro lado, face à consagração constitucional da Autonomia 
 Político-Administrativa da Região Autónoma dos Açores, à consequente integração, 
 no património regional, das empresas públicas regionais, e face à tutela que é 
 constitucionalmente confiada aos órgãos de governo próprio da Região quanto a 
 estas empresas – artigo 227º n.º 1 alíneas h) e o) da Constituição –, 
 afigura-se-me que os diplomas da República que disciplinam genericamente as 
 bases gerais das empresas públicas e que, por isso, projectariam efeitos sobre o 
 património regional, não têm (isto é, não podem ter, por a Constituição o 
 proibir desde a consagração constitucional da autonomia regional) aplicação 
 imediata, directa, e automática às empresas públicas regionais.
 Em meu entender, e em suma, não se verifica a apontada inconstitucionalidade, 
 pelo que daria provimento ao recurso.
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 
                                                    
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
                  Dissenti do presente julgamento de inconstitucionalidade por 
 não acompanhar a interpretação que nele é feita do alcance dos parâmetros 
 constitucionais para o efeito convocados. Assim, e quanto à alínea f) do número 
 
 5º do artigo 54º da Constituição, entendo que a consagração do direito aí 
 previsto é feita, como decorre do seu texto literal, “nos termos da lei”, o que 
 implica que a exequibilidade do preceito supõe a existência de uma 
 regulamentação legal “designadamente para o efeito de determinar quais os órgãos 
 sociais efectivamente abrangidos e qual o número de representantes dos 
 trabalhadores a eleger”, para utilizar as palavras do Acórdão nº 415/89, deste 
 Tribunal. Ora é essa inexistência de uma regulamentação legal que constitui a 
 hipótese de partida do raciocínio do presente acórdão, pelo que não podemos 
 subscrever a convocação, no presente caso, do preceito contido na alínea f) do 
 número 5 do artigo 54º da Constituição.
 
  
 
                  Ocorre porém que o acórdão retira a obrigatoriedade 
 constitucional de uma participação efectiva dos trabalhadores na gestão da A. do 
 artigo 89º da Constituição, ao considerar esta empresa uma “unidade de produção 
 do sector público”, nos termos daquela disposição. E que salienta que terá 
 existido concretização legal desta garantia institucional precisamente até ao 
 Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, cujo artigo 40º, nº 1, revogou o 
 Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, pondo assim termo à previsão legal das 
 formas de participação dos trabalhadores na gestão prevista neste diploma. É 
 nesta revogação (e na consequente não previsão da participação dos trabalhadores 
 na gestão das empresas públicas, tal como definidas no artigo 3º do referido 
 Decreto-Lei nº 558/99) que o acórdão alicerça a declaração de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
                  Não acompanhamos este juízo pelas considerações que brevemente 
 passamos a enunciar. A Constituição não contém, em nosso entender, um conceito 
 unívoco de “unidades de produção do sector público” e não vemos que seja 
 constitucionalmente imposto inserir neste conceito, para efeitos da sua 
 consideração no âmbito do artigo 89º da Constituição, as sociedades de direito 
 privado, constituídas nos termos da lei comercial e como tal sujeitas à lógica 
 daquela ordenação, em que entidades públicas (no caso a Região Autónoma dos 
 Açores) exerçam uma influência dominante, em virtude, no caso concreto, da 
 detenção da totalidade do capital. O regime jurídico destas sociedades é hoje o 
 regime jurídico comum, resultando o seu carácter de “empresa pública” (na 
 terminologia do Decreto-Lei nº 558/99) tão só da existência dessa influência 
 dominante. Não está assim constitucionalmente vedado que o legislador considere 
 que tais empresas possam, precisamente por a sua gestão não obedecer a regras 
 particulares, de direito público, que concretizem os objectivos específicos que 
 justificariam a sua inserção no sector público, não relevar deste sector de 
 propriedade dos meios de produção. Cremos na verdade que é lícito ao legislador 
 entender que a “mão estadual” em que se encontrariam estas sociedades comerciais 
 não implicaria necessariamente a sua inserção no sector público, relevante para 
 efeitos do artigo 89º da Constituição, diferentemente do que sucede com as hoje 
 designadas “entidades públicas empresariais”, estas sim objecto de um regime 
 distinto e próprio, herdeiras por isso das empresas públicas a que se referia o 
 Decreto-Lei nº 260/76 e no âmbito das quais a participação dos trabalhadores na 
 gestão continua a ser assegurada (vide o artigo 21º, nº 2 da Lei nº 99/2003, de 
 
 27 de Agosto, conjugado com o artigo 362º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho).
 
  
 
                  Importa recordar que, como é geralmente reconhecido (ver, por 
 exemplo, Eduardo Paz Ferreira, Direito de Economia, Lisboa, 2001, AAFDL, p. 263 
 e João Pacheco de Amorim, As Empresas Públicas no Direito Português, em especial 
 as Empresas Municipais, Coimbra, 2000, Almedina, p. 15), o Decreto-Lei nº 
 
 558/99, veio operar uma relevante redefinição do conceito de empresa pública, 
 que implicou um significativo aumento do universo das empresas nele abrangidas. 
 Neste conceito são hoje incluídas, não só as entidades a que se reportava o 
 conceito adoptado no artigo 1º do Decreto-Lei nº 260/76 (todas de carácter 
 institucional, e definidas como as “empresas criadas pelo Estado, com capitais 
 próprios ou fornecidos por outras entidades públicas, para a exploração de 
 actividades de natureza económica ou social, de acordo com o planeamento 
 económico nacional, tendo em vista a construção e desenvolvimento de uma 
 sociedade democrática e de uma economia socialista”), que passaram a ser  
 classificadas como “entidades públicas empresariais” (artigos 23º a 34º do 
 Decreto-Lei nº 558/99), como também as empresas encarregadas da gestão dos 
 serviços de interesse económico geral (definidas no artigo 19º daquele diploma e 
 cujo regime específico é cristalizado nos seus artigos 20º a 22º), e ainda todas 
 as “sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou 
 outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de 
 forma directa ou indirecta, uma influência dominante”, em virtude das 
 circunstâncias elencadas nas duas alíneas  do nº 1 do artigo 3º do mesmo diploma 
 
 (detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto e direito de designar ou 
 de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de 
 fiscalização).
 
  
 
                  Há-de assim concluir-se que a “participação efectiva dos 
 trabalhadores na gestão das unidades de produção do sector público” a que se 
 reporta o actual artigo 89º da Constituição apenas havia logrado exequibilidade, 
 através de medidas legislativas de carácter geral, como aliás o refere o acórdão 
 de que dissentimos, para as empresas públicas correspondentes às actuais 
 
 “entidades públicas empresariais”, sendo certo que tal participação, como o 
 acórdão aliás igualmente o reconheceu e como acima referimos, continua a estar, 
 quanto a elas, prevista.
 
  
 
  É certo, por outro lado, que uma concretização pontual deste direito, quanto à 
 A., se encontrou (até ao Decreto-Lei nº 276/2000) nos estatutos desta empresa 
 aprovados pelo Decreto-Lei nº 490/80, de 17 de Outubro, e, subsequentemente, 
 pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/88/A, de 5 de Fevereiro. Simplesmente não 
 cremos que, ao redimensionar o conceito de empresa pública, alargando-o 
 nitidamente pela inclusão de entidades que não preenchiam os requisitos da 
 anterior definição legal, o legislador estivesse constitucionalmente obrigado a 
 prever a “participação efectiva dos trabalhadores na gestão” em unidades de 
 produção que, correspondendo embora à nova definição de “empresas públicas” (nos 
 termos do artigo 3º do Decreto-Lei nº 558/99), não hão-de ser consideradas como 
 integradas no “sector público”, para efeitos do artigo 89º da Constituição, uma 
 vez que a sua actuação é disciplinada pelas regras do direito privado (o direito 
 comum) (artigo 7º), com expressa sujeição às normas de concorrência, nacionais e 
 comunitárias. (No sentido de que as empresas públicas estaduais, tal como 
 definidas no artigo 3º, nº 1, do Decreto-Lei  nº 558/99, não obedecem 
 necessariamente ao critério de delimitação do sector público (estadual) 
 estabelecido no artigo 82º, nº 2 da Constituição, veja-se Rui Medeiros, in 
 Constituição Portuguesa Anotada (de Jorge Miranda – Rui Medeiros), tomo II, 
 Coimbra, 2006, Coimbra Editora, anotação ao artigo 82º, p. 37). 
 
  
 
                  Independentemente pois da questão de saber se o Decreto-Lei nº 
 
 558/99 se aplica ou não (e em que termos) aos sectores empresariais das regiões 
 autónomas, entendemos que o legislador não está obrigado a concretizar, perante 
 um significativo alargamento do conceito de empresa pública, requerido além do 
 mais sobretudo pelas exigências de uma correcta aplicação do direito comunitário 
 
 (neste sentido, António Pinto Duarte, “Notas sobre o conceito e o regime 
 jurídico das empresas públicas estaduais, in Estudos sobre o novo regime 
 jurídico do sector empresarial do Estado (organização de Eduardo Paz Ferreira), 
 Coimbra, 2000, Almedina, pp. 61-88, p. 65), a participação  dos trabalhadores na 
 gestão de todas estas empresas, e designadamente na da A.. 
 
  
 
                  A não previsão de uma participação dos trabalhadores na gestão 
 destas empresas (aquelas a que se reporta o artigo 3º do Decreto-Lei nº 558/99) 
 inscreve-se assim, a nosso ver, na liberdade de conformação do legislador, que 
 não está constitucionalmente impedido, quando concretiza legislativamente um 
 preceito da lei fundamental, de, ao alargar o âmbito de um determinado conceito 
 
 (no caso o de empresa pública), prever soluções diferenciadas, neste particular, 
 para as distintas realidades jurídicas que a ele são reconduzidas. Entender o 
 contrário, e pretender cristalizar ne varietur as formas de participação dos 
 trabalhadores na gestão de entidades empresariais anteriormente consagradas (por 
 exemplo, nos estatutos da A.) implicaria, como dissemos, aderir a uma 
 interpretação do princípio da proibição do retrocesso que na nossa leitura o 
 texto constitucional não sufraga e que este Tribunal tem rejeitado (veja-se por 
 exemplo o acórdão nº 25/85 em que se considerou “impensável e, mesmo, aberrante 
 conceber um Estado manietado por forma a não poder editar legislação, 
 eventualmente interpretável como “de recuo” desde que isso o exija a prossecução 
 do bem comum”). Se o legislador não pode abolir de todo a legislação 
 concretizadora do disposto no artigo  89º, sob pena de inconstitucionalidade, já 
 não cremos sustentável que lhe está vedado,  no contexto de uma redefinição do 
 conceito de empresa pública em que o seu alcance é significativamente alargado, 
 reponderar os termos em que concretiza a garantia institucional contida naquele 
 preceito, limitando aquela concretização a alguns segmentos da realidade 
 jurídica que passou a ser recondutível àquele conceito. Tal não implicaria nem a 
 revogação simples (ou não substitutiva) de norma ordinária implementadora de 
 preceito constitucional não exequível por si mesmo, que alguns  autores (Paulo 
 Otero, em Vinculação e liberdade de conformação jurídica do sector empresarial 
 do Estado, Coimbra, 1998, Coimbra Editora, p. 21) consideram constitucionalmente 
 proibida, nem a violação de um princípio da proibição de recriar omissões 
 constitucionais, que outros erigem como limite ao poder revogatório do 
 legislador (assim Jorge Pereira da Silva, Dever de legislar e protecção 
 jurisdicional contra omissões  legislativas, Lisboa, 2003, Universidade Católica 
 Portuguesa, p. 245 e ss., esp. p. 282 e ss. e 286), uma vez que a concretização  
 legislativa da garantia constitucional se mantém, ainda que eventualmente com um 
 diferente alcance. O que não cremos sustentável é que a mera alteração 
 
 (ampliativa) do conceito de empresa pública, operada pelo Decreto-Lei nº 558/99, 
 seja suficiente para estender o alcance da mediação legislativa da garantia 
 constitucional, nela incluindo realidades jurídicas (as empresas públicas a que 
 se reporta o artigo 3º, nº 1 deste diploma) a que o poder de conformação do 
 legislador não havia alargado a exequibilidade dada àquele preceito 
 constitucional.
 
  
 
  Em face do que não descortinamos nos actuais estatutos da A. (aprovados pelo 
 Decreto-Lei nº 276/2000) como no Decreto-Lei nº 558/99 qualquer 
 inconstitucionalidade, ao não preverem expressamente a participação dos 
 trabalhadores na gestão. Pelo que concederíamos provimento ao recurso.
 
  
 Rui Manuel Moura Ramos