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Processo nº 166/07
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., 
 Lda., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea 
 a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional 
 
 (LTC), de decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 9 de Outubro 
 de 2006, mediante requerimento com o seguinte teor:
 
  
 
 «A Procuradora da República neste tribunal, não se conformando com a douta 
 sentença proferida nos autos em epígrafe, vem da mesma interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, por estar em tempo e ter legitimidade, recurso 
 obrigatório para o Ministério Público, nos termos do art° 70º nº 1 al. a) da Lei 
 
 28/82 de 15/10, restrito à questão de inconstitucionalidade decidida na 
 sentença, a qual recusou a aplicação da norma contida no art° 98° nº 1 do Código 
 do IRC, aprovado pelo DL nº 442-B/88 de 30/11, com a redacção introduzida pelo 
 DL 198/2001 de 03/07, norma cuja inconstitucionalidade se pretende que seja 
 apreciada pelo Tribunal Constitucional.
 O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo, 
 regendo-se pelo disposto nos art° 70° nº 1 al. a), 710º 72° nº 1 al. a) e nº 3, 
 
 74º, 75º, 75°-A nº 1, 76°, 78° e 79° da Lei 28/82 de 15/10».
 
  
 
 2. Na decisão recorrida pode ler-se, para o que agora releva, o seguinte:
 
  
 
 «5. O mérito do recurso.
 
 (…)
 Dispõe o n.º 1 do art.º 98.º do CIRC (Redacção do Decreto-lei n.º 198/2001- 3 de 
 Julho) que:
 
 «Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º, os sujeitos 
 passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto 
 no artigo 53º, ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar 
 durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e 
 Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação 
 não coincidente com o ano civil, no 3º mês e no 10º mês do período de tributação 
 respectivo».
 
  
 
                  E do art.º 33.º da LGT consta a seguinte comando:
 
 «As entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pêlos sujeitos 
 passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por 
 conta do imposto devido a final».
 
  
 
                  Por seu turno, o art.º 114.º do RGITT diz-nos o seguinte:
 
 «1. A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período 
 superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da 
 prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável 
 entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o 
 limite máximo abstractamente estabelecido.
 
 2. Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de 
 negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será 
 aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa 
 ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
 
 5. Para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da 
 prestação tributária:
 
 (…)
 f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a 
 título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações 
 de pagamento especial por conta.
 
 (…).»
 
  
 E a seu tempo o n.º 5 do art.º 27.º da Lei n.º 32-B/2002 de 30 de Dezembro 
 estatui o que segue:
 
 «O incumprimento do disposto no artigo 98.º do Código do IRC é punido, nos 
 termos da alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do Regime Geral das Infracções 
 Tributárias, com coima variável entre 50% e o valor da prestação tributária em 
 falta, no caso de negligência, e com coima variável entre o valor e o triplo da 
 prestação tributária em falta, quando a infracção for cometida dolosamente.»
 
  
 Também é sabido que no , n.º 4 do art.º 26.º do RGIT estabeleceu-se esta norma:
 
 «Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, os limites estabelecidos nos 
 números anteriores, os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos 
 diferentes tipos legais de contra-ordenação, são elevados para o dobro sempre 
 que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente 
 constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada.»
 
  
 Sendo as coisas assim e uma vez que a Arguida deixou de entregar nos cofres do 
 Estado o pagamento especial por conta a que a citada norma do art.º 98.º, n.º 1 
 do CIRC refere, naturalmente que a conclusão a retirar dessa situação seria a 
 que a Administração Fiscal retirou, a saber, o cometimento negligente da 
 contra-ordenação prevista e punível pelos demais normativos atrás referidos.
 Acontece, porém, que o n.º 2 do art.º 104.º da Constituição da República 
 Portuguesa reza assim:
 
 «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.»
 
  
 
                  E ainda relevante se mostra o que, ao tempo, dispunha o n.º 2 
 do art.º 98.º do CIRC (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 
 
 31 de Dezembro e que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 
 
 30/12, que lhe deu a actual redacção):
 
 «O montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios 
 relativo ao exercício anterior, com o limite mínimo de (euro) 1250, e, quando 
 superior, será igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o 
 limite máximo de (euro) 40000.»
 
  
 Discorrendo sobre o citado comando constitucional, refere o Prof. Saldanha 
 Sanches (em Manual de Direito Fiscal, 2.ª edição, página 263 e seguinte), que:
 
 «A proclamação constitucional do direito subjectivo do contribuinte a ser 
 tributado de acordo com o seu lucro real é uma particularidade do ordenamento 
 jurídico-tributário português. O legislador constitucional optou pela 
 consagração expressa desse direito.
 
 (…)
 Pode mesmo fazer-se um contraste entre a liberdade de conformação que tem o 
 legislador ordinário quanto às escolha do objecto de tributação e a escolha do 
 nível das taxas com a obtenção da igualdade na distribuição dos encargos 
 tributários que a Constituição lhe impõe: uma vez legalmente decidida a 
 tributação das empresas o modo como é distribuída a carga tributária entre elas 
 tem que respeitar o princípio da igualdade.
 E isso conduz-nos às regras de determinação do valor ou da quantificação do 
 imposto: uma zona onde uma obrigação de resultado, a distribuição justa dos 
 encargos tributários, incide sobre o legislador ordinário.
 E essa especifica concretização do princípio da igualdade vai exigir uma 
 tributação segundo o rendimento líquido objectivo o que por sua vez se vai 
 decompor num conjunto de sub-princípios …»
 
  
 
                  Daí que as dúvidas que sobre a questão assaltaram o Prof. 
 Casalta Nabais (em Direito Fiscal, 2.ª edição, 3.ª reimpressão da edição de 
 
 2003, página 263 e seguinte), as quais abaixo se sintetizam:
 
 «Introduzido em 1998, o pagamento especial por conta foi objecto de profundas 
 alterações na LOE/2003. Nos termos daquele artigo na redacção dada por esta Lei, 
 este pagamento é igual à diferença entre o valor correspondente a l % dos 
 respectivos proveitos ou ganhos do ano anterior, com o limite mínimo de € 1.250 
 e máximo de € 200.000 e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano 
 anterior. O pagamento especial por conta, diferentemente do que acontece com os 
 pagamentos por conta normais (que segundo o art.º 96.° dão lugar ao imediato 
 reembolso caso sejam superiores ao imposto devido), será deduzido, nos termos do 
 art.º 87.°, ao montante apurado na declaração periódica de rendimentos do 
 próprio exercício a que respeita ou, se insuficiente, até exercício seguinte.
 O que torna o pagamento especial por conta num empréstimo forçado ou mesmo num 
 imposto (na medida em que não venha a ser deduzido nos quatro exercícios 
 seguintes) de discutível constitucionalidade.»
 
  
 Note-se que nessa mesma linha seguiram Leite de Campos, Silva Rodrigues e Lopes 
 de Sousa, em Lei Geral Tributária - Comentada e Anotada, 3.ª edição, página 163 
 
 (em anotação ao citado art.º 33.º da LGT), como se pode ver deste passo dali 
 retirado:
 
 «As entregas em causa são qualificadas de pagamento por conta do imposto; sem se 
 indicar o seu regime jurídico, do qual tudo depende.
 As entregas pecuniárias antecipadas poderão ser entendidas em termos de 
 pagamentos fraccionados do imposto sujeitos às condições resultantes da 
 existência e do montante deste.
 Contra esta caracterização invocar-se-á, porventura, o princípio da capacidade 
 contributiva. Antes de verificado (completamente) o facto tributário não se sabe 
 sequer se há lugar a imposto. É certo que tais prestações assentam em 
 rendimentos passados que se presume manterem-se. Mas não se pode considerar como 
 facto tributário algo que não se prende com rendimentos, riqueza ou despesa 
 actuais.
 Tais prestações antecipadas poderão ser configuradas como meros financiamentos 
 ao Estado. Cria-se uma conta devedora do Estado que será compensada com o 
 imposto a pagar.
 Estaríamos, pois, nesta perspectiva perante empréstimos forçados, não se lhes 
 aplicando as normas dos impostos.
 Na tese aposta, dir-se-á que são prestações antecipadas do imposto devido a 
 final. Assim, aplicar-se-lhes-iam as normas dos impostos.»
 
  
 
                  Mais definitivo se mostrou João de Avillez Ogando, no estudo 
 citado pela Arguida (que vimos no sítio web da Ordem dos Advogados, de onde 
 seguimos o link para a página 
 http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=16885&idsc=16886&ida=16888), 
 o qual, inter alia, referiu:
 
 «No que em particular diz respeito à tributação das pessoas colectivas, a 
 Constituição da República Portuguesa adoptou, como critério aferidor da 
 capacidade contributiva das empresas, o seu lucro real, ao proclamar que “a 
 tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento 
 real”(19), o que demonstra claramente que a tributação das empresas deve 
 basear-se fundamentalmente na sua contabilidade, o que foi aliás adoptado pelo 
 legislador ordinário ao consagrar que “o lucro tributável (...) é constituído 
 pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações positivas 
 e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, 
 determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos 
 deste Código.”(20). 
 A determinação do lucro com base na contabilidade foi adoptada como critério de 
 aferição do rendimento real das empresas por ser a forma mais rigorosa de 
 determinar a imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados 
 das empresas, e por essa via, de apurar em atenção à sua capacidade 
 contributiva, a sua medida de oneração fiscal.
 
 (…)
 Até à reforma operada pelo Orçamento de Estado para 2003, não existia qualquer 
 dúvida de que como vimos, o pagamento especial por conta pago, com a 
 configuração que lhe era dada pela Lei n.° 30-G/ 2000 de 29 de Dezembro, 
 tinha-se transformado num verdadeiro e próprio imposto mínimo, dada a 
 impossibilidade de reembolso em caso de insuficiência de colecta, excepto em 
 situações de cessação de actividade. A verdade é que dada a sua baixa expressão 
 na contabilidade das empresas, o pagamento especial por conta encontrava-se 
 integrado no IRC, e era este que conferia legitimidade para a imposição do 
 pagamento especial por conta e não o contrário, sendo que quando constituía um 
 tributo não era contestado pela generalidade dos agentes económicos. 
 Ora, não temos hoje qualquer razão para sustentar entendimento diferente, pelo 
 que o actual regime do pagamento especial por conta continua a apresentá-lo como 
 um verdadeiro imposto sobre as vendas, e agora sobre os proveitos e ganhos. 
 Mais: com a actual configuração do pagamento especial por conta, quer no que diz 
 respeito à ampliação da sua base de incidência, quer no que diz respeito ao 
 aumento dos seus limites mínimo e máximo o método de cálculo do IRC passa a 
 definir-se como um conjunto de normas unicamente dirigidas à Administração 
 Tributária como segundo critério na cobrança de impostos sobre o rendimento das 
 pessoas colectivas. A utilidade das regras sobre tributação do lucro esgota-se 
 na questão de saber se a excepção se verifica, ou seja, se o pagamento especial 
 por conta foi insuficiente para cobrir uma outra colecta possível. Como segundo 
 critério na cobrança de impostos, o IRC passou apenas a ser uma forma de 
 legitimação da nova fórmula de tributação das empresas: a de um imposto 
 subsidiário sobre os proveitos e ganhos, pago em caso de insuficiência do lucro 
 tributável.
 
 (…)
 O pagamento especial por conta viola o princípio da tributação na medida da 
 capacidade contributiva, na sua função solidarista, ao não ter em linha de 
 conta—por ser calculado com a medida de uma taxa única sobre os proveitos (23) — 
 as diferenças económicas entre empresas, designadamente de que diferentes 
 sectores de actividade apresentam diferentes rácios de rentabilidade, e, por 
 conseguinte uma diferente capacidade para pagar imposto. Além disso, apresenta o 
 efeito perverso a que atrás se faz referência, de permitir às empresas que 
 apresentem volumes anuais de proveitos e ganhos superiores a e 20.000.000,00, de 
 apresentar inferiores rentabilidades dos proveitos e ganhos antes de impostos. É 
 do conhecimento geral, não apenas dos estudiosos das matérias económico 
 financeiras, que as vendas são um indicador que pode ser altamente falacioso 
 atenta a diversidade de actividades empresariais, uma vez que há negócios pouco 
 interessantes com elevadas rentabilidades de vendas mas com baixa rotação do 
 activo, podendo o inverso também ser verdadeiro. Quando ainda se acrescentam 
 outros proveitos e ganhos, sem distinção, ainda se agrava a sua iniquidade(24). 
 Viola ainda o princípio da capacidade contributiva na sua função garantística, 
 por duas vias: pois pagam em termos iguais os que podem e os que não podem 
 pagar, por não apresentarem rendimentos, sejam quais que não tenham forem os 
 seus proveitos — pois que sempre os terão ainda que não tenham lucro —, e ainda 
 por afastar arbitrariamente possibilidade de reembolso às empresas que sejam 
 susceptíveis de ser abrangidas pelo regime simplificado de tributação (25), o 
 que é incompreensível. 
 Finalmente e no âmbito do princípio da igualdade tributária, o pagamento 
 especial por conta viola outro seu corolário formal que é o princípio da 
 uniformidade na tributação, uma vez que a sua taxa é proporcional e não 
 progressiva (26), o que é indutor de maior desigualdade entre os contribuintes. 
 Como atrás se fez referência, caso se revele a insuficiência da colecta apurada 
 no ano a que se refere o pagamento especial por conta, o contribuinte pode 
 proceder à sua dedução até ao quarto exercício seguinte(27). Nesta 
 circunstância, o pagamento especial por conta perde a sua característica de 
 pagamento por conta passando a afirmar-se como uma entrega antecipada de imposto 
 de anos vindouros. Isto decorre aliás do disposto no artigo 33.° da Lei Geral 
 Tributária (28), que reforça esta ideia ao referir que os pagamentos por conta 
 do imposto devido a final são “entregas pecuniárias antecipadas que sejam 
 efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário”. 
 E isto viola o princípio da capacidade contributiva, pois esta não é levada em 
 consideração — como aliás não poderia em qualquer caso sê-lo por tratar-se do 
 pagamento por conta — e na medida em que a capacidade contributiva de anos 
 vindouros não existe, por ser indeterminada e indeterminável (29).»
 
  
 
                  Diremos, por fim, que a violação do mencionado princípio 
 constitucional da capacidade contributiva resulta patente na seguinte 
 circunstância (assinalada pelo jornal Diário Económico, edição de 27-01-2006, a 
 propósito da última alteração introduzida no pagamento especial por conta, vista 
 no sítio Web daquele periódico, a saber, 
 http://diarioeconomico.sapo.pt/edicion/diario_economico/edicion_impresa/impostos/pt/desarrollo/612881.html):
 
 «Outra alteração importante a esta matéria tem ver com o facto de, pela primeira 
 vez desde a criação do pagamento especial por conta em 1998, pelo Decreto-Lei 
 n.º 44/98, de 3 de Março, o Governo Português ter tomado uma posição em relação 
 ao pagamento especial por conta devido pelos sujeitos passivos que apenas 
 aufiram rendimentos isentos de IRC.
 
 (…) com esta alteração fica claro que o pagamento especial por conta, que até 
 agora era entendido como um adiantamento por conta do imposto devido a final, 
 também abrange os sujeitos passivos que tenham apenas rendimentos isentos de IRC 
 e que, de facto, podem não ter qualquer imposto devido a final.»
 
  
 
                  Ora, sendo as coisas assim e considerando que, de acordo com o 
 disposto no n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, 
 
 «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos 
 termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e 
 cobrança se não façam nos termos da lei», impõe-se concluir que a decisão que 
 aplicou a coima à Arguida violou o nosso texto legislativo fundamental e por 
 isso se não pode manter».
 
  
 
 3. Em 27 de Fevereiro de 2007, foi proferida decisão de não conhecimento do 
 recurso interposto, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com os 
 seguintes fundamentos:
 
  
 
 «Nos presentes autos levanta-se a questão de saber se podem dar-se como 
 verificados os requisitos do recurso previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º 
 da LTC, que cabe de decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer 
 norma, com fundamento em inconstitucionalidade. 
 No caso presente, da leitura integral da decisão recorrida não decorre qual seja 
 afinal a norma – se alguma foi – cuja aplicação o tribunal a quo recusou, com 
 fundamento em inconstitucionalidade. Ora, como se escreveu no Acórdão nº 
 
 530/2006, deste Tribunal (não publicado), proferido em recurso igualmente 
 interposto ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC,
 
  
 
 «É por demais sabido que o objecto dos recursos visando a fiscalização concreta 
 da constitucionalidade normativa é constituído por normas precipitadas no 
 ordenamento jurídico infra-constitucional.
 
 (…) para que se possa abrir o recurso de constitucionalidade, haverá nela [na 
 decisão judicial] de ser realizado um juízo que repouse ou tenha directo reflexo 
 num determinado preceito desse diploma, preceito esse que, em abstracto, seria 
 convocável para reger o decidido».
 
  
 Como na situação ali em análise, também agora é de afirmar que na decisão 
 recorrida não se encontra uma qualquer asserção da qual decorra, directa e 
 especificamente, a recusa de aplicação do preceito indicado no requerimento de 
 interposição de recurso. Pelo contrário, o que acaba por decorrer, de forma 
 directa e específica, é que a sentença que julga procedente o recurso da decisão 
 administrativa e que, em consequência, a anula, assenta num juízo de 
 inconstitucionalidade da decisão que aplicou a coima, à luz do preceituado no 
 artigo 103º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa:
 
  
 
 “(…) considerando que, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 103.º da 
 Constituição da República Portuguesa, «ninguém pode ser obrigado a pagar 
 impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham 
 natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da 
 lei», impõe-se concluir que a decisão que aplicou a coima à Arguida violou o 
 nosso texto legislativo fundamental e por isso se não pode manter”.
 
  
 Não tendo a sentença recorrida recusado a aplicação de qualquer norma – imputou 
 a uma decisão a violação de um preceito constitucional –, é de concluir pela não 
 verificação de um dos requisitos do recurso previsto na alínea a) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC, o que determina o não conhecimento do respectivo objecto e 
 justifica a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
 
  
 
 4. Desta decisão reclama agora o Ministério Público para a conferência, nos 
 termos previstos no 78º-A, nº 3, da LTC, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «1º
 Afigura-se que – percorrida a linha argumentativa expendida na decisão recorrida 
 
 – esta desaplicou – ao menos de forma implícita – a norma que constitui objecto 
 do recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público.
 
 2°
 Na verdade, a fundamentação da decisão recorrida passa pela consideração de que 
 o regime legal dos pagamentos por conta, em sede de IRC, viola o princípio da 
 capacidade contributiva, desaplicando, consequentemente, nos termos do artigo 
 
 103°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma que sujeita 
 determinadas pessoas ou entidades ao pagamento respectivo – o citado n° 1 do 
 artigo 98°.
 
 3º
 E ditando tal conclusão acerca da inconstitucionalidade da norma que cria a 
 referida obrigação de pagamento a insubsistência da contra-ordenação imputada à 
 entidade recorrente, sancionada pela decisão administrativa impugnada perante o 
 Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.
 
 4º
 Ou seja: no nosso entendimento, a anulação da decisão sancionatória da 
 Administração Fiscal passou necessariamente pela formulação de um precedente 
 juízo de inconstitucionalidade da norma fiscal que criou para a arguida a 
 obrigação de os sujeitos passivos, em sede de IRC, procederem aos pagamentos 
 especiais por conta, impostos pelo n° 1 do artigo 98° do CIRC – verificando-se, 
 pois, os pressupostos do recurso interposto pelo Ministério Público.
 
 5º
 Pendendo, aliás, na 2ª Secção, dois casos perfeitamente idênticos, em fase de 
 produção de alegações (procos. 163/07 e 189/07)».
 
  
 
 5. Notificada, a recorrida não respondeu.
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão de não conhecer o objecto do recurso interposto pelo Ministério 
 Público, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da LTC, assentou na não 
 verificação, no caso, do requisito da recusa de aplicação de norma, com 
 fundamento em inconstitucionalidade. 
 Sustenta agora o Ministério Público que, “percorrida a linha argumentativa 
 expendida na decisão recorrida”, esta teria desaplicado, “ao menos de forma 
 implícita”, o artigo 98º, nº 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das 
 Pessoas Colectivas (CIRC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de 
 Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, cuja 
 redacção é a seguinte:
 
  
 
 «Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º, os sujeitos 
 passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto 
 no artigo 53º, ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar 
 durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e 
 Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação 
 não coincidente com o ano civil, no 3º mês e no 10º mês do período de tributação 
 respectivo».
 
  
 Sucede, porém, que, analisada a fundamentação da decisão recorrida, dela não 
 decorre um qualquer juízo de inconstitucionalidade sobre a norma fiscal que cria 
 a obrigação de os sujeitos passivos, em sede de IRC, procederem a pagamentos 
 especiais por conta. 
 De facto, em tal decisão não se encontra uma qualquer asserção da qual decorra, 
 ainda que de forma implícita, a recusa de aplicação do preceito indicado no 
 requerimento de interposição de recurso – o nº 1 do artigo 98º CIRC. Percorrida 
 a linha argumentativa da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, 
 construída a partir de várias posições doutrinais, o que dela decorre é apenas 
 uma apreciação, designadamente à luz do disposto no nº 2 do artigo 104º da 
 Constituição – a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu 
 rendimento real –, da forma como é determinando o montante do pagamento especial 
 por conta. O qual é igual a 1% do volume de negócios relativo ao exercício 
 anterior, com o limite mínimo de € 1250, ou, quando superior, igual a este 
 limite acrescido de 20% da parte excedente, com o limite máximo de € 40 000, 
 segundo o artigo 98º, nº 2, do CIRC. Assim sendo, seria esta a norma cuja 
 aplicação foi recusada implicitamente e não a identificada no requerimento de 
 interposição de recurso.
 Resta, pois, concluir pelo indeferimento da presente reclamação, mantendo a 
 decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do 
 recurso.
 Lisboa, 30 de Março de 2007
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício