 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 936/09
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
 
 Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o 
 Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 acórdão daquele Tribunal de 8 de Outubro de 2009.
 
  
 
 2. Em 24 de Novembro de 2009, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do 
 disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, com o seguinte fundamento:
 
  
 
 «Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do 
 artigo 70º da LTC a suscitação prévia e de forma adequada, perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela 
 conhecer, da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida 
 
 (artigo 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC).
 Este requisito não se pode dar como verificado, designadamente na passagem da 
 peça processual que o recorrente indica em cumprimento do disposto na parte 
 final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC. 
 Ao questionar a constitucionalidade das interpretações dadas às normas aplicadas 
 na decisão instrutória, das normas que nela não se encontram expressamente 
 invocadas, mas que lhe subjazem na sua sustentação, e das convocadas pelo 
 recorrente na motivação do recurso, é manifesto que o recorrente não suscita 
 perante o Tribunal da Relação de Lisboa qualquer questão de constitucionalidade 
 em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Se, por um lado, o recorrente 
 não especifica as interpretações que questiona, sendo certo que quando “se 
 suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de 
 certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em 
 termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder 
 enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do 
 direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser 
 aplicadas com um tal sentido” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 106/99, 
 disponível em www.tribunalconstitucional.pt); por outro, não identifica as 
 disposições legais às quais são reportadas as normas questionadas, sendo certo 
 que “a norma sujeita a fiscalização aparece sob a veste de um texto, de um 
 preceito ou disposição (artigo, base número, parágrafo, alínea) e é a partir 
 dessa forma verbal que há-de ser encontrada, através dos métodos hermenêuticos” 
 
 (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, vol. VI, 2ª 
 edição, 2005, p. 166)».
 
  
 
 3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, invocando o seguinte:
 
  
 
 «A doutíssima decisão sumária recorrida rejeita liminarmente o presente recurso 
 por vício formal de desadequação recursiva uma vez que considera que o 
 recorrente não terá colocado as questões de eventual inconstitucionalidade 
 interpretativa ante o Venerando Tribunal da Relação de forma a este estar 
 obrigado a delas conhecer, mormente identificando a interpretação tomada que 
 argúi de violadora dos imperativos fundamentais “(...)de modo a que os 
 destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa 
 
 (ou essas) normas não podem ser aplicadas em tal sentido.”, caso seja declarada 
 a inconstitucionalidade. 
 Ora, a verdade é que se encontra o recorrente na delicada situação de que na 
 decisão de 1.ª instância não se encontram com clareza qual o sentido dado às 
 normas aplicadas, ainda menos qualquer fundamentação clara sobre as razões da 
 inaplicabilidade de outras normas legais, concomitantes com as que sustentam a 
 decisão, aquelas que o próprio recorrente veio invocar em sede recursiva, 
 obrigando-o a um excessivo esforço indutivo, interpretando aquilo que o “parece” 
 poder retirar-se do texto decisório, segundo regras lógicas indutivas acessíveis 
 ao cidadão médio.
 E tal raciocínio indutivo manifestou-se bastante para o tribunal superior 
 apreciar e decidir sucintamente nos seguintes termos: 
 
 “Por isso, desde já, se afasta qualquer das inconstitucionalidades invocadas nas 
 doutas alegações de recurso, pois não existe qualquer violação ao princípio da 
 igualdade ou foi, por qualquer forma, coarctado o acesso à justiça (...)” 
 Ficando clarividente que o tribunal a quo tomou conhecimento, analisou, 
 interpretou e tomou decisão específica sobre as concretas questões de 
 inconstitucionalidade arguidas pelo recorrente, assentando conclusivamente um 
 entendimento da inexistência de qualquer lesão do direito constitucional.
 Afigura-se ao recorrente que, in casu, a regra geral da adequação formal de 
 arguição de inconstitucionalidades ao longo do processo foi por si cumprida na 
 forma possível, ante a escassez e/ou omissão de fundamentação de direito na 
 decisão de 1ª instância, que lhe impossibilita “entrar”, com perfeição, no 
 espírito da decisão sindicada, tendo que lançar mão de meios indutivos por via 
 de raciocínios lógicos e presunções possíveis.
 Ante o incumprimento do tribunal primário desta obrigação de fundamentar de 
 direito, com clareza, o recorrente fez o que estava ao seu alcance para 
 demonstrar o erro jurídico naquela concreta decisão, a partir dos elementos 
 processuais que o tribunal lhe facultava.
 Este incumprido ónus de fundamentação clara não deve agora ser invocado e servir 
 de âncora ao conhecimento das questões colocadas a juízo, em especial com o 
 fundamento de não ter sido colocada apropriadamente perante o tribunal superior 
 a matéria objecto da discordância jurídica, pois que foram indicadas no local 
 próprias, as conclusões, as normas legais incorrectamente interpretadas – as 
 aplicadas e as omissas que deveriam ter sido consideradas na decisão – e o 
 entendimento que se alcançava do texto decisório, as normas constitucionais 
 violadas e a tese jurídica que se considera apropriada à luz da lei fundamental, 
 matéria que, junto com a indicação dos concretos momentos processuais em que se 
 haviam explanado, fez parte integrante do recurso apresentado a este subido 
 tribunal.
 O ónus de invocar argumentos legais não expressos nem entendíveis na decisão 
 recorrida, mostra-se excessivo e inadequado, deixando caminho aberto a que um 
 qualquer julgador, em abstracto, possa afastar, mesmo que inconscientemente, a 
 possibilidade de ver uma decisão sua arguida de violação de regras 
 constitucionais através de uma mera omissão de indicação das normas legislativas 
 que aplicou, mesmo que tal constitua uma violação aos princípios de decidir e 
 fundamentar, cerceando in limine ao cidadão utente dos serviços de administração 
 de justiça o direito, constitucionalmente consagrado, de defender as seus 
 interesses e direitos através de recurso e segundo a aplicação de normas 
 processuais equitativas que tutelem tal direito.
 Perfilando-se assim, salvo o devido e merecido respeito, que muito é, um notório 
 erro na apreciação das regras de adequação formal à especificidade concreta 
 deste caso, patente desde logo em que o Venerando Tribunal da Relação não 
 consignou qualquer dificuldade em entender o objecto do recurso que apreciava, 
 nem a suscitação da inconstitucionalidade interpretativa que lhe era submetida, 
 tampouco das normas erradamente interpretadas ou das violadas, decidindo-a».
 
  
 
  
 
 4. Notificado, o Ministério Público respondeu o seguinte:
 
  
 
 «1º
 Pela Decisão Sumária de fls. 843 a 846 decidiu-se não conhecer do objecto do 
 recurso porque, durante o processo, não tinha sido suscitada, de forma adequada, 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, não tendo ainda sido 
 identificadas as disposições legais, às quais as normas questionadas se 
 reportavam.
 
 2º
 Na reclamação apresentada, o recorrente não apresenta qualquer argumentação que 
 possa abalar os fundamentos da decisão.
 
 3º
 Na verdade, invocar a deficiente fundamentação da decisão da 1.ª instância não é 
 suficiente para dispensar o recorrente do cumprimento daquele ónus, até porque, 
 as questões ali tratadas, foram-no de forma perceptível.
 
 4º.
 Também não é relevante a afirmação constante do Acórdão da Relação (a decisão 
 recorrida), no sentido de afastar qualquer das inconstitucionalidades invocadas 
 na motivação do recurso.
 
 5º.
 Isto porque a competência do Tribunal Constitucional exerce-se, exclusivamente, 
 no controlo da constitucionalidade normativa, podendo perfeitamente ser 
 discutidas inconstitucionalidades que não se enquadrem naquele conceito.
 
 6º.
 Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação»
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 A decisão reclamada concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso por não 
 se verificar um dos seus requisitos: a suscitação prévia e de forma adequada, em 
 termos de o tribunal recorrido estar obrigado a dela conhecer, da questão de 
 inconstitucionalidade cuja apreciação seja requerida (artigos 71º, nº 1, alínea 
 b), e 72º, nº 2, da LTC). 
 O reclamante sustenta que cumpriu a regra geral da adequação formal de arguição 
 de inconstitucionalidades ao longo do processo da forma possível, ante a 
 escassez e/ou omissão de fundamentação de direito na decisão de 1.ª instância, 
 acrescentando que o ónus de invocar argumentos legais não expressos nem 
 entendíveis na decisão recorrida se mostra excessivo e inadequado. Refere-se, 
 concretamente, à seguinte passagem da peça processual pertinente:
 
  
 
 «As interpretações dadas a todas as normas aplicadas na decisão instrutória pelo 
 tribunal a quo, como também nas que nela não se encontram expressamente 
 invocadas mas lhe subjazem na sua sustentação, e as convocadas agora pelo 
 recorrente ao longo do presente recurso, violam os imperativos dos art.°s 3.°, 
 n.° 2, 9.°, alínea b), 12.°, n.° 1, 13.°, 20.°, n.°s 1, 4 e 5, 32.°, n.° 7, 
 
 202.°, n.° 2, 203.°, 266.°, 268.°, n.°s 3 a 6, e 271.°, todos da Constituição da 
 República Portuguesa, tendo-se por correctos os entendimentos que se expressam 
 ao longo das conclusões que antecedem na sua correlatividade, concomitância e 
 complementaridade, corolário das motivações que as sustentam e explicitam e que 
 delas fazem parte integrante como se nelas estivessem transcritas».
 
  
 A via do recurso de constitucionalidade só fica aberta depois de o recorrente 
 ter questionado de forma adequada, perante o tribunal que proferiu a decisão 
 recorrida, a constitucionalidade da (s) norma (s) que este venha a aplicar como 
 ratio decidendi. Não ficando o recorrente dispensado deste ónus, estabelecido 
 nos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC, quando ocorram 
 circunstâncias do tipo das invocadas na presente reclamação. Tanto mais quanto 
 as partes têm sempre a possibilidade de requerer a aclaração das decisões 
 judiciais e de arguir a nulidade das mesmas.
 Como aquele requisito não se pode dar por verificado, há que confirmar a decisão 
 de não conhecimento do objecto do recurso interposto. Sendo certo que o tribunal 
 recorrido, diferentemente do sustentado pelo reclamante, não decidiu qualquer 
 questão de constitucionalidade normativa que lhe tenha sido posta em termos de 
 este estar obrigado a dela conhecer. 
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão reclamada.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão