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Processo nº 707/2005
 Plenário 
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza 
 
                (Maria Fernanda Palma)
 
  
 
  
 
                                                                                
 Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
 1. Por acórdão da 2ª Vara Criminal de Lisboa de 20 de Abril de 2004, A. foi 
 condenado, como autor material, pela prática de um crime de tráfico de 
 estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º., n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 
 
 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A anexa.
 Inconformado, interpôs recurso, mas a condenação foi confirmada por acórdão do 
 Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Junho de 2005.
 Recorreu, então, para o Supremo Tribunal de Justiça. 
 O recurso não foi, porém, admitido. Por despacho de 22 de Julho de 2005, o 
 relator entendeu que, tendo a Relação confirmado o acórdão de 1ª instância, e 
 tendo o arguido sido condenado na pena de 6 anos de prisão, não podia recorrer 
 para o Supremo Tribunal de Justiça, como resultaria da regra do artigo 400º., 
 n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal, conjugada com a proibição de 
 
 “reformatio in pejus” (artigo 409º. do mesmo Código).
 
             O arguido reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, 
 mas a reclamação foi indeferida, nestes termos:
 
      “Ao recorrente A. foi aplicada pena de prisão inferior a oito anos, tal 
 como já explicou a Relação de Lisboa (fls 162 verso). 
 
      O recurso não é admissível com fundamento no artigo 400º., n.º 1, alínea f) 
 do C.P.P. – o que traduz jurisprudência dominante no Supremo”.
 
  
 
 2. Veio então o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º. da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 
 pretendendo a apreciação do: 
 
 “artº 400º. alínea f) do CPP, se interpretado, como o faz a decisão recorrida, 
 no sentido de recusar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão 
 da Veneranda Relação de Lisboa, confirmativo de acórdão anterior da instância, 
 em que se julga um crime de tráfico de droga, a que corresponde, em termos de 
 moldura penal tipicizadora da infracção, a pena de prisão de 4 a 12 anos (artº 
 
 21.º do DL 15/93 de 22.01). Este artigo (o 400.º alínea f) do CPP), se 
 interpretado no sentido e com a dimensão interpretativa de que não é possível o 
 recurso para o STJ de acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, que confirmou a 
 pena de SEIS ANOS DE PRISÃO aplicada ao arguido, encontra-se por tal motivo 
 ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material (...)” seria 
 inconstitucional, por violação do “texto constitucional, ‘maxime’ o disposto nos 
 artºs 18.º n.º 2 e 32.º n.º 1 da CRP'.
 
  
 Pelo acórdão n.º 628/2005 deste Tribunal, foi concedido provimento ao recurso e 
 proferida decisão julgando “inconstitucional, por violação do direito ao recurso 
 conjugado com o princípio da igualdade (artigos 32º, n.º 1, e 13º, n.º 1, da 
 Constituição), a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código 
 de Processo Penal, na interpretação segundo a qual não é admissível o recurso 
 interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, quando a pena 
 de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a oito anos, mas a pena 
 concretamente aplicada ao arguido – insusceptível de agravação por foça da 
 proibição da reformatio in pejus – tenha sido inferior a oito anos.”
 
  
 
 3. Invocando contradição com o acórdão n.º 640/2004, que julgara não ser 
 desconforme com a Constituição a mesma norma, o Ministério Público recorreu para 
 o Plenário do Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 79º-D da 
 Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
 O recurso foi admitido.
 Apenas apresentou alegações o Ministério Público, sustentando o juízo de não 
 inconstitucionalidade e formulando as seguintes conclusões:
 
  
 
 “1 - A interpretação normativa da alínea f) do n° 1 do artigo 400° do Código de 
 Processo Penal segundo a qual, no caso de dupla conforme, o arguido condenado em 
 pena concreta inferior a 8 anos de prisão não tem interesse legítimo em aceder 
 ao Supremo para obter uma atenuação de tal pena, – estando irremediavelmente 
 precludido, por via do princípio da proibição da 'reformatio in pejus', que, 
 nesse recurso, possa ocorrer uma agravação da pena concreta de prisão 
 efectivamente aplicada – tendo, pelo contrário, o Ministério Público interesse 
 legítimo em aceder ao Supremo para, como representante da acusação, pugnar pelo 
 agravamento de tal pena concreta, aproximando-a ou fazendo-a coincidir com 
 aquele máximo legal, tido por relevante para delimitar o acesso ao Supremo 
 Tribunal de Justiça, não viola o princípio constitucional da igualdade, 
 conexionado com o direito ao recurso.
 
 2 - Na verdade, a diferenciação de posições daqueles sujeitos processuais, no 
 que se refere ao acesso ao Supremo, assenta na própria diversidade que – em 
 termos de lógica jurídica intrínseca – subjaz, pela 'natureza das coisas', aos 
 recursos interpostos pela defesa e pela acusação, visando objectivos diferentes 
 e antagónicos – e permitindo, por isso, que o interesse em agir dos respectivos 
 sujeitos processuais seja aferido autonomamente.
 
 3 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de não inconstitucionalidade, 
 formulado no citado Acórdão n° 640/04.”
 
  
 O recorrido não alegou.
 
  
 
 4. Feita a discussão do memorando apresentado e apurado o vencimento, foi 
 deliberado, por maioria, conceder provimento ao recurso. Houve, portanto, 
 mudança de relatora.
 Para o efeito, e salientando que apenas lhe cabe apreciar a norma que constitui 
 o objecto do recurso do ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, 
 não lhe competindo julgar a interpretação do direito ordinário de que resultou, 
 o Tribunal entendeu reafirmar o juízo de não inconstitucionalidade constante do 
 acórdão n.º 640/2004, nos termos e pelos fundamentos dele constantes.
 Escreveu-se no acórdão n.º 640/2004: 
 
  
 
 “(...) não cabe na competência deste Tribunal aferir do bem ou mal fundado desta 
 interpretação, designadamente do seu decisivo pressuposto interpretativo que 
 consiste em  a gravidade da “pena aplicável” que o legislador tomou como 
 referente ser a pena (máxima) que, nas circunstâncias concretas da limitação ao 
 poder cognitivo do tribunal ad quem inerente à  proibição da reformatio in 
 pejus,  possa ser judicialmente aplicada e não aquela que corresponda ao limite 
 máximo da moldura penal abstracta fixada no correspondente tipo legal.       
 
      (...)
 
      4. Qualquer destas normas [ as das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400º 
 do Código de Processo Penal] foi já sujeita ao escrutínio de 
 constitucionalidade, quanto à perspectiva da violação do direito ao recurso, 
 questão que se  reconduz ao problema de saber se o direito ao recurso consagrado 
 no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um triplo grau de jurisdição. 
 Sempre sem sucesso, como pode ver‑se nos acórdãos n.ºs 49/03 e 377/03 [no que 
 toca à norma da alínea e)] e nos acórdãos n.ºs 189/01, 336/01, 369/01, 495/03 e 
 
 102/04 [no que respeita à alínea f)], todos disponíveis em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt.
 Lembrando esta jurisprudência, disse-se no acórdão n.º 495/03 (que pode 
 consultar-se em http://www.tribunalconstitucional.pt), o seguinte:
 
 “Ora é exacto que o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou que 
 
 «no nº 1 do artigo 32º da Constituição consagra-se o direito ao recurso em 
 processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas 
 a Constituição já não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo 
 recurso, ou a um triplo grau de jurisdição. O Tribunal Constitucional teve já a 
 oportunidade para o afirmar, a propósito dos recursos penais em matéria de 
 facto: “não decorre obviamente da Constituição um direito ao triplo grau de 
 jurisdição, ou ao duplo recurso” (acórdão nº 215/01, não publicado)». 
 Esta afirmação, feita  no acórdão n.º 435/01 (disponível, tal como o acórdão n.º 
 
 215/01, em http://www.tribunalconstitucional.pt) foi proferida justamente a 
 propósito da apreciação da alegada inconstitucionalidade da “norma do artigo 
 
 400º, nº1, alínea f) do CPP', tendo o Tribunal Constitucional concluído, tal 
 como, aliás, já fizera nos acórdãos n.ºs 189/01 e 369/01 (também disponíveis em  
 http://www.tribunalconstitucional.pt) que “ não viola o princípio das garantias 
 de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da Constituição”.
 A verdade, todavia, é que a apreciação então realizada tomou sempre como objecto 
 tal norma interpretada no sentido de que a mesma se “refere (...) claramente à 
 moldura geral abstracta do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 
 anos: é este o limite máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso 
 de infracções que define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de 
 acórdão condenatórios das relações que confirmem a decisão de primeira 
 instância” (cit. acórdão n.º 189/01).
 Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de 
 constitucionalidade que o ora reclamante pretende que seja apreciada no recurso 
 que interpôs, no acórdão n.º 451/03 (também disponível em   
 
 www.tribunalconstitucional.pt), nos seguintes termos:
 
      «É certo que a interpretação normativa agora em causa não coincide com a 
 que foi apreciada no Acórdão n.º 189/01 - neste a questão tinha directamente a 
 ver com a pena aplicável em caso de concurso de infracções.
 
      A verdade, porém, é que, no confronto com o artigo 32º n.º 1 da 
 Constituição, a questão da conformidade constitucional da interpretação 
 normativa adoptada no acórdão recorrida se coloca nos mesmos termos.
 
      Com efeito, a resolução da questão de constitucionalidade passa por saber 
 quais os limites de conformação que o artigo 32º n.º 1 da CRP impõe ao 
 legislador ordinário, em matéria de recurso penal.
 
      E a resposta é dada no Acórdão n.º 189/01 no sentido de não haver 
 vinculação a um triplo grau de jurisdição e de ser constitucionalmente 
 admissível uma restrição ao recurso se ela não for desrazoável, arbitrária ou 
 desproporcionada. 
 
      Ora, não podendo o Tribunal Constitucional censurar as interpretações 
 normativas que, no estrito plano do direito infraconstitucional, são feitas nas 
 decisões recorridas, a inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça de uma decisão proferida em 2º grau de jurisdição que confirma a 
 condenação decretada em 1ª instância, - quando esse recurso é apenas interposto 
 pelo arguido e, por força da proibição da reformatio in pejus, o STJ nunca 
 poderá impor pena superior a 7 anos de prisão -, afigura-se racionalmente 
 justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o STJ com a resolução de 
 questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso 
 concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o 
 direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a 
 pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto 
 
 à condenação.
 
      Tanto basta para entender que a questionada interpretação normativa não 
 incorre em violação do artigo 32º n.º 1 da Constituição.
 
      (...)
 
      No caso, o que sucedeu foi que o tribunal ' a quo' integrou no conceito de 
 
 'pena aplicável' constante da norma do artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP, 
 também, as situações em que, confirmada pela relação a decisão condenatória 
 proferida em 1ª instância e sendo o recurso apenas interposto pelo arguido, 
 nunca o STJ pudesse aplicar pena superior a oito anos de prisão».
 
  
 
      Estas razões, mais directamente dirigidas à alínea f) mas que valem para o 
 domínio de previsão comum (e, no caso, concorrente) das duas normas (...) –  
 neste passo, o problema de constitucionalidade é sempre o do terceiro grau de 
 jurisdição ou do duplo grau de recurso –, são suficientes para concluir que o 
 sentido normativo questionado não  viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, 
 na vertente do direito ao recurso em processo penal.
 
      5. Sucede que o recorrente pretende o contraste das normas em causa também 
 com o “princípio da igualdade de armas”. 
 
      A propósito do denominado princípio da igualdade de armas em processo 
 penal, embora fiscalizando norma de sentido inverso àquelas cuja validade 
 constitucional agora apreciamos – questionava-se aí o artigo 646.º, n.º 6, do 
 Código de Processo Penal de 1929, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 
 n.º 402/82, de 23 de Setembro, com a interpretação do Assento do Supremo 
 Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 1987, que vedava ao assistente e ao 
 Ministério Público uma via de recurso que o sistema facultava ao arguido – disse 
 este Tribunal, no acórdão n.º 132/92, publicado no Diário da República, II 
 série, de 24 de Julho de 1992, o seguinte:
 
 “[ .. ] No estrito âmbito do direito de defesa, o princípio da igualdade em 
 matéria de recursos só pode conceber-se em benefício da defesa, isto é, tem de 
 ser uma igualdade ao serviço do acusado; caso contrário, já estaremos fora do 
 direito de defesa, já estaremos no âmbito do direito de acesso à justiça.
 Com efeito, enquanto instrumento do direito de defesa, o direito ao recurso só 
 pode operar no sentido de evitar que o arguido seja colocado em situação de 
 desfavor face à acusação, no âmbito dos meios processuais que podem ser 
 validamente utilizados na formação da convicção do tribunal, isto é, das bases 
 argumentativas da decisão.
 
 É certo que este Tribunal já postulou a necessidade de uma igualdade entre a 
 acusação e a defesa, e justamente em matéria de recursos,  no Acórdão n.º 17/86 
 e no Acórdão n.º 8/87, suplemento ao Diário da República  I série, de 9 de 
 Fevereiro de 1987.
 Mas tal posição foi depois abandonada nos Acórdãos n.ºs 398/89 e 496/89 (Diário 
 da República, 2ª série, de 14 de Setembro de 1989 e de 1 de Fevereiro de 1990, 
 respectivamente), que aderiram expressamente a uma observação feita por 
 Figueiredo Dias a propósito do principio da «igualdade de armas) «Sobre os 
 sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», in O Novo Código de 
 Processo Penal, «Jornadas de direito processual penal», Ed. Almedina, Coimbra, 
 
 1988, pp. 30-31):
 Este princípio - que, de um ponto de vista jurídico-positivo, a doutrina e a 
 jurisprudência dos países do Conselho da Europa retiram do disposto no artigo 
 
 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – não pode, sob pena de 
 erro crasso, ser entendido como obrigando ao estabelecimento de uma igualdade 
 matemática ou sequer lógica. Fosse assim e teriam de ser fustigadas pela crítica 
 numerosas normas com bom fundamento – e, na verdade, ainda maior número delas 
 referentes a faculdades concedidas ao arguido do que ao Ministério Publico! 
 Desde logo feririam aquela «igualdade» princípios – até jurídico‑constitucionais 
 
 – como os da inviolabilidade do direito de defesa. da presunção de inocência do 
 arguido ou do in dubio pro reo. Mas feri-la-iam também faculdades 
 especificamente conferidas ao arguido no julgamento e que não têm qualquer 
 correspondência quanto à acusação [...] E sobretudo – se ali se tratasse de uma 
 igualdade puramente formal – tornar-se-ia necessário, ou desligar o Ministério 
 Público do seu dever (estrito) de objectividade, ou pôr um dever correspondente 
 a cargo do arguido!
 Torna-se assim evidente que a reclamada «igualdade» de armas processuais – uma 
 ideia em si prezável e que merece ser mantida e aprofundada – só pode ser 
 entendida com um mínimo aceitável de correcção quando lançada no contexto mais 
 amplo da estrutura lógico-material da acusação e da defesa e da sua dialéctiva. 
 Com a consequência de que uma concreta conformação processual só poderá ser 
 recusada como violadora daquele princípio de igualdade quando dever 
 considerar-se infundamentada, desrazoável ou arbitrária; como ainda quando 
 possa reputar-se substancialmente discriminatória à luz das finalidades do 
 processo penal, do programas político-criminal que àquele está assinado, ou dos 
 referentes axiológicos que o comandam.
 
 [ ... ]”
 
  
 Depois de recordar que o processo penal português não é um processo de partes e 
 de realçar jurisprudência e doutrina no sentido de que, em  processo penal, o 
 princípio da igualdade de armas tem sido chamado a “opera[r] essencialmente no 
 
 âmbito do direito de defesa, no âmbito da preocupação de não colocar o arguido 
 em desvantagem relativamente aos meios processuais de que dispõe a acusação com 
 vista à formação da convicção do tribunal”, o acórdão n.º 132/92 conclui que “o 
 princípio da igualdade de armas não é um princípio absoluto em processo penal e, 
 portanto, só tem de ser aplicado, em toda a sua plenitude, para nivelar a 
 posição dos sujeitos processuais dentro do âmbito do direito de defesa, e em 
 favor da mesma defesa”.
 
      Na linha deste entendimento, importa saber se, não sendo o processo penal 
 português concebido como um processo de partes, sem prejuízo da tendencial 
 igualdade de armas que, dentro do processo, se procurou estabelecer entre a 
 acusação e a defesa (Figueiredo Dias, “Os princípios estruturantes do processo e 
 a revisão de 1998 do Código de Processo Penal”, Revista Portuguesa de Ciência 
 Criminal, Ano 8, Fasc. 2º, pág. 205), ainda satisfaz as exigências 
 constitucionais de um processo equitativo  a norma que, perante decisão 
 proferida em 2º grau de jurisdição,  permite à acusação interpor recurso com o 
 objectivo de agravamento da pena e veda à defesa a interposição de recurso 
 
 (autónomo) em ordem a obter a redução da mesma pena ou a absolvição.
 
      Efectivamente, para concluir pela violação do referido princípio não basta 
 que, na interpretação adoptada pelo acórdão recorrido, as normas em causa 
 coloquem o arguido e o Ministério Público (ou o assistente) numa posição 
 assimétrica. Igualdade de armas significa a atribuição à acusação e à defesa de 
 meios jurídicos igualmente eficazes para tornar efectivos os direitos 
 estabelecidos a favor da acusação e da defesa. O que, como diz Cunha Rodrigues, 
 
 “Sobre o princípio da igualdade de armas”, Revista Portuguesa de Ciência 
 Criminal, Ano 1, Fasc. 1, pag. 91, “tendo em conta o lastro histórico relativo à 
 evolução da opinião jurídica sobre o problema, conduzirá a que o princípio 
 funcione como sensor do maior ou menor grau com que, na prática, se efectivam os 
 direitos da defesa”. Retomando a expressão de Figueiredo Dias transcrita no 
 acórdão n.º 132/92, “uma concreta conformação processual só poderá ser recusada 
 como violadora daquele princípio de igualdade quando dever considerar-se 
 infundamentada, desrazoável ou arbitrária; como ainda quando possa reputar-se 
 substancialmente discriminatória à luz das finalidades do processo penal, do 
 programa político-criminal que àquele está assinado, ou dos referentes 
 axiológicos que o comandam”.
 
      Ora, já vimos que tem fundamentação material reservar o acesso ao Supremo 
 Tribunal de Justiça aos casos considerados pelo legislador como mais importantes 
 e que não é desrazoável ou arbitrário um critério que arranque da gravidade da 
 pena que possa ser imposta (critério da “determinação concreta da competência” 
 estendido à fase de recurso). Nesta perspectiva, a defesa e a acusação estão em 
 posição substancialmente diferente. A pretensão processual (lato sensu) da 
 acusação é que o Supremo imponha uma pena que se situa nesse patamar de 
 gravidade sancionatória eleito como critério de relevância da sua intervenção, 
 enquanto que a da defesa quando recorre da aplicação de uma pena que não atingiu 
 esse patamar é a inversa (obter uma pena inferior e, portanto, mais afastada do 
 indicador de relevância do caso que foi escolhido pelo legislador como critério 
 de acesso ao Supremo). Pelo que, por este ângulo, não estando 
 constitucionalmente assegurado o 3º grau de jurisdição e cabendo o referido 
 critério na margem de discricionariedade legislativa na conformação do recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça em matéria de processo penal (Cf., supra n.º 
 
 4) a diferenciação de tratamento entre a acusação e a defesa não é arbitrária ou 
 desrazoável, antes corresponde ao objectivo, que não é constitucionalmente 
 ilegítimo, de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para os 
 casos mais importantes, aferida esta importância directamente pela 
 potencialidade de inflicção de uma  pena que ultrapasse um estipulado grau de 
 gravidade e não pelo desvalor social daquele tipo de ilícito, indiciado pela 
 moldura penal abstracta.
 
      Finalmente, ainda dentro deste parâmetro, importa averiguar se essa 
 diferenciação passa o teste de constitucionalidade “à luz das finalidades do 
 processo penal, do programa político‑criminal que àquele está assinalado e dos 
 referentes axiológicos que o comandam”, para utilizarmos a formulação acima 
 transcrita.
 
      Num primeiro exame, poder-se-ia dizer que, a um programa constitucional do 
 processo penal “orientado para a defesa” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, 
 Constituição ..., 3ª ed., pág. 202) e comandado pela fundamental opção de que é 
 preferível a absolvição de um culpado à condenação de um inocente, quadra mal 
 numa norma que abre à acusação uma via de recurso com vista ao agravamento da 
 condenação, do mesmo passo que a fecha à defesa – ao mesmo arguido, perante a 
 mesma sentença – para obter a diminuição da pena ou, até,  a absolvição. E seria 
 tentador  reclamar a intervenção do “princípio da igualdade de armas” para 
 
 “nivelar a posição dos sujeitos processuais dentro do âmbito do direito de 
 defesa, e em favor da mesma defesa”, domínio em que a jurisprudência deste 
 Tribunal já afirmou que o referido princípio “tem de ser aplicado em toda a sua 
 plenitude” (Cfr. cit. acórdão n.º 132/92).
 
      Todavia, daqui não decorre que essa solução seja constitucionalmente 
 imposta ou, dito de outro modo, que  a norma sob escrutínio de 
 constitucionalidade viole a dimensão de igualdade das partes (lato sensu) 
 perante o juiz, que integra o direito a um processo equitativo.
 Efectivamente, o princípio da igualdade de armas assume inquestionável 
 especificidade no âmbito do processo penal, aparecendo estreitamente conexionado 
 com a matéria das garantias de defesa, consagradas no artigo 32.º da 
 Constituição (Cfr., além dos acórdãos anteriormente referidos,  Carlos Lopes do 
 Rego, “Acesso ao Direito e aos Tribunais”, in  Estudos sobre a Jurisprudência do 
 Tribunal Constitucional, págs. 69, 70 e 76, maxime). Assim, desde que ficou 
 admitido que, pelo ângulo do artigo 32º da Constituição, não é 
 constitucionalmente vedado fazer depender o acesso ao Supremo Tribunal de 
 Justiça  da gravidade da pena aplicável, i.e., que o arguido condenado em pena 
 menos grave que um certo limiar estabelecido não tem constitucionalmente 
 garantido o direito a fazer examinar a sua causa pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, só constituiria  violação desta dimensão do processo equitativo que se 
 expressa pelo “princípio da igualdade de armas” não serem reconhecidos à defesa 
 todos os  direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido 
 defender a sua posição e contrariar a acusação na nova fase processual 
 desencadeada por iniciativa do Ministério Público ou do assistente. Afinal, a 
 nivelação dos sujeitos processuais (ainda que, porventura, dando “uma espada 
 mais comprida a quem tem o braço mais curto”) só tem de existir “dentro do 
 
 âmbito do direito de defesa” e é pacífico que a garantia de 2º grau de recurso 
 não está compreendida no âmbito constitucional do direito de defesa.
 Ora, a norma em causa veda ao arguido a iniciativa perante o Supremo Tribunal 
 porque a sua pretensão se não situa no patamar que justifica a intervenção deste 
 
  de acordo com um pressuposto objectivo: a gravidade da pena aplicada ou que se 
 quer ver aplicada. Mas não afecta o seu estatuto processual uma vez desencadeada 
 a nova fase processual, podendo não só contrariar a pretensão do agravamento da 
 condenação, como pugnar pela sua atenuação ou, até, pela absolvição. 
 Consequentemente, a norma em causa também não viola o princípio da igualdade de 
 armas entre a acusação e a defesa em processo penal.
 
 (...)”.
 
  
 
 5. O acórdão n.º 628/2005 afastou-se da conclusão então alcançada nos seguintes 
 termos: 
 
  
 
      “(...) 7.  Convocando esta jurisprudência [o acórdão está a referir-se aos 
 acórdãos n.ºs 451/2003, 102/2004 e 640/2004 e aos que neles aparecem citados], o 
 Tribunal Constitucional reconhece que o recorrente já dispôs de um grau de 
 recurso. Assim, não se verifica qualquer violação do direito ao recurso 
 consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição, na dimensão que impõe a 
 previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso.
 Todavia, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota 
 nesta dimensão. Na verdade, tal garantia, conjugada com outros parâmetros 
 constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não 
 adopte soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades 
 de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e 
 não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam‑se os Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional nºs 1229/96 e 462/2003, consultáveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 A questão de constitucionalidade objecto do presente recurso coloca, na verdade, 
 um problema de violação do princípio da igualdade articulado com o direito ao 
 recurso. E isso sucede na medida em que da interpretação normativa em causa 
 apenas resulta um condicionamento da recorribilidade para o arguido e não já 
 para o Ministério Público. Com efeito, o Ministério Público ao recorrer no 
 sentido do agravamento da responsabilidade do arguido impede o funcionamento do 
 artigo 409º do Código de Processo Penal. E o mesmo se passa, de acordo com tal 
 dimensão normativa, com o assistente.
 O Tribunal Constitucional, no citado acórdão nº 640/2004, também apreciou a 
 conformidade à Constituição da norma impugnada, tendo por parâmetro o princípio 
 da igualdade de armas. No aresto referido, depois de sublinhar que o processo 
 penal não é um “processo de partes”, explicitou que o fundamento da 
 inadmissibilidade do recurso nesta constelação de casos é a pouca relevância da 
 questão a decidir aferida em função da pena que pode ser aplicada em concreto.
 O Tribunal realçou também que, no âmbito de um recurso a interpor pelo 
 Ministério Público, a defesa poderá ainda pugnar pela atenuação da pena ou até 
 pela absolvição.
 No entanto, cabe evidenciar de novo que a interpretação normativa que veda a 
 possibilidade de recurso depende, no seu teor, da proibição da reformatio in 
 pejus. Por outro lado, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 499/97 (D.R., II 
 Série, de 21 de Outubro de 1997), referiu que o fundamento constitucional da 
 proibição da reformatio in pejus é a protecção do direito de recorrer, removendo 
 a lei, por via de tal proibição, uma inibição natural que poderia limitar a 
 iniciativa de interpor recurso por parte da defesa. Mas, na questão de 
 constitucionalidade de que agora se trata, o funcionamento da proibição da 
 reformatio in pejus, instituto que, como se viu, encontra a sua justificação na 
 tutela constitucional do direito de recurso, tem um efeito “periférico” ou 
 
 “colateral” que se traduz numa limitação do direito de recorrer. Assim, trata‑se 
 de uma decorrência lateral da proibição da reformatio in pejus que ultrapassa a 
 essência do seu sentido constitucional.
 
 8.  Por força do funcionamento da proibição da reformatio in pejus incorporada 
 na citada dimensão normativa é, pois, negada a universalidade de uma regra de 
 irrecorribilidade (no sentido de abranger todos os sujeitos processuais), já que 
 a proibição de reforma da decisão em desfavor do arguido não funciona na 
 perspectiva da acusação.
 Na verdade, mesmo que fosse aceitável constitucionalmente uma limitação do 
 recurso apenas quanto ao arguido, não se justificaria que o Ministério Público 
 também ficasse limitado quando pretendesse interpor o recurso no exclusivo 
 interesse da defesa. Uma tal hipótese levaria à consagração de uma regra em que 
 a recorribilidade seria limitada para tudo o que implicasse o interesse da 
 defesa e já não quando estivesse em causa o agravamento da posição do arguido.
 O argumento segundo o qual a igualdade não estaria em causa com esta 
 interpretação normativa por força do estatuto do Ministério Público não é 
 procedente, pois a função do Ministério Público não se circunscreve à 
 representação do interesse da acusação.
 Não é, por conseguinte, o estatuto do Ministério Público que se reflecte na 
 presente interpretação normativa, mas apenas um funcionamento anómalo da 
 proibição da reformatio in pejus.
 Por outro lado, a argumentação a partir do estatuto do Ministério Público não 
 abrange sequer o assistente.
 Verifica‑se, portanto, uma arbitrária e desproporcionada desigualdade entre a 
 posição do arguido e a posição da acusação quanto ao direito ao recurso.
 Ante estas razões, conclui-se pelo desrespeito da igualdade na regulamentação do 
 direito ao recurso.
 
 9.  Por fim, a garantia constitucional do direito ao recurso pressupõe uma 
 determinação prévia desse direito e das condições do respectivo exercício, que o 
 torne susceptível de reconhecimento pelo respectivo titular no momento relevante 
 para o seu exercício – o da notificação do acórdão – e que não o condicione ao 
 comportamento de outros sujeitos processuais. Ora, também neste plano se divisa 
 um enfraquecimento da garantia constitucional do direito ao recurso na 
 interpretação normativa em crise.”
 
  
 
 6. Ora, como repetidamente o Tribunal  tem afirmado, a Constituição não impõe um 
 triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal. 
 Não se pode, portanto, tratar a questão de constitucionalidade agora em causa na 
 perspectiva de procurar justificação para uma limitação introduzida pelo direito 
 ordinário a um direito de recurso constitucionalmente tutelado.
 A norma que constitui o objecto do presente recurso, e que define, nos termos 
 expostos, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 releva, assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador. 
 Como se afirmou no acórdão n.º 640/2004, não é arbitrário nem manifestamente 
 infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de 
 recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no 
 caso, possa ser aplicada. 
 A norma em apreciação não viola, pois, qualquer direito constitucional ao 
 recurso ou qualquer regra de proporcionalidade.
 
  
 
 7. Também não ocorre uma eventual violação do princípio da igualdade, 
 considerado isolada ou conjugadamente com o direito ao recurso.
 Com efeito, e para além do que se disse já, o critério utilizado para definir a 
 admissibilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça – a possibilidade 
 de ser aplicada uma pena mais grave do que um determinado limite – torna 
 irrelevante saber quem pode ou não tomar a iniciativa de a provocar (o arguido, 
 o Ministério Público, ou o assistente).
 Acresce que, interposto recurso com o objectivo do agravamento da pena aplicada 
 em 2ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de 
 pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o 
 recorrente. 
 
  
 
 8. Finalmente, e também pelas razões já apontadas, também não procede o 
 argumento de que seria constitucionalmente imposto que o arguido soubesse, no 
 momento em que é notificado do acórdão da 2ª instância, se tem ou não direito de 
 recorrer e em que condições o pode exercer. Note-se, aliás, que se não vê como a 
 norma em apreciação o impeça.
 O mesmo se diga, aliás, da hipótese de se considerar constitucionalmente exigido 
 esse conhecimento em momento ainda anterior.
 
  
 
 9. Assim, decide-se:
 a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 
 
 400º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é 
 admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de 
 Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1ª Instância, o 
 tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um 
 crime a que seja aplicável pena superior a esse limite;
 b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão 
 recorrido.
 Lisboa, 24 de Janeiro de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto
 que junto
 Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração de
 voto anexa)
 Maria João Antunes (vencida, nos termos da declaração junta)
 Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de
 voto junta)
 Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto
 junta).
 Rui Manuel Moura Ramos . Vencido, nos termos da declaração de
 voto junta.
 Artur Maurício
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 Votei no sentido da inconstitucionalidade pelas razões que passo a expor:
 
 1. A norma em questão é o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo 
 Penal, interpretado, nos dizeres da fórmula decisória, “no sentido de que não é 
 admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de 
 Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o 
 tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um 
 crime a que seja aplicável pena superior a esse limite”. A referida alínea f) 
 prevê uma excepção à regra da recorribilidade, dizendo que não é admissível 
 recurso de “acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que 
 confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja 
 aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de 
 infracções” (itálicos aditados). Logo a contradição entre este texto do Código 
 de Processo Penal, ao excluir apenas acórdãos condenatórios “por crime a que 
 seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, e a norma apreciada, 
 que elimina o recurso mesmo de acórdãos de condenação “pela prática de um crime 
 a que seja aplicável pena superior a esse limite”, deveria ter levado o Tribunal 
 a apreciar a existência de uma limitação infundada e arbitrária ao direito 
 
 (legalmente reconhecido) ao recurso, que o Supremo Tribunal de Justiça (em 
 jurisprudência que, aliás, abandonou) procurara fundar numa utilização do 
 instituto da reformatio in pejus contrária ao seu sentido protector do arguido 
 recorrente.
 Como fundamentação, a decisão de que discordei transcreve dois acórdãos do 
 Tribunal Constitucional (um dos quais é o acórdão recorrido, em sentido 
 contrário, e o outro o acórdão n.º 495/2003, que não tratou da questão da 
 manifesta violação das garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, 
 resultante da intervenção perversa da proibição da reformatio in pejus, mas 
 apenas da chamada “igualdade de armas”), e alinha considerações que, a meu ver, 
 passam abertamente ao lado do problema levantado também no acórdão recorrido – a 
 ponto de nem sequer o tocarem, isto é, de nem sequer referirem (ainda que para 
 contrariar) que o acórdão recorrido assentara na retorsão do instituto da 
 reformatio in pejus, que existe para proteger o direito ao recurso do arguido, 
 com o fim de lho retirar, e na configuração de uma situação em que ao recorrente 
 não é possível saber, no momento em que a decisão lhe é notificada, se pode ou 
 não interpor recurso, ficando tal informação dependente da opção que a esse 
 respeito vier a ser tomada pela acusação.
 Como é evidente, o que estava em causa não era a imposição constitucional de 
 qualquer “triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso”, ou qualquer 
 carácter “manifestamente infundado” de uma reserva da competência do Supremo 
 Tribunal de Justiça “aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, 
 possa ser aplicada”. Antes o que esteve em questão no acórdão recorrido foi, 
 justamente, o entendimento (nem sequer abordado na presente decisão) de que a 
 garantia constitucional do direito ao recurso tem uma sua importante dimensão 
 mesmo quando a previsão legislativa de um recurso não era constitucionalmente 
 imposta, e a consideração das consequências sobre a situação processual do 
 arguido da invocação contra ele – a qual, se não estivesse em causa uma decisão 
 judicial e a liberdade do arguido, quase se diria irónica ou mesmo cínica – de 
 um instituto que foi criado e existe para o proteger.
 
 2. No que toca ao referido conhecimento pelo arguido, “no momento em que é 
 notificado do acórdão da 2.ª instância, se tem ou não direito de recorrer e em 
 que condições o pode exercer”, o que se não consegue vislumbrar é, aliás, como 
 
 “se não vê que a norma em apreciação o impeça” – pois que, nas situações a que, 
 no dizer da própria decisão, se reporta a norma em causa, tal conhecimento 
 depende de circunstância que só posteriormente vem a ocorrer (isto é, o recurso 
 ser “interposto apenas pelo arguido”). A não ser que pretendesse antes aceitar, 
 implicitamente (pois se não assumiu explicitamente), que o arguido também não 
 poderá interpor recurso mesmo que a acusação recorra para que seja aplicada pena 
 superior a oito anos.
 Este último entendimento é patentemente contra legem, pelo que deveria dispensar 
 maiores considerações. Lamento verificar que elas se impõem, já que à conclusão, 
 tirada a latere do fundamento do acórdão recorrido, no sentido da inexistência 
 de qualquer regime “arbitrário”, “manifestamente infundado” ou violador de 
 
 “qualquer regra de proporcionalidade” (qualificações utilizadas aparentemente em 
 paralelo e indistintamente), se junta agora um “argumento” – verdadeiramente 
 inaceitável para o sentido do direito (mesmo apenas legal) ao recurso – segundo 
 o qual “interposto recurso com o objectivo do agravamento da pena aplicada em 
 
 2.ª instância, o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades de pugnar 
 pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o 
 recorrente”. Cabe perguntar se, nesta lógica que “acresce”, não haveria antes 
 que abolir toda a possibilidade de recurso pelo arguido, pois que, interposto 
 recurso pela acusação, “o arguido, como recorrido, tem as mesmas possibilidades 
 de pugnar pela redução da pena ou pela absolvição de que disporia se fosse ele o 
 recorrente”...
 A utilização de tal fundamentação, ao mesmo tempo que se passa ostensivamente ao 
 lado de argumentos baseados em garantias fundamentais em processo criminal, 
 resultantes (mais ou menos claramente) do acórdão recorrido e em que este 
 Tribunal firmou conhecida jurisprudência, seria, objectivamente, compatível com 
 a censura (que, porém, reputo infundada) de que o Tribunal teria aceite, ainda 
 que por omissão, que, consoante a atitude que a acusação adopte, também aquelas 
 garantias e direitos existem para uns, mas não para outros.
 Paulo Mota Pinto
 
  
 Declaração de Voto
 
 1 – Votei vencido pelas razões constantes do Acórdão 628/2005 e cuja bondade não 
 vejo suficientemente rebatida na presente decisão.
 
             2 – Na verdade, não descortino como não possa considerar-se afectar, 
 de forma constitucionalmente relevante, as garantias de defesa do arguido (art. 
 
 32º, n.º 1, da Constituição) uma solução interpretativa nos termos da qual o 
 acesso ao Supremo Tribunal de Justiça acaba por ficar dependente não, 
 simplesmente, da gravidade da pena prevista (ou aplicada) para o crime, mas da 
 circunstância aleatória de o Ministério Público vir a entender, após o exercício 
 da acção penal (acusação), que a pena concretamente aplicada, que acabe por 
 situar-se dentro do nível objectivo de gravidade subtraído à possibilidade de 
 intervenção do STJ, satisfaz, segundo apenas o seu ponto de vista, as exigências 
 de reparação da ordem jurídico-penal tida como violada.
 
             3 – Na minha perspectiva, uma tal solução só seria 
 constitucionalmente tolerável – e aqui porque o patamar de gravidade em função 
 do qual o acesso ao escrutínio do STJ ser sempre o mesmo (pena aplicada ou 
 aplicável, em abstracto, superior a 8 anos) para todos os sujeitos processuais – 
 se a interpretação impugnada assumisse, igualmente, que o Ministério Público 
 estaria impedido de recorrer para o STJ quando a pena se situasse dentro desse 
 patamar, não obstante o mesmo poder ter ficado vencido nos recursos interpostos 
 após a dedução da acusação (Em tal caso, poder-se-ia sustentar valerem aqui as 
 razões aduzidas para defender a constitucionalidade do art. 16º, n.º 3, do CPP). 
 Ora, uma tal limitação não a assume a norma sindicada.
 
             4 – Finalmente, não pode deixar de considerar-se constitucionalmente 
 aberrante que “a diminuição das garantias de defesa” do arguido, 
 consubstanciadas na possibilidade de recurso para o STJ acabe por resultar, na 
 lógica da interpretação constitucionalmente impugnada, apenas da 
 operacionalidade de uma limitação, cujo sentido é apenas o de limitar os poderes 
 do tribunal de recurso no que toca à definição da medida pena que pode ser 
 aplicada ao arguido, pondo-o a coberto de qualquer agravação, quando só ele 
 recorra ou o Ministério Público o faça no único interesse daquele – a proibição 
 de reformatio in pejus –, extraindo, assim, desta garantia um efeito que lhe é 
 estranho e perverso, porque desfavorável ao arguido, e totalmente externo à 
 garantia do direito ao recurso dentro dos graus abstractamente admissíveis.
 Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 Votei vencida por entender que a norma constante da alínea f) do nº 1 do artigo 
 
 400º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é 
 admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de 
 Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1ª instância, o 
 tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um 
 crime a que seja aplicável pena superior a esse limite, é inconstitucional por 
 violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 Na medida em que o direito ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 
 
 32º, nº 1, da CRP, não impõe o direito a um triplo grau de jurisdição (ou o 
 direito a um duplo grau de recurso), é constitucionalmente admissível uma 
 restrição ao recurso, desde que não seja desrazoável, arbitrária ou 
 desproporcionada (cf., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 referidos no Acórdão deste Tribunal nº 640/2004). Neste sentido, não é 
 arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo 
 Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a 
 gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada, assim se 
 justificando o disposto no artigo 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo 
 Penal.
 Porém, já não respeita aquele critério – é constitucionalmente admissível uma 
 restrição ao recurso, desde que não seja desrazoável, arbitrária ou 
 desproporcionada – não admitir a intervenção daquele Supremo Tribunal, quando a 
 pena de prisão prevista no tipo legal de crime for superior a oito anos, mas a 
 pena concretamente aplicada ao arguido – insusceptível de agravação por força da 
 proibição da reformatio in pejus – tenha sido inferior a oito anos.
 Para além de a norma em causa frustrar completamente a razão de ser de uma 
 proibição que encontra a sua justificação na tutela constitucional do direito ao 
 recurso (artigo 32º, nº 1, da CRP), traduz-se numa restrição inadmissível deste 
 direito, na medida em que se insere num ordenamento jurídico-processual penal 
 que admite o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos 
 condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 
 
 1ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior 
 a oito anos, ao mesmo tempo que permite o recurso directo para este Tribunal 
 
 (cf. artigos 399º, 400º, nº 1, alínea f), e 432º, alínea b), do Código de 
 Processo Penal).
 Admitindo-se o duplo grau de recurso relativamente a crimes puníveis com pena de 
 prisão superior a oito anos e a recorribilidade directa para a última instância 
 de recurso, é constitucionalmente inadmissível que não haja recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, quando esta instância já não possa aplicar pena de 
 prisão superior a oito anos de prisão, por se tratar de recurso interposto 
 somente pelo arguido. Esta restrição contende com a estratégia de defesa do 
 arguido, a qual pressupõe uma determinação prévia do direito ao recurso e das 
 condições do respectivo exercício, que o torne susceptível de reconhecimento 
 pelo respectivo titular no momento relevante para o seu exercício – o da 
 notificação do acórdão condenatório em primeira instância – e que não o 
 condicione ao comportamento de outros sujeitos processuais, nomeadamente, ao 
 comportamento do Ministério Público.
 Maria João Antunes
 
  
 
  
 Declaração de Voto
 
  
 
                         Votei no sentido da confirmação do juízo de 
 inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 628/2005, da 2.ª Secção, que 
 subscrevi.
 
  
 
                         1. A norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código 
 de Processo Penal (CPP) – “1. Não é admissível recurso: f) De acórdãos 
 condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 
 
 1.ª instância, por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito 
 anos, mesmo em caso de concurso de infracções” – tem sido objecto de recursos de 
 constitucionalidade reportados a três dimensões normativas:
 
                         1) Enquanto estatui que não cabe recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça (STJ) dos acórdãos das Relações que confirmem condenações 
 por crimes a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos (casos em 
 que nem as penas abstractamente aplicáveis aos crimes singulares nem a pena 
 máxima aplicável ao cúmulo ultrapassa os 8 anos de prisão): esta dimensão não 
 foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 435/2001 e 104/2005;
 
                         2) Na interpretação, adoptada pelo STJ, de que, no caso 
 de concurso de infracções, não cabe recurso para o STJ quando as penas 
 parcelares de prisão abstractamente aplicáveis a cada um dos crimes singulares 
 não são superiores a 8 anos, mesmo que a pena única abstractamente aplicável ao 
 cúmulo seja superior a 8 anos de prisão: esta dimensão não foi julgada 
 inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 189/2001 e 490/2003 [os Acórdãos n.ºs 
 
 336/2001 e 369/2001 não julgarem inconstitucional a norma em causa remetendo 
 para a fundamentação do Acórdão n.º 189/2001, mas do teor desses acórdãos não 
 resulta claro se, nos casos apreciados, a situação era a primeira (isto é, não 
 havia concurso ou, havendo‑o, a pena única abstractamente aplicável não era 
 superior a 8 anos de prisão) ou a segunda (isto é, as penas parcelares 
 aplicáveis eram inferiores a 8 anos de prisão, mas a pena aplicável ao cúmulo 
 ultrapassava esse limite)]; e
 
                         3) Na interpretação que entende não caber recurso para o 
 STJ de acórdãos condenatórios da Relação por crimes abstractamente puníveis com 
 pena superior a 8 anos de prisão, se o recurso tiver sido interposto pelo 
 arguido (ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa) e a 
 condenação na Relação tiver sido igual ou inferior a 8 anos de prisão, por se 
 entender que, nessa hipótese, por força da proibição da reformatio in pejus 
 consagrada no artigo 409.º, n.º 1, do CPP, o STJ não poderá aplicar pena 
 superior a 8 anos de prisão e, neste sentido, esta pena não seria de considerar 
 como aplicável (equipara‑se pena aplicável a pena aplicada não agravável): esta 
 dimensão não foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 541/2003, 
 
 495/2003, 102/2004 e 640/2004.
 
                         O caso do presente recurso respeita a esta última 
 situação, uma vez que o recorrente foi condenado pela autoria (para além de um 
 crime de detenção ilegal de arma de defesa e de um crime previsto no artigo 
 
 275.º, n.º 4, do Código Penal) de um único crime de tráfico de estupefacientes, 
 que é punível, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do Decreto‑Lei n.º 15/93, de 
 
 22 de Janeiro, com pena de prisão de 4 a 12 anos, tendo a Relação confirmado a 
 condenação nas penas parcelares de 6 anos, de 1 ano e de 7 meses de prisão e na 
 pena única de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada na 1.ª instância e sendo o 
 recurso para o STJ interposto apenas pelo arguido.
 
                         Os Acórdãos n.ºs 541/2003, 495/2003 e 102/2004 
 apreciaram a questão de inconstitucionalidade apenas na perspectiva da não 
 consagração constitucional de um terceiro grau de jurisdição.
 
                         Já o Acórdão n.º 640/2004 a apreciou também na 
 perspectiva da violação do princípio da igualdade, face à admissibilidade de, 
 perante a mesma decisão da Relação, ser admissível recurso do Ministério Público 
 em desfavor da defesa  [Salvo o devido respeito, não se me afigura correcto o 
 entendimento do Acórdão n.º 102/2004 de que o Tribunal Constitucional não podia 
 conhecer dessa questão por não constituir objecto do recurso a norma que admite 
 o recurso do Ministério Público; sem ultrapassar o objecto do recurso, cingido à 
 norma que veda o recurso do arguido, nada impede o Tribunal Constitucional de, 
 para dar por verificada a violação do princípio da igualdade, tomar em 
 consideração o regime legal que, face ao mesmo acórdão da Relação, permite o 
 recurso do Ministério Público em desfavor da defesa].
 
                         Foi a tese defendida nesse Acórdão n.º 640/2004, da 3.ª 
 Secção, que o precedente acórdão do Plenário subscreveu, em detrimento da tese 
 que fez vencimento no Acórdão n.º 628/2005, da 2.ª Secção, ora recorrido.
 
                         Antes de enunciar as razões da minha adesão à tese do 
 Acórdão n.º 628/2005, importará fazer uma breve referência à evolução que a 
 questão ora em causa tem tido na jurisprudência do STJ.
 
  
 
                         2. A interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do 
 CPP questionada no presente recurso corresponde, ao que tudo indica, a um 
 corrente jurisprudencial transitória do STJ, que se verificou em 2003 e 2004, 
 que nunca foi pacífica e que actualmente está abandonada a nível das Secções 
 Criminais (ao que parece, só continua a ser seguida pelo Presidente do STJ, nas 
 reclamações que lhe são endereçadas contra despachos de não admissão de 
 recursos): não foi apurada em 2005 nenhuma decisão das Secções nesse sentido, 
 mas apenas no sentido tradicionalmente tido como correcto de que “pena 
 aplicável” é a pena abstractamente prevista para sancionar o crime por que o 
 arguido foi condenado: cf., por último, os Acórdãos de 10 de Fevereiro de 2005, 
 proc. n.º 3781/04, e de 24 de Fevereiro de 2005, proc. n.º 63/05.
 
                         A consideração de que “pena aplicável” é a pena 
 
 (abstractamente) aplicável e não a pena (concretamente) aplicada corresponde ao 
 entendimento generalizado da doutrina (cf. Manuel da Costa Andrade, Maria João 
 Antunes e Susana Aires de Sousa, “Tempestividade e admissibilidade de recurso 
 para o Supremo Tribunal de Justiça”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 
 ano 13.º, n.º 3, Julho‑Setembro 2003, pp. 419‑432, em especial p. 424 e nota 7, 
 e autores aí citados) e sempre foi assumida pelo Tribunal Constitucional como a 
 que claramente decorria do texto do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP; 
 lê‑se no Acórdão n.º 189/2001, a propósito dessa norma: “A norma que vem 
 questionada refere‑se claramente à moldura geral abstracta do crime que preveja 
 pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite máximo abstractamente 
 aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções, que define os casos em que 
 não é admitido recurso para o STJ de acórdãos condenatórios das Relações que 
 confirmem a decisão de primeira instância”.
 
                         A corrente jurisprudencial em que a decisão recorrida no 
 presente recurso se insere foi inaugurada pelo Acórdão do STJ, de 8 de Maio de 
 
 2003, proc. n.º 1224/03‑5, assim sumariado:
 
  
 
             “1 – Sendo permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos 
 despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei, não é admissível 
 recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que 
 confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja 
 aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de 
 infracções.
 
             2 – Se foi aplicada uma única pena de 5 anos e 8 meses de prisão, 
 inferior a 8 anos de prisão, se bem que a moldura penal abstracta fosse de 4 a 
 
 12 anos de prisão, e a Relação rejeitou o respectivo recurso, a sua decisão 
 deve ser havida por confirmativa da condenação.
 
             3 – Nesse caso, não pode o arguido recorrer para o STJ, pois que 
 então a pena nunca poderá ser agravada (artigo 409.º do CPP) e, por essa via, 
 aumentada, para além de 8 anos de prisão. Essa é a pena máxima aplicável, que 
 coincide, por força da proibição da reformatio in pejus, com a pena aplicada, 
 estando presente o limite da alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
 
             4 – Já seria obviamente diferente em caso de recurso do assistente 
 ou do Ministério Público, sem ser no interesse exclusivo da defesa, em que pena 
 aplicada e aplicável não coincidiriam.”
 
  
 
                         No mesmo sentido e com a mesma fundamentação decidiram 
 os Acórdãos do STJ de 15 de Maio de 2003, proc. n.º 1109/03‑5, de 22 de Maio de 
 
 2003, proc. n.º 1798/03‑5, de 12 de Junho de 2003, proc. n.º 2130/03‑5, de 26 de 
 Junho de 2003, procs. n.ºs 1797/03‑5 e 1526/03‑5, e de 16 de Outubro de 2003, 
 proc. n.º 3263/03‑5, entre outros.
 
                         A tese oposta foi inicialmente desenvolvida no voto de 
 vencido do Cons. Pereira Madeira aposto ao citado Acórdão de 26 de Junho de 
 
 2003, proc. n.º 1797/03‑5, e foi retomada e desenvolvida na fundamentação dos 
 Acórdãos de 2 de Outubro de 2003, procs. n.ºs 2720/03‑5, 2401/03‑5 e 2406/03‑5, 
 de 9 de Outubro de 2003, proc. n.º 2851/03‑5, de 16/10/2003, proc. n.º 
 
 2604/03‑5, e de 13 de Fevereiro de 2004, proc. n.º 444/04‑5, entre outros.
 
                         A fundamentação desta última corrente, actualmente 
 dominante no STJ, assenta em considerações que assumem relevo do ponto de vista 
 da apreciação da questão de constitucionalidade que constitui objecto do 
 presente recurso.
 
                         Partindo do princípio geral, vigente nesta matéria, da 
 ampla admissibilidade dos recursos (artigo 399.º do CPP), que só consente 
 excepções nos casos expressamente previstos na lei, entre estes o da alínea f) 
 do n.º 1 do artigo 400.º, esta última previsão, justamente por força da sua 
 excepcionalidade, não consente a interpretação, dificilmente compatível com a 
 sua literalidade, que equipara “pena aplicável” a “pena aplicada” (mas 
 insusceptível de agravamento em recurso), operando, por via da ampliação da 
 excepção, uma restrição do direito de recurso do arguido (ou do recurso do 
 Ministério Público no interesse da defesa).
 
                         Acresce que a interpretação em causa se revela, a 
 diversos títulos, desrazoável, o que, acarretando ofensa ao princípio da 
 proporcionalidade, é susceptível de fundar um juízo de inconstitucionalidade. 
 Desrazoabilidade que se revela, essencialmente, a três níveis: (i) pela falta de 
 previsibilidade do direito ao recurso; (ii) pela violação do princípio da 
 igualdade de armas; e (iii) pela perversa subversão da razão de ser da proibição 
 da reformatio in pejus, que desvirtua o critério da pena abstractamente 
 aplicável adoptado pelo legislador para a identificação das situações de maior 
 gravidade criminal.
 
                         Quanto ao primeiro aspecto, salientou‑se na referida 
 declaração de voto aposta ao Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2003: “os 
 critérios de recorribilidade e ou irrecorribilidade expressos no Código de 
 Processo Penal, para assegurarem a necessária previsibilidade do direito em 
 causa, são, em geral, pelas razões expostas, tributários de fixação 
 apriorística, por isso ligados, como penhor dessa desejável previsibilidade, às 
 penas abstractas aplicáveis e não, como é pretendido, de alguma forma 
 dependentes das penas aplicadas pelas instâncias, portanto de verificação a 
 posteriori e, assim, de aplicação mais ou menos empírica ou casuística, 
 tornando‑se, por essa via, num direito em larga medida imprevisível e incerto, 
 já que dependente do resultado do julgamento de cada caso concreto, o que para 
 uma previsão de tão largo espectro como o direito ao recurso não parece 
 consagrar a melhor opção legislativa”. E mais adiante:
 
  
 
             “Não parece razoável, com efeito, até do ponto de vista 
 constitucional do eficaz direito ao recurso, condicionar a sua existência, 
 afinal, ao concreto entendimento das instâncias, que, para o bem e para o mal, 
 teriam ao seu alcance o poder imenso de decidir, em última instância (!), da 
 recorribilidade ou não da decisão por elas proferida. E muito menos, deixá‑lo na 
 dependência de avaliação alheia, na certeza de que o Código de Processo Penal só 
 admite a figura do recurso subordinado «em caso de recurso interposto por uma 
 das partes civis» – artigo 401.º, n.º 1.
 
             Daí que, nomeadamente, por razões de previsibilidade e segurança 
 jurídica, o critério da recorribilidade ou irrecorribilidade para o Supremo 
 Tribunal de Justiça não possa, e não deva, ser ligado, casuisticamente, a 
 posteriori, às penas concretas aplicadas, antes devendo ser aferido, em 
 abstracto e a priori, pelas molduras legais abstractas aplicáveis.”
 
  
 
                          Ou, como se expressou o acórdão de 2 de Julho de 2003, 
 proc. n.º 1882/03‑3:
 
  
 
             “Sendo o recurso uma garantia constitucional, o Tribunal de 
 recurso, como qualquer outro Tribunal competente em matéria penal, deve também 
 ser predeterminado por lei. E predeterminado por lei tem de significar que, no 
 momento relevante para o exercício do direito de recurso, o Tribunal tem de 
 estar determinado e prefixado por derivação directa, pura e simples, da lei, e 
 não com a determinação condicionada por meras contingências do processo, como 
 seria o caso de ser ou não admissível recurso conforme o Ministério Público 
 recorresse ou não. O momento relevante do ponto de vista do titular do direito 
 de recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se 
 pretende recorrer: é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a 
 decisão que o interessado toma sobre o exercício do direito. O Tribunal de 
 recurso e as condições de exercício do direito têm de estar determinados nesse 
 momento, não podendo, salvo afectação dos princípios do recurso e da 
 predeterminação do Tribunal, estar dependentes de condições subsequentes, não 
 domináveis pelo titular do direito e inteiramente contingentes, como seja, no 
 caso, a circunstância de o Ministério Público interpor ou não recurso. A 
 predeterminação do Tribunal e as condições do exercício do direito têm, pois, de 
 estar fixadas no momento relevante: seja, por exemplo, na acusação, nos casos em 
 que o Ministério Púbico usa da faculdade conferida pelo artigo 16.°, n.° 3, do 
 CPP, seja também no recurso, quando o titular do direito está em condições de o 
 exercer. A determinação ex post, contingente e ocasional, do tribunal de 
 recurso, ou mesmo sobre a existência do direito ao recurso, contraria, de modo 
 marcado, os referidos princípios, não podendo valer uma interpretação que seja 
 simultaneamente contra a letra e os princípios.”
 
  
 
                         Quanto à segunda perspectiva – violação do princípio da 
 igualdade de armas –, consignou‑se na citada declaração de voto que, na 
 interpretação criticada, “verificando‑se dupla conforme, isto é, convergência 
 de posições entre as instâncias quanto à condenação, só à acusação fica 
 reservado o direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, direito que, 
 assim, é incompreensivelmente negado ao condenado, o que, privilegiando sem 
 razão aparente a «parte acusadora», coloca a defesa numa injustificada situação 
 de inferioridade e incomportável desigualdade processual”. Acrescentando:
 
  
 
             “Nem se argumente, ex adverso, que, se o Ministério Público decidir 
 recorrer, então já o arguido o poderá fazer também em igualdade de armas ... e 
 que, enfim, a existir aqui alguma ofensa a tal princípio, ela compensaria de 
 algum modo a que – pendendo a favor do arguido – já resulta da 
 irrecorribilidade em caso de dupla conforme absolutória contemplada na alínea d) 
 do n.º 1 do mesmo artigo 400.º 
 
             É que, por um lado, não se vê onde possa residir a reclamada 
 igualdade de posições processuais ou de armas, quando o direito ao recurso do 
 arguido é subtraído à sua própria avaliação e fica dependente de ponderação e 
 avaliação alheias, e por outro, tratando‑se, ali – na dupla conforme 
 absolutória – de preservar a absolvição, dá‑se, por essa via, corpo visível à 
 regra da liberdade consagrada, nomeadamente, no artigo 27.º, n.º 1, da Lei 
 Fundamental – e, sobretudo, a garantia constitucional de processo criminal, 
 decorrente da «dignidade da pessoa humana» (artigo 1.º), de que «todo o arguido 
 se presume inocente» (artigo 32.º, n.º 2) – o que não sucede no caso vertente, 
 em que a violação favorece a parte acusadora (na decorrência de uma qualquer 
 presunção de culpabilidade do arguido) em detrimento precisamente da parte 
 constitucionalmente presumida inocente.
 
             Além de que, e salvo o devido respeito, a haver, ali, violação de 
 tal princípio, não seria digno da melhor solução jurídica, remediar um mal, 
 contrapondo‑lhe outro igual ... Finalmente, a dupla conforme absolutória – ao 
 contrário também do que sucede na situação ora em apreço – aporta consigo a 
 reposição definitiva da paz social de algum modo afectada pelo caso, o que, só 
 por si, justificaria a discriminação positiva que a lei lhe confere.”
 
  
 
                         Por último, a interpretação criticada implica uma 
 utilização perversa do instituto da proibição da reformatio in pejus. Na 
 verdade, segundo a opção do legislador, “a gravidade do crime (que justifica a 
 intervenção do STJ no recurso) resulta, não da pena efectivamente aplicada, mas 
 da moldura penal abstractamente aplicável, pois ao longo do processo é esta 
 moldura que acarreta para o arguido determinadas sujeições processuais muito 
 penosas, respeitantes, por exemplo, à aplicação e duração da prisão preventiva. 
 Daí que violaria o princípio da lealdade processual considerar‑se o crime como 
 
 «muito grave» (face à pena abstractamente aplicável) para impor deveres ao 
 arguido, mas «pouco grave» (face à pena efectivamente aplicada) para lhe retirar 
 o direito de recorrer”, consequência esta última que implica volver a proibição 
 da reformatio in pejus (que visa justamente fomentar o uso do recurso, afastando 
 a inibição que poderia resultar do receio de o arguido ver a sua condenação 
 agravada) em prejuízo do próprio condenado, negando‑lhe o direito ao recurso.
 
  
 
                         3. Recenseada a jurisprudência relevante, para a questão 
 em análise, do Tribunal Constitucional (supra, n.º 1) e do STJ (supra, n.º 2), é 
 tempo de, sinteticamente, enunciar os fundamentos deste voto dissidente.
 
                         Não se questiona a afirmação de que a Constituição não 
 impõe ao legislador ordinário a instituição de um triplo grau de jurisdição, ou 
 de um duplo grau de recurso, em processo criminal.
 
                         Mas entende‑se – como o Tribunal Constitucional sempre 
 tem entendido – que se o legislador, apesar de a tal não estar 
 constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, esse triplo grau ou 
 duplo recurso, na respectiva regulamentação não lhe é consentido adoptar 
 soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias.
 
                         E, a meu ver, essa desproporcionalidade, face ao 
 critério normativo objecto do presente recurso, é patente a vários níveis, 
 atingindo um grau de intolerabilidade que justifica a emissão de juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
                         É, desde logo, flagrante a desigualdade de tratamento 
 entre a defesa e a acusação, quando, face a uma mesma decisão condenatória (por 
 crime punível com pena de prisão superior a 8 anos, mas concretamente fixada em 
 medida inferior a 8 anos), não se admite, à partida, o recurso do arguido (ou do 
 Ministério Público no exclusivo interesse da defesa) e se consente sempre o 
 recurso do Ministério Público (em desfavor da defesa) e do assistente. Nem se 
 diga, como se faz no n.º 7 do precedente acórdão, que “interposto recurso com o 
 objectivo do agravamento da pena aplicada em 2.ª instância, o arguido, como 
 recorrido, tem as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela 
 absolvição de que disporia se fosse ele o recorrente”. A questão não é essa e 
 seria, aliás, dificilmente imaginável que alguém ousasse defender que, 
 interposto recurso pela acusação (pública ou particular), a intervenção do 
 arguido, como recorrido, só pudesse consistir em pugnar contra o agravamento da 
 condenação, ficando tolhido de defender a redução da pena ou a sua absolvição. A 
 questão está antes em que a interpretação em causa retira ao arguido o direito 
 de autonomamente interpor recurso, ficando a sua capacidade impugnatória 
 inteiramente dependente da estratégia dos seus adversários processuais.
 
                         Em segundo lugar, a mesma interpretação não assegura a 
 devida predeterminação dos direitos de defesa e do tribunal competente. No 
 momento relevante para o efeito (quando é notificado do acórdão condenatório da 
 Relação), o arguido não sabe se pode interpor recurso para o STJ ou não. Tudo 
 vai depender da conduta processual futura de terceiros: do assistente e do 
 Ministério Público. Se estes interpuserem recurso (e se, analisado o interposto 
 pelo Ministério Público, se concluir que o mesmo é desfavorável ao arguido – 
 caso contrário nem sequer o recurso do Ministério Público é admissível, salvo se 
 também o assistente tiver recorrido), surge para o arguido o direito de 
 recurso. Se o não fizerem, essa faculdade impugnatória fica‑lhe vedada. Neste 
 contexto, não vejo como não seja bem visível que a interpretação em apreço 
 impede o arguido de, no momento em que é notificado do acórdão da Relação, saber 
 se pode recorrer para o STJ. Viola os princípios do recurso e da 
 predeterminação do tribunal a colocação do direito de o arguido recorrer para o 
 STJ na dependência “de condições subsequentes, não domináveis pelo titular do 
 direito e inteiramente contingentes, como seja, no caso, a circunstância de, no 
 caso, o Ministério Público [ou o assistente] interpor ao não recurso”, como se 
 expressou o citado acórdão do STJ de 2 de Julho de 2003, sublinhando que quer a 
 existência de recurso criminal, como garantia constitucional, quer a 
 determinação do tribunal de recurso, como qualquer outro tribunal competente em 
 matéria penal, tem de estar, no momento relevante para o exercício do direito de 
 recurso, prefixado por derivação directa, pura e simples, da lei. A determinação 
 ex post, contingente e ocasional, inteiramente dependente de condutas 
 processuais de terceiros, quer do tribunal recurso, quer da própria existência 
 de recurso, afronta flagrantemente aqueles princípios constitucionais.
 
                         Finalmente, é desrazoável utilizar perversamente o 
 instituto da proibição da reformatio in pejus – que, ao afastar o risco 
 
 (potencialmente inibidor da interposição de recurso) de o arguido, apelando para 
 tribunal superior, ver agravada a sua condenação, visa justamente fomentar o 
 exercício da faculdade de recorrer – para tolher ou limitar o direito de 
 recurso. Ao que acresce a adopção de uma dualidade de interpretação do critério 
 da “pena aplicável”, como indiciador da gravidade criminal, sempre em desfavor 
 do arguido. O legislador associou aos casos mais graves, equilibradamente, 
 maiores ónus e maiores garantias para o arguido: para os crimes mais graves, 
 consente‑se o recurso a meios de prova potencialmente mais lesivos de direitos 
 do arguido (por exemplo, intercepções telefónicas) e a imposição de medidas de 
 coacção mais graves e duradouras, mas simultaneamente reforçam‑se as garantias 
 impugnatórias. Neste contexto, surge como desrespeitador desse equilíbrio, por 
 exemplo, considerar como relevante para exasperar os prazos de duração máxima de 
 prisão preventiva o critério da pena abstractamente aplicável e simultaneamente 
 abandoná‑lo, substituindo‑o pelo critério da pena concretamente aplicada não 
 agravável por força do funcionamento anómalo da proibição da reformatio in 
 pejus, para negar o direito de recurso do arguido. Um arguido que viu confirmada 
 pela Relação a sua condenação em pena de prisão inferior a 8 anos por crime 
 abstractamente punível com pena superior a esse limite, continua a estar sujeito 
 ao alargamento do prazo máximo de prisão preventiva de 2 anos para 30 meses, por 
 
 “se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito 
 anos” (artigo 215.º, n.º 2, do CPP), mas, se pretender recorrer para o STJ, essa 
 faculdade é‑lhe negada por se entender que não lhe é “aplicável” pena superior a 
 
 8 anos de prisão.
 
                         Em suma: a interpretação normativa questionada, pela 
 intolerável desrazoabilidade, indeterminação e discriminação entre acusação e 
 defesa que encerra, viola o princípio da proporcionalidade, a que o legislador 
 ordinário está constitucionalmente vinculado na regulação dos recursos que 
 preveja, mesmo que não se trate de recursos constitucionalmente impostos.
 
  
 Mário José de Araújo Torres
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 Votei vencida no presente Acórdão, essencialmente pelas razões que constituem a 
 fundamentação do Acórdão nº 628/2005, da qual fui Relatora.
 
  
 
 1.  Essas razões não foram, desde logo, superadas pela argumentação do 
 Ministério Público, recorrente, nos presentes autos.
 Contra a fundamentação do Acórdão nº 628/2005, o Ministério Público invocou a 
 situação em que o arguido é condenado numa pena concreta de dois anos de prisão 
 pela prática de um crime ao qual corresponde a pena cujo limite máximo 
 ultrapassa os oito anos de prisão, para a comparar com um arguido ao qual é 
 aplicada a pena de seis anos pela prática de um crime cujo limite máximo da pena 
 seja também de seis anos de prisão. Sublinhou o recorrente, a partir dessa 
 comparação, que o arguido ao qual é aplicada a pena de dois anos de prisão pode 
 recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, ao passo que o arguido condenado em 
 seis anos de prisão não pode interpor tal recurso. Pretendeu, deste modo, 
 realçar a pretensa incongruência da aferição da gravidade de um crime em função 
 da “pena hipoteticamente aplicável” e não em função da pena realmente aplicada, 
 justificando, assim, do ponto de vista constitucional a solução normativa em 
 causa neste processo.
 No entanto, o entendimento segundo o qual a referência à pena aplicável é uma 
 referência à medida da pena em abstracto não se pode confundir com o 
 entendimento segundo o qual tal referência se reportará à “gravidade hipotética 
 ou abstracta do crime”, como pretendeu o Ministério Público. Na verdade, a 
 selecção dos crimes cuja gravidade fundamenta o recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça assenta no critério da gravidade do ilícito que a norma sancionatória 
 exprime em geral para uma categoria de factos. A relevância da gravidade do 
 ilícito não é afectada pela sua graduabilidade, conforme resulta da alínea a) do 
 nº 2 do artigo 71º do Código Penal, o qual determina que a medida da pena em 
 concreto tem em conta “o grau de ilicitude do facto”. Esse critério, a par do 
 que se estabelece no artigo 71º, nº 1, segundo o qual a determinação da medida 
 da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do 
 agente e das exigências da prevenção, corresponde à previsão de uma 
 individualização da pena, em função de circunstâncias que envolvem 
 acidentalmente a realização do facto, mas que não alteram essencialmente a 
 natureza da gravidade do ilícito, ou seja, a pertença do facto a uma categoria 
 determinada.
 Entendimento diverso abriria espaço para a sobreposição da configuração 
 acidental concreta do facto à sua qualificação como um certo tipo de ilícito.
 Assim, a pena aplicada apenas revela o limite concreto da responsabilidade por 
 culpa do agente, dentro de um quadro de gravidade do ilícito previamente 
 definido pelo legislador.
 Não é pois adequada ao sistema do Código, sedimentado numa sólida tradição 
 quanto à teoria geral do crime, a equiparação ou comparação invocada pelo 
 Ministério Público, já que os níveis de gravidade dos dois ilícitos configurados 
 são diferentes. É essa diferença que justifica (ou fundamenta) o regime do 
 recurso, e que permite confundir uma mera variação individualizadora da pena 
 dentro de uma moldura com as alterações qualitativas da própria moldura, 
 correspondentes já a um diferente tipo de ilícito. É aliás esta a razão que 
 permitirá, na fase de recurso, o agravamento da pena concreta para além do 
 limite dos oito anos, nestes últimos casos. E é, em última análise, essa 
 perspectiva que justifica a recorribilidade na perspectiva do legislador 
 De resto, se algum problema de constitucionalidade se colocar no caso deverá ser 
 apreciado no processo próprio e não no presente, no qual o crime é punível com 
 pena cujo limite máximo ultrapassa os oito anos de prisão. 
 O recorrente invocou ainda o critério da sucumbência do processo civil para 
 explicar o entendimento que fez vencimento no Acórdão nº 640/2004. Mas, em 
 Direito Penal, é justificável que seja a gravidade do ilícito e a medida da pena 
 correspondente e não critérios baseados no valor pecuniário o critério 
 fundamental de referência para a recorribilidade. De resto, o Tribunal 
 Constitucional sempre considerou que os critérios do recurso do processo civil 
 não têm aplicação necessária no processo penal e vice‑versa (cf., 
 exemplificativamente, os Acórdãos nºs 429/99, 722/98 e 201/94, todos em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 O recorrente referiu, por fim, que, na perspectiva que defende, não está em 
 causa a atribuição de uma prerrogativa estatutária ao Ministério Público. No 
 entanto, no Acórdão impugnado também se considerou que não estava em causa o 
 estatuto do Ministério Público, “mas apenas um funcionamento anómalo da 
 proibição da reformatio in pejus”, o que corresponde a um discurso diverso.
 
  
 
 2.  No presente Acórdão, a fundamentação acolhida também não superou, a meu ver, 
 os fundamentos do juízo de inconstitucionalidade a que o Acórdão nº 623/2005 
 chegou. Baseou‑se tal fundamentação em três argumentos, que não são susceptíveis 
 de rebater, em termos lógico‑jurídicos, as razões a favor da 
 inconstitucionalidade.
 Assim, a invocação da não exigência constitucional de um triplo grau de 
 jurisdição ou de um duplo grau de recurso não constitui qualquer argumento que 
 possa justificar a norma que admita a possibilidade de duplo grau de recurso 
 para agravar a responsabilidade do arguido, determinada pela acusação.
 A não imposição constitucional de um duplo grau de recurso não justifica uma 
 diferenciação de posições entre a acusação e a defesa no processo penal devido a 
 um funcionamento anómalo da proibição da reformatio in pejus.
 Admitir este tipo de argumento é o mesmo que reconhecer que é uma resposta 
 satisfatória à eventual violação da igualdade pela previsão legal de uma 
 diferente idade de reforma entre homens e mulheres, o facto de uma certa idade 
 da reforma não ser constitucionalmente imposta.
 Em segundo lugar, não é uma resposta adequada à questão da violação da igualdade 
 e do direito ao recurso o facto de nos casos em que o recurso seja admissível – 
 apenas aqueles em que é interposto com o objectivo do agravamento pela Acusação 
 
 – o arguido ter “as mesmas possibilidades de pugnar pela redução da pena ou pela 
 absolvição de que disporia se ele fosse recorrente”. Com efeito, a violação da 
 igualdade dá‑se a montante quanto à possibilidade de recorrer que é subtraída à 
 defesa, criando‑se uma espécie de recurso subordinado. Também, não está, 
 directamente em causa a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça se 
 reservar, em via de recurso, à apreciação dos casos mais graves, aferindo a 
 gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada. Não é essa 
 dimensão normativa sequer questionada. O que está antes em causa é que a 
 possibilidade anterior seja determinável estritamente pelo Ministério Público ou 
 pelo Assistente, através de um funcionamento indevido da proibição da reformatio 
 in pejus.
 Por outro lado, é óbvio que o recorrente não pode prever quais as suas 
 possibilidades processuais de actuação no momento em que é notificado do acórdão 
 da segunda instância e que essa situação é limitativa da orientação da defesa.
 
  
 
 3.  Finalmente, entendo que a dimensão normativa em causa, destruindo a 
 universalidade do direito ao recurso, altera o equilíbrio entre os sujeitos 
 processuais, Ministério Público ou Assistente, por um lado, e Arguido, por outro 
 lado, afectando a estrutura acusatória do processo na fase do recurso, em que 
 não podem predominar nem o interesse nem o poder processual de uma das posições. 
 Abre, assim, um directo confronto com o artigo 32º, nº 5, da Constituição, que 
 prevê aquela estrutura acusatória, como modo imparcial de definir o Direito.
 Maria Fernanda Palma
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 Acompanhando a posição tomada no acórdão recorrido, que subscrevi, votei no 
 sentido da confirmação do juízo de inconstitucionalidade dele constante pelas 
 razões que sumariamente passo a referir.
 
  
 Diferentemente do que decorre da exposição da tese que fez vencimento (nº 4 do 
 acórdão), tal não resulta de se pretender que o direito ao recurso consagrado no 
 artigo 32º, nº 1 da Constituição exigiria por si, sem mais, a possibilidade de 
 recorrer vedada pela interpretação normativa em análise. Também creio que aquele 
 preceito não impõe qualquer triplo grau de jurisdição. Mas tenho igualmente por 
 assente que, quando preveja um grau de recurso a que não está 
 constitucionalmente obrigado, o legislador não deixa de estar vinculado a não 
 consagrar soluções desproporcionadas ou discriminatórias.
 
  
 E é a meu ver o que ocorre quando se admite ao Ministério Público ou ao 
 assistente a interposição de recurso em desfavor da defesa e se nega essa 
 possibilidade ao arguido (ou ao mesmo Ministério Público, no exclusivo interesse 
 da defesa). Desigualdade que ocorre ademais num contexto algo paradoxal, pela 
 circunstância de virem assim a reverter contra o arguido, no caso que ora nos 
 ocupa, as consequências de um instituto (o da reformatio in pejus) criado com o 
 objectivo de o proteger. Acresce que a tese que fez vencimento coloca igualmente 
 o arguido, no momento em que lhe é notificada uma decisão, perante a 
 indeterminação das condições de que depende o exercício do seu direito ao 
 recurso, um vez que só lhe é aberta tal faculdade se ela for inicialmente 
 exercida, contra si, pelo Ministério Público ou pelo assistente – o que implica, 
 ademais, que elementos essenciais do seu estatuto processual passem a estar 
 dependentes do comportamento (que ele não domina e naquele momento nem sequer 
 conhece) da sua contraparte.
 
  
 A desrazoabilidade e flagrante desproporcionalidade da situação assim criada ao 
 arguido carecem a meu ver de qualquer justificação, sendo por isso, geradoras da 
 desconformidade constitucional que lhe era assacada no acórdão recorrido.
 
  
 
  
 Rui Manuel Moura Ramos