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Processo n.º 386/05                               
 
 1.ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito                           
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            No Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, A., S.A. deduziu, 
 nos termos dos artigos 276º e 278º, n.º s 3 a 5, do Código de Procedimento e de 
 Processo Tributário (CPPT), reclamação da decisão proferida em 22 de Outubro de 
 
 2004 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Tondela, que ordenara a citação da 
 reclamante para a execução fiscal, nos termos e com as formalidades prescritas 
 no artigo 190º do CPPT (fls. 32 e seguintes).
 
  
 
    O representante da Fazenda Pública respondeu (fls. 54 e seguintes), 
 sustentando que a reclamação devia ser julgada improcedente.
 
  
 
    O Ministério Público emitiu parecer (fls. 58) no sentido de que a reclamação 
 devia ser devolvida para subir, se fosse caso disso, a final.
 
  
 
    Por sentença proferida em 6 de Janeiro de 2005 (fls. 59 e seguintes), o juiz 
 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu indeferiu a reclamação, pelos 
 seguintes fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 No caso dos presentes autos o acto reclamado é o despacho que ordena a citação 
 da Reclamante, despacho que por si só não afecta a sua esfera jurídica, os seus 
 direitos e interesses. Esta só é atingida pelos actos subsequentes da 
 instauração da execução fiscal, como por exemplo a penhora de bens. Acresce 
 referir que a citação ao contrário de lesar os interesses da Reclamante dá-lhe a 
 oportunidade de exercer os seus direitos, designadamente o direito de oposição à 
 execução, direito que a Reclamante na presente petição inicial referiu «... que 
 oportunamente exercera…».
 Alegando a falta de requisitos essenciais do título executivo, entendo que o 
 meio idóneo para os arguir é em sede de processo de oposição à execução fiscal 
 
 (artigo 204º, n.º 1, alíneas c) e i) do CPPT) e não em reclamação ao abrigo dos 
 artigos 276º e seguintes do CPPT.
 
 […]
 Entendo que o despacho que ordena a citação do executado, por si mesmo, não é um 
 acto lesivo e como tal reclamável nos termos do disposto no artigo 276º do CPPT.
 Reconhecendo que a questão não é pacífica e admitindo que o acto reclamado possa 
 ser um acto potencialmente lesivo na medida em que é o início de uma sucessão de 
 actos que no mínimo causam transtorno ao Reclamante, também não estão reunidas 
 as condições para a apreciação imediata da reclamação, pelo Tribunal, nos termos 
 do artigo 278º, n.ºs 3 e 5 do CPPT. Não foi tomada qualquer decisão sobre a 
 penhora de bens, nem que determine a prestação de uma garantia indevida ou 
 superior à devida, nem a Reclamante invocou qualquer facto concreto, integrador 
 da ocorrência de prejuízo irreparável.
 Também entendo que não tem lugar a subida diferida a Tribunal porque a 
 Reclamante alega a falta de requisitos essenciais do título executivo, 
 fundamentos próprios do processo de oposição à execução fiscal, nos termos supra 
 expostos.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.            Desta decisão interpôs A., S.A. recurso para a Secção do 
 Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 84), tendo nas 
 alegações respectivas (fls. 86 e seguintes) concluído do seguinte modo:
 
  
 
 “1) A douta sentença recorrida omite pronúncia sobre a falta de requisitos 
 essenciais do título executivo.
 
 2) A falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser 
 suprida por prova documental, constitui nulidade insanável em processo de 
 execução fiscal (art. 165°, n.º 1, al. b) CPPT), que conduz à nulidade do título 
 e é de conhecimento oficioso (art. 165°, n.º 4 CPPT).
 
 3) A sentença recorrida, tendo deixado de pronunciar-se sobre essa questão, ao 
 contrário do que deveria, é nula (art. 668°, n.º 1, al. d) do CPC, ex vi do art. 
 
 2° do CPPT), conforme virá declarado, com as consequências legais.
 SEM PRESCINDIR,
 
 4) A lei de autorização legislativa que está na génese da aprovação do CPPT, a 
 Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, autoriza o Governo a aprovar o CPPT «no 
 respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária e 
 regulamentação das disposições da referida lei que desta careçam» (art. 51°, al. 
 c) da Lei n.º 87-B/98).
 
 5) O direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos 
 lesivos é assegurado pelos arts. 95° n.º 1 e n.º 2, al. j) e n.º 103°, n.º 2 da 
 Lei Geral Tributária.
 
 6) A decisão de instaurar a execução e mandar citar a recorrente não é meramente 
 liminar: é uma daquelas decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal que no 
 processo afectam os direitos e interesses legítimos da executada, maxime os 
 garantidos nos termos do art. 26° da CRP: bom nome e reputação, imagem, e 
 protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
 
 7) Esse despacho, por si mesmo, é um acto lesivo e como tal reclamável nos 
 termos do dispositivo conjugado dos artigos 163° e 276° a 278° do CPPT.
 
 8) A dimensão normativa que a sentença recorrida extrai do artigo 278° do CPPT 
 padece de inconstitucionalidade orgânica, por não se conformar com as 
 pertinentes normas dispostas na Lei Geral Tributária, extravasando o âmbito da 
 referida lei de autorização legislativa e o âmbito da competência do Governo 
 nesta matéria (art. 165°, n.º 1, al. i) da CRP).
 SEM PRESCINDIR,
 
 9) A reclamação com o fundamento peticionado perde qualquer utilidade caso não 
 suba ao tribunal imediatamente e com efeito suspensivo.
 
 10) E isso independentemente de a reclamante ter invocado, ou não, prejuízo 
 irreparável o qual ocorre sempre que estamos perante um acto lesivo dos 
 respectivos direitos, liberdades e garantias.
 
 11) A interpretação dos arts. 276° a 278° do CPPT consignada na douta decisão 
 recorrida, pugnando pela não admissão, ou subida meramente diferida, da 
 reclamação enferma de inconstitucionalidade material; desde logo, por violar os 
 direitos ao bom nome e reputação, imagem e protecção legal contra quaisquer 
 formas de discriminação, consagrados no art. 26° da CRP; mas, também, por 
 contrariar o disposto nos arts. 103°, 268°, n.º 3 e n.º 4 da CRP.
 SEM PRESCINDIR,
 
 12) A sentença recorrida é ilegal por impedir a reclamação para o tribunal 
 tributário de decisão proferida pelo órgão da execução fiscal que afecta os 
 direitos e interesses legítimos do executado.
 
 13) Deste modo não garantindo à recorrente o direito de reclamação para o juiz 
 da execução fiscal que lhe vem assegurado pelos arts. 95° n.º 1 e n.º 2, al. j) 
 e n.º 103°, n.º 2 da LGT.
 
 14) A prevalência da Lei Geral Tributária sobre a demais legislação de carácter 
 fiscal vem afirmada pelo art. 1° do CPPT, aqui violado.
 ASSIM É QUE,
 
 15) Deverá vir declarada nula ou revogada a decisão recorrida, com as 
 consequências legais.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
    A decisão recorrida foi mantida, por despacho de fls. 116.
 
    
 O Ministério Público sustentou que o recurso não merecia provimento (fls. 122).
 
  
 
  
 
 3.            Por acórdão de 30 de Março de 2005 (fls. 132 e seguintes), o 
 Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso. 
 
  
 
    Lê-se nesse acórdão, para o que agora releva:
 
  
 
 “[…]
 
 A sentença recorrida entendeu que o acto recorrido do chefe da repartição de 
 finanças que mandou citar a recorrente para os termos da execução não é um acto 
 lesivo por não afectar os seus direitos e interesses legítimos, não sendo por 
 isso susceptível de reclamação para o Tribunal nos termos do artigo 276º e segs. 
 do CPPT. Prescreve aquele normativo que «as decisões proferidas pelo órgão de 
 execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo 
 afectem direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são 
 susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância». Por seu 
 turno o artigo 278° diz que o tribunal só conhecerá das reclamações quando, 
 depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final. 
 Todavia o n.º 3 do mesmo normativo – e isto prende-se com a terceira questão 
 colocada pela recorrente – excepciona casos em que possa ocorrer prejuízo 
 irreparável por virtude das ilegalidades que enuncia, nenhuma das quais tendo 
 aplicação ao caso vertente. Todavia, como refere Jorge de Sousa (CPPT anotado, 
 
 4ª edição, fls. 1049), «apesar do carácter taxativo que a redacção deste n.º 3 
 do art 278° dá ao elenco dos casos de subida imediata das reclamações, não 
 poderá, sob pena de inconstitucionalidade material, restringir-se aos casos 
 indicados esse regime de subida», referindo a possibilidade de subida imediata 
 sempre que sem ela o interessado sofra prejuízo irreparável. Assim sendo haverá 
 que ver se o acto que provocou a reclamação será ou não um acto lesivo e, se o 
 for, se a não subida imediata provocará prejuízo irreparável. Diga-se também e 
 desde já que se não vê em que é que a reclamação prevista no CPPT contende com o 
 disposto no artigo 103° da LGT, nem que os termos em que está regulada 
 consubstancie qualquer inconstitucionalidade orgânica por parte daquele 
 normativo.
 A questão da lesividade tem sido largamente abordada em acórdãos da Secção de 
 Contencioso Administrativo, dos quais se respigam alguns excertos: 
 
 […]
 Do que se transcreveu facilmente se concluirá que, mesmo para efeitos de 
 inconstitucionalidade, não basta que um acto do chefe da repartição de finanças 
 cause algum prejuízo ao interessado para que ele possa desde logo recorrer à 
 reclamação a que se refere o artigo 276° do CPPT. Se assim fosse esta via 
 excepcional passaria a ser o meio ordinário de recurso. Ora no caso vertente o 
 acto praticado consistiu na citação da interessada para, nos termos e com as 
 formalidades prescritas no artigo 190° do CPPT, deduzir oposição, requerer o 
 pagamento em prestações ou a dação em pagamento relativamente a uma dívida não 
 paga. Por isso a própria citação destina-se a que o executado se possa defender 
 pelo que seria uma grave entorse à lógica considerar que tal citação era um acto 
 lesivo dos direitos ou interesses legítimos da executada. Esta poderia, e para 
 isso foi notificada, defender os seus direitos na oposição à execução. 
 Do que temos vindo a referir teremos de concluir que o acto do chefe da 
 repartição de finanças que mandou citar a recorrente não era susceptível de 
 reclamação nos termos do artigo 276° do CPPT, não violando tal entendimento a 
 garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou 
 interesses legalmente protegidos dos administrados prevista no artigo 268° n.º 4 
 da CRP.
 Falecem pois, pelos motivos indicados, as últimas três questões colocadas pela 
 recorrente nas conclusões das suas alegações e que acima se equacionaram.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 4.            Deste acórdão interpôs A., S.A. recurso para o Tribunal 
 Constitucional, nos seguintes termos (fls. 153 e seguinte):
 
  
 
 “[…] interpõe recurso para o Tribunal Constitucional na conformidade com o 
 disposto no art.75°-A da Lei n.º 28/82, na redacção da Lei n.° 13-A/98, de 
 decisão que aplica normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o 
 processo (art. 70°, n.º l, al. b), versando sobre inconstitucionalidade orgânica 
 e material dos artigos 276° e 278° do Código de Procedimento e Processo 
 Tributário, em contravenção do disposto nos artigos 26°, 103° e 268° da 
 Constituição.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
    O recurso foi admitido por despacho de fls. 162.
 
  
 
  
 
 5.            Notificada do despacho de aperfeiçoamento de fls. 175, proferido 
 pela ora relatora, veio a recorrente dizer o seguinte (fls. 181 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 Alínea do n.º 1 do artigo 70° ao abrigo da qual o recurso é interposto:
 
 - alínea b).
 Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie:
 
 - A norma contida no art. 276° do Código de Procedimento e Processo Tributário 
 
 (epígrafe: «Reclamações das decisões do órgão da execução fiscal»), na seguinte 
 dimensão normativa encontrada pela sentença e acórdão recorridos: O acto do 
 chefe de repartição de finanças que ordena a citação para a execução fiscal não 
 
 é susceptível de reclamação porque não afecta os direitos e interesses legítimos 
 do executado.
 
 - A norma contida no art. 278° do Código de Procedimento e Processo Tributário 
 
 (epígrafe: «Subida da reclamação. Resposta da Fazenda Pública e efeito 
 suspensivo»), na seguinte dimensão normativa encontrada pela sentença recorrida: 
 A subida imediata das reclamações restringe-se aos casos taxativamente previstos 
 no n.º 3 do art. 278° do CPPT.
 Norma ou princípio constitucional que se considera violado:
 
 - A inconstitucionalidade orgânica da citada norma extraída do art. 276° do CPPT 
 resulta de a mesma violar as pertinentes normas dispostas na Lei Geral 
 Tributária (o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os 
 actos lesivos vem afirmado pelos arts. 95° n.º 1 e n.º 2, al. j) e n.º 103°, n.º 
 
 2 da Lei Geral Tributária), extravasando, por isso, o âmbito da respectiva lei 
 de autorização legislativa (a Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que autoriza o 
 Governo a aprovar o CPPT «no respeito pela compatibilização das suas normas com 
 as da lei geral tributária e regulamentação das disposições da referida lei que 
 desta careçam», cfr. art. 51°, al. c) da Lei n.º 87-B/98), extravasando, por 
 isso, o âmbito da competência do Governo nesta matéria, no quadro da reserva 
 relativa de competência legislativa da Assembleia da República (art. 165°, n.º 
 
 1, al. i) da CRP).
 
 - Inconstitucionalidade material da citada norma extraída do art. 276° do CPPT 
 em violação do disposto nos arts. 26°, n.º 1 (direitos ao bom nome e reputação, 
 
 à imagem, e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação), 103°, 
 n.º 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se 
 não façam nos termos da lei) e 268°, n.º 4 (garantia aos administrados de tutela 
 jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos), 
 todos da Constituição.
 
 - Inconstitucionalidade material da citada norma extraída do art. 278° em 
 violação da garantia aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus 
 direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268°, n.º 4 da Constituição).
 Peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade:
 
 - motivação de recurso apresentada via telecópia em 17.01.2005, carimbo do TAF 
 de Viseu de 19.01.2005; e requerimento de interposição de recurso apresentado 
 via telecópia em 11.4.2005, carimbo do STA de 13.4.2005.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 6.            Por despacho de fls. 187 e seguinte, procedeu-se à restrição do 
 objecto do recurso à norma do artigo 276º do Código de Procedimento e de 
 Processo Tributário, na interpretação identificada pela recorrente no 
 requerimento de fls. 181 e seguintes, ou seja, interpretada no sentido de que “o 
 acto do chefe de repartição de finanças que ordena a citação para a execução 
 fiscal não é susceptível de reclamação porque não afecta os direitos e 
 interesses legítimos do executado” e, bem assim, ordenou-se a notificação das 
 partes para apresentarem as suas alegações, tendo em conta a referida 
 delimitação do objecto do recurso.
 
  
 
  
 
 7.            A., S.A. produziu então as alegações de fls. 199 e seguintes, 
 formulando as conclusões que seguem:
 
  
 
 “1) A concreta dimensão normativa encontrada para o art. 276° do CPPT implica 
 que a recorrente não pode reclamar para o tribunal tributário de 1ª instância do 
 acto que ordena a citação para a execução invocando a nulidade do título 
 executivo que lhe subjaz.
 
 2) Quando é esse o único meio adjectivo disposto pela lei para tal efeito de 
 reposição da legalidade.
 
 3) E quando esse acto lesa efectivamente os seus direitos e interesses 
 legítimos.
 
 4) A inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do art. 276° do CPPT 
 resulta de a mesma violar as pertinentes normas dispostas na Lei Geral 
 Tributária (o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os 
 actos lesivos vem afirmado pelos arts. 95° n.º 1 e n.º 2, al. j) e n.º 103°, n.º 
 
 2 da Lei Geral Tributária), extravasando, por isso, o âmbito da respectiva lei 
 de autorização legislativa (a Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que autoriza o 
 Governo a aprovar o CPPT «no respeito pela compatibilização das suas normas com 
 as da lei geral tributária e regulamentação das disposições da referida lei que 
 desta careçam», art. 51º, al. c) da Lei n.º 87-B/98), extravasando, por isso, o 
 
 âmbito da competência do Governo nesta matéria, no quadro da reserva relativa de 
 competência legislativa da Assembleia da República (art. 165°, n.º 1, al. i) da 
 CRP).
 
 5) A inconstitucionalidade material da citada norma extraída do art. 276° do 
 CPPT encontra fundamento na violação do disposto nos arts. 26°, n.º 1 (direitos 
 ao bom nome e reputação, à imagem, e à protecção legal contra quaisquer formas 
 de discriminação), 103°, n.º 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja 
 liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei) e 268°, n.º 4 (garantia 
 aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou 
 interesses legalmente protegidos), todos da Constituição.
 
 6) Deverá, por isso, vir julgada inconstitucional, com as demais consequências 
 legais.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
    A representante da Fazenda Pública contra-alegou nos seguintes termos (fls. 
 
 210):
 
  
 
 “[…] manifesta o seu total apoio à tese do douto Acórdão recorrido no sentido de 
 que a própria citação da interessada para, «nos termos e com as formalidades 
 prescritas no artigo 190º do CPPT, deduzir oposição, requerer o pagamento em 
 prestações ou a dação em pagamento relativamente a uma dívida não paga», 
 
 «destina-se a que o executado se possa defender pelo que seria um grave entorse 
 
 à lógica considerar que tal citação era um acto lesivo dos direitos ou 
 interesses legítimos da executada».
 Pelo que, como considera o douto Acórdão, não ocorre a alegada 
 inconstitucionalidade, devendo ser mantido o douto Acórdão recorrido”.
 
  
 
  
 
 8.            Foi seguidamente proferido pela ora relatora o despacho de fls. 
 
 212 e seguintes, determinando a notificação das partes para se pronunciarem, 
 querendo, sobre a seguinte questão:
 
  
 
  
 
 “[…]
 Através do despacho de fls. 187 e seguinte (supra, 6.), procedeu-se à 
 delimitação do objecto do presente recurso, no sentido de que ele abrangeria a 
 norma do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 
 interpretada no sentido de que o acto do chefe de repartição de finanças que 
 ordena a citação para a execução fiscal não é susceptível de reclamação porque 
 não afecta os direitos e interesses legítimos do executado.
 Tal entendimento pressupunha que a recorrente pretendia submeter ao julgamento 
 do Tribunal Constitucional a apreciação da conformidade constitucional de uma 
 interpretação normativa. 
 Decorre todavia da leitura das alegações produzidas perante este Tribunal que a 
 recorrente pretende afinal que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a 
 conformidade constitucional da decisão judicial ora recorrida, em si mesma 
 considerada. 
 Nessas alegações a recorrente insurge-se unicamente contra a decisão que 
 rejeitou a reclamação por si deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal 
 de Viseu com fundamento na falta de lesividade do acto que ordena a citação para 
 a execução fiscal.
 Verifica-se, assim, que a recorrente pretende através do presente recurso para o 
 Tribunal Constitucional obter um juízo de inconstitucionalidade sobre a 
 qualificação daquele acto como não lesivo, operada pelo tribunal recorrido. 
 Nestas circunstâncias, afigura-se como plausível que o Tribunal Constitucional 
 venha a decidir que não é possível conhecer do objecto do recurso, pois que este 
 Tribunal não tem competência para controlar a conformidade constitucional de 
 decisões judiciais em si mesmas consideradas (como é o caso da decisão judicial 
 que, realizando uma operação subsuntiva, reconhece ou não natureza lesiva a um 
 acto). O mesmo é dizer que o Tribunal Constitucional não tem competência para 
 autoritariamente qualificar certo acto como “lesivo” ou “não lesivo”.
 Na verdade, no âmbito do recurso de fiscalização concreta previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, este Tribunal apenas 
 tem competência para controlar a conformidade constitucional de normas, ou de 
 normas, numa certa interpretação, aplicadas nas decisões proferidas pelos outros 
 tribunais.
 
 […]”.
 
  
 
  
 
 9.            Notificada deste despacho da relatora, A., S.A. veio dizer, em 
 síntese, o seguinte (fls. 231 e seguintes):
 a)            Das alegações produzidas pela recorrente decorre inequivocamente 
 que a sua pretensão é a de que o Tribunal Constitucional emita um juízo de 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 276º do CPPT, numa certa interpretação;
 b)            Tal interpretação foi efectivamente aplicada na decisão recorrida, 
 pelo que o Tribunal Constitucional tem competência para julgar inconstitucional 
 a norma;
 c)            Uma decisão judicial não pode padecer de inconstitucionalidade 
 orgânica ou material, vícios suscitados nas alegações da recorrente;
 d)            Está em causa a lesividade potencial e não a lesividade efectiva 
 do acto, que como tal cabe na previsão legal de uma norma;
 e)            Se tal lesividade potencial não coubesse na previsão legal de uma 
 norma, nem a norma chegaria a ser aplicada em conformidade com a Constituição, 
 nem o cidadão gozaria da tutela judicial efectiva. 
 
  
 A recorrida não respondeu (fls. 236).
 
  
 Cumpre apreciar.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 10.          Os esclarecimentos prestados pela recorrente (supra, 9.) não 
 abalaram a convicção da relatora, expressa no despacho de fls. 212 e seguintes 
 
 (supra, 8.), acerca da verificação de questão prévia susceptível de obstar ao 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
  
 Essa convicção alicerçou-se – recorde-se – na consideração de que, nas 
 alegações, a recorrente se insurgira unicamente contra a decisão que rejeitou a 
 reclamação por si deduzida perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu 
 com fundamento na falta de lesividade do acto que ordena a citação para a 
 execução fiscal, pelo que se impunha a conclusão de que a recorrente pretendia, 
 através do presente recurso para o Tribunal Constitucional, obter um juízo de 
 inconstitucionalidade sobre a qualificação daquele acto como não lesivo, operada 
 pelo tribunal recorrido.
 
  
 Ora, incidindo o juízo de inconstitucionalidade sobre a qualificação de um acto 
 como não lesivo, impunha-se igualmente a conclusão de que a recorrente censurava 
 a decisão judicial, em si mesma considerada, e não qualquer norma nela aplicada, 
 objecto que decididamente extravasava a competência do Tribunal Constitucional 
 definida nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 A argumentação da recorrente não destruiu, como se disse, esta convicção.
 
  
 Relativamente à circunstância de a (alegada) interpretação normativa censurada 
 ter sido aplicada na decisão recorrida (supra, 9., b)), convém salientar que o 
 fundamento do não conhecimento do objecto do presente recurso não radica na não 
 aplicação da norma a apreciar, mas pura e simplesmente na inexistência de norma 
 a apreciar. Assim sendo, é de todo irrelevante a afirmação de que a decisão 
 recorrida teria aplicado certa norma ou interpretação normativa: o que 
 interessaria demonstrar era a efectiva existência dessa norma ou interpretação 
 normativa. 
 
  
 Quanto ao argumento de que a recorrente teria alegado certos vícios 
 
 (inconstitucionalidade orgânica e material) por definição não imputáveis a 
 decisões, mas apenas a normas (supra, 9., c)), cumpre salientar que nunca o 
 vício pode determinar a natureza do acto viciado, consubstanciando antes uma 
 qualificação que lhe acresce: assim, por exemplo, da existência de um erro não 
 pode deduzir-se a existência de um negócio jurídico, ou da existência de uma 
 simulação a existência de um contrato. Do mesmo modo, a inconstitucionalidade 
 material ou orgânica são qualidades da norma, e não indícios de (existência de) 
 norma.
 
  
 O terceiro argumento (supra, 9., d) e e)) é igualmente improcedente. Na verdade, 
 da circunstância de a recorrente não pretender que o Tribunal Constitucional 
 declare que o acto que ordena a citação para a execução fiscal é efectivamente 
 lesivo não pode retirar-se que, a final, o objecto do presente recurso de 
 constitucionalidade é uma norma: dito de outro modo, não é necessário que o 
 recorrente pretenda a declaração de efectiva lesão para que se conclua que o 
 objecto do recurso de constitucionalidade é a decisão judicial recorrida, em si 
 mesma considerada.
 
  
 Na verdade, também a qualificação do acto como potencialmente lesivo – para usar 
 as palavras da recorrente – traduz a realização de uma operação subsuntiva pelo 
 tribunal recorrido, insusceptível, nessa medida, de controlo pelo Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 Não procedendo a argumentação da recorrente, conclui-se, como no despacho de 
 fls. 212 e seguintes, no sentido do não conhecimento do objecto do presente 
 recurso, uma vez que o Tribunal Constitucional não tem competência, nos termos 
 do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para 
 sindicar a conformidade constitucional da própria decisão recorrida.
 
  
 Assim decidiu este Tribunal, perante um caso em tudo semelhante aos destes 
 autos, no Acórdão n.º 649/05, de 16 de Novembro, desta 1ª Secção (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 
  
 III
 
  
 
  
 
 11.          Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar 
 conhecimento do recurso.
 
  
 
    Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de 
 conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 17 de Janeiro de 2006
 
  
 Maria Helena Brito
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos. Vencido. Conhecendo do
 objecto do recurso e considerando não inconstitucional
 a norma sindicada.
 Carlos Pamplona de Oliveira. Vencido, essencialmente
 nos termos da declaração do Ex.mo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos
 Artur Maurício