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Processo n.º 886/09
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1. No presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade em que é 
 recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu a seguinte 
 decisão ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro 
 
 (LTC):
 
  
 
 “1. O recorrente foi condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Mealhada na 
 pena de 7 meses de prisão, como autor de um crime de violação de proibições ou 
 interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal. Interpôs 
 recurso da sentença condenatória, ao qual o Tribunal da Relação de Coimbra negou 
 provimento, por acórdão de 9 de Setembro de 2009.
 Ponderou este acórdão, além do mais, o seguinte:
 
  
 
 “Importa agora decidir se o arguido, na hipótese de ser punido, deve ser punido 
 em pena não privativa da liberdade, nos termos do art.70.° do Código Penal. 
 O arguido A. defende que, na hipótese de ser punido, deve ser condenado em pena 
 não privativa de liberdade, por esta satisfazer plenamente as eventuais 
 necessidades de punição, só assim se dando uma aplicação aceitável do art.70.º 
 do Código Penal. Terminada que estava a sanção acessória de inibição de conduzir 
 não se verificavam necessidades de prevenção. Aqui à necessidade de manter a 
 reintegração do arguido na sociedade é uma finalidade que se sobrepõe à de 
 prevenção. Seria mais importante a de prevenção se à data do julgamento o 
 arguido ainda estivesse a cumprir a sanção acessória, o que não é o caso. 
 Vejamos. 
 Como regra, na abordagem da pena a aplicar deve o Tribunal atender, num primeiro 
 momento, à escolha da pena dentre as penas principais enunciadas no tipo penal 
 
 (art.70.º do C.P.); de seguida, importará determinar a concreta medida da pena 
 por que se optou (art.71.º do C.P.); e, por fim, determinando-se uma concreta 
 pena de prisão, haverá que verificar se ela pode ser objecto de substituição, em 
 sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida. O crime de violação de 
 imposições, proibições ou interdições é punido com pena de prisão até 2 anos ou 
 com pena de multa até 240 dias. 
 O art.70.º do Código Penal que estatui, como critério de orientação geral para a 
 escolha da pena, que” Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena 
 privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda 
 sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da 
 punição.”. 
 As finalidades da punição vêm definidas no art.40.º, n.º 1 do Código Penal, 
 resultando dos seus termos que “a aplicação de penas visa a protecção de bens 
 jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. 
 A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de 
 prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da 
 intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao 
 delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e 
 reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas 
 do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal 
 
 (prevenção geral positiva ou de integração). 
 A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou 
 individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação 
 preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele 
 cometa novos crimes, que reincida. 
 A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende 
 unicamente de considerações de prevenção geral e especial. 
 A culpa não tem relevância no problema da escolha da pena - Cfr. Cons. Maia 
 Gonçalves, in “Código Penal Português anotado”, 8ª edição, pág.354 e Prof. 
 Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do 
 crime”, Notícias Editorial, pág.332. 
 No caso em apreciação, o Tribunal da Relação entende que as exigências de 
 prevenção geral são intensas atenta a frequência com que as decisões judiciais, 
 proferidas num Estado de Direito Democrático, tendem a ser desrespeitadas, 
 colocando em causa a vida em sociedade e a confiança da comunidade nas suas 
 instituições judiciárias e na validade das normas do Estado. 
 O Tribunal da Relação entende ainda que as razões de prevenção especial são 
 elevadas pois o arguido vem ao longo de anos praticando sucessivos crimes 
 ligados à circulação rodoviária, e de desobediência, sendo que o crime agora em 
 apreciação foi praticado durante o período de suspensão de uma pena de prisão 
 
 (pontos 2 e 3 e sentença de 25-10-2006, de folhas 42 a 50). Ao voltar a 
 delinquir durante a suspensão de execução da pena de prisão o arguido demonstra 
 que a pena de multa não é sanção adequada e suficiente para o afastar da 
 criminalidade. 
 
 É evidente, assim, que a aplicação ao arguido de uma pena de multa, como pena 
 principal, não cumpriria o objectivo de intimidação e aprofundamento da validade 
 e eficácia das normas penais pelos cidadãos em geral e pelo arguido em 
 particular. 
 Do facto do arguido não ter sido julgado de imediato, mas só após o dia 16 de 
 Outubro de 2008, data em que terá terminado o cumprimento da sanção acessória 
 que o arguido violou, não resulta, racionalmente, que deixaram de se verificar 
 nem as razões de prevenção geral, nem especial. A reintegração do arguido na 
 sociedade, onde repetidamente viola as normas que tutelam bens jurídicos 
 constitucionais, não se compadece, como bem menciona a sentença recorrida com a 
 aplicação da pena de multa prevista no tipo legal a título principal, mas sim 
 com a pena de prisão. 
 Assim, bem andou o Tribunal a quo ao optar pela aplicação da pena de prisão em 
 detrimento da pena de multa, sendo que, como foi mencionado pelo Tribunal a quo, 
 nas circunstâncias concretas dos factos só uma pena de prisão efectiva pode já 
 cumprir o objectivo da reintegração do arguido na sociedade e protecção dos bem 
 jurídico violado. 
 A questão seguinte é se o artigo 40.º n.º 2, analisado à luz do art.32.º da 
 C.R.P. é inconstitucional porque ambíguo, compromete direitos de defesa e mesmo 
 o direito de aferir da justiça de uma decisão, seja por parte do arguido, seja 
 por parte do ofendido; 
 No dizer do arguido, no caso concreto, não se vislumbra medida de culpa que 
 justifique uma pena de prisão. 
 Sobre esta questão começamos por discordar que o art. 40.º, n.º 2 do Código 
 Penal é um preceito ambíguo, pois este, no entendimento do Tribunal da Relação e 
 que nos parece ser o da 1 a instância, tem um só sentido, que é o de que a culpa 
 
 - entendida como juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se 
 ter comportado, como podia, de acordo com a norma -, condiciona a medida da 
 pena, não podendo a pena ultrapassar a culpa, designadamente por razões de 
 prevenção geral ou especial. 
 No caso em apreciação a culpa é elevada porquanto o arguido agiu com dolo 
 directo – pois representou os factos da ilicitude típica objectivos e actuou com 
 intenção de os realizar – e intenso –, pois a condução permitiu a necessária 
 ponderação, como actividade que se prolonga por momentos relativamente longos – 
 e os seus antecedentes criminais, levam já à aproximação de uma certa tendência 
 para a prática de crimes rodoviários e de desobediência. 
 Conjugando a elevada censurabilidade da conduta do arguido, com a ilicitude dos 
 factos e restantes factores incluídos na sentença recorrida aquando da 
 determinação da medida concreta da pena, incluindo as exigências de prevenção 
 geral e especial, entendemos que o Tribunal a quo andou bem na fixação da pena 
 concreta de prisão. 
 Não vislumbramos ainda qualquer motivos para concluir que o art. 40.º, n.º 2 do 
 Código Penal, tido em conta na determinação da medida da pena, compromete 
 direitos de defesa e o direito de aferir da justiça de uma decisão, seja por 
 parte do arguido, seja por parte do ofendido, em violação do art.32.º da 
 C.R.P... 
 Improcede assim também esta questão. 
 O arguido defende que o artigo 70.º, interpretado no sentido de a escolha entre 
 uma pena privativa e não privativa de liberdade dever ser feita somente 
 atendendo à realização dos objectivos da punição sem atender aos demais 
 critérios que estão na norma referente à determinação da medida da pena, deve 
 ser declarado inconstitucional porque potencia e até justifica decisões injustas 
 e desequilibradas, como aquela em causa no presente recurso, e por estar em 
 contravenção com os direitos plasmados no n.º 1 do artigo 32.º da C.R.P.. 
 Nesta parte diremos que o Tribunal da Relação não vislumbra qualquer razão para 
 concluir que o art.70.º do Código Penal, interpretado no sentido de a escolha 
 entre uma pena privativa e não privativa de liberdade depender unicamente de 
 considerações de prevenção geral e especial, justifica decisões injustas e 
 desequilibradas, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da C.R.P.. 
 A prova de que o disposto no art.70.° do Código Penal não proporciona decisões 
 injustas e desequilibradas é a aplicação ao arguido A. de uma pena de prisão, 
 que em concreto não ultrapassou a medida da culpa, que é elevada. 
 Por fim, importa decidir se a sentença recorrida ao fazer aplicação ao arguido 
 da norma do 70.º, em que baseou a escolha de pena privativa de liberdade, apenas 
 de acordo com alegados critérios de necessidade de realizar as finalidades da 
 punição, sem atender a demais factores que propendiam para aplicação de pena não 
 privativa de liberdade, também se apresenta desconforme com o artº 32º da CRP, 
 na mesma medida em que aquela norma o é. 
 Salvo o devido respeito, não há qualquer factor que propenda para a aplicação da 
 pena não privativa da liberdade e que só as razões de prevenção. 
 O arguido não é o cidadão que um dia, ocasionalmente, praticou um crime. O 
 arguido é já um delinquente que só com alguma dificuldade ainda se pode 
 considerar pluriocasional, pois começa a aproximar-se de uma situação de 
 tendência, tal é o número de vezes que desrespeita as normas que tutelam bens 
 jurídico-constitucionais. 
 O Tribunal da Relação não encontra qualquer motivo para concluir que a sentença 
 recorrida ao aplicar ao arguido A. a pena privativa da liberdade, em obediência 
 ao disposto no art.70.º do Código Penal, violou o disposto no art. 32.º da 
 C.R.P. – seja qual for o número, dos vários, que constituem esta norma 
 constitucional. 
 Perante todo o exposto impõe-se manter a decisão condenatória e negar provimento 
 ao recurso interposto pelo arguido. 
 
  
 
 2. O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, mediante 
 requerimento do seguinte teor:
 
  
 
 “As peças processuais em que o recorrente suscitou a questão da 
 inconstitucionalidade foram:
 
 1 – Alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra (pags. 10, 11 e 
 
 14) no corpo das alegações e nas conclusões “T”, “U” e “V”, peça em que arguiu a 
 inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 40º, nº 2 e 70º, ambos do 
 Código Penal, por se mostrarem desconformes com o artº 32º da CRP (porque sendo 
 a primeira (artº 40º) ambígua compromete os direitos de defesa consagrados no 
 artº 32º da CRP, e segunda (artº 70º) potencia decisões injustas e 
 desequilibradas assim estando em contravenção do disposto no artº 32.º, nº 1, da 
 CRP. Normas que potenciam ambiguidade comprometem automaticamente todas as 
 garantias de defesa em processo penal.
 
 2 – Resposta ao Parecer do Ministério Público, tendo nesta peça arguido a 
 inconstitucionalidade do artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal, também 
 por se revelar desconforme com o artº 32º da CRP, por violar a parte desta norma 
 referente ao “recurso”, garantias de recurso (constitui uma limitação ao 
 conhecimento da matéria de facto por parte dos tribunais de recurso (constitui 
 uma limitação ao conhecimento da matéria de facto por parte dos tribunais de 
 recurso). A norma constitucional que se considera violada é o artigo 32º, nº 1 
 da Constituição da República Portuguesa.”
 
  
 
 3. Apesar do deficiente cumprimento do disposto no artigo 75.º-A da LTC, o 
 requerimento de interposição do recurso, através da indicação relativa ao lugar 
 do processo onde foi suscitada a questão de inconstitucionalidade, permite 
 identificar com segurança as normas cuja inconstitucionalidade o recorrente quer 
 ver apreciada, pelo que não é indispensável convidá-lo a completar tal 
 requerimento.
 Porém, o recurso não deve prosseguir, pelas razões que sumariamente se enunciam.
 
 3.1. Quanto ao n.º 4 do artigo 412.º do CPP, não houve efectiva aplicação de tal 
 norma em desfavor do recorrente. O Tribunal da Relação não atendeu à oposição do 
 Ministério Público e, embora afirmando que era deficiente o modo como o 
 recorrente dera cumprimento às exigências do n.º 4 do artigo 412.º do CPP, optou 
 por se considerar “apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a 
 quo que o recorrente A. impugna”.
 Assim, não há que conhecer do recurso nesta parte.
 
 3.2. Quanto às normas do n.º 2 do artigo 40.º e do artigo 70.º, ambos do Código 
 Penal, a questão é manifestamente infundada.
 O n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal, inserido num artigo dedicado à 
 explicitação dos fins das penas e das medidas de segurança e resultante da 
 revisão do Código levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, 
 dispõe que “ Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
 Não há neste preceito ambiguidade que contrarie o princípio da determinabilidade 
 das leis ou que possa comprometer o exercício do direito de defesa. A norma tem 
 um só sentido, que é o de que a culpa funciona como limite máximo da pena. 
 Constitui mais um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito 
 criminal é estruturado com base na culpa do agente. Como no acórdão n.º 124/2004 
 
 (Diário da República, I-Série A, de 31 de Março de 2004), filiando-se no Acórdão 
 n.º 95/2001, publicado no Diário da República, II série, de 24 de Abril de 2002, 
 se pondera: 
 
  
 
 «(...) O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de 
 um Estado de Direito, proíbe – já se disse –  que se aplique pena sem culpa e, 
 bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa.
 Trata-se de um princípio que emana da Constituição e que, na formulação de JOSÉ 
 DE SOUSA E BRITO (loc. cit., página 199), se deduz da dignidade da pessoa 
 humana, em que se baseia a República (artigo 1º da Constituição), e do direito 
 de liberdade (artigo 27º, n.º 1); e, nos dizeres de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, 
 vai buscar o seu fundamento axiológico “ao princípio da inviolabilidade da 
 dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de 
 Direito democrático” (Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do 
 Crime, Lisboa, 1993, página 73). 
 
  
 A complexidade teórica do conceito de culpa, a dificuldade prática do juízo e a 
 ineliminável margem de apreciação deixada ao juiz na determinação do grau de 
 culpa não afectam a controlabilidade da aplicação que da norma em causa seja 
 efectuada pelas sucessivas instâncias. A determinação do grau de culpa e, 
 consequentemente, do limite máximo da pena tem de ser acompanhada por uma 
 justificação racionalmente fundada por parte do juiz da condenação, permitindo o 
 ataque por parte do arguido e o controlo por parte do tribunal superior.  
 Idêntico raciocínio vale para a norma do artigo 70.º do Código Penal. 
 
 É certo que a segurança jurídica postula o princípio da precisão ou 
 determinabilidade dos actos normativos. Princípio que, como refere Gomes 
 Canotilho (Direito Constitucional, ed., pág. 258), se analisa em duas ideias 
 fundamentais. A primeira ao nível dos enunciados linguísticos, exigindo clareza 
 das normas legais, ao menos no sentido de que não enfermem de contraditoriedade 
 interpretativamente irremovível. A segunda aponta para a exigência de densidade 
 suficiente na regulamentação legal, que permita alicerçar posições jurídicas dos 
 cidadãos, constituir uma norma de actuação para o aplicador da lei e um padrão 
 de controlo para o órgão de fiscalização.
 Ora, o enunciado linguístico do preceito não oferece qualquer ambiguidade ou 
 obscuridade e dirige ao juiz um comando claro: o de dar preferência à pena não 
 privativa da liberdade sempre que esta assegure a realização das finalidades da 
 punição.  
 E a margem de apreciação ou a “cláusula” de discricionariedade expressa na 
 condição “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades 
 da punição” é inerente à relação legiferação – aplicação da lei no domínio do 
 direito sancionatório.  
 Por outro lado, a defesa do arguido e a controlabilidade da decisão por parte do 
 tribunal superior não está comprometida. O juiz tem de fundamentar a sua opção 
 pela pena privativa de liberdade. Razões que o arguido pode contrariar e o 
 tribunal superior reexaminar, face aos factos e à personalidade do arguido 
 processualmente provados e às necessidades de prevenção. Aliás, o acórdão 
 recorrido é uma exemplar demonstração da controlabilidade das razões da escolha 
 da pena.
 Em resumo: as questões levantadas em torno do artigo 40.º e do artigo 70.º do 
 Código Penal podem ser de elevada complexidade teórica e de dificuldade prática. 
 Mas essas normas não suscitam qualquer dúvida de constitucionalidade face aos 
 parâmetros constitucionais invocados pelo recorrente. A questão de 
 constitucionalidade é, pois, manifestamente infundada.
 
 4. Decisão
 Pelo exposto, decide-se:
 a) não conhecer do objecto do recurso quanto à norma do n.º 4 do artigo 412.º do 
 Código de Processo Penal;
 b) negar, no mais, provimento ao recurso;
 c) condenar o recorrente nas custas, com 7 (sete) UCs de taxa de justiça.”
 
  
 
  
 
             2. O recorrente reclama desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da LTC, nos termos seguintes:
 
 “[  … ] 
 Foi proferida decisão sumária por esse venerando tribunal sem que o recorrente 
 tenha sido notificado para apresentar as suas alegações, o que significa que não 
 lhe foi dada oportunidade de se defender capazmente e de argumentar no sentido 
 das razões das quais apenas tinha apresentado basicamente o enquadramento legal, 
 e algumas razões justificativas do seu entendimento, mas nunca extraindo as 
 consequências de modo completo como seria se lhe tivesse sido facultado 
 apresentar as alegações perante o Tribunal Constitucional. 
 Ou seja, o Tribunal Constitucional proferiu uma decisão sumária apenas com base 
 numa síntese alusiva às razões de inconstitucionalidade das normas em causa, 
 
 412º, nº 4, do Código de Processo Penal e 40º e 70º do Código Penal, sumariadas 
 pelo recorrente na sua alegação para o Tribunal da Relação de Coimbra e na 
 resposta ao parecer do Ministério Público. 
 Ora, como pode o Tribunal Constitucional ter analisado a questão de forma global 
 ou satisfatória, se o recorrente nem sequer apresentou alegações perante o 
 Tribunal Constitucional, nem sequer lhe foi dada oportunidade de se defender 
 capazmente, desenvolvendo a questão da inconstitucionalidade das normas 
 apontadas em concreto!? 
 No acórdão objecto da presente reclamação diz-se o seguinte: 
 
 “O Tribunal da Relação entende que as exigências de prevenção geral são intensas 
 atenta a frequência com que as decisões judiciais, proferidas num Estado de 
 Direito Democrático, tendem a ser desrespeitadas, colocando em causa a vida em 
 sociedade e a confiança da comunidade nas suas instituições judiciárias e na 
 validade das normas do Estado”. 
 O recorrente até concorda que de facto existem cada vez mais e mais intensas 
 exigências de prevenção geral, e mais entende que a prevenção geral de novos 
 crimes deve começar muito antes do julgamento, em ou em decisões proferidas 
 antes da audiência final. Simplesmente, no caso concreto está em causa a 
 fiscalização concreta da constitucionalidade, e não a abstracta. O facto de as 
 exigências de prevenção geral se intensificarem não significa que no caso 
 concreto do arguido recorrente exista uma exigência intensa de prevenção de 
 futuros crimes. Ou seja, o arguido, apesar do seu passado criminal em que 
 praticou vários delitos relacionados com a circulação rodoviária, dos quais nem 
 sequer constam ofensas corporais ou danos provocados por acidentes, ou sequer um 
 
 único acidente! Conforme referiu, e ficou provado nos processos que compõem o 
 seu registo criminal anteriores a este, o arguido praticou esses crimes de 
 condução em estado de embriaguês por causa de um período conturbado da sua vida, 
 o qual foi ultrapassado. 
 O crime de violação de proibições em causa no presente processo foi uma situação 
 excepcional, facto que o arguido gostaria de ver reconhecido pelo tribunal. 
 Ainda que se considere que a pena de multa não é sanção adequada e suficiente 
 para o afastar da criminalidade, nem por isso se deve entender que só a pena de 
 prisão efectiva realiza essa finalidade. Isto porque é fácil de aceitar que se 
 durante o período da suspensão da pena de prisão o arguido só praticou o crime 
 em causa nos presentes autos, pelo qual veio a ser julgado depois de ter 
 terminado o cumprimento da sanção. 
 Ao contrário do entendimento do Tribunal da Relação, o recorrente entende que o 
 facto de ter sido julgado depois de ter terminado o cumprimento da sanção 
 diminui consideravelmente as exigências de prevenção especial, e mostra que 
 durante essa suspensão ele cometeu um único crime – este, pelo qual foi julgado 
 e condenado de que discorda da pena aplicada, e, por isso recorreu. 
 O facto de a pena de multa não ser dada como suficiente, não significa que só a 
 pena de prisão efectiva satisfaça as tais exigências de prevenção especial. 
 Existem outras penas não privativas da liberdade mais adequadas ao arguido. 
 Também ao invés do entendido pelo Tribunal da Relação uma pena não privativa da 
 liberdade, e concretamente o trabalho em favor da comunidade cumpriria melhor as 
 exigências de reintegração do arguido e exigências de prevenção. 
 No acórdão objecto da presente reclamação, diz-se que apesar do deficiente 
 cumprimento do disposto no artigo 75º-A da LCT, o requerimento de interposição 
 do recurso permite identificar com segurança as normas cuja 
 inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada, mas que o recurso não 
 deve prosseguir pelas razões enumeradas no acórdão, que são não conhecer o 
 recurso quanto ao nº 4 do artº 412º do CPP e dar como constitucionais as normas 
 dos artigos 40º e 70º do Código Penal face aos parâmetros constitucionais 
 invocados pelo recorrente. Ora, o arguido e recorrente não se pode conformar com 
 uma decisão sumária destas, em que até e acusado de não ter indicado parâmetros 
 constitucionais que permitam inferir alguma inconstitucionalidade nas normas que 
 indiciou. Pois com certeza que não invocou de forma completa os parâmetros, pois 
 se nem sequer fez alegações! Porque não lhe foi dada sequer oportunidade de as 
 fazer! 
 Estando em causa, inclusivamente a escolha entre uma pena privativa da 
 liberdade, e uma pena não privativa da liberdade, o vedar ao arguido recorrente 
 apresentar as suas alegações perante o Tribunal Constitucional é uma forma de 
 lhe cercear o seu direito de defesa. Assim não admira que na decisão sumária 
 agora reclamada tenha sido entendido que o arguido não apresentou motivação 
 suficiente para alegar a inconstitucionalidade das normas apontadas, se a 
 análise da sua impugnação foi feita só com base na alusão sumária feita nas 
 alegações para o Tribunal da Relação em que a questão da inconstitucionalidade 
 não tem de ser abordada de forma exaustiva, nem aquele Tribunal é vocacionado 
 para conhecer as questões da constitucionalidade. 
 Ao fim e ao cabo, a decisão sumária emitida pelo Tribunal Constitucional 
 limita-se a repetir a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra acerca da mesma 
 matéria, conforme se conclui facilmente se comparamos o Acórdão da Relação com a 
 Decisão Sumária agora reclamada. 
 Acerca do artigo 40º nº 2 do Código Penal, ambos os tribunais dizem que o 
 referido preceito não contém ambiguidade devendo ser interpretado no sentido de 
 que a culpa condiciona a medida da pena. Só por este tipo de resposta vê-se que 
 o problema não foi abordado de forma substancial. Em relação ao tribunal da 
 Relação ainda se compreende porque a questão foi colocada sumariamente e este 
 tribunal não tem por obrigação conhecer com profundidade este tipo de questão. 
 Em relação ao tribunal Constitucional não se pode aceitar porque este conheceu 
 de forma superficial e formal porque nem sequer deu ao arguido a oportunidade de 
 alegar a questão em termos adequados. 
 Razão pela qual, e porque é o prejuízo do arguido que está em causa, deve ser 
 dada a este a oportunidade de se defender capazmente apresentando as alegações. 
 Se não, o próprio Tribunal constitucional ao querer forçar o arguido a aceitar 
 uma decisão sumária está a negar-lhe todas as garantias de defesa previstas no 
 artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. No entender do arguido esta 
 maneira de decidir, estando em causa a liberdade do arguido pelo facto de ser 
 apanhado a conduzir durante proibição de conduzir, viola o artigo 32º da 
 Constituição da Republica Portuguesa. 
 E evidente que não está em causa a interpretação semântica do artigo 40º, nº 2! 
 E muito menos ainda em relação ao artigo 70º. A escolha entre tirar a liberdade 
 de forma efectiva ou aplicar uma simples pena de multa, subsume-se ao critério 
 de escolha da pena. Ora, o critério de escolha deve ser tanto ou mais exigente 
 do que o critério da medida. O artigo 70º contém a responsabilidade inerente a 
 essa escolha. Escolher é uma coisa e medir é outra. O artigo 70º é o equivalente 
 a um título de um artigo, mas não regulamenta em termos de permitir a defesa 
 constitucional, o critério de escolha da pena, por razões que o recorrente 
 melhor explicitará se lhe for permitido apresentar alegações. 
 Veja-se só isto: entre meter alguém na cadeia, ou não, o critério deverá ser 
 simplesmente consoante a necessidade de punição? 
 Termos em que deve a presente reclamação ser deferida e o reclamante ser 
 notificado para apresentar as suas alegações de recurso para o Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 
  
 
             3. O Ministério Público responde que a reclamação deve ser 
 indeferida, pelas seguintes razões:
 
 “[ … ]
 
 2º
 Concretamente no que respeita às razões do não conhecimento, quanto à norma do 
 artigo 412º, nº 4, do CPP, o recorrente, na reclamação apresentada, nada diz, 
 pelo que a decisão reclamada, nesta parte, deve manter-se.
 
 3º
 Quanto às normas dos artigos 40º e 70º do Código Penal, foi proferida Decisão 
 Sumária, porque sendo a questão de inconstitucionalidade - tal como vinha 
 formulada no requerimento de interposição do recurso e havia sido suscitado 
 durante o processo – manifestamente infundada, ela traduzia-se numa questão 
 simples (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
 
 4º
 Ora, na reclamação dessa Decisão Sumária, o que o recorrente teria de sustentar 
 era que a questão não sendo manifestamente infundada, não seria simples, devendo 
 o processo prosseguir com apresentação das alegações, nelas desenvolvendo, o 
 recorrente, toda a argumentação que entendesse necessária.
 
 5º
 Que as questões ligadas à culpa e à medida da pena são questões complexas, 
 ninguém dúvida, sendo que tal foi expressamente reconhecido na própria Decisão 
 Sumária.
 
 6º
 A questão de inconstitucionalidade normativa colocada pelo recorrente, tal como 
 ele a colocou, é que levou ao entendimento de que se tratava de uma questão 
 manifestamente infundada.
 
                                                         7º
 Ora, na reclamação apresentada, o recorrente não adianta quaisquer argumentos 
 que possam abalar a decisão enquanto considera a questão simples, limitando-se a 
 reafirmar a complexidade, em geral, daquelas questões e a criticar o 
 entendimento que o Acórdão da Relação (a decisão recorrida) perfilhara”
 
  
 
 4. No que respeita ao conhecimento, quanto à norma do artigo 412.º, n.º 4, do 
 CPP, o recorrente, na reclamação apresentada, nada diz, pelo que se entende que, 
 nesta parte, o recorrente se conformou com a decisão. Portanto, só está em causa 
 o decidido quanto às normas do n.º 2 do artigo 40.º e do artigo 70.º do Código 
 Penal.
 
  
 
             Ora, como na decisão reclamada se deixa entender, uma questão 
 jurídica pode revestir-se de elevada complexidade no plano do direito 
 infraconstitucional, seja ou na prática aplicativa concreta, seja no aspecto 
 teórico, e serem de resolução simples ou infundadas as dúvidas de 
 constitucionalidade que se levantem a propósito de determinadas normas que lhe 
 respeitam. É o que sucede quanto às normas do n.º 2 do artigo 40.º e do artigo 
 
 70.º do Código Penal, que podem suscitar (ou a propósito das quais podem 
 desenvolver-se), na doutrina penal e na prática judiciária, delicados problemas 
 de concepção teórica, seja quanto ao conceito de culpa, seja quanto aos fins das 
 penas e fundamentos do direito de punir. 
 Mas a essa complexidade não corresponde uma questão seriamente fundada, face aos 
 parâmetros constitucionais invocados ou que são imediatamente representáveis 
 face aos termos em que o recorrente suscitou a questão perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida. Pelas razões expostas na decisão reclamada, não se 
 vislumbra que tais normas possam colocar dúvidas razoáveis de conformidade ao 
 princípio de que o processo penal assegurará todas as garantias de defesa, às 
 exigências do princípio da legalidade em matéria penal e ao princípio da 
 determinabilidade das leis ou à concepção constitucional de repartição de 
 funções entre o legislador e os tribunais. 
 O recorrente assenta as suas críticas à decisão sumária na simplicidade da 
 fundamentação desta e no facto de ter sido privado de produzir alegações que 
 mostrem o bem fundado da sua pretensão.
 Em primeiro lugar é inerente à possibilidade de decisão do recurso de 
 constitucionalidade ao abrigo do artigo 78.º-A da LTC a supressão da faculdade 
 de produzir alegações. A decisão sumária do relator destina-se a por termo a 
 recursos que, por falta dos respectivos pressupostos, ou por ser evidente o 
 sentido decisório não justificam o processamento normal. O interessado não está 
 impedido de apresentar as razões pelas quais sustenta a inconstitucionalidade. 
 Efectivamente, uma das funções do ónus de suscitar a questão de 
 constitucionalidade perante o tribunal da causa é também a de mostrar que não é 
 manifestamente infundado questionar a validade da norma.
 Por outro lado, o artigo 78.º-A da LTC permite que o relator profira “decisão 
 sumária”, isto é, com a fundamentação reduzida ao essencial. É um mecanismo de 
 descongestionamento e racionalização do funcionamento da justiça constitucional, 
 perante recursos de constitucionalidade repetitivos, que não satisfazem os 
 pressupostos ou requisitos formais ou que se mostram destituídos de viabilidade, 
 face aos termos em que a questão foi discutida, aos parâmetros que o requerente 
 indica e àqueles outros que o Tribunal antecipe como razoavelmente susceptíveis 
 de serem convocados. As questões da escolha da pena e do conceito de culpa e do 
 recurso a conceitos indeterminados ou discricionários em normas penais poderiam 
 prestar-se a desenvolvimentos teoréticos de enquadramento, mas sem efectiva 
 relevância decisória porque, no que é pertinente à validade das normas em causa 
 face aos parâmetros constitucionais indicados (cfr. artigo 75.º, n.º 2 da CRP), 
 a conclusão pela não inconstitucionalidade não suscita dúvidas sérias. Aliás, o 
 recorrente nada de concreto acrescenta que instile a dúvida acerca do acerto da 
 decisão sumária quando concluiu que a questão de constitucionalidade é simples, 
 limitando-se a argumentos que, na prática, se traduzem em negar a possibilidade 
 de proferir decisões sumárias de não provimento (ao menos quando não consistam 
 em remissão ou repetição de jurisprudência anterior). Aliás, é sintomático que o 
 reclamante não aponte referências na jurisprudência ou na doutrina a qualquer 
 questão de constitucionalidade respeitante às normas que constituem objecto do 
 recurso neste seu já longo tempo de vigência e de intensa aplicação. Também o 
 Tribunal as não conhece.
 Refira-se, por último, que é questão estranha ao objecto do recurso, restrito à 
 constitucionalidade de normas, saber se a aplicação que de tais normas foi feita 
 pelos tribunais da causa, designadamente ao optarem pela aplicação de pena 
 privativa de liberdade, foi a mais adequada. 
 
  
 
             5. Decisão
 
  
 
             Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o 
 recorrente nas custas, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
 Lx., 16/XII/2009
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão