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Processo nº 103/08
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
 
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
 
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é 
 recorrente a Ordem dos Médicos e são recorridos o Ministério Público e a 
 Autoridade da Concorrência, foi interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do 
 acórdão daquele tribunal de 22 de Novembro de 2007.
 
  
 
 2. Por decisão de 26 de Maio de 2006, a Autoridade da Concorrência aplicou à 
 Ordem dos Médicos uma coima no valor de € 250.000,00 e ordenou a publicação do 
 sumário da decisão no Diário da República e a da parte decisória num jornal 
 nacional de expansão nacional. 
 A Ordem dos Médicos impugnou judicialmente esta decisão, suscitando a questão 
 prévia da incompetência material do Tribunal de Comércio. 
 Em 6 de Setembro de 2006, o Tribunal de Comércio decidiu declarar-se 
 materialmente competente para apreciar o recurso interposto. Em 18 de Janeiro de 
 
 2007, o recurso foi julgado parcialmente procedente. Consequentemente, a Ordem 
 dos Médicos foi condenada na coima de € 230.000,00 e na publicação de súmula da 
 decisão, incluída a parte decisória, no Diário da República e da parte decisória 
 em jornal nacional de expansão nacional.
 A Ordem dos Médicos recorreu da decisão proferida quanto à questão prévia da 
 competência material do Tribunal de Comércio (fl. 167 e ss.) e da sentença deste 
 tribunal de 18 de Janeiro de 2007 (fl. 322 e ss.) para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa. Para o que importa apreciar e decidir, extrai-se da motivação deste 
 recurso o seguinte:
 
  
 
 «Da Incompetência legal da autoridade da concorrência para punir a recorrente 
 
 20. A recorrente considera que a AdC não tem competência legal para sancionar a 
 Ordem dos Médicos.
 Na verdade, importa ter presente que a lei autoriza a subsunção das ordens 
 profissionais, enquanto entidades (auto)reguladoras, ao conceito de “entidades 
 reguladoras sectoriais” para efeitos de caracterização da sua relação com a AdC 
 como de colaboração – vide artigo 15.º da Lei n.º 18/2003 e Vital Moreira in 
 
 “Auto-Regulação profissional e Administração Pública”, Almedina, 1997. 
 
 22. E, nesta medida, não se vislumbra que a AdC tenha competência para instaurar 
 processos sancionatórios contra as demais entidades reguladoras sectoriais, como 
 seja, a CMVM ou a ANACOM. 
 
 23. A Ordem dos Médicos é uma pessoa colectiva pública. 
 
 24. Se é certo que as contra-ordenações previstas na Lei da Concorrência se 
 aplicam, de facto, a pessoas colectivas, nada no referido diploma aponta para 
 que as pessoas colectivas públicas tenham sido abrangidas pelo legislador; bem 
 pelo contrário, um conjunto de elementos literais, históricos, sistemáticos, 
 estruturais e teleológicos indiciam a solução contrária. 
 
 25. Tratando-se de uma questão extremamente delicada, que comporta opções de 
 fundo de política criminal, pelo que seria de esperar uma menção expressa por 
 parte do legislador; não existindo essa indicação, o intérprete deverá rejeitar 
 a aplicação de sanções desta natureza a pessoas colectivas públicas por 
 violações do direito nacional da concorrência, não só em razão dos argumentos 
 referidos, mas também porque estamos aqui perante matéria de direito 
 sancionatório público. 
 
 26. Acresce que uma interpretação da Lei da Concorrência que submeta as ordens 
 profissionais ao direito nacional da concorrência é inconstitucional, porquanto, 
 não tendo o legislador democrático sido explícito nessa inclusão, deverá 
 prevalecer, prima facie, a garantia constitucional da autonomia das associações 
 públicas – artigo 267.º da CRP. 
 
 27. Por último, a aplicação de vários preceitos da Lei da concorrência, às 
 ordens profissionais apresenta-se corno legalmente impossível, pois a mesma 
 identifica, como destinatários da sanção, as “empresas associadas que hajam 
 participado no comportamento proibido”, e como critério para calcular a medida 
 da coima, “10% do volume agregado anual das empresas associadas”. 
 
 28. Em matéria de direito sancionatório público, não só não se vislumbra de que 
 forma se procederá à identificação das “empresas participantes”, como não se 
 configura quem será o titular dos “negócios” referidos na norma em questão, nem 
 qual a forma legal e minimamente rigorosa de o calcular. 
 
 29. Em face das condicionantes identificadas, a conclusão não poderá ser outra 
 senão a de que, no direito português da concorrência vigente, a Autoridade da 
 Concorrência carece de competência para aplicar coimas às ordens profissionais, 
 pelo que sentença recorrida é ilegal. 
 
 30. Além de ilegal, é também inconstitucional por violação do artigo 267.º, n.º 
 
 4 da CRP, aliás neste sentido veja-se o parecer do Prof. Jorge Miranda, que se 
 junta.
 
 31. De notar que, na esteira do afirmado pelo dito Prof. Jorge Miranda, a Ordem 
 dos Médicos integra a Administração Autónoma do Estado, pelo que apenas está 
 submetida à tutela do Governo, nos termos do artigo 199.º, alínea d) da CRP. 
 
 32. Tutela que não pode ser delegada noutro órgão e que não integra poderes 
 sancionatórios. 
 
 33. Ignorando todas estas questões, a Mm.a Juiz a quo refere diversos argumentos 
 para não declarar a ilegalidade invocada pela arguida, aqui recorrente. 
 
 34. Todavia e salvo o devido respeito, todos pouco consistentes e sem valia. 
 
 35. O primeiro argumento invocado na decisão recorrida é o carácter transversal 
 da Autoridade da Concorrência (AdC), do qual resulta que a AdC tem poderes sobre 
 todos os sectores da actividade económica.  
 
 36. Constata-se, contudo, que essa transversalidade quer significar que a 
 Autoridade tem ‘jurisdição” alargada a todos os sectores da actividade 
 económica, por contraposição às entidades reguladoras sectoriais, que como é 
 evidente se limitam a actuar num determinado sector da economia (ANACOM nas 
 telecomunicações, CMVM no mercado bolsista, etc., etc., – vide a lista 
 exemplificativa constante do n.º 4 do artigo 6.º do DL n.º 10/2003, de 18.01) 
 
 37. Ora, salvo o devido respeito, este raciocínio não permite retirar qualquer 
 conclusão no sentido de incluir a Ordem dos Médicos sob a ‘jurisdição” da AdC. 
 
 38.O que resulta da Lei neste ponto é que a AdC tem jurisdição (também) sobre o 
 sector da saúde. E nada mais. 
 
 39. É caso para utilizar o argumento da Mm.a Juiz a quo: onde a Lei não 
 distingue não deve o intérprete distinguir. 
 
 40. De todo o modo, no entender da recorrente, essa “jurisdição” não afecta a 
 própria “jurisdição” da Ordem dos Médicos sobre parte dos intervenientes nesse 
 mesmo sector da saúde, que são os médicos. 
 
 41. É que um dos fins da Ordem é a defesa do direito dos cidadãos a uma medicina 
 qualificada, por via da defesa da ética, da deontologia e da qualificação 
 profissional – vide alínea a) do artigo 6.º do Estatuto da Ordem dos Médicos – 
 DL 282/77, de 5 de Julho. 
 
 42. A criação e existência da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) não retira essa 
 característica (auto) reguladora à Ordem dos Médicos – vide Rui Nunes in 
 
 “Regulação da Saúde”, p116, Vida Económica, 2005. 
 
 43. O segundo argumento apresentado na sentença recorrida assenta no fim 
 alegadamente prosseguido pela Ordem de defesa dos interesses dos médicos. 
 
 44. Ora, esta ideia está errada e só pode resultar de uma leitura incorrecta dos 
 Estatutos da Ordem dos Médicos. 
 
 45. O que o Estatuto refere claramente é que a Ordem fomenta e defende os 
 interesses da profissão médica e não dos seus membros, o que é algo bem distinto 
 e com toda uma outra ressonância valorativa. 
 
 46. É preciso ter bem presente que a Ordem é um organismo público e não um 
 organismo corporativo ou um sindicato. 
 
 47.Por outro lado, sendo uma pessoa colectiva de direito público, a Ordem está 
 sujeita aos princípios gerais da actuação da administração, entre os quais 
 ressaltam os de isenção e imparcialidade, ou seja, precisamente os mesmos que 
 delimitam a actuação das entidades reguladoras sectoriais.  
 
 48. Por fim, não é verdade nem está demonstrado nos autos que a Ordem dos 
 Médicos exerça uma actividade económica, nem se vislumbra qual ela possa ser. 
 
 49. Conclui-se assim que a decisão da Mm.a Juiz a quo neste ponto violou a Lei, 
 designadamente o artigo 267.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
 
 (…)
 Da ausência de auditor/instrutor independente 
 
 64. A recorrente alegou, na impugnação da decisão da Autoridade da Concorrência, 
 que o Presidente desta Autoridade afirmou, na apresentação feita no Seminário 
 
 “Direito da Concorrência”, organizado pela CIP e PLMJ, em Lisboa no dia 
 
 18/11/2004 (e disponível em www.autoridadedaconcorrencia.pt), o seguinte: 
 
 “Sabemos que para assegurar um equilíbrio nas decisões finais da Autoridade e o 
 seu escrutínio cuidado dentro da instituição é necessário assegurar a separação 
 entre a Instrução e a Decisão. Esta é uma das minhas principais preocupações e 
 que terá uma solução no Regulamento Interno que tem estado em constante reflexão 
 e que será publicado em 2005. Existem diferentes soluções possíveis, uma vez que 
 não existe separação institucional daquelas duas funções e que aliás foi 
 intenção claro do legislador português integrar (...)”. 
 
 65. Importava, pois, apreciar este facto e declará-lo provado ou não provado. 
 
 66. Sobretudo quando deste mesmo facto dependeria a rigorosa apreciação da 
 questão prévia denominada “ausência de auditor/instrutor independente. 
 
 67. Para apreciação da referida questão prévia, um outro facto haveria que 
 incluir na enumeração exigida pelo legislador. 
 
 68. Referimo-nos à existência da figura do Auditor e respectivas competências e 
 razões para a sua criação, no âmbito dos processos de concorrência processados 
 perante a Comissão Europeia. 
 
 69. É um facto que deveria constar do elenco de factos provados e nem sequer 
 consta dos factos não provados. 
 
 70. Assim, entendeu a Mm.a Juiz a quo que a inconstitucionalidade avançada pela 
 arguida não merece acolhimento porquanto o legislador quis claramente confluir 
 na mesma entidade as figuras de acusador e julgador, argumento que não pode 
 servir para afastar a inconstitucionalidade pois nem tudo o legislador faz é bem 
 feito. 
 
 71. Por outro lado, essa “bicefalia” resultaria de uma menor ressonância ética 
 do ilícito contra-ordenacional, subtraindo-o assim às mais rigorosas exigências 
 de determinação válidas para o ilícito penal. 
 
 72. Ora, esta argumentação é em tudo contraditória com o que foi defendido pelo 
 próprio Presidente da AdC na apresentação supra mencionada. 
 
 73. Sobre o projecto de regulamento interno da AdC e da aberração de confluir na 
 mesma entidade as funções de acusador e julgador, vide José António Veloso in 
 
 “Revista da Ordem dos Advogados”, Ano 63, Abril 2003, Tomo II, p. 274, nota 24. 
 
 74. Por outro lado, o valor de tal forma elevado da medida das coimas aplicadas 
 neste tipo de processos leva a que se defenda que os mesmos deveriam estar 
 rodeados de mais garantias do que aquelas que são fornecidas pelo regime legal 
 dos Ilícitos de mera ordenação social. 
 
 75. Com efeito, como muito claramente refere José António Veloso in “Revista da 
 Ordem dos Advogados”, Ano 60, Janeiro 2000, Tomo I, p.74, a transposição do 
 regime do ilícito de mera ordenação social para as infracções graves da 
 deontologia da actividade financeira, punidas com penas muito severas, 
 extravasam por completo dos limites e sentido que os doutrinadores desse regime 
 lhe atribuíram. 
 
 76. Seguindo na leitura deste artigo, destacam-se ainda estas passagens: 
 
 “debates instrutórios perante o próprio investigador e decisões por este, só são 
 admissíveis em casos de escassa relevância e com penas comensuráveis com essa 
 escassa relevância. Assim o entenderam sempre os doutrinadores do regime da mera 
 ordenação, e é esse o evidente espírito do Decreto-Lei que o introduziu em 1982” 
 
 (...) “A utilização do regime da mera ordenação como instrumento de repressão e 
 prevenção de infracções de grande gravidade – muitas das quais se contam entre 
 as mais graves de que pode ser vítima uma comunidade, e nem por menos visíveis 
 menos graves do que os crimes de perigo comum do Código Penal, e quantas vezes 
 de efeitos muito mais generalizados e perduráveis –, infracções frequentemente 
 de averiguação altamente complexa, com sanções necessariamente muito severas, e 
 julgadas desta forma administrativa e, no contexto português uma evolução 
 altamente discutível” (...) Um processo em que a autoridade ao mesmo tempo 
 investiga, organiza o contraditório e avalia os resultados, e no fim toma a 
 decisão de punir ou absolver (embora sujeita a recurso para um juiz) constitui 
 também – em todas as questões que não sejam de natureza e implicações muito 
 banais – um absoluto absurdo do próprio ponto de vista da eficácia da 
 investigação” (...) A razão deste repúdio (...) é que ninguém confia num 
 processo em que as mesmas pessoas investigam, acusam e decidem. E a existência 
 de uma via de recurso judicial é conforto muito pouco convincente, pois que pode 
 levar anos e anos a produzir sentença revogatória” (...) “O verdadeiro 
 contraditório pressupõe necessariamente um árbitro, perante a autoridade da 
 investigação passe a ocupar a posição de simples parte, contraposta ao 
 investigado segundo regras formais que tendam a assegurar uma ao menos 
 aproximada igualdade de armas. Não há contraditório se não existe um árbitro 
 terceiro, e se o debate entre investigado e investigador decorre…perante o 
 próprio investigador. Um processo que só conheça esse debate, em que o 
 investigador, por um lado, seja parte do debate, e por outro lado, juiz dos 
 resultados dele, não será um processo contraditório: será o que se chama (num 
 dos sentidos do termo) processo inquisitório, ou inquisitorial”.
 
 77. Foi seguramente tendo presente a importância, ou melhor, a elevada 
 ressonância ética deste ilícitos, que a Comissão Europeia decidiu criar a figura 
 do conselheiro auditor em 1982 e concretizar os seus poderes e funções em 1994 
 
 (Decisão de 12 de Dezembro de 1994, JO L 330 de 21.12.1994, p. 67), 
 atribuindo-lhe uma independência e certos poderes que reflectem os cuidados da 
 Comissão em garantir a objectividade e imparcialidade da sua actuação na 
 repressão das práticas anti-trust. 
 
 78. Em 2001, a Comissão veio “reforçar a independência e os poderes do auditor 
 
 (...), melhorar a objectividade e a qualidade dos processos da concorrência da 
 Comissão e das decisões dele resultantes” – vide JO L 162 de 19.6.2001, p. 21 
 
 79. Veja-se o artigo sobre as audições orais e o papel dos Auditores in “EC 
 Competition Policy Newsletter”, n.º 2, 2005, em que, a p.24, se refere que “de 
 há algum tempo a esta parte se diz que o procedimento da Comissão em matéria de 
 concorrência tem um carácter inquisitório. Que a Comissão chegou até a ser 
 rotulada como sendo ao mesmo tempo acusador, juiz e júri (...) Contudo, esta 
 descrição é hoje em dia [2005] demasiado simplista” (disponível em 
 
 www.europa.eu.int/comm/competition/publications/cpn/). 
 
 80. De elevado interesse para esta questão é também o Relatório da Casa dos 
 Lordes britânica com o sugestivo título “Strengthening the Role of the Hearing 
 Officer in Ec Competition Cases”, disponível em 
 http://www.parliament.the-stationery-office.co.uk/pa/ld199900/ldselect/ldeucom/125/12501.htm. 
 
 
 
 81. Baseada em todos estes considerandos, a recorrente solicitou ao tribunal a 
 quo a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 17.º, 19.º e 22.º da Lei 
 n.º 18/2003, de 11 de Junho, quando interpretados no sentido de não serem 
 aplicáveis aos processos contra-ordenacionais abertos no âmbito da Lei da 
 Concorrência às regras dos artigos 39.º e 40.º do CPP, por violação do 
 preceituado no n.º 10 do artigo 32.º e no n.º 2 do artigo 266.º, ambos da CRP. 
 
 82. A Mm.a juiz quo assumindo posição contrária, recorreu a um Acórdão do 
 Tribunal Constitucional, em que se diz que o RGCO respeita e cumpre os ditames 
 constitucionais. 
 
 83. Contudo, a Mm.a Juiz a quo não se lembrou que, ao contrário do que preconiza 
 o mesmo Tribunal Constitucional, a AdC tem legitimidade para recorrer das 
 decisões do Tribunal do Comércio, o que, como se sabe não se verifica no RGCO, 
 pois as autoridades administrativas não têm essa faculdade – vide o citado 
 Acórdão do TC n.º 659/2006 (A diferença de “princípios jurídico-constitucionais, 
 materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a 
 legislação das contra-ordenações” reflecte-se “no regime processual próprio de 
 cada um desses ilícitos’ não exigindo “um automático paralelismo com os 
 institutos e regimes próprios do processo penal, inscrevendo-se assim no âmbito 
 da liberdade de conformação legislativa própria do legislador”, por exemplo, a 
 não atribuição ao assistente (admitindo que a lei consente em processo 
 contra-ordenacional esta figura) de legitimidade para recorrer, legitimidade que 
 o artigo 73.º, n.º 2, do RGCO apenas reconhece ao arguido e ao Ministério 
 Público (Acórdão n.º 344/93)”. 
 
 84. Ou seja, é a própria Lei da Concorrência que implicitamente reconhece a 
 diferente ressonância ética destes assuntos. 
 
 85. Aliás, será interessante verificar que a AdC tem poderes que muito se 
 assemelham aos poderes do MP em sede de inquérito – vide artigo 17.º da Lei da 
 Concorrência. 
 
 86. Ou seja, o processo contra-ordenacional da concorrência, em termos de 
 valoração ética, é um processo penal, a exigir as correspondentes garantias de 
 defesa e um verdadeiro processo equitativo. 
 
 87. Por fim, o que se constata é que a Mm.a Juiz a quo omitiu do seu raciocínio 
 a razão de ser da “contestação” da Recorrente, isto é, o carácter gravoso da 
 conduta e a seriedade do “castigo” a que estão sujeitos os prevaricadores, além 
 de não se pronunciar sobre as regras de procedimento junto da Comissão Europeia, 
 da qual a lei da concorrência portuguesa é um mero decalque, ressalvado o 
 respeito devido aos seus autores. 
 
 88. Ao não dar provimento a estes pedidos, a Mm.a Juiz a quo violou a Lei.
 Da incompetência da AdC para aplicar coimas por força do artigo 81.ºdo Tratado 
 CE 
 
 89. Por força do princípio da legalidade – decorrente do artigo 18.º, n.º 2, da 
 Constituição –, exige-se que se estabeleçam tipos contra-ordenacionais precisos, 
 sob pena de indeterminação do conteúdo da norma, da mesma forma que se afasta o 
 recurso à analogia. 
 
 90. Ora, no que respeita ao artigo 81.º do Tratado da CE, a AdC pode em 
 conformidade com o estabelecido no artigo 5.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, 
 alternativa ou cumulativamente, exigir que seja posto termo à infracção; ordenar 
 medidas provisórias; aceitar compromissos; aplicar coimas, sanções pecuniárias 
 compulsórias ou qualquer outra sanção prevista pelo respectivo direito nacional. 
 
 
 
 91. Acontece, porém, que o artigo 43.º da Lei da Concorrência tem sempre por 
 referência o artigo 4.º da mesma lei e nunca faz remissão para qualquer outro. 
 
 92. E, como claramente se lê no artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, este 
 restringe-se, nos seus próprios termos, a decisões da Comissão Europeia. 
 
 93. A interpretação do Tribunal a quo de que a previsão do artigo 5.º do 
 Regulamento 1/2003, quando se refere a “sanções previstas no direito nacional” é 
 o bastante, é incorrecta e viola o princípio da legalidade decorrente do artigo 
 
 18.º da CRP, já que, como se disse, a legislação nacional – artigo 43.º da Lei 
 da Concorrência, não tem qualquer menção ao predito artigo 81.º do Tratado. 
 
 94. Por outro lado, jamais se poderá considerar, atenta a linguagem comummente 
 utilizada pelo legislador comunitário, que o Regulamento 1/2003 constitui 
 
 “legislação nacional”.
 
 (…)
 Da Ilegitimidade da Autoridade administrativa para punir a OM
 XV. A AdC não tem competência legal para sancionar a Ordem dos Médicos.
 XVI. A lei autoriza a subsunção das ordens profissionais, enquanto entidades 
 
 (auto‑)reguladoras, ao conceito de «entidades reguladoras sectoriais», para 
 efeitos de caracterização da sua relação com a AdC como de colaboração – vide 
 artigo 15.º da Lei n.º 18/2003.
 XVII. E, nesta medida, não se vislumbra que a AdC tenha competência para 
 instaurar processos sancionatórios contra as demais entidades reguladoras 
 sectoriais, como seja, a CMVM ou a ANACOM.
 XVIII. A Ordem dos Médicos é uma pessoa colectiva pública.
 XIX. Se é certo que as contra‑ordenações previstas na Lei da Concorrência se 
 aplicam, de facto, a pessoas colectivas, nada no referido diploma aponta para 
 que as pessoas colectivas públicas tenham sido abrangidas pelo legislador; bem 
 pelo contrário, um conjunto de elementos literais, históricos, sistemáticos, 
 estruturais e teleológicos indiciam a solução oposta.
 XX. Tratando‑se de uma questão extremamente delicada, que comporta opções de 
 fundo de política criminal, seria de esperar uma menção expressa por parte do 
 legislador; não existindo essa indicação, o intérprete deverá rejeitar a 
 aplicação de sanções desta natureza a pessoas colectivas públicas por violações 
 do direito nacional da concorrência, não só em razão dos argumentos referidos, 
 mas também porque estamos aqui perante matéria de direito sancionatório 
 público.
 XXI. Uma interpretação da Lei da Concorrência que submeta as ordens 
 profissionais ao direito nacional da concorrência é inconstitucional, porquanto, 
 não tendo o legislador democrático sido explícito nessa inclusão, deverá 
 prevalecer, prima facie, a garantia constitucional da autonomia das associações 
 públicas – artigo 267.º da CRP.
 XXII. A OM integra a administração autónoma do Estado, pelo que apenas está 
 submetida à tutela do Governo (artigo 199.º, alínea d), da CRP), tutela que não 
 pode ser delegada e que não integra poderes sancionatórios.
 XXIII. A sentença recorrida, ao não decidir neste sentido, violou o artigo 
 
 267.º, n.º 4, da CRP.
 XXIV. O aresto sob recurso considerou, todavia, que o carácter transversal da 
 autoridade administrativa e o facto de a OM ser um organismo de representação e 
 promoção do interesse de uma classe, são o bastante para declarar a 
 improcedência desta questão.
 XXV. Ora, a transversalidade da actuação da AdC é contraposta à «sectorização» 
 das outras autoridade reguladoras, que, por isso mesmo, se designam autoridades 
 reguladoras sectoriais.
 XXVI. Não é a circunstância de abranger todas as áreas da actividade económica 
 que atribui à AdC legitimidade pára punir a OM.
 XXVII. Primeiro porque a OM não exerce qualquer actividade económica, sendo 
 antes uma entidade reguladora, em rigor, uma entidade auto‑reguladora sectorial.
 XXVIII. Esta sua natureza regulatória resulta também dos Estatutos da Entidade 
 Reguladora da Saúde (ERS), que exclui do seu âmbito as competências atribuídas 
 
 às Ordens profissionais do sector da saúde.
 XXIX. O que decorre dos Estatutos é que a OM tem por fim a defesa dos interesses 
 da profissão e não directamente dos profissionais, o que não é pura semântica, 
 mas antes matéria de grande relevo e com toda uma outra ressonância valorativa.
 XXX. Conclui‑se, assim, que a Autoridade da Concorrência não tem legitimidade 
 para sancionar a OM.
 
 (…)
 Da ausência de auditor/instrutor independente
 XLI. Alegou a recorrente que o processo administrativo da concorrência carece 
 de isenção e imparcialidade por não existir a figura do instrutor independente, 
 ao contrário do que se verifica nos processos administrativos da concorrência 
 que correm perante a Comissão Europeia, facto que afectaria a decisão da AdC de 
 inconstitucionalidade.
 XLII. Entendeu o M.mo Juiz a quo que, querendo o legislador aplicar o regime 
 processual das contra‑ordenações a este tipo de processos, não existe 
 necessidade de tão fortes exigências em termos de garantias de defesa, dada a 
 diferente ressonância ética dos valores discutidos num e noutro processo.
 XLIII. Ao decidir da forma como o fez, a M.ma Juiz a quo violou a Lei, 
 designadamente os artigos 39.° e 40.° do CPP e o artigo 41.º, n.º 2, do RGCO.
 XLIV. Tal interpretação é também inconstitucional por violação do preceituado 
 nos artigos 32.º, n.º 10, e 266.º, n.º 2, da CRP.
 Da incompetência da AdC para aplicar coimas ao abrigo do artigo 81.º do Tratado 
 CE
 XLV. O princípio da legalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP) exige que se 
 estabeleçam tipos contra‑ordenacionais precisos, afastando o recurso à 
 analogia.
 XLVI. Ora, o artigo 43.º da Lei da Concorrência não faz qualquer menção ao 
 artigo 81.º do Tratado CE.
 XLVII. E o artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, que determina o tipo 
 contra‑ordenacional pela violação ao artigo 81.º do Tratado, restringe‑se, pelos 
 seus próprios termos, a decisões da Comissão Europeia.
 XLVIII. Deste modo, a AdC apenas pode aplicar coimas por violações ao artigo 4.º 
 da Lei da Concorrência e não por violações ao artigo 81.º do Tratado, pois não 
 existe pena sem lei.
 XLIX. Ora, o certo é que a OM foi condenada por violação ao artigo 81.º do 
 Tratado CE, mas esse comportamento não está tipificado na lei portuguesa, não 
 existindo, por conseguinte, qualquer coima para tal infracção.
 L. Nessa medida, não existindo lei que a preveja, a coima não poderia ser 
 aplicada.
 LI. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo viola a CRP no seu artigo 18.º
 LII. É, portanto, inconstitucional o artigo 43.º da Lei da Concorrência quando 
 interpretado no sentido de incluir na sua previsão as violações ao artigo 81.º 
 do Tratado CE, por violação do citado artigo 18.º da CRP».
 
  
 
  
 
 3. Em 22 de Novembro de 2007, o Tribunal da Relação de Lisboa acordou em negar 
 provimento aos recursos interpostos pela Ordem dos Médicos, rejeitando-os 
 liminarmente, por manifesta improcedência. Com relevo para a presente decisão, 
 extrai-se do acórdão recorrido o seguinte:
 
  
 
 «A recorrente veio pôr em crise a matéria fáctica apurada. No entanto, nos 
 termos do disposto no art.° 75.° n.° 1 do R.G.C.O., esta Relação apenas pode 
 conhecer da matéria de direito, sendo que aquela só poderá ser colocada em causa 
 caso se verifique algum dos vícios do art.° 410.° n.°s 2 e 3 do C.P.Penal. 
 Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do 
 recurso por manifesta improcedência (art. 420°, n° 1 CPP) sendo por isso 
 determinada a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na 
 conferencia (art. 419.°, n.° 4, al. a) CPP).
 
 (…)
 Por outro lado, julgamos competente o Tribunal do Comércio materialmente 
 competente para apreciar o recurso interposto pela Ordem dos Médicos da decisão 
 da Autoridade da Concorrência de 26.05.06 que lhe aplicou uma coima no valor de 
 
 € 250.000,00, bem como a sanção acessória aplicada (vd. art. ° 50º n.° 1 do 
 regime jurídico da concorrência aprovado pela Lei 18/2003 de 11 .06), 
 improcedendo o recurso interposto: 
 
 “Assim, refere a Recorrente que “importa levantar a questão de saber se este 
 Tribunal pode apreciar decisões da O.M., designadamente o artigo do Código 
 Deontológico que a autoridade administrativa considera “nulo” e que está na base 
 do presente processo de contra-ordenação.” (cfr. ponto 7 das alegações da 
 Recorrente). Antes de mais, clarifique-se que o Tribunal de Comércio de Lisboa 
 não foi chamado pela Recorrente – reitere-se – a “apreciar decisões da O.M.” mas 
 antes uma decisão da Autoridade da Concorrência. Ademais, note-se que, ao 
 contrário do que sustenta a Recorrente, a AdC não considerou “nulo” o artigo do 
 Código Deontológico invocado, tendo sido, aliás, a própria Ordem dos Médicos 
 
 (como admite nos pontos 313 e 315 das suas alegações) a, em momento anterior à 
 emissão da própria decisão recorrida, revogar tal artigo e, bem assim, suspender 
 a vigência do Código de Nomenclatura em apreço. Certo é que a “presente questão” 
 de que fala a Recorrente não pode confundir-se com qualquer decisão da Ordem dos 
 Médicos ou declaração de nulidade de um artigo do respectivo Código Deontológico 
 que se encontra já revogado, pelo que, como se afigura por demais evidente, 
 nenhuma razão se vislumbra para que o Tribunal do Comércio se declarasse, in 
 casu, incompetente.
 E note-se que é bastante tal argumento para deitar por terra a frágil invocação 
 da inconstitucionalidade do artigo 50.º, n.° 1 da Lei da Concorrência, em que, 
 displicentemente, incorre a Recorrente. Sustenta, assim, a Recorrente que, pelo 
 facto de determinar que “Das decisões da Autoridade que determinem a aplicação 
 de coimas ou de outras sanções previstas na lei cabe recurso para o Tribunal de 
 Comércio de Lisboa, com efeito suspensivo” deverá julgar-se inconstitucional o 
 aludido artigo da Lei da Concorrência, face ao disposto nos artigos 211.°, n.° 1 
 e 212.°, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), os quais 
 delimitam a jurisdição dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos e 
 fiscais, estipulando este último preceito a competência dos tribunais 
 administrativos e fiscais para o “julgamento das acções e recursos contenciosos 
 que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas 
 administrativas e fiscais”. Ora, perante tal argumentação, cabe, desde logo, 
 reiterar que o objecto dos presentes autos cinge-se à decisão proferida pela 
 Autoridade da Concorrência no exercício dos seus poderes sancionatórios em sede 
 de procedimento contra-ordenacional, não estando, pois, em causa, neste âmbito e 
 por esse motivo, qualquer “relação jurídica administrativa”. Na verdade, é a 
 própria Lei Fundamental que reconhece autonomia ao direito contra-ordenacional 
 ou de mera ordenação social face aos demais ramos de direito, maxime, o direito 
 administrativo. Com efeito, prevê-se no artigo 165.°, n.° 1, alínea d), da CRP, 
 que “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as 
 seguinte matérias, salvo autorização ao Governo: (...) d) Regime geral de 
 punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera 
 ordenação social e do respectivo processo”. Ora, é no âmbito de tal previsão e 
 consagração constitucional que se inserem os poderes sancionatórios e 
 competências conferidas à AdC em sede de direito de mera ordenação social. Posto 
 isto, cumpre salientar que este ramo do direito, o de mera ordenação social, não 
 poderá, em caso algum, confundir-se com o direito administrativo nem tão-pouco 
 poderão os actos e práticas por aquele abrangidos ser configurados como 
 
 “relações jurídicas administrativas”. Como referem Mário e Rodrigo Esteves de 
 Oliveira. “É preciso (...) não confundir os factores de administratividade de 
 uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da 
 jurisdição administrativa” (in Código de Processo nos Tribunais Administrativos 
 Volume I – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – Anotados, 2004, 
 pág. 26). É que o direito de mera ordenação social foi concebido para ser 
 aplicado pelas autoridades administrativas, e não pelo poder judicial, sendo que 
 tal não significa que o mesmo se reconduza ao direito administrativo. Na 
 verdade, o direito de mera ordenação social “surge por contraposição, 
 justamente, ao direito penal, está de certa maneira em relação com aquilo que 
 tradicionalmente seria o direito das contravenções, ou o direito 
 contravencional” (Teresa Beleza, Direito Penal, Volume I, pág. 131, 2.a Edição). 
 Para Figueiredo Dias “o direito de mera ordenação não é filho ou herdeiro de um 
 direito penal administrativo já falecido, não é a sua máscara presente, mas é 
 sim limite negativo de um direito penal administrativo que evoluiu e surge hoje 
 renovado sob a face do direito penal secundário” (Direito e Justiça, Volume IV, 
 
 1989/1990, pág. 22) (realce nosso). Encontramo-nos, pois, inequivocamente, 
 perante um direito penal secundário cujas raízes e aforamentos recentes em 
 nenhum ponto poderão confundir-se com o direito administrativo e com a regulação 
 das “relações jurídicas administrativas”. Ora, in casu, a decisão recorrida, 
 como se deixou demonstrado à exaustão, foi adoptada no âmbito de um processo 
 contra-ordenacional, do qual foi incumbida a Autoridade através dos seus 
 Estatutos, da Lei da Concorrência e, bem assim, do próprio Texto Constitucional.
 Mas mesmo que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se 
 concebe, também por outra via se concluiria pelo desacerto da tese propugnada 
 pela Recorrente. Assim, esclarecem Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, em 
 anotação ao artigo 1.º n.° 1, do ETAF, que “Quanto à questão de saber da 
 conformidade material das cláusulas “aditivas” e “subtractivas” da competência 
 dos tribunais administrativos, por referência ao âmbito natural da sua 
 jurisdição (consagrado no citado art. 212.º/3 da CRP), respondeu-se na Exposição 
 de Motivos da Proposta de Lei n.° 93/VIII apresentada pelo Governo à Assembleia 
 da República – e que deu origem ao ETAF –, que a Constituição não estaria a 
 instituir aí uma reserva material absoluta de competência dos tribunais 
 administrativos, que impedisse o legislador ordinário de atribuir a outras 
 jurisdições o julgamento de questões administrativas, e à jurisdição 
 administrativa o julgamento de questões não administrativas.” (ob. cit. 2004, 
 pág. 21). Ora, encontrando-se o direito de mera ordenação constitucionalmente 
 previsto e tendo o legislador ordinário estabelecido expressamente, nesse 
 
 âmbito, a competência do douto Tribunal de Comércio para julgar as impugnações 
 das decisões da Autoridade em sede de processos contra-ordenacionais, nunca 
 poderia tal previsão – a constante do artigo 50.°, n.° 1, da Lei n.° 18/2003, de 
 
 11 de Junho – ser julgada violadora do disposto nos artigos 212.°, n.° 3 e 
 
 211.°, n.° 1, da CRP, ao invés do que pretende a Recorrente sustentar.
 Note-se, ainda, que assume, a este propósito, extrema relevância o facto de, nos 
 termos do disposto nos artigos 32.° e 41.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de 
 Outubro, o qual estabelece o Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), o 
 direito penal e o direito processual penal constituírem direito subsidiário face 
 ao aludido regime geral, ao qual a própria Recorrente reconduz a decisão 
 recorrida, invocando mesmo tal regime como aplicável à situação ora objecto de 
 apreciação ao longo das suas alegações. Ora, como se afigura evidente, em caso 
 algum poderia sustentar-se que os tribunais administrativos viessem a aplicar, 
 tão-somente por se tratarem de factos imputáveis a uma pessoa colectiva de 
 natureza administrativa, normas de direito penal e processo penal, carecendo, 
 assim, de qualquer sentido, a impugnação de processos contra-ordenacionais, 
 ainda que envolvendo entidades administrativas, junto da jurisdição 
 administrativa. A resposta vai, pois, evidentemente, no sentido de serem 
 materialmente incompetentes os tribunais administrativos para conhecerem dos 
 recursos interpostos em sede de direito de mera ordenação social, o que, 
 naturalmente, determina a inexistência de qualquer inconstitucionalidade do 
 artigo 50.°, n.° 1, da Lei da Concorrência.
 A sufragar todo o exposto, e contrariamente ao que pretende a Recorrente, 
 veja-se o teor dos artigos 4.°, n.° 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais 
 Administrativos e Fiscais (ETAF), 10.º do Decreto-Lei n.° 10/2003, de 18 de 
 Janeiro, (os quais são, aliás, invocados pela Recorrente para sustentar a tese 
 que apresenta) e, bem assim, o artigo 50°. n.° 1, da Lei da Concorrência. Com 
 efeito, estabelece o artigo 4.°, n.° 1, alínea b), do ETAF que “Compete aos 
 tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que 
 tenham nomeadamente por objecto: (...) b) Fiscalização da legalidade das normas 
 e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao 
 abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a 
 verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da 
 invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração”. 
 Ora, in casu, e como se deixou dito, não se encontra o Tribunal de Comércio 
 incumbido de proceder a qualquer fiscalização das normas ou actos emanados da 
 Ordem dos Médicos nem tão-pouco de aferir da sua eventual invalidade. O que está 
 em causa nos presentes autos é a sindicância da legalidade e mérito da decisão 
 de condenação em processo contra-ordenacional emanada da Autoridade da 
 Concorrência, a qual, note-se, não declarou a invalidade de qualquer norma do 
 Código Deontológico da Recorrente, antes condenando a mesma, em sede de processo 
 contra-ordenacional – e não administrativo – ao pagamento de uma coima e à 
 publicação da decisão ora recorrida em virtude da verificação de uma prática 
 restritiva da concorrência em que incorreu a Ordem dos Médicos, situação que 
 claramente foge ao escopo dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, 
 especificamente, do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), do ETAF.
 Por sua vez, mais patente se afigura a confusão e desacerto em que incorre a 
 Recorrente ao invocar o artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 10/2003, de 18 de 
 Janeiro, o que faz no ponto l1 das suas alegações. Consagra o aludido preceito 
 que “Até à entrada em vigor de diploma que estabeleça o regime processual dos 
 recursos a que se refere o n. ° 2 do artigo 38.º dos Estatutos anexos a este 
 diploma, as decisões aí previstas são impugnáveis junto dos tribunais 
 administrativos, de acordo com as regras gerais aplicáveis ao contencioso 
 administrativo.” (sublinhado nosso). Importa, pois, atentar no que se estabelece 
 no n.° 2 do mencionado artigo 38.° dos Estatutos da Autoridade da Concorrência: 
 
 “As decisões da Autoridade proferidas em procedimentos administrativos, 
 respeitantes a matéria de concorrência, bem como a decisão ministerial a que 
 alude o artigo 34.º deste diploma, são igualmente impugnáveis junto do Tribunal 
 de Comércio de Lisboa.” (realce nosso). Com efeito, a norma ora citada regula, 
 como é notório, tão-somente as decisões de que a AdC se encontra incumbida em 
 sede de procedimento administrativo. São estas, pois, as previstas nos artigos 
 
 30.° a 41.º e 53.° a 55.º da Lei da Concorrência, relativas ao procedimento de 
 controlo de operações de concentração de empresas e, bem assim, à decisão 
 ministerial prevista no artigo 34.° dos Estatutos. Não se incluem, pois, neste 
 universo os processos contra-ordenacionais, como o que originou os presentes 
 autos, os quais merecem tratamento autonomizado no n.° 1 do artigo 38.° dos 
 Estatutos, soçobrando necessariamente qualquer tese de inclusão dos mesmos na 
 previsão do respectivo n.° 2, bem como no invocado artigo 10.° do Decreto-Lei 
 n.° 10/2003, de 18 de Janeiro. Afigura-se, pois, incorrecta a posição da 
 Recorrente ao tentar reconduzir a decisão recorrida à previsão dos preceitos 
 legais aplicáveis aos procedimentos administrativos consagrados na Lei da 
 Concorrência, confundindo as regras de controlo jurisdicional em processos de 
 contra-ordenação com o controlo jurisdicional em sede de procedimentos 
 administrativos, ambos insertos nas atribuições da Autoridade da Concorrência.
 Do exposto resulta, pois, de forma inequívoca, e ao invés do que sustenta a 
 Recorrente, ser o Tribunal de Comércio de Lisboa o tribunal competente para 
 apreciar os presentes autos, não consubstanciando tal apreciação qualquer 
 violação dos artigos 211.°, n.° 1, 212.°, n.° 3, e 204.° da CRP, carecendo, 
 assim, de fundamento a pretensão de inconstitucionalidade do artigo 50.°, n.° 1 
 da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho, alegada pela Recorrente».
 
  
 
 4. A Ordem dos Médicos recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional. 
 Convidada pelo relator para o efeito previsto nos nºs 5 e 6 do artigo 75º-A da 
 LTC, a recorrente respondeu do modo seguinte:
 
  
 
 «1. Quanto às decisões a julgar, a recorrente esclarece que pretende ver 
 apreciadas as decisões (as partes da decisão final) do Tribunal da Relação de 
 Lisboa sobre cada uma das inconstitucionalidades invocadas nas alegações do 
 recurso interposto da decisão final e da decisão interlocutória, ambas 
 proferidas pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, a saber:
 
             a. A interpretação normativa segundo a qual o artigo 50.º da Lei n.º 
 
 18/2003, ao atribuir competência ao Tribunal de Comércio de Lisboa para apreciar 
 a conduta de uma associação pública, será conforme os artigos 212.º, n.º 3, e 
 
 211.º, n.º 1, da CRP, inconstitucionalidade invocada nas alegações do recurso 
 interlocutório interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão 
 interlocutória proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa;
 
             b. A decisão que considera constitucional a interpretação do artigo 
 
 1.º da Lei n.º 18/2003, segundo a qual as Ordens Profissionais e, em particular, 
 a Ordem dos Médicos, estão sujeitas ao direito nacional da concorrência, não 
 configurando portanto qualquer violação dos artigos 267.º, n.º 4, e 199.º, 
 alínea d), da CRP, inconstitucionalidade que foi invocada nas alegações de 
 recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e que antes também fora invocada 
 nas alegações de recurso para o Tribunal de Comércio de Lisboa;
 
             c. A decisão que considera conformes com os artigos 32.º, n.º 10, e 
 
 266.º, n.º 2, da CRP os artigos 17.º, 19.° e 22.° da Lei n.º 18/2003, quando 
 interpretados no sentido de não ser aplicável aos processos 
 contra‑ordenacionais abertos no âmbito da Lei da Concorrência o disposto nos 
 artigos 39.° e 40.º do CPP, inconstitucionalidade que foi invocada nas 
 alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa;
 
             d. A decisão que considera conforme com o artigo 18.º da CRP a 
 interpretação do artigo 43.º da Lei n.º 18/2003, segundo a qual este normativo, 
 ao fazer uma remissão directa para o Regulamento CE n.º 1/2003, confere à 
 Autoridade da Concorrência o poder de aplicar coimas pela violação do artigo 
 
 81.º do Tratado da Comunidade Europeia, inconstitucionalidade que foi invocada 
 nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa;
 
             e. A decisão que considerou constitucional a interpretação segundo a 
 qual o artigo 75.º do RGCO, ao limitar o recurso em 2.ª instância à matéria de 
 direito, não viola os artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1, todos da CRP, 
 inconstitucionalidade que foi invocada nas alegações do recurso interposto para 
 o Tribunal da Relação de Lisboa.
 
 2. A Recorrente entende que, deste modo, fica indicado com precisão o objecto do 
 recurso interposto para este douto Tribunal».
 
  
 
 5. Por despacho do relator, a recorrente e os recorridos foram notificados para 
 alegar e para se pronunciarem, querendo: 
 
  
 
 «sobre a eventualidade de não se conhecer do recurso:
 
 – quanto à segunda questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de 
 interposição de recurso, reportada ao artigo 1.º da Lei n.º 18/2003, por se 
 poder entender que, na parte correspondente da motivação do recurso da 
 recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa (n.ºs 20. a 49. e conclusões XV 
 a XXX), não foi adequadamente individualizada a norma arguida de 
 inconstitucional; e 
 
 – quanto às terceira e quarta questões de constitucionalidade enunciadas no 
 mesmo requerimento, reportadas aos artigos 17.º, 19.º, 22.º e 43.º da Lei n.º 
 
 18/2003, por se poder entender que, nas partes correspondentes da motivação do 
 recurso para a Relação (respectivamente, n.ºs 64. a 88, e conclusões XLI a 
 XLIV, e n.ºs 89. a 94, e conclusões XLV a LII), a violação da Constituição foi 
 directamente imputada a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, não tendo 
 a recorrente identificado, com precisão, qual o sentido das interpretações 
 normativas que reputava inconstitucionais».
 
  
 
 6. A recorrente alegou, concluindo o seguinte:
 
  
 
 «I. O objecto do processo contra‑ordenacional movido pela Autoridade da 
 Concorrência contra a requerente põe em causa a validade das normas aprovadas 
 no uso do poder próprio da Ordem dos Médicos, enquanto associação pública.
 II. Estando em causa a validade das normas regulamentares aprovadas no uso do 
 poder próprio da Ordem dos Médicos e sendo claros os preceitos constitucionais e 
 legais sobre a reserva material da jurisdição administrativa, o artigo 50.º, n.º 
 
 1, da Lei n.º 18/2003 é inconstitucional quando interpretado no sentido de o 
 Tribunal de Comércio de Lisboa ser competente para apreciar da legalidade dos 
 regulamentos emanados pela Ordem dos Médicos, no âmbito das competências que lhe 
 estão atribuídas por lei, mesmo que o faça no âmbito de um processo 
 contra‑ordenacional se este processo tiver por objecto tais normas.
 III. Tal interpretação viola os artigos 212.º, n.º 3, e 211.º, n.º 1, da CRP.
 IV. A Autoridade da Concorrência não tem competência legal para sancionar a 
 Ordem dos Médicos.
 V. Se é certo que as contra‑ordenações previstas na Lei da Concorrência se 
 aplicam, genericamente, a pessoas colectivas, nada no referido diploma aponta 
 para que as pessoas colectivas públicas tenham sido abrangidas pelo legislador, 
 antes pelo contrário, já que um conjunto de elementos literais, históricos, 
 sistemáticos, estruturais e teleológicos indiciam a solução contrária.
 VI. Conclui‑se assim que a interpretação que o Tribunal recorrido fez do artigo 
 
 1.º da Lei n.º 18/2003 é desconforme à Constituição, designadamente ao artigo 
 
 267.º, n.º 4, devendo, portanto, ser declarada inconstitucional.
 VII. Os processos instaurados pela Autoridade da Concorrência em matéria de 
 concorrência são preparados, instruídos e julgados pela mesma entidade, sem 
 garantir a isenção e a imparcialidade do julgador.
 VIII. Fundindo‑se o instrutor e o julgador na mesma pessoa/órgão/entidade, como 
 
 é o caso, o segundo nunca terá a distância e a imparcialidade que lhe é 
 exigível, nem o visado as garantias constitucionalmente reconhecidas em processo 
 penal nesta matéria.
 XI. São, por isso, inconstitucionais os artigos 17.º, 19.º e 22.º da Lei n.º 
 
 18/2003, de 11 de Junho, quando interpretados no sentido de não serem 
 aplicáveis aos processos contra‑ordenacionais abertos no âmbito da Lei da 
 Concorrência as regras dos artigos 39.º e 40.º do CPP, por violação do 
 preceituado no n.º 10 do artigo 32.º e no n.º 2 do artigo 266.º, ambos da CRP.
 X. Por força do princípio da legalidade – decorrente do artigo 18.º, n.º 2, da 
 Constituição – exige‑se que se estabeleçam tipos contra‑ordenacionais precisos, 
 sob pena de indeterminação do conteúdo da norma, da mesma forma que se afasta o 
 recurso à analogia.
 XI. Sucede que o artigo 43.º da Lei da Concorrência tem sempre por referência o 
 artigo 4.º da mesma lei e nunca faz remissão para o artigo 81.º do TUE.
 XII. E, como claramente se lê no artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, 
 este restringe‑se, nos seus próprios termos, a decisões da Comissão Europeia.
 XIII. Nesta medida, a interpretação feita pelo Tribunal a quo de que a previsão 
 do artigo 5.º do Regulamento n.º 1/2003, quando se refere a «sanções previstas 
 no direito nacional», é o bastante para atribuir competência à Autoridade da 
 Concorrência, é incorrecta e viola o princípio da legalidade decorrente do 
 artigo 18.º da CRP, já que, como se disse, a legislação nacional – artigo 43.º 
 da Lei da Concorrência – não tem qualquer menção ao predito artigo 81.º do 
 Tratado.
 XIV. O artigo 75.º do RGCO não permite que os arguidos em processo 
 contra‑ordenacionais interponham recurso para a Relação sobre a matéria de 
 facto, o que constitui mais uma violação da CRP, como se passa a demonstrar.
 XV. Dispõe o artigo 75.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 
 que «se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá 
 da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões».
 XVI. Ou seja, em matéria contra‑ordenacional, independentemente da natureza da 
 infracção ou do montante da coima aplicada, o arguido não tem hipótese de 
 impugnar o juízo que o tribunal de primeira instância formulou sobre os factos 
 ou a valoração da prova.
 XVII. Esta limitação constitui uma violação do direito de acesso ao direito e 
 aos tribunais (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) e do princípio consagrado no 
 artigo 32.º, n.º 1, da CRP, que determina que «o processo criminal assegura 
 todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».
 XVIII. Ora, é jurisprudência assente do Tribunal Constitucional, mesmo antes da 
 revisão constitucional de 1997, que em matéria penal a Constituição consagra o 
 princípio do duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso 
 integra o núcleo essencial das garantias de defesa previstas no já referido 
 artigo 32.º (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 415/2001, Proc. n.º 
 
 160/2001).
 XIX. A aplicação do artigo 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra‑Ordenações 
 
 (RGCO) implica uma severa diminuição das garantias de defesa da arguida.
 XX. Por outro lado, impedir uma segunda análise da matéria de facto por um 
 Tribunal superior constitui também, e como já se aflorou, uma violação do 
 direito de acesso ao direito e do direito a um processo equitativo.
 XXI. Com efeito, a autoridade administrativa tem o privilégio de fixar 
 inicialmente os factos que considera relevantes para efeitos da aplicação de 
 uma coima.
 XXII. Posteriormente, em juízo, tem a arguida que se defender da acusação, 
 procurando contrariar o sentido da decisão, carreando novos factos e meios de 
 prova aos autos.
 XXIII. O juiz conhecerá dos factos em causa de acordo com a ponderação que faz 
 da prova produzida.
 XXIV. Sendo que essa é a única e a última oportunidade que a arguida tem para 
 suscitar a apreciação judicial da decisão da autoridade administrativa no que à 
 matéria de facto respeita.
 XXV. Ora, esta interpretação, quando aplicada aos processos da concorrência, em 
 que as multas atingem valores muito elevados, em muito superiores às multas 
 aplicadas no âmbito do Código Penal, não é consentânea com a Convenção Europeia 
 dos Direitos do Homem nem com o espírito presente no n.º 10 do artigo 32.º da 
 CRP.
 XXVI. Razão pela qual se deverá decidir que o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO, 
 quando aplicado aos processos de contra‑ordenação previstos na Lei da 
 Concorrência, é inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, 
 n.ºs 1 e 4, da CRP.
 Nestes termos, requer‑se sejam declaradas inconstitucionais as seguintes normas:
 
 ·                                                Artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 18/2003, de 11 de Junho, por violação dos artigos 212.º, n.º 3, e 211.º, n.º 1, 
 da CRP;
 
 ·                                                Artigo 1.º da Lei n.º 18/2003, 
 de 11 de Junho, por violação dos artigos 267.º, n.º 4, e 199.º, alínea d), da 
 CRP;
 
 ·                                                Artigos 17.º, 19.º e 22.º da 
 Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, por violação do preceituado no n.º 10 do 
 artigo 32.º e no n.º 2 do artigo 266.º, ambos da CRP;
 
 ·                                                Artigo 43.º da Lei n.º 18/2003, 
 de 11 de Junho, por violação do artigo 18.º da CRP;
 
 ·                                                Artigo 75.º do Regime Geral das 
 Contra‑Ordenações, por violação dos artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, e 32.º, n.º 1, da 
 CRP».
 
  
 
 7. O Ministério Público contra-alegou, da seguinte forma:
 
  
 
 «1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 O presente recurso vem interposto, pela ORDEM DOS MÉDICOS, do Acórdão, proferido 
 em matéria contraordenacional, pela Relação de Lisboa, a p. 443 e segs., 
 rejeitando a impugnação deduzida por aquela entidade.
 Concordando inteiramente com a delimitação do objecto do recurso, realizado pelo 
 douto despacho de p. 555, apenas se irá apreciar o mérito das questões elencadas 
 no requerimento de interposição do recurso, de p. 551, sob as alíneas a) e e).
 Ambas as questões de constitucionalidade, ali delineadas pela entidade 
 recorrente, se configuram como manifestamente improcedentes.
 Desde logo – e movendo-nos no âmbito do processo contraordenacional – é evidente 
 que não afronta a reserva material da jurisdição administrativa a circunstância 
 de o pleito estar cometido a um tribunal judicial (o Tribunal de Comércio de 
 Lisboa): na verdade, o Tribunal Constitucional tem interpretado com alguma 
 margem de flexibilidade o dito princípio constitucional, proclamado pelo artigo 
 
 214º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa (cf. v.g. o recente Acórdão 
 nº 211/07), nunca tendo originado qualquer dúvida a legitimidade de outorga de 
 competência aos tribunais judiciais para apreciarem a impugnação de decisões 
 administrativas sancionatórias com coima, tomadas pela competente autoridade.
 
 É, por outro lado, manifesto que o Tribunal competente para apreciar o objecto 
 da acção – no caso, a legalidade da decisão administrativa sancionatória – tem 
 naturalmente competência para, no âmbito do recurso contraordenacional, apreciar 
 todas as questões que incidentalmente se mostrem necessárias ao julgamento do 
 objecto da causa: não se trata, deste modo, e ao contrário do que sustenta a 
 recorrente, de atribuir aos tribunais judiciais competência para directamente 
 apreciarem a legalidade de regulamentos editados por uma Associação Pública – 
 mas antes e tão – somente de valorarem incidentalmente tal matéria, como 
 
 “questão prejudicial”, relativamente à dita – e impugnada – aplicação de uma 
 coima.
 Igualmente improcedente é a última questão de constitucionalidade suscitada em 
 sede de “direito ao recurso” sobre a matéria de facto – sendo manifesto que a 
 Lei Fundamental não impõe que o arguido goze, em processo contraordenacional, de 
 um novo grau de jurisdição, envolvendo a reapreciação da matéria de facto que já 
 foi reapreciada pelo tribunal de 1ª instância, na sequência do recurso 
 interposto da decisão administrativa (cf. Acórdão nº 73/07).
 
 2. Conclusão
 Nestes termos e pelo exposto conclui-se:
 
 1º
 O princípio constitucional da reserva material de jurisdição administrativa não 
 obsta a que os recursos em matéria contraordenacional sejam apreciados pelos 
 tribunais judiciais.
 
 2º
 Nenhum princípio constitucional impõe que, em processo contraordenacional, 
 esteja cometido à Relação o exercício de um duplo grau de jurisdição quanto à 
 matéria de facto, já devida e plenamente reapreciada pelo tribunal de 1ª 
 instância, na sequência do recurso da decisão sancionatória com coima.
 
 3º
 Termos em que deverá improceder o presente recurso».
 
  
 A Autoridade da Concorrência contra-alegou, concluindo, entre o mais, que:
 
  
 
 «A) Considerando os pressupostos de conhecimento do recurso pelo Tribunal 
 Constitucional elencados nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da 
 LTC, ressalta com clareza, no caso concreto, da simples leitura das alegações 
 da recorrente junto do Tribunal a quo, que as questões de constitucionalidade 
 colocadas nos pontos I, II e III das alegações a que ora se responde não foram 
 invocadas de forma a poderem ser sindicadas por este Venerando Tribunal.
 B) Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, 
 alínea b), da LTC, constitui seu pressuposto processual a colocação da questão 
 de constitucionalidade, durante o processo, de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, in casu, o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (cf. artigo 
 
 72.º, n.º 2, da LTC).
 C) In casu, e relativamente às segunda, terceira e quarta questões de 
 constitucionalidade que invoca (respeitantes, respectivamente, ao artigo 1.º, 
 aos artigos 17.º, 19.º e 22.º, e ao artigo 43.º, todos da Lei n.º 18/2003), a 
 recorrente não deu cumprimento a tal pressuposto essencial de conhecimento do 
 presente recurso pelo Venerando Tribunal Constitucional.
 D) Relativamente à segunda questão de constitucionalidade enunciada no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal ad quem, reportada ao 
 artigo 1.º da Lei n.º 18/2003, é manifesto que a recorrente, nas suas alegações 
 de recurso e respectivas conclusões junto do Tribunal a quo, não procedeu à 
 necessária individualização e indicação, concreta e inequívoca, da norma que 
 reputa de inconstitucional.
 E) E o mesmo se afirme quanto às terceira e quarta questões de 
 constitucionalidade (relativas, respectivamente, aos artigos 17.º, 19.º e 22.º 
 e ao artigo 43.º, todos da Lei n.º 18/2003) suscitadas no requerimento da 
 recorrente. Também a esse propósito, não dá a recorrente cumprimento a tal 
 pressuposto, neste caso por não ter identificado, com precisão, a interpretação 
 ou a dimensão normativa que tem por violadora da CRP.
 F) Especificamente no que concerne à terceira questão de constitucionalidade 
 suscitada, a recorrente, nos pontos 64.º a 88.º das suas alegações de recurso 
 para o Tribunal a quo e, bem assim, nos pontos XLI a XLIV das respectivas 
 conclusões, tece as mais variadas considerações sobre os regimes processual 
 penal e contra‑ordenacional e, bem assim, o regime processual constante da Lei 
 n.º 18/2003, relativo aos processos por infracção do direito da concorrência, 
 contrapondo‑os e comentando as respectivas diferenças, para concluir, sem mais, 
 pela inconstitucionalidade dos artigos 17.º, 19.º e 22.º da Lei n.º 18/2003. O 
 que a recorrente não faz – e impunha‑se que fizesse – é esclarecer qual a 
 interpretação que, no seu entender, atento o regime previsto nos identificados 
 artigos do CPP, determinaria a inconstitucionalidade daqueles preceitos da Lei 
 n.º 18/2003.
 G) Tal situação é determinante da impossibilidade de ser conhecida pelo Tribunal 
 ad quem a questão de constitucionalidade a que alude a recorrente no ponto III 
 das alegações a que ora se responde.
 H) Também no que concerne à quarta questão de constitucionalidade suscitada, é 
 patente a ausência de concreta enunciação da interpretação normativa que a 
 recorrente reputa inconstitucional nas suas alegações junto do Tribunal da 
 Relação de Lisboa. Assim sendo, cumpre necessariamente concluir não ter a 
 recorrente, também aqui, observado o pressuposto de conhecimento do recurso pelo 
 Venerando Tribunal Constitucional que impunha a identificação concreta e 
 precisa, junto do Tribunal a quo, do sentido ou da dimensão normativa que a 
 recorrente tem por violadora da Lei Fundamental.
 I) Assim, afigura‑se inequívoco não poder o Tribunal ad quem conhecer das 
 segunda, terceira e quarta questões de constitucionalidade suscitadas no 
 requerimento de interposição do presente recurso.
 J) Mesmo que assim não se entenda – o que não se concede e por mero dever de 
 patrocínio se concebe –, também por outra via sempre se imporia o não 
 conhecimento, pelo Venerando Tribunal Constitucional, das terceira e quarta 
 questões de constitucionalidade suscitadas pela ora recorrente.
 K) O legislador constituinte elegeu como elemento identificador do objecto 
 típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização de 
 constitucionalidade – maxime, no domínio da fiscalização concreta – o conceito 
 de norma jurídica, pelo que apenas as normas poderão ser objecto de sindicância 
 constitucional e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas.
 L) No que respeita à terceira questão de constitucionalidade suscitada nesta 
 sede, a recorrente configurou a questão em apreço, que agora reputa de 
 inconstitucionalidade normativa, como uma mera discordância com a decisão 
 adoptada pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, considerando, nessa sede, não que 
 as normas em causa eram inconstitucionais mas antes não concordando com a 
 aplicação que delas fez o identificado Tribunal.
 M) E o mesmo se afirme quanto à quarta questão de constitucionalidade suscitada 
 pela recorrente junto do Venerando Tribunal Constitucional, já que também aí a 
 recorrente, nas suas alegações e conclusões junto do Tribunal a quo, afirma 
 encontrar‑se perante uma inconstitucionalidade normativa (do artigo 43.º da Lei 
 n.º 18/2003), sendo que, na verdade, apenas discorre sobre a decisão que adoptou 
 o Tribunal de Comércio de Lisboa sobre o âmbito de aplicação do artigo 5.º do 
 Regulamento (CE) n.º 1/2003, do Conselho.
 N) A recorrente, precisamente quanto à quarta questão de constitucionalidade, 
 não indicou, sequer, qualquer norma ou interpretação como violadora da CRP, 
 limitando‑se a apontar a sua divergência face à decisão judicial recorrida, no 
 mero plano da aplicação da lei.
 O) Assim sendo, conclui‑se, inequivocamente, que o que vem impugnado pela 
 recorrente não são as normas constantes dos artigos 17.º, 19.º, 22.º e 43.º da 
 Lei n.º 18/2003, em si mesmas consideradas, mas antes a decisão judicial que as 
 aplicou, por via de um processo interpretativo que a recorrente reputa de 
 constitucionalmente proibido.
 P) Tais questões – por não respeitarem a inconstitucionalidades normativas, mas 
 antes a pretensas inconstitucionalidades da própria decisão judicial – excedem 
 os poderes de cognição do Tribunal Constitucional, uma vez que, entre nós, não 
 se encontra consagrado o denominado recurso de «amparo», designadamente na 
 modalidade do «amparo» face a decisões jurisdicionais directamente violadoras 
 da CRP.
 Q) Assim, considera‑se que as inconstitucionalidades invocadas nos pontos II, 
 III e IV das alegações da recorrente, por não preencherem os pressupostos 
 processuais do presente recurso, não devem ser conhecidas pelo Venerando 
 Tribunal ad quem, com as legais consequências.
 R) Não obstante o que se deixou dito acerca do conhecimento do recurso, e mesmo 
 que assim não se entenda – o que não se concede e por mero dever de patrocínio 
 se concebe –, sempre se impõe a conclusão de que carece integralmente de 
 fundamento a argumentação expendida nos capítulos I a V das alegações da ora 
 recorrente, não se verificando, pois, ao invés do que pretende a mesma 
 sustentar, qualquer das inconstitucionalidades que invoca.
 S) No que concerne à primeira das inconstitucionalidades suscitadas pela 
 recorrente – do artigo 50.º da Lei n.º 18/2003 face aos artigos 212.º, n.º 3, e 
 
 211.º, n.º 1, da CRP –, pela qual sustenta uma pretensa incompetência material 
 do Tribunal de Comércio de Lisboa para «apreciar a legalidade de normas 
 regulamentares emanadas da Ordem dos Médicos» (cf. ponto I das alegações da 
 recorrente), importará, desde logo, evidenciar o manifesto equívoco em que 
 incorre a recorrente, maxime, ao partir de um pressuposto manifestamente 
 erróneo.
 T) A questão objecto de sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa e, 
 posteriormente, de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não pode 
 confundir‑se com qualquer decisão da Ordem dos Médicos ou declaração de 
 nulidade de um artigo do respectivo Código Deontológico que se encontra já 
 revogado. Tal questão é, tão‑somente, a de saber se a recorrente infringiu ou 
 não o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2003 e 81.º, n.º 1, do TCE, 
 nos termos decididos pela AdC.
 U) A própria Lei Fundamental reconhece autonomia ao direito contra‑ordenacional 
 ou de mera ordenação social face aos demais ramos de direito, maxime, o direito 
 administrativo. Tal é o que decorre do artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da CRP.
 V) É no âmbito de tal previsão e consagração constitucional que se inserem os 
 poderes sancionatórios e competências conferidas à AdC em sede de direito de 
 mera ordenação social.
 
 W) Cumpre salientar que este ramo do direito, o de mera ordenação social, não 
 poderá, em caso algum, confundir‑se com o direito administrativo nem, tão‑pouco, 
 poderão os actos e práticas por aquele abrangidos ser configurados como 
 
 «relações jurídicas administrativas». É que o direito de mera ordenação social 
 foi concebido para ser aplicado pelas autoridades administrativas, e não pelo 
 poder judicial, sendo que tal não significa que o mesmo se reconduza ao direito 
 administrativo.
 X) In casu, a decisão da AdC foi adoptada no âmbito de um processo 
 contra‑ordenacional, do qual a mesma foi incumbida pelos seus Estatutos, da Lei 
 n.º 18/2003 e, bem assim, do próprio texto constitucional.
 
 Y) Encontrando‑se o direito de mera ordenação constitucionalmente previsto e 
 tendo o legislador ordinário estabelecido expressamente, nesse âmbito, a 
 competência do Tribunal de Comércio de Lisboa para julgar as impugnações das 
 decisões da AdC em sede de processos contra‑ordenacionais, nunca poderia tal 
 previsão – a constante do artigo 50.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho – ser 
 julgada violadora do disposto nos artigos 212.º, n.º 3, e 211.º, n.º 1, da CRP, 
 ao invés do que pretende a recorrente sustentar.
 Z) Resulta, pois, de forma inequívoca, e ao invés do que sustenta a recorrente, 
 ser o douto Tribunal de Comércio de Lisboa o tribunal competente para apreciar 
 os presentes autos, não consubstanciando tal apreciação qualquer violação dos 
 artigos 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da CRP, carecendo, assim, de fundamento a 
 pretensão de inconstitucionalidade do artigo 50.º da Lei n.º 18/2003 alegada 
 pela recorrente no ponto I das suas alegações.
 
 (…)
 
 YY) No que concerne, igualmente, ao alegado pela recorrente no ponto V das suas 
 alegações, carece integralmente de fundamento a pretensa inconstitucionalidade 
 do artigo 75.º do RGCO face aos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
 ZZ) Se no processo em apreço nos encontramos no âmbito do direito de mera 
 ordenação social, e não do direito penal, o que sempre determinaria uma 
 interpretação adaptada da norma constitucional invocada pela recorrente, 
 impõe‑se evidenciar que o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO mais do que acautela tal 
 previsão constitucional ao prever não uma mas duas instâncias de recurso, ainda 
 que uma delas limitada ao conhecimento da matéria de direito.
 AAA) Não faz qualquer sentido a invocação da inexistência, in casu, de um duplo 
 grau de jurisdição, independentemente de nos encontrarmos no âmbito do processo 
 contra‑ordenacional ou penal, já que, efectivamente, a recorrente beneficiou já 
 de tal duplo grau, ao recorrer da decisão da AdC para o Tribunal de Comércio de 
 Lisboa e, consequentemente, da sentença proferida por esse Tribunal, para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa.
 BBB) É evidente que as garantias de defesa do arguido, incluindo a hipótese de 
 recurso a que alude o invocado preceito constitucional, se encontram 
 especificamente acauteladas pelo disposto no artigo 75.º do RGCO e, note‑se, em 
 grau garantisticamente superior ao que sempre resultaria da letra e ratio do 
 artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental e, bem assim, da constante prática 
 decisória do Venerando Tribunal Constitucional.
 CCC) Mas ainda que assim não se entendesse, sempre haveria que ater a 
 interpretação dos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP aos seus 
 precisos termos, maxime, à luz das inegáveis diferenças entre o processo penal 
 e o processo contra‑ordenacional, incluindo o referente a infracções 
 jusconcorrenciais, diferenciação essa que impõe tratamento constitucional 
 diverso a um e outro tipo de processos.
 DDD) Não podem equiparar‑se, para os presentes efeitos, os processos 
 sancionatórios em sede jusconcorrencial – pelo valor das coimas aplicadas ou em 
 virtude de uma pretensa diferença de ressonância ética face à natureza do 
 direito contra‑ordenacional – aos processos de natureza penal, já que, como se 
 afigura por demais evidente, nenhum sentido fará aplicar as mesmas garantias de 
 defesa e, bem assim, os mesmos graus – ou âmbito material – de recurso, em sede 
 de processo penal – o qual poderá cominar com uma sanção privativa da liberdade 
 ou com a aplicação de uma multa – e em sede de processo contra‑ordenacional por 
 violação das normas jusconcorrenciais constantes da Lei n.º 18/2003 – no âmbito 
 do qual a AdC apenas poderá aplicar uma coima ao arguido.
 EEE) Tais situações não são, de todo em todo, comparáveis, assim se 
 justificando que o RGCO, no seu artigo 75.º, n.º 1, não preveja a apreciação do 
 recurso do arguido relativamente à matéria de facto pelo Tribunal da Relação.
 FFF) Assim, afigura‑se inequívoco não enfermar o artigo 75.º, n.º 1, do RGCO de 
 qualquer inconstitucionalidade, sendo, pois, compatível com as normas 
 constitucionais constantes dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 10, e 20.º, n.ºs 1 e 4, 
 pelo que, também aqui, improcederá, necessariamente, a pretensão da recorrente.
 Nestes termos,
 
             deve julgar‑se integralmente improcedente o presente recurso e, em 
 consequência:
 
       a) Não conhecer das inconstitucionalidades invocas em 2.º, 3.º e 4.º 
 lugar, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, 
 da LTC;
 
       b) Não julgar inconstitucional a norma que resulta da interpretação do 
 artigo 50.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, segundo a qual o Tribunal de 
 Comércio de Lisboa é competente para apreciar as decisões da Autoridade da 
 Concorrência, por violação dos artigos 212.º, n.º 3, e 211.º, n.º 1, da CRP; e
 
       c) Não julgar inconstitucional a norma que resulta da aplicação do artigo 
 
 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra‑Ordenações aos processos de 
 contra‑ordenação previstos na Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho, por violação dos 
 artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP».
 
  
 
 8. Os presentes autos foram redistribuídos em Setembro de 2009, por o relator 
 ter cessado funções neste Tribunal. 
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 
 
 70º da LTC para apreciação:
 a) Do artigo 50º da Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, enquanto atribuiu 
 competência ao Tribunal de Comércio de Lisboa para apreciar a conduta de uma 
 associação pública;
 b) Do artigo 1º da Lei nº 18/2003, na interpretação segundo a qual as Ordens 
 Profissionais e, em particular, a Ordem dos Médicos, estão sujeitas ao direito 
 nacional da concorrência;
 c) Dos artigos 17º, 19º e 22º da Lei n.º 18/2003, quando interpretados no 
 sentido de não ser aplicável aos processos contra‑ordenacionais abertos no 
 
 âmbito da Lei da Concorrência o disposto nos artigos 39º e 40º do Código de 
 Processo Penal;
 d) Do artigo 43º da Lei nº 18/2003, na interpretação segundo a qual este 
 normativo, ao fazer uma remissão directa para o Regulamento CE nº 1/2003, 
 confere à Autoridade da Concorrência o poder de aplicar coimas pela violação do 
 artigo 81º do Tratado da Comunidade Europeia; e 
 e) Do artigo 75º do Regime Geral da Contra-ordenações, enquanto limita o recurso 
 em 2ª instância à matéria de direito.
 
  
 
 2. De acordo com o disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da 
 LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que 
 apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. 
 Se, por um lado, um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) 
 do nº 1 do artigo 70º é a suscitação prévia e de forma adequada, perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade 
 cuja apreciação é requerida a este Tribunal, por outro, identifica-se o conceito 
 de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de 
 constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais 
 podem constituir objecto de tal recurso (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 
 
 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Quer se trate da norma na 
 sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, desde 
 que a interpretação definida não seja afinal um caso de abuso ou ficção do 
 conceito de interpretação normativa, apenas com o objectivo de forjar 
 artificialmente uma norma sindicável pelo Tribunal Constitucional (sobre isto, 
 Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3, p. 8).
 
 2.1. A recorrente requer a apreciação do artigo 1º da Lei nº 18/2003, na 
 interpretação segundo a qual as Ordens Profissionais e, em particular, a Ordem 
 dos Médicos, estão sujeitas ao direito nacional da concorrência. 
 Na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa não foi 
 questionada a constitucionalidade de qualquer norma reportada ao artigo 1º 
 daquele diploma legal (cf. nºs 20 a 49 e conclusões XV a XXX), não se podendo 
 dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de 
 inconstitucionalidade. Consequentemente há que concluir, nesta parte, pelo não 
 conhecimento do objecto do recurso.
 
 2.2. A Ordem dos Médicos requer também a apreciação dos artigos 17º, 19º e 22º 
 da Lei nº 18/2003, quando interpretados no sentido de não ser aplicável aos 
 processos contra‑ordenacionais abertos no âmbito da Lei da Concorrência o 
 disposto nos artigos 39º e 40º do Código de Processo Penal. 
 Da motivação do recurso que deu origem à decisão recorrida (cf. nºs 64 a 88 e 
 conclusões XLI a XLIV), daquele enunciado e do teor daqueles artigos da Lei nº 
 
 18/2003 decorre que aquilo que a recorrente questiona verdadeiramente é a 
 sentença do Tribunal de Comércio, imputando-lhe a violação dos artigos 39º e 40º 
 do Código de Processo Penal, bem como a dos artigos 32º, nº 10, e 266º, nº 2, da 
 Constituição. Assim sendo, há que concluir, também nesta parte, pelo não 
 conhecimento do objecto do recurso. 
 
 2.3. A recorrente requer ainda a apreciação do artigo 43º da Lei nº 18/2003, na 
 interpretação segundo a qual este normativo, ao fazer uma remissão directa para 
 o Regulamento CE nº 1/2003, confere à Autoridade da Concorrência o poder de 
 aplicar coimas pela violação do artigo 81º do Tratado da Comunidade Europeia.
 Na motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação (cf. nºs 89 a 94 e 
 conclusões XLV a LII), resulta que a recorrente acusa o Tribunal de Comércio de 
 violar o artigo 18º da Constituição, por ter decidido como decidiu. A 
 circunstância de a Ordem dos Médicos ter questionado a constitucionalidade de 
 uma decisão judicial (e não de uma norma), obsta ao conhecimento do recurso na 
 parte que se refere àquele artigo da Lei nº 18/2003. 
 
  
 
 3. Por se verificarem os requisitos do recurso interposto no que respeita aos 
 artigos 50º da Lei nº 18/2003 e 75º do Regime Geral das Contra-ordenações, 
 importa, nesta parte, apreciar as questões de constitucionalidade postas a este 
 Tribunal.
 
 3.1. A Ordem dos Médicos requer a apreciação do artigo 50º da Lei nº 18/2003, 
 enquanto atribui competência ao Tribunal de Comércio de Lisboa para apreciar a 
 conduta de uma associação pública.
 O artigo 50º, nº 1, daquela Lei dispõe o seguinte:
 
  
 
 «Das decisões proferidas pela Autoridade que determinem a aplicação de coimas ou 
 de outras sanções previstas na lei cabe recurso para o Tribunal de Comércio de 
 Lisboa, com efeito suspensivo».
 
  
 A recorrente requer esta apreciação invocando os artigos 212º, nº 3, e 211º, nº 
 
 1, da Constituição. Face à reserva constitucional da jurisdição administrativa, 
 questiona a constitucionalidade de norma que, em matéria de direito 
 administrativo, atribui competência ao Tribunal de Comércio de Lisboa. 
 A questão de saber qual é, afinal, o alcance da reserva constitucional da 
 jurisdição administrativa tem sido respondida na jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional. Seguindo o Acórdão do nº 211/2007 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), é de concluir que:
 
  
 
 «Desta jurisprudência ressalta o entendimento, várias vezes sublinhado, de que a 
 introdução, pela revisão constitucional de 1989, no então artigo 214.º, n.º 3, 
 da Constituição, da definição do âmbito material da jurisdição administrativa, 
 não visou estabelecer uma reserva absoluta, quer no sentido de exclusiva, quer 
 no sentido de excludente, de atribuição a tal jurisdição da competência para o 
 julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e 
 fiscais. O preceito constitucional não impôs que todos estes litígios fossem 
 conhecidos pela jurisdição administrativa (com total exclusão da possibilidade 
 de atribuição de alguns deles à jurisdição “comum”), nem impôs que esta 
 jurisdição apenas pudesse conhecer desses litígios (com absoluta proibição de 
 pontual confiança à jurisdição administrativa do conhecimento de litígios 
 emergentes de relações não administrativas), sendo constitucionalmente 
 admissíveis desvios num sentido ou noutro, desde que materialmente fundados e 
 insusceptíveis de descaracterizar o núcleo essencial de cada uma das 
 jurisdições».
 
  
 Nos presentes autos está em causa a norma que atribui competência a um tribunal 
 judicial para conhecer de recurso interposto de decisão da Autoridade da 
 Concorrência que aplica coima e sanção acessória contraordenacional à Ordem dos 
 Médicos. Ora, não pode concluir-se que esta atribuição de competência seja 
 desprovida de justificação. 
 No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 522/2008 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) lê-se que:
 
  
 
 «Na verdade, a opção legislativa, com longa tradição entre nós, de manter o 
 contencioso das contra-ordenações excluído da jurisdição administrativa foi 
 assumida na discussão que antecedeu a recente reforma do contencioso 
 administrativo e a redefinição do respectivo âmbito da jurisdição, de que veio a 
 resultar o actual artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais 
 
 (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e alterado, por último, pela 
 Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho). Como justificação para esta opção, 
 invocaram-se as insuficiências de que padece a rede de tribunais administrativos 
 
 (mesmo após a reforma), incapaz de dar a adequada resposta, sem o risco de gerar 
 disfuncionalidades no sistema (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL/ MÁRIO AROSO DE 
 ALMEIDA, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, Coimbra, 2002, 
 
 24).
 Por último, sendo inegável a natureza administrativa (…) do processo de 
 contra-ordenação e das situações jurídicas que lhe estão subjacentes, a verdade 
 
 é que o processo contra-ordenacional, pelo menos na fase judicial, está gizado à 
 imagem do processo penal (cfr. artigos 41.º e 59.º e s., maxime, 62.º e s., do 
 RGCO, e artigo 52.º Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que estabelece o regime 
 aplicável às contra-ordenações ambientais). Neste contexto, em que coexistem 
 matérias administrativas com modelos processuais penalistas, a “remissão” para 
 os tribunais judiciais das impugnações judiciais no âmbito de processos de 
 contra-ordenação (ambiental) não se afigura atentatória do figurino típico que a 
 Constituição quis consagrar quanto ao âmbito material da justiça 
 administrativa».
 
  
 Impõe-se, por conseguinte, negar provimento ao recurso interposto na parte que 
 se reporta ao artigo 50º da Lei nº 18/2003.
 
 3.2. A recorrente requer ainda a apreciação do artigo 75º do Regime Geral da 
 Contra-ordenações, enquanto limita o recurso em 2ª instância à matéria de 
 direito.
 No nº 1 desta disposição legal determina-se o seguinte:
 
  
 
 «Se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da 
 matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões».
 
  
 A Ordem dos Médicos requer a apreciação daquela norma face ao disposto nos 
 artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nº 1, da Constituição. Está em causa a 
 inexistência de um duplo grau de recurso em matéria de facto em processo 
 contraordenacional.
 Este Tribunal tem entendido que a Constituição não impõe o duplo grau de recurso 
 em matéria de facto (cf., entre muitos outros, os Acórdãos nºs 573/98, 189/2001 
 e 73/2007, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), pelo que, reiterando 
 este entendimento, há que negar provimento ao recurso interposto na parte que se 
 reporta ao artigo 75º do Regime Geral da Contra-ordenações.
 
  
 III. Decisão
 Em face do exposto, decide-se:
 a) Não tomar conhecimento do objecto do presente recurso, na parte que se refere 
 
 às questões reportadas aos artigos 1º, 17º, 19º e 22º e 43º da Lei nº 18/2003; 
 b) Negar provimento ao recurso na parte que dele se conhece.
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 3 de Dezembro de 2009
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 José Borges Soeiro
 Rui Manuel Moura Ramos